Horrível é o neoliberalismo:
contra o desemprego e em defesa
dos investimentos públicos
Alan dos Santos é Professor da UNIMES. Mestre em Filosofia Política
e doutorando em Educação, Artes e História da Cultura
Para o presidente eleito Jair Bolsonaro, o desmonte da CLT e da rede de proteção social faz-se necessário para o estabelecimento do neoliberalismo – razão governamental do capitalismo contemporâneo – em nosso país. O presidente mostra-se sensível para as proto-necessidades dos grandes empresários, mas sequer visualiza a precarização que tanto afeta e prejudica a força de trabalho no Brasil.
O capitalismo é indissociável da história de suas metamorfoses, de seus descarrilhamentos, das lutas que o transformam, das estratégias que o renovam. O neoliberalismo transformou profundamente o capitalismo, transformando profundamente as sociedades.
Nesse sentido, o neoliberalismo não é apenas uma ideologia, um tipo de política econômica. É um sistema normativo que ampliou a sua influência ao mundo inteiro, estendendo a lógica do capital a todas as relações sociais e a todas as esferas da vida.
Pierre Dardot e Christian Laval
Diagnóstico político dos índices de desemprego no Brasil
Se a expectativa de queda do desemprego na América Latina é de certo modo positiva, como aponta a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o mesmo não pode ser dito sobre o Brasil, que acabou de eleger um presidente conservador nos costumes e neoliberal na economia, ou seja, totalmente vinculado ao espectro político da direita.
O problema do desemprego em nosso país é de ordem estrutural. A conjuntura política dos últimos três anos – governo Temer e início de governo Bolsonaro – tem agravado a situação, com a aprovação da Reforma Trabalhista, que desmontou intencionalmente a CLT e o código do trabalho civilizado no Brasil, legalizando atividades laborais em condições análogas à escravidão, e com a expectativa por parte do governo em aprovar ainda no primeiro semestre de 2019 a famigerada Reforma da Previdência, tão aclamada pelos empresários por mudar a forma de arrecadação e contribuição, que prevê o desmonte da seguridade social pública sem findar com os privilégios dos militares e da alta cúpula do poder judiciário – a base política do governo Bolsonaro -, quem de fato desestabiliza as finanças da previdência social.
Segundo a OIT, as taxas de desemprego cairão em 2019 e 2020 no Brasil, mas de modo extremamente lento. A organização aponta ainda que o país corre o risco de ter de esperar por anos para ver os índices de desemprego retornarem para os níveis registrados antes da recessão econômica, em 2014. Se a promessa do golpe parlamentar operado de modo vil pelo MDB (então PMDB) de Temer, em 2016, era o da retomada rápida do emprego, a estratégia política dos mdbistas falhou. Cortaram os direitos dos trabalhadores em nome da geração de emprego, mas os empregos não vieram e os direitos se foram. No final de 2018, o índice de desemprego alcançou 12,5% da população. Embora o governo Temer tenha gasto verbas públicas com propagandas televisivas para promover o legado da Reforma Trabalhista, o fato concreto é que a taxa de desemprego no Brasil não diminuiu nos últimos dois anos. Pelo contrário, vivenciamos um crescimento significativo do trabalho informal (leia-se precarizado), aonde acordos privados sobressaem-se sobre os acordos coletivos. Não haveria a necessidade de suprimir a importância dos acordos coletivos, promovidos pelos sindicatos, se não fosse para legalizar condições de trabalho desprotegidas pela legislação da CLT.
As ações políticas da equipe de Temer colaboraram decisivamente para o desmonte da CLT. O governo Bolsonaro, ao que tudo indica, dará continuidade aos cortes de investimentos – gastos públicos, no linguajar do governo. Quem pagará a conta será a classe trabalhadora, como sempre nesse país. Assim como fez Temer, Bolsonaro submeterá o Estado brasileiro aos ditames e necessidades do mercado. Haverá esforço político para a promoção do neoliberalismo. Sempre há muita política envolvida nas decisões econômicas – conforme nos ensinou o filósofo italiano neomarxista Giorgio Agamben, economia (oikonomia) é antes de mais um dispositivo de “governo dos homens”. No fundo, o que se viu no país nos últimos anos foi o Estado, mais uma vez, operando em prol do mercado – deste mercado que tanto renega a função social do Estado; que vê o Estado como uma pedra no caminho para o desenvolvimento do neoliberalismo. É sempre importante lembrar que liberalismo é capitalismo, ou seja, acúmulo de capital nas mãos de poucos; a ideia de que o liberalismo (neoliberalismo) defende o “princípio da liberdade” é pura balela ideológica, conversa para criança.
De acordo com a OIT, a queda na taxa de desemprego está ligada à recuperação da economia nacional. Em 2018, apesar dos ataques contínuos ao trabalho em favor do Capital, a economia cresceu apenas 0,7%. A perspectiva da entidade, entretanto, é de que o crescimento seja de 2,4% em 2019 – uma expectativa estranha porque bastante otimista.
Em números absolutos, para sermos objetivos, o total de brasileiros desempregados passou de 13,5 milhões de pessoas em 2017 para 13,3 milhões ao final de 2018. Uma diminuição modestíssima. Para 2019, a expectativa é de que o número total de desempregados seja 13,1 milhões, com a possibilidade de alcançar 12,7 milhões, em 2020. Continuaremos, por um longo tempo, com uma taxa de desemprego com dois dígitos.
Em suma, o desemprego no Brasil é um tema político de maior importância. A precarização do trabalho afeta a sociedade como um todo. E não vemos esforços no atual governo para reverter a situação de maneira satisfatória para a classe trabalhadora, quem de fato produz riqueza nesse sofrido país em desenvolvimento.
Bolsonaro e Guedes: pelo capitalismo, contra o trabalho
Em reunião com a bancada do MDB – partido símbolo do fisiologismo nacional -, o presidente eleito Jair Bolsonaro se pronunciou deste modo: “Quero cumprimentar quem votou na reforma trabalhista. Devemos aprofundar isso daí. É horrível ser patrão no Brasil com essa legislação que está aí”. Essa afirmação atabalhoada revela a carga ideológica presente na plataforma político-econômica do governo eleito: vale tudo para defender ou mesmo promover o neoliberalismo em seu aspecto mais selvagem e agressivo. Em resposta, dizemos ao presidente Bolsonaro: horrível é ser empregado e vender a força de trabalho para a classe patronal e dominante – para não dizer racista e homofóbica -, que está aí. Em suma, horrível é estar desempregado; horrível mesmo é o neoliberalismo. O presidente Bolsonaro não teve a oportunidade de ouvir uma resposta como essa, pois seu disparate foi direcionado aos deputados e senadores do MDB – partido que, uma vez no poder executivo, apresentou a proposta de uma reforma que modificou mais de 100 itens da Consolidação das Leis do Trabalho, sem que nenhum deles beneficiasse o empregado, isto é, a força de trabalho.
Tão logo assumiu a presidência, uma das primeiras medidas de Bolsonaro foi extinguir o Ministério do Trabalho, mostrando que o seu governo, em economia, seria uma continuação radical da plataforma de Temer. Aliás, parte da equipe econômica de Temer fora mantida por Bolsonaro e Guedes. Num país continental como o Brasil, que entre outras vergonhas e desalentos registra casos de trabalho análogos à escravidão – herança da reforma trabalhista elogiada por Bolsonaro -, além de ter uma Bélgica (12 milhões) de desempregados, extinguir o Ministério do Trabalho é um disparate imperdoável pela classe trabalhadora.
Não obstante a reforma trabalhista, a Reforma da Previdência virá em breve; as esquerdas e a oposição em geral precisam iniciar a organização da resistência desde já para não sermos atropelados por mais essa avalanche neoliberal. Do neoliberalismo não se pode esperar nada de frutífero para os trabalhadores, a experiência história nos mostra isso muito claramente.
Programa Levanta Brasil – proposta de saída da crise
O PSOL – Partido Socialismo e Liberdade, através da equipe de campanha de Guilherme Boulos à presidência, elaborou o Programa Levanta Brasil, um conjunto de medidas que visavam combater o desemprego e reverter a situação da crise econômica sem agredir os direitos mínimos da classe trabalhadora. De modo bastante resumido, o programa consistia no seguinte pacote de medidas:
1. Ouvir a população para identificar as necessidades populares mais urgentes e priorizar as demandas advindas do povo trabalhador, a camada da população que mais usufrui dos serviços públicos.
2. Renegociar as dívidas dos estados com a União, exigindo como contrapartida obras públicas de interesse popular.
3. Concentrar o investimento público com as principais necessidades da população.
3.1. Para funcionar, os investimentos devem ser feitos de forma contínua e atendendo às principais necessidades da população: saneamento básico, transporte, moradia, educação e saúde.
3.2. Aprofundar a transparência e o controle social de setores estratégicos da economia.
Se esses passos fossem feitos da maneira correta, daria para gerar 6 milhões de empregos em 2 anos. Nenhum país se recuperou de crises econômicas sem um aprofundamento de investimentos públicos, por mais contraditório que isso pareça. A ideia, portanto, é a de investir em serviços públicos fundamentais que possam gerar empregos, além de ofertar serviços de qualidade para a população. Boulos chamou isso durante a campanha de “infraestrutura social”. Deste modo, o Estado geraria emprego, investiria na sociedade e fortaleceria a rede de proteção social estabelecida pela Constituição de 1988.
Os empregos gerados devem ser de qualidade, nada de repassar o recurso para empresas gigantes e corruptas. A recuperação econômica se dá por mais atividade econômica. A proposta é a de aumentar a demanda agregada da economia a partir do investimento público em infraestrutura social. Isso gerará mais consumo por parte da população. Aumentando o consumo, faz-se que com os investidores produzam mais. Com mais consumo e produção, volta para o Estado uma maior arrecadação, equilibrando nas contas públicas o investimento inicial feito pelo Estado.
Esse programa serviria à 99% da população brasileira! Quando as obras ficassem prontas, ter-se-ia mais direitos, serviços públicos e maior qualidade de vida para todos e todas. Em suma, acreditamos que a saída da crise econômica e a geração de empregos dão-se pelo fortalecimento (e isto é diferente de aumento) do Estado Social, e não com a submissão do Estado ao mercado, este é o ponto.
Submetidos ao julgo de Bolsonaro e Guedes, traçaremos outro percurso para a superação da crise. A fórmula é conhecida: diminuição salarial, precarização do trabalho, terceirização, ataque aos direitos e por aí vai. A lista de ataques é longa. Tivemos que ouvir atônitos que teremos de escolher entre ter emprego e não ter direitos ou ter direitos e não ter emprego. É desse modo que o atual governo entende o funcionamento da sociedade: deve-se avançar sobre os direitos dos trabalhadores em defesa dos capitalistas…
Pois é, camaradas: horrível mesmo é esse tal de neoliberalismo!
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