A reforma tributária que o Brasil precisa

A reforma tributária que o Brasil precisa

Texto de Odilon Guedes*

Apesar de os meios de comunicação alardearem que a carga tributária brasileira é muito alta, a afirmação representa uma meia verdade. Há muito imposto para os pobres e pouca cobrança para os ricos. Essa situação – diversa dos países europeus e mesmo dos EUA – impede o Estado brasileiro de cumprir plenamente sua função social, de aumentar e melhorar os serviços públicos e de promover a justiça social.

Uma das propostas fundamentais a ser debatida na eleição para presidente da República é a reforma tributária. Isso, porque o Brasil possui uma das mais injustas estruturas fiscais na qual a população de baixa renda e a classe média, sobretudo, pagam mais impostos, proporcionalmente, que o 1% mais rico da população.

Nesse contexto é importante lembrar que, segundo estudos da ONG Oxfam, seis brasileiros concentram a mesma riqueza que os 100 milhões de habitantes – ou 50% – mais pobres do país.

Estudos do IPEA já identificaram há anos essa injustiça, ao mostrar que as pessoas que ganham dois salários mínimos comprometem 53,9% da renda com pagamento de tributos e as que ganhavam mais de 30 salários, totalizam 29% na modalidade. Esse fato se dá porque a maior parte dos tributos é indireta e recai sobre o consumo, penalizando na mesma proporção quem ganha dois, trinta ou trezentos salários mínimos – uma enorme injustiça.

O imposto nos produtos

Exemplo disso é que ao comprar uma televisão que custa R$ 2 mil, independentemente, de quanto é o salário ou a renda, o cidadão pagará 45% desse valor em tributos indiretos que vão para os cofres públicos. Um trabalhador que ganha R$ 1 mil ao comprar essa televisão pagará R$ 900,00 de tributos, isto é, 90% de seu salário e uma pessoa que ganha R$ 50 mil e compra a mesma televisão pagará os mesmos R$ 900,00 o que significa 1,8% de seu rendimento. Essa injustiça se repete e ocorre na compra de roupas, sapatos, alimentos ou qualquer produto em nosso país.

A reforma que interessa a esmagadora maioria do povo brasileiro precisa acabar com essas distorções e fazer justiça. Ao apontarmos para uma reforma tributária que atenda a esse objetivo, usaremos como referência a proposta que foi apresentada pelo Sindicato dos Economistas no Estado de São Paulo, e que já tem o apoio de vinte entidades da sociedade civil dentre as quais a Comissão Justiça e Paz de São Paulo, a Associação de Docentes da USP e da Universidade Federal do ABC, a Intersindical e a UGT.

Em favor da baixa renda

Propomos a redução dos impostos indiretos, o que favorecerá, principalmente, os cidadãos de baixa renda. Isso ocorrerá porque as empresas terão reduzidos os tributos que devem pagar ao Estado o que diminuirá seus custos. Essa diminuição de custos deverá ser repassada aos preços dos produtos, aumentando indiretamente a renda dos consumidores e servirá ainda como vetor de combate à inflação. Em relação aos tributos indiretos, salientamos que tratamento especial deve ser dado a CSLL e a COFINS que foram criados para financiar o Sistema de Seguridade Social (Art. 195 da Constituição Federal – CF).

A perda de receitas será compensada pelo aumento dos tributos diretos, principalmente, sobre o 1% mais rico da população. Essa medida é necessária por permitir a manutenção da capacidade de investimento do Estado brasileiro, principalmente nas áreas de educação e saúde. Ressalta-se que 83% dos estudantes antes de entrarem na universidade frequentam escolas públicas e cerca de 160 milhões de brasileiros não têm plano de saúde, todos dependendo da ação do Estado. Além de educação e saúde, investimentos devem ser feitos nas áreas de pesquisa/tecnologia, infraestrutura, cultura e outras. Essa proposta, além de justa, tem como referência o que ocorre nos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico-OCD, tais como Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos, nos quais os tributos diretos pesam mais que os indiretos.

Propomos a redução dos impostos indiretos, o que favorecerá, principalmente, aos cidadãos de baixa renda. As empresas terão reduzidos os tributos que devem pagar ao Estado, o que diminuirá seus custos. A perda de receita será compensada pelo aumento dos tributos diretos, principalmente, sobre o 1% mais rico da população

Imposto de Renda

Em relação ao imposto de renda propomos a isenção para quem ganha o equivalente ao salário mínimo definido pelo DIEESE (Art. 7 item IV da CF), que em abril de 2018 era de R$ 3.696,95. A partir desse patamar, a proposta é aumentar as alíquotas em 8% até chegar ao limite de 40%. Hoje, a alíquota máxima no Brasil é de 27,5% tanto para quem ganha R$ 5 mil ou R$ 50mil.

A mudança acarretará uma diminuição fiscal para os assalariados de menor renda e para uma parcela da classe média. A compensação virá do aumento de alíquotas sobre as rendas maiores. Nesse quadro propomos ainda a volta da cobrança sobre a distribuição de lucros e dividendos. Por incrível que pareça só o Brasil e a Estônia não têm esse tipo de tributação, extinta durante o governo FHC.

Um exemplo de como é possível aumentar a arrecadação sobre a parcela dos mais ricos foi explicitado em artigo (FSP 16/04/2018) elaborado pelo professor da FEA/USP, Paulo Feldmann. Segundo ele, se houver um aumento da alíquota efetiva de 6% para 9% para aqueles que têm renda mensal maior que R$ 160 mil, o que abrange 60 mil contribuintes, haverá uma arrecadação de R$ 186 bilhões por ano.

Em termos comparativos destacamos algumas alíquotas máximas em outros países: Suécia 56,5%; Inglaterra 50%; Portugal 46,5%; México 30%; Argentina 35%; e Chile 40%.

É necessário lembrar que entre 1983 e 1985 o Brasil teve 13 alíquotas de Imposto de renda, que variavam de 0% a 60%.

Taxação sobre Herança

Em relação ao imposto sobre herança, lembramos que ele está definido no Art. 155 da Constituição Federal, porém é um tributo de competência estadual. Por sua vez, a resolução de número 09/92 do Senado Federal estabeleceu um teto de 8%. Hoje, no estado de São Paulo, ele é de 4%. Aqui, destacamos mais um dos absurdos que ocorrem em nosso país. Uma resolução do Senado vale mais que um artigo da Constituição, esta, por sua vez, aponta que os Estados devem definir o quanto será a alíquota desse imposto, cuja resolução limita a 8%.

Apesar de o setor agropecuário representar cerca de 10% do PIB brasileiro, a arrecadação do ITR durante todo o ano de 2017, em todo Brasil, foi menor que dois meses de arrecadação do IPTU na cidade de São Paulo

Esse imposto deve ser progressivo, pesando menos para as menores heranças e mais para as maiores, até o limite de 30%. O imposto sobre herança deve ser federal.

Na Inglaterra, essa modalidade tem mais de 300 anos. O conservador primeiro ministro inglês da época da II Guerra Mundial, Winston Churchill, dizia que “este imposto é muito bom para evitar ricos indolentes”.
Alguns exemplos sobre as alíquotas desse tributo em outros países: Inglaterra 40%; França 32,5%; Japão 30% e Chile 13%.

Imposto sobre a Propriedade

A respeito do imposto sobre a propriedade destacamos em especial o Imposto Territorial Rural-ITR que é auto declaratório, como o imposto de renda.

Apesar de o setor agropecuário representar cerca de 10% do PIB brasileiro, a arrecadação do ITR durante todo o ano de 2017, em todo Brasil, foi menor que dois meses de arrecadação do IPTU na cidade de São Paulo. Isso significa que o agronegócio, os grandes fazendeiros não pagam praticamente nada de imposto sobre suas propriedades.

O Estado deve fazer uma fiscalização tão rigorosa na declaração desse imposto, como é feita em relação à declaração do imposto de renda. e as alíquotas precisam ser atualizadas e recalculadas em sua progressividade.

Imposto sobre Grandes Fortunas

Em relação ao imposto sobre grandes fortunas destacamos o que está definido no Artigo 153 da CF: “Compete a União instituir impostos sobre grandes fortunas, que será instituído nos termos de lei complementar (Item VII)”. Essa lei complementar não foi regulamentada até hoje, 30 anos após a aprovação da Constituição.


Propomos:

– A regulamentação da Lei do Imposto sobre Grandes Fortunas-IGF.
– Que a Receita Federal informe o valor do patrimônio das pessoas por faixa de renda.
– Que as alíquotas aplicadas sejam progressivas.
A proposta visa deslocar parcela do estoque de riqueza acumulado nas mãos do setor extremamente rico da sociedade e aumentar a capacidade de investimento do Estado, principalmente nas áreas sociais.

Transparência das Contas Públicas

A reforma tributária precisará ser acompanhada da total transparência das contas públicas, o que será de enorme importância para o presidente da República que tiver interesse em desenvolver a cidadania e combater a corrupção.
Nesse sentido, além de seguir o que está definido nos Artigos 48, 48 A – itens incluídos pela Lei Complementar 131/2009 – e Artigo 49 da Lei de Responsabilidade Fiscal, será fundamental implantar todas as medidas necessárias para dar transparência e ampla divulgação do orçamento público e de sua execução. Nesse documento está registrada toda a arrecadação e toda a despesa do Estado.

Apesar de o setor agropecuário representar cerca de 10% do PIB brasileiro, a arrecadação do ITR durante todo o ano de 2017, em todo Brasil, foi menor que dois meses de arrecadação do IPTU na cidade de São Paulo

Além de estarem nos sites do governo, os dados do orçamento precisam ser colocados de forma impressa e visível nas salas dos órgãos públicos, onde a população tem acesso. Sindicatos de trabalhadores e de empresários devem ter acesso a tais dados, bem como os movimentos sociais organizados, ONGs, Conselhos de Saúde, Educação, Transporte e outros.

Uma reforma tributária com todas essas características possibilitará avançarmos no caminho da cidadania e da qualidade de vida em nosso país.

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*Economista, mestre em Economia pela PUC/SP. Foi Presidente do Sindicato dos Economistas no Estado de São Paulo, vereador e subprefeito na cidade de São Paulo. Autor do livro Orçamento Público e Cidadania (Editora Livraria da Física)

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