A crise deságua na multidão
de trabalhadores e trabalhadoras
Por Francisvaldo Mendes, presidente da FLCMF
É comum ler e ouvir pessoas chamadas de analistas da política afirmarem que o coronavírus jogou o Brasil em uma crise. A crise já era pré-existente, e envolve várias pontas do Estado e da sociedade e pesa sua maior consequência nas pessoas que vivem da venda da força de trabalho. E, principalmente, as que moram nas periferias, que são as que já sofrem o maior impacto da exploração que essa sociedade impõe a todos e todas. Essas pessoas com dificuldade de morar, se transportar, de cuidar das doenças da família, colocar comidas na mesa, sempre receberam o maior impacto da crise e atualmente serão, como sempre, os mais atingidos.
O vírus não escolhe classes, grupos sociais e territórios. Porém quem joga o vírus cada vez mais perto dos moradores da periferia são os que controlam o sistema de poder. Não são quaisquer pessoas, são as comprometidas com o capitalismo como projeto político, como a maioria da Câmara e o presidente atual.
Uma demonstração desse descompasso é a aprovação da MP 905 de 2019, que cria o contrato de trabalho verde e amarelo. No meio de uma pandemia a aprovação desta Medida Provisória vai na contra mão de tudo que seria necessário. Quando se deveria, nesse momento, taxar os grandes lucros e os grandes milionários do Brasil, se faz o contrário. Diminui-se os contratos formais de trabalho, e para além disso, a MP congela 13ª salario, retira direito as férias, desonera os patrões, retira conquistas dos trabalhadores, e despreza, por completo, os conceitos de aposentadoria e seguridade.
Seja qual for a medida de urgência, nenhuma será realmente urgente, sem um investimento econômico real para salvar a vida das pessoas que mais precisam. Essas pessoas são as que não tem casas, são as que possuem dificuldades de conseguir medicamentos essenciais para sobreviver. São as que não tem acesso à água, assim como às mercadorias básicas para higiene, que aparentam inalcançáveis em suas vidas. O impacto do descaso dos governantes recairá sempre nas pessoas mais empobrecidas pelo sistema, e segue assim essa pratica vivida pelo país, imposta pelo parlamento, executivo e judiciário.
Essa é a hora de concentrar em salvar vidas, frases repetidas por todos os políticos formais do Estado, a grande maioria eleitos pelas pessoas. Mas para que salvar vidas tenha a dimensão necessária do fardo que pesa no tempo atual é necessário mais do que focar as ações contra um ou outro poder do Estado ou de parcelas ou dimensões do Estado. Somente bravatas de Governadores e Deputados não preservam vidas, muito menos cria as condições para superar a crise de consequências sanitárias, políticas e econômicas pelo qual passa hoje o país.
E se o COVID-19 trouxe para o Brasil e para o mundo esse cenário, não é dele a responsabilidade pelas escolhas e opções de enfrentamento. Os organizadores do Estado são os responsáveis, ou, melhor os irresponsáveis pelo tipo de enfrentamento que está se realizando. Mesmo com suspiros de defesa mínimas de alguns governos, as instituições precisam, no século XXI, em um “Estado de Direito” como gostam de afirmar, apresentar soluções nas quais saúde e vida sejam defendidas de forma assertiva e inquestionáveis.
Pequenos passos, como designar prazos indeterminados para as receitas de medicamentos, ainda que importantes, se desmantelam na impossibilidade das pessoas adquirirem os medicamentos por falta de recursos. Aprovações de rendas básicas de 600 reais por pessoa, ainda que seja um suspiro de alento frente a essa situação, não chega próximo da seguridade necessária que as pessoas precisam nesse momento de exceção. Um momento verdadeiro de exceção no qual vivemos, precisa de ações também verdadeiras que o momento demanda e tais ações não podem diminuir direitos, diminuir salários, acabar com contratos, ao contrário, precisa taxar os grandes lucros. Isso sim é uma medida real de exceção no capitalismo, que pode demonstrar a importância da vida.
O enfrentamento sério que poderia se construir, apontando para a destruição do capitalismo, está na organização de um Estado que garanta uma renda mínima para todos os cidadãos quebrando a estrutura que sempre garante ganhos aos donos dos meios de produção e socializando a riqueza produzida por todos e todas na sociedade.
É uma ilusão considerar que exista algum membro da classe dominante com maior ou menor equilíbrio em momentos como esse. Essa visão mantem a estrutura que sempre garante ganhos aos donos e leva o enfraquecimento dos setores populares para o enfrentamento necessário hoje e para o amanhã.
Os setores democráticos e populares precisam se aproximar da maioria, de todas as pessoas que vivem da venda da força de trabalho para que sejam também, maioria política. E tal movimento exige formação, incentivo ao estudo e mobilizações de solidariedade que defendam a vida. Acumular forças, em tempos atuais, é muito difícil, não há dúvidas, mas somente em ações que ampliem a consciência e a solidariedade podemos avançar na defesa do hoje e de um amanhã com traços que possam defender a vida.
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