Mesa Estadual de Diálogo e Negociação do Estado de Minas Gerais (MG): histórico de criação, funcionamento e perspectivas

Mesa Estadual de Diálogo e Negociação
do Estado de Minas Gerais (MG): histórico de
criação, funcionamento e perspectivas

  • Andreia de Jesus – Deputada Estadual em Minas Gerais (PSOL) e Advogada Popular. 
  • Bella Gonçalves – Vereadora em Belo Horizonte (PSOL) e cientista política.
  • Luiz Fernando Vasconcelos – Advogado Popular, militante das Brigadas Populares e assessor da Deputada Andreia de Jesus
  • Rafael Bittencourt – Sociólogo, militante das Brigadas Populares e assessor da Deputada Andreia de Jesus

Terra para plantar e casa para morar não são caso de política e sim de políticas sociais, por isso os conflitos sociofundiários devem esgotar as possibilidades de diálogo e mediação com ativo envolvimento dos poderes públicos e sociedade civil. Essa é o acúmulo de entendimento que os movimentos sociais e setores avançados do Sistema de Justiça e do Poder Executivo estabeleceram nos últimos anos a “Mesa Estadual de Diálogo e Negociação Permanente com Ocupações Urbanas e Rurais e outros grupos envolvidos em conflitos socioambientais e fundiários” em Minas Gerais.

A Mesa de Diálogo foi instituída por meio do Decreto nº 203, de 1º de Julho de 2015, com alterações feitas pelo Decreto nº 520, de 28 de Setembro de 2016, do então Governador de Minas Gerais – Fernando Pimentel (PT) – com o objetivo inicial de mediar e solucionar conflitos fundiários de luta pela terra e pela moradia, em todo o estado de Minas Gerais.

A Mesa de Diálogo foi um importante espaço de mediação de conflitos fundiários, criado via Decreto do Poder Executivo. Ocorre que, não podemos deixar que se esqueça, esse instrumento não foi concebido e implantado por mera vontade do Governo Estadual. Ao contrário disso, houve muita luta e muita pressão popular para que fosse aberto algum canal de diálogo entre as/os sem-teto, moradoras/res de ocupação e movimentos sociais com a institucionalidade.

Assim, faz-se necessário relembrar fatos importantes do histórico de luta do povo, que acabou por desencadear o estabelecimento da Mesa Estadual de Diálogos:

Em 2014, as ocupações urbanas de Minas Gerais realizaram vários atos de resistência e de repúdio aos despejos e às ameaças de reintegrações de posse. Cumpre lembrar que, no dia 24 de setembro de 2014, período pré-eleitoral, foi realizado um grande ato pelo “#DespejoZero”, em Minas Gerais, organizado pelas Brigadas Populares, pela Comissão Pastoral da Terra (CPT-MG), pelo Movimento de Luta nos Bairros e Favelas (MLB) e pelo Movimento Luta Popular, além de mais de dez ocupações urbanas da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). O mote da ação era a rejeição e a denúncia das remoções injustas e violentas que vinham acontecendo no Estado contra o povo pobre que formam as/os sem-teto e as/os moradores de ocupações. Buscava-se, ainda, tendo em vista a proximidade das eleições, forçar a celebração de algum compromisso por parte do novo governo estadual contra os despejos forçados que estavam sendo realizados sem qualquer alternativa digna de moradia àquelas populações. (Ver nota aqui: https://brigadaspopulares.org.br/manifesto-despejo-zero-em-mg/).

No dia 10 de março de 2015, aconteceu na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o seminário “Conflitos Fundiários em Minas Gerais e o direito à cidade”, o qual reuniu diversos setores da sociedade civil, grupos de pesquisa e extensão universitária, movimentos sociais, rede de apoio das ocupações e outros atores, para opinarem sobre os contornos normativos da planejada Mesa de Diálogo.

No dia 18 de março de 2015, aconteceu um ato nacional intitulado “Periferia Ocupa a Cidade! Reforma Urbana de Verdade!” realizado pela Resistência Urbana – Frente Nacional de Movimentos. Tal ato polarizou com o ato em favor do impeachment da presidenta Dilma Rousseff realizado no dia 15 de março e com o ato puxado pelo até então campo governista no dia 13 do mesmo mês.  Foram realizados, ao todo, 22 trancamentos de importantes rodovias, em 7 estados do país. Uma das reivindicações foi que as comunidades e movimentos sociais deveriam ser tratados como caso de política pública e não de polícia pelos governos e pelo Poder Judiciário, além de defender a suspensão de todos os despejos e urbanização das áreas ocupadas, garantindo o pleno acesso aos bens e serviços públicos essenciais para o exercício do direito à cidade. (Ver nota aqui: https://brigadaspopulares.org.br/ato-nacional-periferia-ocupa-a-cidade-reforma-urbana-de-verdade/ )

Só em Minas Gerais ocorreram 9 trancamentos, 6 em Belo Horizonte e 3 em Uberlândia. Nesta cidade 3 rodovias foram interditadas pelo Fórum das Ocupações Urbanas, que reúne mais de 20 comunidades e 12 mil famílias. Na RMBH, o fluxo da Linha Verde foi interrompido em dois pontos distintos, assim também o foi no Anel Rodoviário, ademais de trancamentos da Via do Minério, no Barreiro, e da BR 040, em Contagem. Em solidariedade, estudantes da UFMG fecharam a Av. Antônio Carlos, na porta da Universidade. Tais ações foram articuladas pelas Brigadas Populares, MLB, CPT-MG, Luta Popular e Frente Terra e Autonomia (FTA). (Ver nota aqui: https://brigadaspopulares.org.br/o-brasil-parou-sobre-o-ato-nacional-periferia-ocupa-a-cidade-reforma-urbana-de-verdade/).

Em julho de 2015, então, após pressão popular, mobilização social autônoma de movimentos, de organizações políticas e pelo apoio de uma ampla rede de atores que atuam na luta pelo direito à terra, à moradia e à cidade em MG, conseguiu-se a publicação do Decreto nº 203/2015, que  instituiu a Mesa de Diálogo. Entre 2015 e 2018 mais de 300 (trezentos) conflitos fundiários passaram pela Mesa de Diálogo abarcando uma diversidade de movimentos sociais e diversos sujeitos como indígenas, quilombolas, sem-teto, sem-terra, povos tradicionais envolvendo conflitos urbanos, rurais e socioambientais.

Um dos casos mais emblemáticos da Mesa de Diálogo foi a resolução do conflito das ocupações da Izidora (Rosa Leão, Esperança e Vitória), que reúnem mais de 8.000 famílias, garantindo-se a segurança da posse para 70% do território. Ver nota aqui. Também o encaminhamento para acordo de resolução do conflito envolvendo os indígenas Kiriri e a Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG), bem como o acesso à políticas públicas para a Comunidade Quilombola do Córrego Mestre.

A cultura da mediação de conflitos fundiários se contrapõe à constituição de um sistema de justiça e de um Estado racista, patriarcal e patrimonialista. A mediação de conflitos coletivos possibilita que outras vozes surjam e se façam ouvidas de maneira que a função social da posse e da propriedade, a vida cotidiana das comunidades, sua luta e sua resistência apareçam na gestão do conflito e que a visão autoritária e garantidora da propriedade absoluta, acima dos direitos fundamentais, não seja a única tônica.

Importante realçar que a Mesa de diálogo encontra um limite se ela não é atrelada a um Programa de Regularização Fundiária a ser constituído com a participação dos movimentos sociais e sociedade civil em geral e pelos órgãos Estaduais pertinentes. A resolução de conflitos envolvendo comunidades deve contar com a participação ativa do Poder Público e ser orientada pela regularização fundiária dos territórios bem como no acesso a direitos. Para isso deve haver um banco de terras para permuta, um corpo técnico para aplicação dos instrumentos de regularização fundiária previstos no ordenamento jurídico, um fundo financeiro e uma atuação intersetorial entre os órgãos públicos no sentido de garantir a efetividade dos direitos humanos.

A Mesa de Diálogo está inoperante desde o início da gestão do Governador Romeu Zema (Novo) e despejos forçados, com uso de violência e força policial estão acontecendo no Estado em desrespeito à legislação internacional e a procedimentos internos da própria PM.

Na esfera do Governo Federal o autoritarismo fascista está instalado haja vista o Decreto 9759-2019 que extingue os Conselhos Colegiados de Participação Popular – que visavam ampliar a esfera de diálogo entre o poder instituído e a sociedade civil. O Governo atual em Minas Gerais, na mesma linha, esvaziou a experiência da Mesa de Diálogo em Minas Gerais que apontava para a tentativa de aumentar a esfera de participação popular na resolução de conflitos fundiários de diversas matizes. Os casos que aportaram nesse instrumento envolveram indígenas (Etnia Tuxá, Pataxó Geru Tunã, Pataxó Hã-Hã-Hãe, Xucuru Cariri), quilombolas (Comunidade Quilombola Vargem do Inhaí, Comunidade Quilombola Mata dos Criolos, Quilombo de Praia, Quilombo da Lapinha, Comunidade Quilombola de Raiz, Comunidade Quilombola de Peixe Bravo, Comunidade Quilombola das Comunidades Nativas do Arapuim), Povos Tradicionais (Comunidade de apanhadores de sempre-vivas, Comunidade Pesqueira Artesanal de Canabrava, Comunidade de Gerazeiras, Comunidades Veredeiras, Comunidades Vanzanteiras), ciganos (Calon) e até mesmo uma colônia de Hansenianos.

No dia 11 de abril aconteceu uma audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), convocada pela Deputada Andreia de Jesus (PSOL), em que a posição do Poder Executivo foi de afirmar que a Mesa de Diálogo estava em reformulação e não será extinta, mas em mais de três meses de governo não houve sequer uma reunião de mediação de conflitos fundiários.

A Mesa de Diálogo é um mecanismo importante para elevar o tratamento dos conflitos coletivos possessórios urbanos e rurais buscando enfrentar a violência manifesta no cumprimento de ordens de reintegração de posse, mas é um instrumento que deve ser utilizado a partir da luta coletiva das comunidades envolvidas e através da construção do Poder Popular – força diretiva da criação de novas sociabilidades e responsável pela efetividade de direitos humanos.

Reconhecemos a importância da Mesa de Diálogo, mas sabemos que a democracia participativa e institucional encontra limites sendo que somente uma democracia com Poder Popular, territorializada, partilhada pelo cotidiano comunitário, focada na autonomia dos sujeitos coletivos, será capaz de construir uma nova realidade.

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