“A gente precisa compreender o
tamanho da importância da
Amazônia para o povo brasileiro”,
diz líder Ashaninka Francisco Pianko
O Superior Tribunal Federal (STF) julgaria, ontem, 28, a ação do Povo Ashaninka, da Terra Indígena “Kampa do Rio Amônia”, localizada no Acre, contra extração ilegal de madeira por um grupo empresarial de Cruzeiro do Sul, porém a matéria foi tirada de pauta. A ação civil pública com pedido de reparação por dano ambiental foi ajuizada pelo Ministério Público Federal em 1996.
Os Ashaninka, localizados no interior do estado do Acre, no norte do Brasil, têm uma longa história de luta, repelindo invasores desde a época do Império Incaico até a economia extrativista da borracha do século XIX e, particularmente, combatendo a exploração madeireira desde 1980. Povo orgulhoso de sua cultura, movido por um sentimento agudo de liberdade, prontos a morrer para defender seu território, os Ashaninka não são simples objetos da história ocidental. É admirável sua capacidade de conciliar costumes e valores tradicionais com ideias e práticas do mundo dos brancos, tais como aquelas ligadas à sustentabilidade socioambiental.
O presidente da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco e membro da executiva nacional do PSOL, Francisvaldo Mendes, conversou um pouco com o líder Ashaninka, Francisco Pianko, para entender o caso e a importância de uma vitória na justiça para a garantia de direitos e da preservação da vida não só dos Ashaninkas, mas de todos os brasileiros.
Francisvaldo Mendes salientou que o PSOL, a fundação e todos os instrumentos, militantes e parlamentares estarão sempre ao lado da luta dos povos indígenas e “não soltarão a mão do povo Ashaninka nessa luta contra as madeireiras”.

Confira a entrevista:
Francisvaldo Mendes – Pianko, o que está sendo julgado aqui no STF?
Francisco Pianko – Está sendo julgado um processo de uma invasão do nosso território que se iniciou em 1981 e foi até 1997. Entraram no nosso território e tiraram bastante das nossas terras, das nossas madeiras. E esse processo segue se arrastando até hoje. Mas é importante saber que isso não se trata só da questão Ashaninka. Está se falando, agora, num contexto muito mais amplo porque o impacto dessa decisão vai se refletir para uma algo maior, para a questão amazônica, para a questão do Brasil. Não vamos parar de lutar por isso.
Francisvaldo Mendes – Quem foi que tomou essas terras? E qual a dimensão dessa terra?
Francisco Pianko – Nosso território tem 87 mil hectares e, praticamente, 80% do território foi devastado por madeireiros. Nós fizemos uma denúncia e essa denúncia se transformou numa Ação Civil Pública. E essa ação se torna algo bem simbólico, porque toda nossa história foi baseada na proteção [da natureza] e o que está sendo julgado agora é que se nós estávamos certos ou errados. Então, esse julgamento é muito importante.
Francisvaldo Mendes – Vocês têm alguma esperança? Há uma “luz no fim do túnel” com esse julgamento no Supremo?
Francisco Pianko – A gente sempre acreditou na justiça. Tanto é que vieram nos procurar para buscar uma negociação com os invasores, mas a gente nunca aceitou porque não nos interessa só a indenização, nossa questão é bem maior, é a garantia de direitos que está em jogo. Se a justiça entende que o nosso direito é importante, nós vamos ter uma vida tranquila, segura. Uma indenização, hoje, representa a gente investir na recuperação, mas isso por si só não é o mais importante. O que importa é que isso nunca mais aconteça no nosso território e em outros territórios.
Francisvaldo Mendes – Em caso de vitória, quão representativo você acha que é para o Brasil? Já que estamos num momento de ataque aos direitos?
Francisco Pianko – Eu acredito que vai ser um marco importante. Vai mexer muito com as nossas vidas. Nós temos dúvidas de até onde o nosso direito está garantido. Então o Supremo julgar e falar assim “os Ashaninka estão certos”, reflete na vida de todo mundo. E nós temos esperança de que ali tem uma decisão que leva em conta o que estão na Constituição Federal. Não é uma decisão negociada para beneficiar outros interesses. Para nós é importante diretamente, mas indiretamente é importante para todos com uma decisão favorável aos Ashaninkas.
Francisvaldo Mendes – Você quer dar algum recado para o povo brasileiro?
Francisco Pianko – A gente precisa compreender o tamanho da importância da Amazônia para o povo brasileiro. É importante, também, levar em conta que de maneira isolada a gente não tem força para enfrentar. Sofremos muitas agressões. É muita violência. Tem muito gente querendo acabar com a Amazônia, destruir a floresta, destruir os povos. Hoje, estamos num cenário bastante assustador: de questionar se os índios devem continuar existindo ou não. Se os territórios indígenas devem continuar existindo ou não. Nós estamos aqui para contribuir para avançar, pra sustentabilidade e o desenvolvimento a partir desses valores e das diferenças.
Assista o vídeo:
Entenda o caso
Em 1996, a A Associação Ashaninka do Rio Amônia (Apiwtxa) denunciou à justiça brasileira os donos das empresas madeireiras responsáveis pela devastação de parte de seu território na década de 1980 em ação ajuizada pelo Ministério Público Federal do Acre. A Ação Civil Pública de indenização por atos ilícitos, danos morais e ambientais, cometidos pelos donos das madeireiras contra o povo Ashaninka se arrasta há mais de trinta anos no sistema judiciário brasileiro.
Os réus foram condenados em primeira instância na Justiça Federal do Acre, em segunda instância no Tribunal Regional da 1ª Região em Brasília e, também, no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Assim, em 2007, os ministros do STJ condenaram por unanimidade os réus ao pagamento de uma indenização milionária aos Ashaninka e à União.
Conheça a luta do povo Ashaninka
Contudo, a decisão do STJ não pôs fim ao processo. Diante de uma nova derrota, os réus usaram manobras jurídicas e apelaram ao STF onde o processo está desde 2011.
Em seu recurso ao STF, a família Cameli e seus advogados alegam a prescrição do dano ambiental, cuja imprescritibilidade já foi reconhecida pelo STJ. Assim, mesmo derrotados em todas as instâncias, os réus continuam omitindo suas responsabilidades e protelando a decisão judicial. Agora, conseguiram, no STF, mais tempo para não cumprir o que determinou a Justiça.
Em 25 de agosto de 2017, o ministro Alexandre de Moraes, relator do processo no STF, decidiu, num primeiro momento, rejeitar o recurso dos réus, impondo mais uma derrota aos madeireiros.
Porém, em 9 de maio de 2018, alguns meses após sua primeira decisão, o mesmo ministro, numa atitude surpreendente, reconsiderou seu posicionamento e revogou sua própria decisão sem explicar os fundamentos de tal mudança. Ao agir dessa forma, Moraes deu início à discussão no STF para decidir se há imprescritibilidade dos danos ambientais cometidos pelos réus.
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