Autor: Redação Lauro Campos

  • “Gosto do cinema político que alcança um público amplo”, comenta Silvio Tendler

    “Gosto do cinema político que alcança um público amplo”, comenta Silvio Tendler

    “Gosto do cinema político que alcança um público amplo”, comenta Silvio Tendler

    Com 50 anos de carreira, Silvio Tendler decidiu disponibilizar toda sua obra cinematográfica gratuitamente na internet. “Se não ganho dinheiro, pelo menos meus filmes são vistos”, comenta com ironia o diretor de Jango. Trabalhando com movimentos populares, Tendler se torna cada vez mais engajado nas lutas do dia a dia do povo

    Por Andrea Penna

    Silvio Tendler se tornou nacionalmente conhecido por ter dirigido o filme definitivo sobre o golpe de 1964. Lançado em plena ebulição do movimento pelas Diretas Já, em 1984, Jango lotou salas pelo país e é hoje disponibilizado gratuitamente no YouTube, como toda a obra do diretor.

    “Estamos num momento político muito ruim no Brasil. O país está numa penúria total. Lula e Dilma deixaram um arcabouço de cultura montado, funcionando. Existe o espaço para a arte. Não existe esse espaço nas salas de cinema que foram moldadas pelo neoliberalismo”

    Com a maior parte dos personagens centrais da trama ainda vivos, Tendler realizou uma das obras capitais para o entendimento do nó histórico representado pela chegada dos militares ao poder.

    Aos 69 anos e com uma carreira de mais de cinco décadas, Tendler construiu uma obra coerente, de alta qualidade e que não foge da polêmica.

    Em 2018, lançou Dedo na Ferida, documentário que trata “do fim do Estado de bem-estar social e da interrupção dos sonhos de uma vida melhor para todos”, em um cenário no qual a lógica homicida do capital financeiro inviabiliza qualquer alternativa de justiça social. Colecionador de mais de 60 prêmios, esse carioca inquieto concedeu a seguinte entrevista a Socialismo e Liberdade.


    Quem é Silvio Tendler

    Licenciado em História pela Universidade de Paris VII, mestre em Cinema e História pela École des Hautes-Études/Sorbonne, em Paris, e especializado em cinema documental aplicado às Ciências Sociais no Museu Guimet. Sílvio Tendler iniciou a trajetória no movimento cineclubista dos anos 1960. O primeiro filme foi um documentário sobre a Revolta da Chibata (1968). Tendler realizou mais de 50 filmes, entre curtas, médios e longas-metragens. Nos últimos anos, tem produzido películas junto ao movimento popular e disponibilizado trabalhos gratuitamente no YouTube.


    Andrea Penna – Você sempre fez política no cinema?
    Silvio Tendler – Eu gosto muito do cinema político que consegue alcançar um público amplo. Dedo na ferida veio dentro de uma série que estou fazendo ligada aos movimentos sociais. Fiz Privatizações, a distopia do capital (2014) e Dedo na ferida com o pessoal do Sindicato dos Engenheiros do Rio e da Fisenge (Federação Interestadual dos Sindicatos dos Engenheiros). Com outros movimentos sociais fiz O veneno está na mesa 1 (2011), O veneno está na mesa 2 (2014) e Agricultura tamanho família (2014). Tenho trabalhado em um cinema ligado às lutas sociais de forma mais direta.

    Andrea Penna – Como surgiu a ideia de fazer o Dedo na ferida?
    Silvio Tendler – A ideia é discutir o problema da financeirização da vida, em que acaba o capitalismo produtivo e nasce o capitalismo financeiro especulativo, que não produz nada. Ele faz uma transferência cotidiana de renda dos mais pobres para os mais ricos. Busco mostrar que com a vitória do pensamento único não existe o contraditório. Resolvi mostrar como o sistema financeiro prejudica o desenvolvimento humano, econômico e social.

    Andrea Penna – E você faz isso por meio de uma narrativa dinâmica.
    Silvio Tendler – Não adiantava fazer um filme-tese em que falasse só de economia. Era preciso mostrar as consequências da financerização no cotidiano das pessoas. Há entrevistas com economistas muito importantes, como Paulo Nogueira Batista, Guilherme Melo, Laura Carvalho Ladislau Dawbor, Yanis Varufakis (ex-ministro grego), Costa Gavras (cineasta) e outros. E aí eu peguei, como contraponto, o Anderson, um podólogo que trabalha todo dia em Copacabana e mora a quase 3 horas de distância, em Japeri, cidade com o menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do estado do Rio de Janeiro. E desse contraponto, nasce o Dedo na Ferida.

    “Meus filmes são produções públicas. Viralizo-os pela internet. Já que não dão dinheiro, pelo menos são assistidos. Tenho conseguido público nesses esquemas alternativos. A obra artística só existe se houver um olhar que a admire”

    Andrea Penna – Como você vence a barreira da distribuição?
    Silvio Tendler – Levei o Dedo na Ferida no Brasil inteiro. Foi lançado em cinema, ficou em cartaz sete semanas, o que é um recorde no país para esse tipo de filme. O mais importante é que está atingindo os mais variados públicos. Tenho conseguido passar para estudantes secundaristas (ensino médio), tanto no cinema como em escolas públicas e particulares, assim como em universidades.

    Andrea Penna – Você participou da escola de cinema em Cuba. Como foi essa experiência?
    Silvio Tendler – Nos anos 1980, fui admitido no Comitê dos Cineastas da America Latina, impulsionados pelo estado Cubano. Na época havia recursos. Ainda existia a URSS que apoiava muito Fidel Castro, incentivado por Gabriel Garcia Márquez, e resolveu fazer uma escola de cinema. O Comitê se transformou em Fundación del Nuevo Cine Latino-americano. Fundaram a Escola de Cinema, da qual faço parte. Ela tem um grande impacto na América Latina e criou espaço para muitos jovens que queriam fazer cinema, mas não tinham meios.

    Cena de “Dedo na ferida” (2018), filme que aborda a influência que a especulação financeira e a agiotagem tem na vida das pessoas e nas políticas de Estado

    Andrea Penna – Como você está vendo o quadro da cultura hoje no Brasil e, particularmente, a situação do cinema?
    Silvio Tendler – Nós estamos num momento político muito ruim no Brasil. O país está numa penúria total. Lula e Dilma deixaram um arcabouço de cultura montado, funcionando. Existe o espaço para a arte, mas não existe nas salas de cinema que foram moldadas pelo neo-liberalismo, pelo processo de globalitarismo dos anos 90. Mudaram-nas da rua para dentro dos shoppings, acabaram com as salas nas cidades do interior. Cidades que não têm shoppings dificilmente têm salas de cinema. O que prevalece hoje na exibição cinematográfica são os filmes de entretenimento. Não tenho nada contra o entretenimento. Sempre tivemos espaço para tal, também para o neo-realismo italiano, para a nouvelle vague francesa, para o cinema novo brasileiro. E esses espaços praticamente acabaram. Então, hoje, ver um filme político em sala de cinema é muito complicado. Está tudo dominado, loteado. Então temos de criar novas formas de comunicação.

    Andrea Penna – O que o levou a disponibilizar sua obra gratuitamente na internet?
    Silvio Tendler – Meus filmes são produções públicas. Viralizo-os pela internet. Já que não dão dinheiro, pelo menos são assistidos. Tenho conseguido público nesses esquemas alternativos. A obra artística só existe se houver um olhar que a admire, caso contrário não existe obra. Tenho conseguido isso, por meio dessas estratégias alternativas. Está funcionando muito bem.

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  • O colapso da Nova República e o espectro da ditadura

    O colapso da Nova República e o espectro da ditadura

    O colapso da Nova República
    e o espectro da ditadura

    A vitória eleitoral de uma candidatura que se apresentava claramente como antidemocrática manifestou o inequívoco repúdio dos eleitores aos partidos da ordem – PSDB, MDB e PT à frente. A eleição de um candidato da extrema direita, com um programa que defende abertamente a violência política como solução para os problemas nacionais, marcou a falência definitiva da Nova República

    Por Plínio de Arruda Sampaio Jr.

    A ascensão de uma direita que coloca abertamente a violência como solução para os problemas políticos é consequência direta da resposta regressiva e autoritária da burguesia à polarização da luta de classes provocada pelo impacto devastador da crise capitalista sobre as classes trabalhadoras. Trata-se de um fenômeno mundial.

    No Brasil, as tendências autoritárias manifestam-se de maneira particularmente primitiva. Sem projeto nacional para enfrentar os desafios de um momento histórico adverso, a burguesia submete-se docilmente à “solução americana”, cuja essência reside no rebaixamento da posição da economia brasileira na divisão internacional do trabalho e o consequente rebaixamento do nível tradicional de vida dos trabalhadores

    No Brasil, as tendências autoritárias manifestam-se de maneira particularmente primitiva. Sem projeto nacional para enfrentar os desafios de um momento histórico adverso, a burguesia submete-se docilmente à “solução americana”, cuja essência reside no rebaixamento da posição da economia brasileira na divisão internacional do trabalho e o consequente rebaixamento do nível tradicional de vida dos trabalhadores. O novo padrão de acumulação solapa as bases da democracia de cooptação cristalizada na transição da ditadura militar para o Estado de direito.

    Ricos e pobres

    Enquanto o crescimento da economia alimentou a expectativa de melhoria social, as terríveis contradições de uma sociedade brutalmente cindida entre ricos e pobres foram ignoradas e empurradas para frente. A esperança de dias melhores funcionava como um apaziguador da luta de classes.

    Entretanto, assim que a expansão econômica cessou, vieram à tona os gigantescos antagonismos de uma sociedade subdesenvolvida e dependente que ao longo de sua história não resolveu nenhum de seus problemas históricos. O fim do espaço de acomodação dos antagonismos sociais pela expansão da renda, do emprego e das políticas públicas obrigou o Estado a exacerbar a repressão contra as classes subalternas. O ataque às liberdades democráticas tornou-se generalizado: guerra aberta aos pobres como forma de militarização da ordem pública; criminalização dos movimentos sociais como meio de intimidação do protesto social; cruzada moralista como expediente de desmoralização da política; crescente judicialização da política como recurso autoritário para esvaziar a soberania popular; e ofensiva ideológica liberal e anticomunista como estratégia para naturalizar o status quo.

    O ocaso da Nova República

    As contradições latentes na acanhada democracia da Nova República converteram-se em antagonismos abertos nas Jornadas de Junho de 2013.

    Frustrados com o mesquinho “melhorismo” dos governos petistas, os jovens que tomaram as ruas cobraram dos governantes as promessas vazias da Constituição de 1988. Posta contra a parede por um Estado de mal estar social que corria o risco de fugir ao controle e premida pela necessidade de dar uma resposta à crise econômica, a burguesia assumiu sem rodeios seu caráter autocrático e antissocial e partiu para a ofensiva contra os trabalhadores.

    Para as classes subalternas, a deficiência da Nova República manifesta-se no caráter impermeável do Estado brasileiro às demandas da população. A convicção de que “todos os políticos são iguais” decorre da constatação prática de que, no final das contas, os imperativos do capital sempre acabam prevalecendo. Para as classes dominantes, é o oposto. A crise política reflete a impossibilidade de conciliar as exigências dos negócios – “ordem e progresso” – com o respeito às regras do jogo democrático. Os de cima enxergam as aspirações da classe trabalhadora como uma ameaça a seus privilégios e assumem sem disfarce seu caráter despótico.

    A resposta reacionária da burguesia à crise da democracia de baixa intensidade que substituiu a ditadura militar não pode ser dissociada do afã de recompor a qualquer custo a taxa de lucro e abrir frente de acumulação para o capital.

    Especialização regressiva

    O ajuste neoliberal aprofundou a especialização regressiva da economia brasileira na divisão internacional do trabalho. A retomada do crescimento da renda ficou condicionada à retirada de direitos trabalhistas e à maior precarização das condições de trabalho. O aprofundamento da liberalização comercial acelerou a reprimarização da economia, aprofundando a desarticulação do sistema econômico nacional. O avanço da liberalização financeira, da privatização do patrimônio público e da desregulamentação da economia levou ao paroxismo o desmanche dos centros internos de decisão, deixando o Estados nacional desarmado para enfrentar uma situação particularmente difícil. A revitalização do agronegócio e do extrativismo mineral como principais frentes de acumulação de capital potencializou a devastação ambiental.

    Além de agir diretamente sobre a consciência da classe trabalhadora, o capital investe sistematicamente contra as migalhas democráticas existentes nos interstícios de uma estrutura de poder que, na realidade, há tempos já funciona como um verdadeiro Estado de Exceção. Na concepção de uma burguesia que não superou o espírito despótico do senhor de escravo, os direitos adquiridos dos trabalhadores não podem se sobrepor às exigências dos negócio

    O acirramento do conflito social decretou a falência dos governos de conciliação de classes, evidenciando a necessidade de um padrão de dominação burguês à altura das barbaridades exigidas pelos imperativos do capital – rebaixamento substancial do nível tradicional de vida dos trabalhadores; esvaziamento progressivo da soberania nacional, intensificação da devastação ambiental e ataque implacável às liberdades democráticas.

    Assim como a abolição da escravidão decretou a morte da Monarquia em 1889 e a crise da economia cafeeira em 1929 selou a sorte da República Velha, a crise terminal do processo de industrialização por substituição de importações, cuja pá de cal foi o ciclo neodesenvolvimentista de Lula e Dilma, destruiu as bases objetivas que davam sustentação à Nova República.

    A guerra aberta contra os trabalhadores para impor condições ainda mais draconianas de exploração da força de trabalho requer uma compressão brutal do espaço de manifestação da vontade política das classes subalternas. Se os direitos trabalhistas não cabem nos cálculos de rentabilidade dos empresários e a política social não cabe no regime de austeridade imposto pela comunidade financeira, o padrão de dominação baseado na democracia de cooptação não coaduna com um ajuste econômico que coloca no horizonte um padrão de acumulação baseado na produção de commodities para o mercado internacional.

    Lavagem cerebral

    A solução reacionária para a crise econômica é simplesmente impossível sem a anomia política da classe trabalhadora. Para evitar qualquer possibilidade de oposição aos imperativos do capital, a opinião pública tem de ser submetida à lavagem cerebral de que os remédios amargos que compõem as “reformas” liberais constituem o único meio de tirar o país do atoleiro. Como o protesto social poderia furar o cerco da ignorância difundida pela grande mídia e dialogar diretamente com as massas, torna-se obrigatório criminalizar a luta social, estigmatizar a crítica e cercear a atuação dos partidos de esquerda.

    Além de agir diretamente sobre a consciência da classe trabalhadora, o capital investe sistematicamente contra as migalhas democráticas existentes nos interstícios de uma estrutura de poder que, na realidade, há tempos já funciona como um verdadeiro Estado de Exceção. Na concepção de uma burguesia que não superou o espírito despótico do senhor de escravo, os direitos adquiridos dos trabalhadores não podem se sobrepor às exigências dos negócios. Uma vez que os ataques aos direitos trabalhistas e às políticas sociais jamais passariam pelo crivo do voto popular, torna-se necessário desmoralizar as instituições que expressam – mesmo que muito precariamente – a vontade do cidadão.

    O ataque à Nova República assumiu a forma de uma cruzada moralista contra a corrupção. As investigações judiciais comprovaram o que todos sabiam. A corrupção é um elemento estrutural do padrão de acumulação e dominação do capitalismo brasileiro. As delações dos altos executivos do capital são didáticas. O capital é o elo dominante da relação criminosa. Os partidos são comprados pelos empresários. Os políticos funcionam como despachantes de interesses privados nos aparelhos de Estado. A radiografia das relações promíscuas da política com o capital feita pelo poder judiciário e sua espetacularização pelos grandes meios de comunicação trucidaram o sistema político e todas as suas instituições. Paradoxalmente, as causas profundas da corrupção – a absoluta preponderância dos negócios na vida nacional – em nenhum momento foram colocadas em questão.

    Os que esperavam uma solução jurídica para a grave crise política que assola a nação fazem lembrar as fantásticas aventuras do Barão de Münchhausen, que se salvou do pântano onde afundava puxando-se pelos cabelos. Os paladinos da moralização – Janot, Moro, Dallagnol e Fachin – não foram à raiz do problema. A corrupção foi reduzida a uma questão moral de foro individual e circunscritas a casos específicos.

    Na melhor tradição da justiça brasileira, a República de Curitiba operava segundo a norma “para os amigos tudo, para os inimigos, a lei”. As investigações foram seletivas. O sistema financeiro foi blindado de qualquer investigação, mesmo sendo evidente que seria impossível a lavagem de magnitudes amazônicas de dinheiro sujo sem a sua cumplicidade. A ramificação da rede criminosa no sistema judiciário e na grande mídia foi negligenciada. O capital estrangeiro não foi sequer investigado. Os acordos de leniência deixaram as empresas livres para continuar saqueando os cofres públicos e pilhando o país. No final, sob a aparência de uma faxina geral, permaneceu tudo como dantes. A engrenagem do roubo não foi abalada. As relações promíscuas entre o grande capital e o Estado permaneceram incólumes.

    Submissão do Estado

    Os limites pouco republicanos da investida contra a corrupção revelam que o verdadeiro objetivo da operação “Fora Todos” não nunca foi o de moralizar a vida pública, mas aumentar ainda mais a submissão do Estado aos interesses dos grandes negócios.

    O ajuste neoliberal aprofundou a especialização regressiva da economia brasileira na divisão internacional do trabalho. A retomada do crescimento da renda ficou condicionada à retirada de direitos trabalhistas e à maior precarização das condições de trabalho

    Ao se explicitar que por trás de cada representante do povo existe invariavelmente o patrocínio de uma grande empresa, a relação de confiança entre os eleitores e seus representantes foi aviltada.

    Desmoralizados perante seus constituintes, os políticos perderam toda autonomia para mediar o conflito entre o interesse privado e o interesse público. Acuados pela ofensiva avassaladora da campanha midiática contra a política, abraçaram, sem qualquer contraponto, a agenda de desmonte das conquistas trabalhistas e democráticas que estabeleciam um patamar mínimo de civilidade à sociedade brasileira.

    A regra do jogo

    Em suma, a corrupção faz parte da regra do jogo e o poder judiciário não está acima da Lei. A corrupção sistêmica é uma característica inerente ao Estado brasileiro, permeia todos os poros da administração pública e envolve todos os partidos da ordem. Sem a promiscuidade do público e do privado, a dominação burguesa entra em colapso. Problemas políticos, relacionados com a forma de organização do poder, só podem ser resolvidos com decisões políticas. A operação “Fora Todos” apenas preparou o caminho para uma “modernização” dos esquemas de intermediação ilícita dos interesses do capital nos aparelhos de Estado, adaptando-os às exigências do novo padrão de acumulação.

    Ao assumir sem disfarce o conteúdo de classe do Estado, a burguesia afirma sua ditadura implacável sobre a sociedade. A banalização do debate público, a criminalização dos movimentos sociais e a destruição do sistema político esvaziam a democracia de qualquer conteúdo popular.

    Hermeticamente fechado aos de baixo, o circuito político apresenta-se como o que é: um condomínio exclusivo da plutocracia destituído de qualquer verniz democrático. A soberania popular fica ainda mais comprimida, deixando a sociedade a um fio da autocracia explícita.

    A tirania como solução

    Assustada com a possibilidade de que a volta de Lula ao Planalto pudesse arrefecer a intensidade do ajuste ortodoxo exigido pelo capital internacional e dar uma sobrevida à democracia de cooptação, na eleição de 2018, a burguesia brasileira jogou-se abertamente na aventura autoritária e, sem medir as consequências de partir para o confronto aberto com as classes subalternas, convocou um capitão de mato para por ordem na senzala. As tectônicas frustrações e ressentimentos com as promessas fraudadas da Nova República foram galvanizadas pela extrema direita. O obscurantismo venceu a esperança.

    Na melhor tradição da justiça brasileira, a República de Curitiba operava segundo a norma “para os amigos tudo, para os inimigos, a lei”. As investigações foram seletivas. O sistema financeiro foi blindado de qualquer investigação

    A vitória eleitoral de uma candidatura que se apresentava abertamente como antídemocrática manifestou o inequívoco repúdio dos eleitores aos partidos da ordem – PSDB, MDB e PT à frente. A eleição de um candidato da extrema direita, com um programa que defende abertamente a violência política como solução para os problemas nacionais, marcou a falência definitiva da Nova República. A contrarrevolução vitoriosa em abril de 1964 voltou a assumir formas abertamente ditatoriais, cuja expressão concreta – ditadura civil, abertamente militar ou de matiz abertamente totalitária – ainda não está definida.

    Os primeiros passos do governo Bolsonaro revelam que as ameaças retrógradas e autoritárias do ex-capitão não eram bravatas de campanha para explorar as frustrações de uma população fatigada, mas sim anúncios de uma intenção real de retirar direitos trabalhistas, destruir políticas sociais, atacar negros, mulheres, indígenas, LGBTs, cercear o pensamento crítico e a livre expressão artística, eliminar as parcas restrições à depredação do meio ambiente, e, na contramão da retórica pseudo-nacionalista esboçada timidamente durante a campanha eleitoral, liquidar a identidade nacional e franquear o espaço econômico brasileiro à sanha do capital internacional, entregando a soberania nacional ao arbítrio do imperialismo norte-americano.

    Delírios e realidade

    Não obstante a genuína disposição de atacar tudo que represente conquistas civilizatórias do povo brasileiro, os aventureiros que chegaram ao Planalto, apesar da falta de disposição de luta das forças de oposição dentro da ordem, têm enfrentado grandes dificuldades para transformar seus delírios distópicos em realidade. A distância entre o terrorismo retórico e as ações práticas explica-se fundamentalmente pela enorme dificuldade encontrada pelo novo governo para lidar com as contradições da realidade.

    Os obstáculos mais visível são o gigantesco despreparo e a assustadora incompetência de seus quadros dirigentes, começando pelo próprio presidente. O primitivismo, a inépcia e a falta de compostura de Bolsonaro expuseram sua brutal limitação intelectual, política, retórica e moral para o exercício do cargo para o qual foi eleito. Os escândalos que envolvem diretamente seu filho mais velho e seu partido com gravíssimas denúncias de desvio de dinheiro público, financiamento ilegal de campanha, enriquecimento ilícito e envolvimento orgânico com grupos milicianos desmoralizaram toda e qualquer ilusão em relação à idoneidade dos novos governantes.

    A guerra sem quartel entre as diferentes facções que compõem governo, dividido entre grupos de extrema direita, seitas evangélicas, militares, políticos fisiológicos e empresários, evidenciou a absoluta inépcia de Bolsonaro para dar um mínimo de coerência, solidez e efetividade às ações do Estado.

    A dificuldade do governo Bolsonaro de transformar a teoria em prática esbarra, sobretudo, em problemas institucionais. Ao contrapor a chamada “Nova Política” – a imposição da vontade do mercado sem mediação política alguma – à “Velha Política” – o encaminhamento dos imperativos do mercado mediado pelo toma lá, da cá da fisiologia parlamentar – Bolsonaro reiterou sua aposta na negação da Nova República como panaceia para os problemas nacionais. No entanto, enquanto a Constituição de 1988 não for revogada e o Congresso Nacional não for formalmente fechado, não se governa sem apoio parlamentar.

    O crivo da luta de classes

    Por fim, o governo Bolsonaro terá que passar pelo crivo da luta de classes. O caráter extraordinariamente regressivo de suas políticas desperta forte resistência em amplos setores da população. Os efeitos recessivos do corte nos gastos públicos sobre o nível de atividade econômica, a concorrência predatória de produtos importados provocada pela maior abertura comercial e o impacto devastador do corte de benefícios sociais sobre os pequenos negócios das cidades do interior, sobretudo nas regiões mais pobres, são alguns exemplos que mostram as dificuldades para unificar o apoio de segmentos da própria burguesia a Bolsonaro.

    A incapacidade de dar uma resposta objetiva aos problemas que afligem a população – o flagelo do desemprego, a assustadora degradação dos serviços públicos, a escalada da violência social – tende a corroer seu apoio nas classes trabalhadoras. Se o crescimento econômico não for recuperado, criando condições para a acomodação dos diferentes interesses sociais, possibilidade que não se inscreve no horizonte imediato, a sustentação política de Bolsonaro pode rapidamente evaporar.

    O impasse histórico que ameaça a sociedade brasileira não tem solução à vista. O velho morre, mas o novo ainda não tem força para nascer. Sem resolver a crise política, não há possibilidade de resolver a crise econômica. E, sem uma ruptura radical com o ajuste neoliberal, não há como evitar o aprofundamento da barbárie

    Sem se intimidar com as ameaças de violência política vociferadas pelo presidente, a ofensiva contra os direitos dos trabalhadores tem encontrado forte resistência popular. O carnaval de 2019 foi uma catarse contra a ignorância reacionária de Bolsonaro. Em defesa da educação pública e da Previdência Social, estudantes e trabalhadores têm protagonizado greves nacionais e manifestações multitudinárias. Ainda que o antagonismo à solução liberal-autoritária, latente em crescentes parcelas da população, não tenha conseguido se transformar em força política organizada, capaz de levar os protestos às últimas consequências e dar um xeque-mate na aventura de Bolsonaro, tudo indica que o conflito social tende a se intensificar, colocando em questão a possibilidade de uma escalada autoritária sem uma ruptura formal com o Estado de direito.

    A ameaça autocrática

    A ausência de bases institucionais, sociais e políticas para transformar as intenções tirânicas do presidente eleito em realidade não significa necessariamente uma derrota do consenso burguês em torno da via autoritária como resposta à crise política. Divididas entre caudilhos decadentes – Lula e Ciro Gomes -, que apostam todas as fichas no fiasco de Bolsonaro e na reciclagem da política tradicional, as forças de oposição têm se demonstrado impotentes para oferecer uma alternativa à moribunda Nova República e ao ajuste neoliberal sem fim. Na ausência de uma saída democrática, construída de baixo para cima, mais dia menos dia, a burguesia encontrará uma forma política para consolidar sua resposta autocrática para a crise política.

    O impasse histórico que ameaça a sociedade brasileira não tem solução à vista. O velho morre, mas o novo ainda não tem força para nascer. Sem resolver a crise política, não há possibilidade de resolver a crise econômica. E, sem uma ruptura radical com o ajuste neoliberal, não há como evitar o aprofundamento da barbárie. Na periferia brasileira, a crise estrutural do capital assume dimensões dantescas. O futuro é de grande instabilidade política, conflito social e turbulência política.

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  • Acordo Mercosul e União Europeia: Neocolonialismo Descarado

    Acordo Mercosul e União Europeia: Neocolonialismo Descarado

    Acordo Mercosul e União Europeia: Neocolonialismo Descarado

    O entendimento firmado no início de julho de 2019 – após vinte anos de controvérsias – não teve suas cláusulas integralmente reveladas. Sua efetivação pode ter dramáticas consequências para a indústria dos países latino-americanos diante do desenvolvimento tecnológico em especial da Alemanha

    Por Leandro Recife

    A imagem do Brasil em nível internacional só tem piorado após o processo do impeachment e os assassinatos de Marielle e Anderson. Embora toda tradição de eficiência do corpo diplomático brasileiro, a política externa desmoralizou-se após Jair Bolsonaro nomear Ernesto Araújo, o pupilo do astrólogo Olavo de Carvalho, para o cargo de chanceler.

    Diante do pior Chanceler da história do Brasil, como um acordo com a União Europeia, que se arrasta há vinte anos, pode ser aceito sem o devido respaldo da população ou sem a devida transparência das tratativas? Tal acordo realmente será positivo para o Brasil?

    Por solicitação do Itamaraty, a diplomacia brasileira exigiu que toda e qualquer menção de gênero fosse retirada do texto no meio de uma discussão realizada em junho deste ano em Genebra, sobre o fim da discriminação de mulheres e meninas. Além das novas orientações antagônicas à tradição diplomática brasileira, Ernesto Araújo defende coisas inconcebíveis do ponto de vista das ciências, como “nazismo é de esquerda”, “terra plana” e “não existe aquecimento Global”.

    Diante do pior Chanceler da história do Brasil, como um acordo com a União Europeia, que se arrasta há vinte anos, pode ser aceito sem o devido respaldo da população ou sem a devida transparência das tratativas? Tal acordo realmente será positivo para o Brasil?

    Momento de crise

    Apesar da euforia do governo Bolsonaro, o acordo entre Mercosul e União Europeia deve ser analisado com muitas ressalvas. Ele foi celebrado num momento em que Brasil e Argentina, além dos demais países membros e associados, passam por dificuldades econômicas e fragilidades que levam os governos a toparem qualquer tratado para dizer que conseguiram alguma coisa. E quando analisamos o panorama histórico, do período de tentativas que consolidaram o fechamento do acordo foram duas décadas de negociação. As conversas foram lançadas em junho de 1999. Uma troca de ofertas chegou a ser feita em 2004, mas não agradou aos dois blocos e as discussões foram pausadas. Entretanto, em 2010, houve uma nova abertura para negociações.

    Apesar das idas e vindas, somente em 2016 os dois blocos voltaram a trocar propostas e neste ano, de forma nebulosa, até agora sem a devida transparência dos termos, o acordo foi celebrado.

    Isso que nos faz crer que esse acordo não equivale às sete maravilhas propagadas pelos bolsonaristas, sendo fechado nesse contexto de crise na Argentina, ocasionada pela política neoliberal do governo Maurício Macri. Já o Brasil sofre com a crise econômica e social, além do desgoverno do clã Bolsonaro. Com os dois principais países do Mercosul fragilizados, o entendimento serviu potencialmente aos interesses dos respectivos governantes, não trazendo benefícios aos trabalhadores dos dois países.

    Diante do pior Chanceler da história do Brasil, como um acordo com a União Europeia, que se arrasta há vinte anos, pode ser aceito sem o devido respaldo da população ou sem a devida transparência das tratativas? Tal acordo realmente será positivo para o Brasil?

    Além do mais, o acordo tem fortes características de seguir a antiga lógica colonialista, na qual Brasil e demais países da América Latina exportam produtos agrícolas e importam produtos industrializados dos países europeus.

    Assimetria nas negociações

    Pelo que se sabe, o acordo é caracterizado da seguinte forma: A UE abre o mercado agrícola e o Brasil abre o mercado industrial de serviço e financeiro escalonando a redução de tarifas aduaneiras, ao longo de um determinado período, até zero.

    Existem algumas coisas que precisam ser ponderadas. O capitalismo até à década de 1990, por meio das grandes corporações, tinha como uma das características buscar novos mercados para diminuir os custos da produção. Em outras palavras, os países capitalistas desenvolvidos exportavam capitais, instalavam empresas e produziam em países não desenvolvidos. No Brasil, um bom exemplo é a indústria automobilística que recebeu todas as concessões, benesses e benefícios fiscais do Estado brasileiro. Representa bem essa fase do sistema capitalista.

    Voltando ao acordo do Mercosul com a EU, pelas características, pela conjuntura e pelo notório despreparo do chanceler Ernesto Araújo, esse pacto pode impulsionar o processo de desindustrialização brasileira. Vale ressaltar que o país hoje já sofre muito com o avanço do rentismo e da ganância das elites, sob o argumento de diminuir o custo no Brasil e reduzir o déficit público, sem mexer no pagamento dos juros da dívida pública. O país congelou por 20 anos os investimentos na educação, saúde e assistência social, além de implantar uma reforma trabalhista que diminuiu a renda, precarizou os empregos e reduziu o número de postos de trabalho. O acordo com a União Europeia poderá alargar diferenças entre o capitalismo dos países desenvolvidos e a América Latina.

    Desenvolvimento superior

    A economia da Europa tem um grau de desenvolvimento muito superior à do Brasil. Em outras palavras, o Brasil ainda produz majoritariamente produtos primários e a UE produtos com grande valor agregado. O acordo ainda precisa passar pela aprovação do Congresso Nacional brasileiro e de todos os países efetivos do Mercosul e da União Europeia. Mas, mesmo assim, não podemos deixar de levar em consideração alguns pontos extremamente preocupantes. Toda política do governo Bolsonaro, em especial do senhor Paulo Guedes, visa a destruição do Estado brasileiro. Ou seja, estão implementando o que existe de mais atrasado na relação Estado e mercado. Uma verdadeira selvageria, com o Brasil cedendo espaço aos produtos industrializados da UE e sem o Estado brasileiro ser indutor do desenvolvimento econômico e social.

    O pacto tem fortes características de seguir a antiga lógica colonialista, na qual Brasil e demais países da América Latina exportam produtos agrícolas e importam produtos industrializados dos países europeus

    A política bolsonarista segue privatizando, destruindo a educação e aumentando a desigualdade social. Diante disso: como a indústria brasileira vai ter competitividade diante da europeia? Com os cortes na educação, que mão de obra qualificada a indústria brasileira vai produzir? Com o desmonte das Universidades brasileiras e Institutos Federais, que pesquisas serão desenvolvidas para solucionar, criar, diminuir custos e tornar o Brasil desenvolvido economicamente e socialmente?

    Compras governamentais

    O acordo tem potencial de aprofundar diferenças internamente e na relação do Brasil com outras economias. Um dos itens do entendimento versa sobre o mercado de compras governamentais. O Brasil, nos últimos 4 anos, teve a indústria da construção civil reduzida, enquanto na Europa existe incentivo, proteção e subsídios para empresas de engenharia voltadas ao mercado da América Latina.

    Imaginemos que se abra uma licitação no Brasil para construção de uma estrada. Empresas europeias de engenharia, diante da situação atual das empresas brasileiras, terão ampla vantagem na disputa. O nexo colonialista predomina, pelo que se sabe, na essência do acordo. Historicamente, todos os países que se desenvolveram partiram da lógica de comprar produtos primários e vender produtos com valor agregado. E o acordo conduzido pelo senhor Ernesto Araújo parece negar isso, sob a falsa premissa de querer forçar a qualidade da indústria brasileira, quando, na verdade, tira a proteção e facilita a entrada de produtos industrializados da UE. Além do mais, o acordo, apesar do “princípio de precaução” que pode colocar barreiras para compra de produtos considerados suspeitos por uso de agrotóxicos proibidos ou criados em áreas de desmatamento, estimula exatamente o contrário e coloca em risco políticas ambientais, povos indígenas e aniquila ações governamentais voltadas à agricultura familiar e reforma agrária.

    O papel do agronegócio

    O agronegócio brasileiro, potencializado sem a devida regulação e controle estatal, como sempre se caracterizou, atrasará ainda mais o desenvolvimento brasileiro. Exatos 0,91% das propriedades rurais concentram 45% de toda área agrícola do Brasil, que utiliza imensas extensões de terra para o monocultivo de soja, milho, eucalipto e algodão, com sementes transgênicas que recebem altas doses de agrotóxicos levados por quilômetros contaminando solo, pessoas e rios.

    O agronegócio brasileiro é responsável por 25% do PIB, sem praticamente pagar impostos, carrega assassinatos de indígenas, quilombolas, assentados, além do trabalho análogo à escravidão. Trata-se de um setor com peso na economia, mas que não gera muitos empregos, amplia a concentração de renda e desigualdades. É um dos principais responsáveis pelo atraso do Brasil. Enquanto países desenvolvidos, como a Alemanha, já estão implementando a 4ª Revolução Industrial.

    Enquanto o Brasil corta 25% do orçamento da educação, ataca professores e tenta flexibilizar leis para a volta do trabalho análogo à escravidão, a Alemanha, somente em 2019, libera 160 bilhões de euros para universidades

    Qualquer acordo comercial, seja com a UE ou com os EUA que não coloque o Brasil competitivo industrialmente para o mundo, que não gere empregos qualificados, não combata a desigualdade social e nem invista no desenvolvimento acadêmico, profissional e científico, além de não acabar com a dependência econômica da monocultura agrícola; não resolverá os problemas do Brasil. Países desenvolvidos estão discutindo e implementando a 4ª Revolução Industrial que tem como características sistemas ciber-físicos, internet das coisas, BigData, impressão 3d, inteligência artificial, além de robótica avançada, energias alternativas, redes inteligentes, realidade aumentada, nanotecnologia, biotecnologia etc. A 4ª revolução industrial devolverá competitividade aos países ricos, mas com graves sequelas para o mundo. Segundo a McKinsey, empresa de consultoria empresarial americana, 60% das profissões deverão desaparecer até 2025. Até 2022, um quarto dos shoppings centers americanos fecharão em decorrências das plataformas de vendas on line. Diante de tudo isso, como o Brasil que firma um acordo com a UE que pode dilacerar a indústria poderá se desenvolver economicamente?

    O desenvolvimento prejudicado

    Enquanto o Brasil permanece potencializando o agronegócio em detrimento do desenvolvimento nacional, como um todo, a Alemanha conceitua e cria a indústria 4.0. Trata-se de uma iniciativa estratégica, lançada pelo governo alemão em parceira com a academia, sindicatos e indústria para o país assumir um papel pioneiro na produção e utilização de tecnologia de informação, gerando novos empregos e se colocando de forma competitiva para o mundo. Enquanto o Brasil corta 25% do orçamento da educação, ataca professores e tenta flexibilizar leis para a volta do trabalho análogo à escravidão, a Alemanha, somente em 2019, libera 160 bilhões de euros para universidades. O Brasil vive na “sojocracia”, a Alemanha na indústria 4.0. É preciso não esquecer que a Alemanha pretende assumir, até 2020, a posição de liderança na provisão de sistemas ciber-físicos. E o Brasil? aumenta o desmatamento? Acaba com reservas indígenas e aumenta a desigualdade. Os impactos dessas mudanças vão muito além da produção industrial.

    Em grande medida, esses desenvolvimentos afetam toda a economia e a sociedade e colocam em discussão elementos fundamentais do mundo do trabalho e da produção. O Brasil sem investimentos na educação, com Universidades sucateadas, sem empregos e sem governo com visão estratégica, terá competitividade para enfrentar os novos desafios que o mundo capitalista nos impõe sem sacrificar ainda mais o nosso povo?

    Impacto social

    O acordo com a União Europeia pode ter um grande impacto social na América Latina, em especial Brasil e Argentina. Em nosso caso, uma das áreas afetadas poderá ser o programa dos medicamentos genéricos. Esse risco está relacionado à insistência da União Europeia em exigir que os países do Mercosul não quebrem patentes para a fabricação de medicamentos por um período de cinco anos após o registro. Outro pedido previsto no tratado é para que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) conceda registro a remédios já aceitos no bloco europeu. Ambas as medidas retardariam a produção das versões de genéricos e prejudicariam o acesso da população aos medicamentos.

    A implementação do acordo pode durar até um ano e meio. Alguns pontos se tornaram públicos, mas outros não. Infelizmente, sob a condução de Bolsonaro e Ernesto Araújo é impossível nutrir uma expectativa positiva, mas nos resta espaço para exigir que nenhum acordo comercial atente contra a soberania e o bem-estar do povo. É preciso ficar atento e pressionar o Congresso Nacional para não aprovar nenhuma medida com a União Europeia que aumente ainda mais a desigualdade.

    O Brasil precisa investir na educação, nas Universidades, na indústria, gerar empregos e se tornar competitivo enquanto nação. O país não pode ser teleguiado pela imprensa, que não representa a opinião do povo brasileiro.

    Acordo comercial bom é aquele que nos faz crescer e não o que amplia nossas diferenças e desigualdades. Qualquer acordo comercial com qualquer bloco econômico ou país que não seja para o benefício pleno de nação serve apenas para alimentar a ganância das nossas elites e empobrecer a maioria do povo, a classe trabalhadora.

    *Leandro Recife é Secretário Geral do PSOL Nacional.

    BAIXE AQUI A REVISTA N.26 COMPLETA

  • Estratégias Políticas Inovadoras para as eleições de 2020

    Estratégias Políticas Inovadoras para as eleições de 2020

    Estratégias Políticas Inovadoras para as eleições de 2020

    A Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, em parceria com a organização argentina Asuntos del Sur, promove o encontro Estratégias Políticas Inovadoras para as eleições de 2020. O evento ocorre na sede da Fundação em São Paulo (Alameda Barão de Limeira, 1400 – Campos Elíseos), no dia 02 de novembro, sábado, das 9 às 18h.

    A mesa de abertura “Contexto político da América Latina, Brasil e São Paulo: uma visão socialista” visa discutir o atual momento político desde a perspectiva das esquerdas e do socialismo. Depois, acontecerão oficinas e rodas de conversas sobre ferramentas, métodos e experiências aplicadas para a inovação política.

    A proposta é colocar em contato pessoas inovadoras com ações políticas inovadoras, conhecer, dialogar e buscar sinergias. 

    Faça sua inscrição no evento. É gratuito, porém as vagas são limitadas. 

    Programa do Encontro Estratégias Políticas Inovadoras para as eleições de 2020
    9.00 a 9.30 hs | Credenciamento dos participantes

    9.30 a 10.00 | Abertura – Boas-vindas aos participantes.
    Proposta: Contexto do evento – este encontro ocorre no âmbito da Certificação em Inovação Política, curso on-line de três meses parceria entre o Asuntos del Sur e FLCMF. Será feita uma breve contextualização para quem não está fazendo a formação, bem como apresentar/reconhecer quem a está realizando.

    10.00 a 11.30 | Mesa Tema: Contexto político da América Latina, Brasil e São Paulo: uma visão socialista
    Matías Bianchi – Asuntos del Sur (Argentina)
    Francisvaldo Mendes – Fundação Lauro Campos e Marielle Franco
    Mônica Seixas – Bancada Ativista 
    Toninho Vespoli – vereador de São Paulo pelo PSOL
    Moderadora: Caru Schwingel – pesquisadora e ativista
    Proposta: Esta mesa irá apresentar a atual situação política da América Latina, com vistas a identificar as visões e atuações da esquerda (governos e movimentos). Procurará responder: que agentes atuam na região? Quais ações da esquerda tiveram e têm efetividade? Qual o contexto político de continente, de país, estado e do Rio de Janeiro? A perspectiva é identificar, dentro do possível, ações e movimentos que tenham impulsionado o socialismo, igualdade social e os direitos humanos na região. Há aliados internacionalmente? E local? Como agir? 

    11.30 a 11.45  | Coffee break

    11.45 a 13.30  |  Oficina Método SISA – Elaboração de projetos políticos criativos com perspectiva feminista / Roda de conversa
    Proposta: Apresentar o Método SISA como ferramenta para processos de inovação criativos com enfoque feminista. Fazer uma dinâmica com o Guia SuperSISA. Coordenadoras/ representantes de ações/organizações de mulheres apresentarão seus projetos e buscarão interseções com o Método SISA para criar projetos inovadores de incidência territorial.

    13.30 a 14.30| Almoço

    14.30 a 16.00 | Roda de Conversa  – Experiências políticas inovadoras 
    Proposta: A proposta desta Roda de Conversa é colocar em contato pessoas inovadoras com ações políticas inovadoras. Com tantas situações difíceis vividas por nosso campo nos último anos, há também muitas pessoas, movimentos, instituições, políticXs com atuações integradoras que fazem avançar o bem estar social e os direitos humanos. A perspectiva é conhecer as ações e discutir estratégias possíveis para o campo político das esquerdas em São Paulo.

    16.00 a 16.15  | Coffee break

    16.15 a 17.15 | Convite à ação: segurança digital para ativistas
    Proposta: Apresentar as principais ferramentas e estratégias para a segurança digital de ativistas políticos.

    17.15 a 17.45| Dúvidas sobre a Certificação
    17.45 a 18.00 | Fechamento do Encontro.
    Serão tiradas dúvidas sobre a formação e feito o fechamento do Encontro.

    O evento será na Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, Alameda Barão de Limeira, 1400 – Campos Elíseos, em São Paulo, capital, no dia  02 de novembro, sábado, das 9h30 às 18h

    Venha fortalecer e/ou construir o campo político de São Paulo. Inscreva-se.
    Vagas Limitadas / Alimentação inclusa.

  • O que é inovação política? Venha discutir com a gente no Rio de Janeiro

    O que é inovação política? Venha discutir com a gente no Rio de Janeiro

    O que é inovação política? Venha discutir com a gente no Rio de Janeiro

    O encontro Estratégias Políticas Inovadoras e a situação do Rio de Janeiro objetiva discutir política e a atual situação das esquerdas na América Latina, Brasil e Rio de Janeiro, evidenciando ações e estratégias inovadoras. Buscamos colocar em contato pessoas inovadoras com ações políticas inovadoras. Com tantas situações difíceis vividas na América Latina nos últimos anos, há também muitas pessoas, movimentos, instituições, políticxs com atuações que fazem avançar o bem estar social e os direitos das cidadãs, dos cidadãos, dxs trabalhadorxs. A proposta é conhecer, dialogar, buscar sinergias. 

    O evento  ser realizado na cidade do Rio de Janeiro, na quarta-feira, 30 de outubro, no auditório do Corecon-RJ (Conselho Regional de Economia), na Avenida Rio Branco, 109, das 9 às 18h, é uma ação da Certificação em Inovação Política. Este curso surgiu da aliança entre a Fundação Lauro Campos e Marielle Franco e a organização argentina Asuntos del Sur para auxiliar ativistas brasileiro(a)s em teorias e técnicas para a inovação política e fortalecer suas capacidades tendo em vista as eleições de 2020. Por três meses, os 200 bolsistas da FLCMF estão em contato com ferramentas, práticas e experiências nacionais e regionais ligadas a tecnologias cívicas, gênero e liderança.

    Faça sua inscrição no evento, é gratuito, porém as vagas são limitadas. 

    Programa do Encontro Estratégias Políticas Inovadoras e a situação do Rio de Janeiro
    9.00 a 9.30 hs | Credenciamento dos participantes

    9.30 a 10.00 | Abertura – Boas-vindas aos participantes.
    Proposta: Contexto do evento – este encontro ocorre no âmbito da Certificação em Inovação Política, curso on-line de três meses parceria entre o Asuntos del Sur e FLCMF. Será feita uma breve contextualização para quem não está fazendo a formação, bem como apresentar/reconhecer quem a está realizando.

    10.00 a 11.30 | Mesa Contexto da América Latina, contexto brasileiro e a atual situação do Rio de Janeiro
    Matías Bianchi – Asuntos del Sur (Argentina)
    Francisvaldo Mendes – Fundação Lauro Campos e Marielle Franco
    Rita Brandão – Diretora de Ibase
    Proposta: Esta mesa irá apresentar a atual situação política da América Latina, com vistas a identificar as visões e atuações da esquerda (governos e movimentos). Procurará responder: que agentes atuam na região? Quais ações da esquerda tiveram e têm efetividade? Qual o contexto político de continente, de país, estado e do Rio de Janeiro? A perspectiva é identificar, dentro do possível, ações e movimentos que tenham impulsionado o socialismo, igualdade social e os direitos humanos na região. Há aliados internacionalmente? E local? Como agir? 

    11.30 a 12.15 | Painel de discussão – Estratégias inovadoras nas campanhas vitoriosas e na atuação parlamentar
    Renata Souza – deputada estadual do PSOL
    Proposta: Este painel visa apresentar as estratégias inovadoras das campanhas dxs deputadxs estaduais eleitos no Rio de Janeiro, quais aspectos foram inovadores em suas campanhas e quais atuações consideram possíveis para as eleições de 2020 no Rio de Janeiro.

    12.15 a 12.30 | Coffee break

     12.30 a 14.00 |  Oficina Método SISA – Elaboração de projetos políticos criativos com perspectiva feminista / Roda de conversa
    Proposta: Apresentar o Método SISA como ferramenta para processos de inovação criativos com enfoque feminista. Fazer uma dinâmica com o Guia SuperSISA. Roda de conversa com as equipes de gêneros e/ representantes de ações/organizações de mulheres apresentarão seus projetos e buscarão interseções com o Método SISA para criar projetos inovadores de incidência territorial. 

    14.00 a 15.00| Almoço

    15.00 a 16.30 | Roda de Conversa  – Experiências de ativistas de Rio de Janeiro  – Ações possíveis no contexto do Rio
    Proposta: A proposta desta Roda de Conversa é colocar em contato pessoas inovadoras com ações políticas inovadoras. Com tantas situações difíceis vividas por nosso campo nos últimos anos, há também muitas pessoas, movimentos, instituições, políticXs com atuações integradoras que fazem avançar o bem-estar social e os direitos humanos. A perspectiva é conhecer as ações e discutir estratégias possíveis para o campo político das esquerdas no Rio de Janeiro.

    16.30 a 17.15 | Roda de discussão – Ações Políticas Inovadoras em Instituições
    Proposta: A proposta desta Roda de Conversa é discutir ações políticas inovadoras a partir de instituições inovadoras. A perspectiva é conhecer as ações e discutir estratégias possíveis para o campo político das esquerdas em 2020  no Rio de Janeiro. 

    17.15 a 17.45| Dúvidas sobre a Certificação
    17.45 a 18.00 | Fechamento do Encontro.
    Serão tiradas dúvidas sobre a formação e feito o fechamento do Encontro.

    O evento será no auditório do Corecon-RJ (Conselho Regional de Economia), na Avenida Rio Branco, 109, 19o andar – Centro, no dia  30 de outubro, quarta-feira, das 9h30 às 18h

     Se você tem disponibilidade e quer fortalecer estas discussões e campo conosco, pedimos que confirme sua participação preenchendo o Formulário de inscrição aqui.

    Vagas Limitadas / Alimentação inclusa.

  • O Brasil desamparado

    O Brasil desamparado

    O Brasil desamparado

    Na guerra, a principal tática consiste em confundir o inimigo. Se um dos oponentes souber o próximo passo do outro, é possível reagir, contra-atacar ou, no mínimo, defender-se. Quando se consegue confundir o adversário e impedi-lo de saber dos passos seguintes, a disputa está decidida. A ausência de lógica e de racionalidade é uma movimentação de guerra, que até agora tem sido vitoriosa

    Por Wanderley Codo

    Bolsonaro já foi classificado como louco, perverso, ignorante, racista, homofóbico, mentiroso, autoritário, nepotista, perseguidor, mal-educado e despreparado. Tudo isso é verdade. Vejamos cada classificação:

    • Louco: Divulga pornografia (golden shower) para demonizar o carnaval.
    • Perverso: Elege Brilhante Ustra – o mais conhecido torturador da ditadura e o único a ser responsabilizado legalmente por isso – como herói nacional.
    • Ignorante: Não sabe nada do desmatamento e ainda contesta metodologias, consagradas internacionalmente, como a do IBGE e do INPE, punindo quem conhece.
    • Racista: Trata quilombolas como se fossem animais.
    • Homofóbico: “Venham ao Brasil para fazer sexo com mulheres, mas não para um paraíso gay”.
    • Mentiroso: “No Brasil não há fome e nem desmatamento”.
    • Despreparado: Se comporta como um garoto em uma pelada de rua, sem a mínima ideia da liturgia do cargo.
    • Falso: Afirma que o pai do presidente da OAB, foi justiçado, quando a própria ditadura admitiu o assassinato.
    • Autoritário: Persegue jornalistas que o criticam e quando pode os manda demitir.
    • Nepotista: Indica um filho para ser embaixador nos Estados Unidos por ter fritado hambúrgueres por seis meses no Maine.
    • Perseguidor: Considera todos os adversários como inimigos e até a Folha de S. Paulo recebe a ‘pecha’ de comunista.
    • Mal-educado: Xinga e agride os jornalistas que fazem perguntas incômodas.

    Há que se notar, Bolsonaro é coerente, pois segue à risca o guru, o astrólogo iletrado Olavo de Carvalho, que afirmou, com razão, ser o segundo do governo, e que é o autor de pérolas como: “A ONU apoia o terrorismo”, “A Pepsi é feita com fetos abortados”, “Há uma conspiração comunista global e o movimento gay é parte dela”, “A Lei da Inércia é falsa e Isaac Newton era burro”, “Há livros ensinando crianças fazer sexo oral com elefantes” e “O Brasil hoje é uma ditadura comunista”.

    É preciso ter cuidado, prestar muita atenção, pois abaixo das sandices, logo abaixo das loucuras, está um projeto claro, um propósito bem delineado. Nos EUA, Bolsonaro assegurou que o governo terá a missão de “desconstruir” e “desfazer muita coisa”

    Sim, coerente, escolhe uma ministra da Mulher, Família e dos Direitos Humanos que beira a alucinações delirantes, um ministro da Educação empenhado em acabar com a Educação, um astronauta que vendia “travesseiros da Nasa” para cuidar da ciência e um chanceler que acredita ser o nazismo uma corrente de esquerda.

    Projeto claro

    É preciso ter cuidado, prestar muita atenção, pois abaixo dessas sandices e abaixo das loucuras, está um projeto claro, um propósito bem delineado, declarado em prosa e verso, pelo próprio Bolsonaro na primeira cerimônia de beijar a mão dos EUA, na embaixada do Brasil, em março de 2019. Lá, ele assegurou que o governo terá a missão de “desconstruir” e “desfazer muita coisa”. Vai indo bem, está destruindo a aposentadoria, a rede de proteção social, a Amazônia, a vida indígena, e por aí vai.

    Aqui não é o lugar de deslindar melhor esse projeto alucinado e fascista, realizado com afinco e enorme eficiência. É preciso prestar atenção ao método que esse projeto utiliza, talvez intuitivamente, talvez bem orientado por John Bolton e sua camarilha.

    O escritor italiano Umberto Eco (1932-2016) nos avisava: “Para um Ur-Fascista não há luta pela vida, mas a vida é vivida pela luta, Mussolini é dono da frase mais sintética sobre isso: ‘Somos fortes porque não temos amigos’”. O prefixo “ur” refere-se àquilo que é primordial ou essencial.

    O fascismo não tem adversários, tem inimigos e o que promove é a mera destruição do inimigo, como Hitler contra os judeus. Bolsonaro chegou a declarar, com a elegância que é sua marca: “Vamos acabar com o cocô, que são os corruptos e os comunistas”. Não se pode acusar Bolsonaro de incoerente

    Governar, para Bolsonaro, é enfrentar inimigos, quando estes não existem ele os inventa, como o “kit gay”. Repare que falo inimigos, pois o fascismo não tem adversários, tem inimigos e o que promove é a mera destruição do inimigo, como Hitler contra os judeus. Bolsonaro chegou a declarar, com a elegância que é a sua marca: “Vamos acabar com o cocô, que são os corruptos e os comunistas”.

    Não se pode acusar Bolsonaro de incoerente, as loucuras dele são compartilhadas fielmente por quase todo ministério.

    O inimigo de
    Bolsonaro é o Brasil

    Não discordarei se você concluir que o inimigo eleito por Bolsonaro, aliado a Trump e iluminado por Olavo de Carvalho, é o Brasil. Bolsonaro conta ainda com apoio interno para essa tarefa. Destruição é a palavra mais ouvida e temida do governo atual: destruir a Previdência, as Universidades, as empresas estatais.

    Com a honrosa exceção dos estudantes, UNE e UBES, e dos 25% que ainda aprovam as sandices de Bolsonaro, o resto do país sofre de desesperança, sente-se incapaz de fazer algo e não faz nada. Há um estado psicológico de desamparo, normalmente associado à ansiedade

    Além da força bruta, que Bolsonaro usa sempre que consegue, há outros métodos de governo, leia-se, de eliminar os inimigos. O sociólogo Carlos Serra se utiliza de um verbo angolano, ‘confusionar’, provocar confusão no adversário, e elenca mandamentos para isso, sendo os preferidos de Bolsonaro:

    Diabolização – “Jair Bolsonaro afirmou, durante um evento evangélico, que a “ideologia de gênero” é “coisa do capeta”, o PT, a esquerda, são coisas do demônio, e devem ser exorcizadas. Note-se que todos – Rede Globo, Folha de SP, MEC – antes de serem destruídos, todos são comunistas, portanto, todos guerreiros do demônio, que devem ser destruídos. Como candidato, Bolsonaro afirmou querer abolir Paulo Freire do MEC com lança chamas”.

    A demonização encerra o inimigo em uma vala comum, o inferno, onde qualquer coisa que ele fizer será uma estratégia insidiosa para capturar nossa alma. Nenhum diálogo com ele faz sentido.

    Ironia – Bolsonaro: ‘Quando se fala em poluição ambiental, é só você fazer cocô dia sim, dia não, que melhora bastante a nossa vida’. A ironia, pesada e chula, quando usada contra um inimigo, destrói a capacidade de enfrentamento, de crítica, de contestação.

    Complô – Aqui a função é dupla, Bolsonaro inventa complôs e depois os combate ferrenhamente, como as organizações comunistas que dominam as Universidades (sic) e organiza complôs contra a sociedade organizada.
    Provocação – Carlos Serra, com razão, considera a provocação o mandamento que aglutina todos os outros, uma espécie de síntese de todos. Bolsonaro provoca a tudo e a todos, inclusive figuras tidas como aliados, como Sérgio Moro – “vai fazer troca-troca”. Procure, será difícil você encontrar uma fala de Bolsonaro no Twitter que não implique, direta ou indiretamente, uma provocação.

    Confusionar o inimigo

    O efeito de tudo é o de confusionar os inimigos, ou seja, todos nós. Qual o efeito da confusão que Bolsonaro provoca?

    Já se viu que Bolsonaro governa como quem guerreia e que o inimigo somos todos nós. Na guerra, a principal estratégia consiste em confundir esse inimigo. Se você souber o próximo passo do contendor, você pode reagir, contra-atacar ou no mínimo se defender. Quando o inimigo conseguir confusionar e lhe deixar sem saber de nada sobre os próximos passos, você perdeu. A ausência de lógica e de racionalidade é uma estratégia de guerra, que até agora tem sido vitoriosa.

    Se você apertar o botão, o elevador vem. Você aprendeu que, para trazer o elevador você precisa apertar o botão. Agora, imagine que o elevador não venha se você apertar o botão, você também aprende isso, o que não deve fazer para que o elevador venha. Você pega o biscoito e leva um tapa.

    Aprende a não pegar o biscoito para evitar o tapa. Se você levar o tapa porque não pega o biscoito, outra vez você aprende a evitar o tapa, você pega o biscoito.

    Mas você pode aprender ainda outra coisa; imagine que você aperta o botão ou pega a bolacha e o elevador ou o tapa, venha algumas vezes e não venha outras. Idem, você não aperta o botão e não pega biscoito e às vezes o elevador ou o tapa vem ou não, você aprende. Aprende que nada do que você faça ou não faça lhe traz algum resultado previsível. Você aprende que não adianta fazer nada para controlar as respostas do seu meio. Você está desamparado. Desamparo aprendido.

    Evitando choques

    O psicólogo estadunidense Martin Seligman estudou isso há meio século. Um cão recebia choques e tinha ao alcance uma alavanca para apertar e evitar o castigo. O seu par recebia os mesmos choques, mas não tinha alavanca para os evitar. Depois, os dois cães iam para uma situação na qual bastava saltar para o outro lado da gaiola em que haviam sido colocados para evitar o choque assim que ouvissem a campainha. Dessa forma, quem conseguia evitar os choques antes rapidamente aprendia a se livrar deles. No entanto, aquele que recebera choques inevitáveis, abaixava, gania, mas não conseguia evitá-los. O fenômeno é análogo à depressão, o desamparo aprendido. O mundo ensinou que não adianta fazer nada para evitar o sofrimento ou conquistar o prazer, e aprendemos a não fazer nada, a não agir ou reagir, sendo levado à depressão.

    Isso dói, isso provoca sofrimento, sofrimento emocional.

    O nosso mundo não é composto apenas de botões e biscoitos. A maioria das coisas que vivemos e enfrentamos tem origem e repercussão social. São situações que demandam um controle social, e que podem produzir a percepção de que nada do que fizermos pode alterar o quadro, somos vítimas do desamparo também em nível coletivo.

    Um garoto que recebe castigos e afagos sem poder perceber o que fez para que um ou outro ocorra, é um forte candidato ao desamparo aprendido, um fenômeno psicológico análogo à depressão.

    Uma tristeza profunda, sem fim, associada a sentimentos de dor, amargura, desencanto, desesperança, baixa autoestima e culpa, alguns sinais de depressão. Parece familiar?

    Desesperança e inação

    Com a honrosa exceção dos estudantes, UNE e UBES, e dos 25% que ainda aprovam as sandices de Bolsonaro, o resto do país sofre de desesperança, sente-se incapaz de fazer algo e não faz nada. Claro que existem razões fortes advindas da má organização das forças progressistas ou ainda na falta crônica de um programa político, quer seja de enfrentamento, quer seja de alternativas de poder. Mas também há um estado psicológico de desamparo, um estado psicológico normalmente associado à ansiedade.

    Haverá reversão da situação, a menos que as Universidades já tenham sido eliminadas, a Amazônia tenha se tornado um deserto, os índios eliminados por garimpeiros, os velhinhos já tenham morrido trabalhando e o povo esteja se matando. A menos que não haja mais Brasil

    O psiquiatra Fernando Tenório escreveu um post no Facebook, relatado por Eliane Brum, no jornal El País: “Acabei de atender a um homem de 45 anos, negro, sem escolaridade. Nos últimos cinco anos, viu seus colegas de setor serem demitidos um a um e ele passou a acumular as funções de todos.

    Disse-me que nem reclamou por medo de ser o próximo da fila”. Tem sintomas de esgotamento que descambam para ansiedade. Qual o diagnóstico para isso? Brasil. Adoeceu de Brasil.

    A reversão do quadro

    Os brasileiros estão doentes de Brasil, depressão e ansiedade que nos atingem como epidemia, cotidiano que nos entristece, com um dia a dia de absurdos vomitados pelo presidente da República.

    Haverá reversão, a menos que as Universidades já tenham sido eliminadas, a Amazônia tenha se tornado um deserto, os índios eliminados por garimpeiros, os velhinhos já tenham morrido trabalhando, ou por receber 400 reais por mês e o povo armado esteja se matando. A menos que não haja mais Brasil.

    O Brasil sofre de desamparo e aprendeu que nada pode ser feito. Aprendeu a sofrer calado com todas as artimanhas usadas para nos confusionar. Até agora, Bolsonaro e asseclas lograram o maior objetivo: destruir o Brasil.

    Para isso, instalar a ausência de uma resposta da sociedade aos descalabros, como os cães de Seligman, aprendemos a não reagir.

    A ausência de resposta das ruas aos descalabros, o jogo de cabra-cega que assola a oposição e o silêncio constrangedor da cidadania não podem ser explicados apenas pelo desamparo aprendido. Mas essa trama joga o papel na situação que estamos vivendo. Vale repetir, aprendemos todos que não há nada a fazer, estamos todos acabrunhados, tristes, vendo o mundo desabar, com a cabeça enterrada no chão, à espera do pior. “A minha gente hoje anda falando de lado e olhando pro chão” Outra vez Chico.

    Os cães do experimento de Seligman, só venciam a letargia quando eram puxados fortemente pela coleira, obrigados a enfrentar o desamparo. De quem, de onde virá o ato de força que nos obrigará a reagir? De nós mesmos?

    De onde quer que venha, que não demore, ainda é tempo de salvar o país. Do brasileiro expulsar o sentimento de abandono a si mesmo, recuperar a dignidade que só se conquista com a cabeça erguida.

    *Wanderley Codo é professor titular aposentado do departamento de Psicologia Social da UnB. É autor, entre outros, de Educação, Carinho e Trabalho (Editora Vozes).

    BAIXE AQUI A REVISTA N.26 COMPLETA

  • Sob Bolsonaro, em direção ao Estado Zero

    Sob Bolsonaro, em direção ao Estado Zero

    Sob Bolsonaro,
    em direção ao
    Estado Zero

    Está em curso uma regressão histórica no universo de direitos sociais, trabalhistas e previdenciários. Nesse terreno, é muito importante pontuar que há unidade burguesa na agenda liberal, mostrando a manutenção de uma hegemonia indiscutível dos interesses do capital financeiro sobre as frações políticas da classe dominante

    Por Fernando Silva (Tostão) 

    Para compreender o projeto ou os nexos do projeto do governo de Jair Bolsonaro – Paulo Guedes, entre a cínica frieza da agenda liberal-econômica com os destemperos e provocações constantes do presidente – é preciso um olhar panorâmico sobre o período aberto desde o golpe parlamentar de 2016.

    Esses anos são marcados por uma profunda ofensiva do capital financeiro em busca de um reordenamento ultraliberal do Estado brasileiro e uma mudança qualitativa nas relações capital-trabalho, com retrocessos históricos na legislação trabalhista. Tais diretrizes vão se traduzir politicamente na, cada vez mais evidente, ruptura com o pacto articulado em torno da Constituição de 1988, no terreno dos direitos sociais, econômicos, bem como no terreno jurídico e político.

    Alinhamento ao Trump

    O aprofundamento da agenda liberal sob o governo atual aponta na direção de uma maior subordinação ao capital financeiro, da perda de soberania, agravado com o alinhamento político Bolsonaro-Trump.

    Não é tema deste artigo abordar as responsabilidades dos governos de colaboração de classe do PT, suas inúmeras concessões – em particular o ajuste iniciado pelo segundo mandato de Dilma Roussef. Também não examinaremos a lógica da governabilidade com a própria direita para obter maioria no Congresso Nacional. Lógica que levou a um total esvaziamento da participação e mobilização popular. Como sabemos, essa deseducação política cobrou um preço altíssimo quando da conjuntura do golpe de 2016.
    Portanto, sem querer diminuir as responsabilidades dos governos petistas na tragédia que se abate sobre o país, essa pontuação crítica serve para se ter dimensão da ofensiva capitalista e da direita em torno do profundo reordenamento neoliberal em curso, pois nem mesmo as concessões dilmistas chegavam perto dos objetivos desta nova etapa.

    O primeiro tripé de
    uma regressão histórica

    O golpe de 2016 resultou num governo frágil e muito impopular que mesmo enfrentando crises políticas, denúncias de corrupção e uma fortíssima greve geral em 2017 aprovou o congelamento dos gastos no orçamento por 20 anos, a reforma trabalhista e o projeto de terceirizações. Ficou para o governo seguinte a missão de aprovar a reforma da Previdência que, esta sim, Temer não teve forças para conseguir.

    Sob o governo Bolsonaro a referida reforma foi aprovada na Câmara dos Deputados e com isso um tripé estratégico do reordenamento ultraliberal do Estado se conclui.

    “Esses anos são marcados por uma profunda ofensiva do capital financeiro em busca de um reordenamento ultraliberal do Estado brasileiro e por uma mudança qualitativa nas relações capital-trabalho, com retrocessos históricos na legislação trabalhista”

    Trata-se, portanto, de uma regressão histórica no universo de direitos sociais, trabalhistas e previdenciários. Nesse terreno é muito importante pontuar que há unidade burguesa na agenda liberal mostrando a manutenção de uma hegemonia indiscutível dos interesses do capital financeiro sobre as frações políticas da classe dominante. Afinal, a reforma da Previdência foi conduzida pelo chamado “centrão”, em que pese os inúmeros choques desse bloco com a facção bolsonarista e o próprio presidente.

    Além de estarem de acordo com a agenda econômica liberal, também é preciso observar que a sanha destruidora e provocadora de Bolsonaro e dos ministros mais fundamentalistas em nada é contraditória com a agenda global. Os cortes na Educação, a desastrosa política ambiental, os ataques aos sindicatos, as provocações e medidas na área de direitos humanos e democráticos se inserem dentro de uma lógica política, ideológica e também ultraliberal. A destruição de direitos de toda a ordem, o estrangulamento da Universidade Pública, a tentativa de reduzir a capacidade de resistência popular são totalmente úteis e instrumentais para a aplicação da agenda econômica.

    A agressiva política
    de privatizações

    Os ataques estruturais não se encerram com a reforma da Previdência. Chegamos então ao que parece ser o novo momento ou novo objetivo nessa lógica de destruição do Estado e subordinação ao capital financeiro e imperialista: a política de um amplo programa de privatizações e destruição de uma política social de investimento.

    “O golpe de 2016 resultou num governo frágil e muito impopular que, mesmo enfrentando crises políticas, denúncias de corrupção e uma fortíssima greve geral em 2017, aprovou o congelamento dos gastos no orçamento por 20 anos, a reforma trabalhista e o projeto de terceirizações”

    Este objetivo vem sendo perseguido de maneira mais explícita e selvagem pelo ministro Paulo Guedes e ganha mais força após a reforma da Previdência. Não obstante as inúmeras e desastradas declarações de Bolsonaro do tipo “tem que privatizar nem que seja uma estatal pequena por semana” ou dos anúncios contraditórios (primeiro o plano era anunciar 17 privatizações relevantes, depois foram 9), o fato é que também esses objetivos são para valer e são estratégicos para a agenda liberal. Gigantes como Correios e Eletrobras já estão na mira imediata. Não é pouca coisa.
    Estamos falando de um profundo processo de destruição do patrimônio público, da soberania e de um aprofundamento ainda maior da desnacionalização da economia, pois tal como nos processos anteriores, como o das telecomunicações, é evidente que o capital transnacional e imperialista são os mais sérios candidatos a abocanhar uma nova onda de privatizações.

    Senão vejamos: a gravíssima venda de 30% das ações da BR Distribuidora acabou com o controle majoritário da Petrobras e abriu as portas para gigantes multinacionais terem o controle da distribuição e comercialização dos combustíveis e derivados no país. E isso como parte de um aberto e cara de pau plano de “desinvestimentos da Petrobras”, assim assumido pela atual gestão liberal-bolsonarista na empresa.

    A perda de controle da produção e distribuição de energia pelo Estado brasileiro ou do controle dos Correios vão na direção do aumento dos lucros capitalistas, mas não do desenvolvimento, da soberania e sequer da melhoria dos serviços ou de qualquer possibilidade de regulação pelo Estado dentro dessa lógica selvagem do bolsonarismo.

    O exemplo da política da atual direção da Petrobras não é nada isolada, pois basta observar que os bancos públicos em particular o BNDES estão sendo esvaziados em relação à função de investimentos e empréstimos para produção e infraestrutura. É uma estratégia de Estado zero na economia e nos direitos.

    Mas é um engano estratégico ou diretamente uma falsa e cínica a ideia de que as privatizações e as mudanças nas legislações trabalhista e previdenciária vão atrair fortes investimentos, recuperar a economia, trazer empregos e desenvolvimento.

    Segundo artigo dos economistas Fernando Sarti e Mariano Laplane, no Observatório da Economia Contemporânea, 75% do investimento direto estrangeiro que entrou no país nos últimos 20 anos vieram após a crise internacional de 2008. Destes, grande parte veio para a aquisição ou fusão com empresas domésticas. De 2008 aos dias atuais aumentou sobremaneira a desnacionalização ampla da economia com mais de 2,5 mil operações de aquisição ou 57% do total das operações.

    Com toda essa abertura e esse aumento de investimento externo o país está no sexto ano de estagnação com 13 milhões de desempregados. Enquanto isso, a receita bruta das empresas estrangeiras no Brasil não parou de crescer, ou seja, quadruplicou no período de 1995-2015.

    De 2015 para cá – mesmo atualizando essa falsa ideia com o discurso oficial para uma perspectiva de que “agora o capital e os investimentos virão para valer” com a nova regulamentação trabalhista e previdenciária e com a desestatização global do patrimônio público – outros novos e velhos fatores podem contribuir para que essa equação do capital nunca vá se fechar.

    Uma longa estagnação?

    O cenário mundial é de extrema incerteza. A hipótese de que um aumento da temperatura na guerra comercial EUA/China coloque a economia capitalista na rota de uma nova recessão mundial pode por si só tornar o cenário de investimentos volátil, com deslocamentos para os portos mais seguros. Não se sabe o que pode acontecer com uma etapa de guerra de barreiras tarifárias e como a subordinada economia brasileira exportadora de commodities vai se localizar, dado inclusive o estado atual de “semianarquia” na política externa brasileira.

    Gigantes da economia capitalista, como a Alemanha, dão sinais abertos de recessão. E a permanente instabilidade que o próprio presidente gerou como o desgaste da imagem do país na crise ambiental em torno das queimadas na Amazônia, num cenário internacional turbulento, pode não só inviabilizar o acordo EU/Mercosul, como adiar por um bom tempo a esperada enxurrada de investimentos.

    Do ponto de vista do cenário interno uma política de ampla flexibilização e precarização de direitos, empregos e salários para a maioria da população, um esvaziamento do papel do Estado na economia e uma maior redução de direitos e cobertura social passam longe de serem indutores de retomada de crescimento, mesmo com baixos índices de inflação por ora. Para além do desemprego e do desalento, os recentes dados do aumento da miséria extrema dão pistas de que a agenda ultraliberal vai aprofundar a desigualdade social (segundo dados do Cadastro Único do Ministério da Cidadania, entre junho de 2018 e junho de 2019 a pobreza extrema aumentou e há mais de 13 milhões de pessoas nessa condição).
    A hipótese deste artigo é a de que a perspectiva mais provável é de estagnação ou crescimento medíocre em relação à capacidade de saída da crise econômica e social.

    Jair Bolsonaro venceu as eleições convencendo boa parte do eleitorado de que seria necessário sacrificar direitos para voltar a ter empregos para todos. A regressão monumental de direitos está em andamento, o “sacrífico” está sendo feito, mas o cenário externo e o selvagem reordenamento liberal do Estado e das relações capital-trabalho não parecem apresentar a solução mágica de curto prazo. Esta poderá ser a última fronteira para um deslocamento da maioria da população para a oposição ao governo. As brechas para uma resistência ampla e popular têm sido abertas em episódios como a mobilização da educação, a defesa da Amazônia entre outras.

    Em busca de outro
    desenvolvimento

    Será preciso estar preparado para a hipótese de um deslocamento maior da população contra as medidas do governo que permitam ao menos deter o aprofundamento da ofensiva reacionária. Continua sendo para ontem a busca de uma ampla frente única para acumular posições, resistência de massas e evitar dispersão das lutas sociais. Sem o protagonismo popular não se derrota a agenda liberal onde o andar de cima está de acordo.

    Ao mesmo tempo, a esquerda precisa entrar no debate do desenvolvimento com outra lógica, capaz de oferecer uma alternativa estratégica ao desastre que se anuncia. A alternativa à agenda liberal não pode ser um mais do mesmo das alternativas nacional-desenvolvimentistas burguesas. Será preciso, com certeza, um amplo resgate do Estado brasileiro no que diz respeito à universalização de direitos sociais e humanos, da capacidade de controlar setores estratégicos da economia, na capacidade de priorizar investimentos em pesquisa e tecnologia, numa inédita e soberana regulamentação estatal sobre o capital financeiro.

    “Chegamos ao que parece ser o novo momento ou novo objetivo nessa lógica de destruição do Estado e subordinação ao capital financeiro e imperialista: a política de um amplo programa de privatização e destruição de uma política social de investimento”

    Mas para além disso, é preciso pensar num modelo que coloque no eixo a busca de uma transição na matriz energética e produtiva que rompa a exclusividade na dependência dos combustíveis fósseis; numa profunda mudança no modal de transportes no país e nas grandes cidades; numa profunda reforma agrária que equacione os recursos da terra para colocar um fim na lógica predatória do desmatamento; e numa transição no modelo de mineração para colocar um fim nos desastres do modelo extrativista que geram Marianas e Brumadinhos. Precisamos de outra lógica que parta da ideia de um desenvolvimento distributivista das riquezas já produzidas e existentes, que por si só já significaria uma revolução na estrutural desigualdade e que, por fim, equacione as condições para uma ruptura com os modelos predatórios de crescimento.

    *Fernando Silva (Tostão) é jornalista
    e membro do Diretório Nacional do PSOL

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  • Crise do Pacto Federativo: Lei de Responsabilidade Fiscal

    Crise do Pacto Federativo: Lei de Responsabilidade Fiscal

    Crise do Pacto Federativo: Lei de Responsabilidade Fiscal

    O presente artigo é o terceiro da série sobre a crise do Pacto Federativo Brasileiro. Nele serão apresentadas as razões pelas quais a Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF agride a autonomia dos entes federativo, reduzindo absurdamente a capacidade de governo de estados e municípios ao mesmo passo que amplia os privilégios econômicos do setor financeiro. 

    Por Pedro Otoni*

    Após apresentarmos, em artigos anteriores no Observatório da Democracia,  a Lei Kandir (ver aqui) e o Sistema de Dívidas Públicas Estaduais (ver aqui) como pilares da crise do Pacto Federativo, é o momento de apresentar o terceiro pilar: a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Usamos a metáfora do Cão Cérbero, o monstro tricéfalo, onde cada cabeça representa um mecanismo de interdição da federação. A terceira delas é a LRF. 

    O federalismo não cabe no orçamento

    A Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei Complementar 101 de 2000, foi sancionada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e tinha como argumento principal a busca por disciplinar os gastos dos governos evitando o endividamento público excessivo; além disso, como linha auxiliar da narrativa, pregava a moralidade e a transparência.

    Declaradamente seria enfrentado com a LRF o desequilíbrio fiscal presente nos entes da federação. O problema estaria nos executivos, mas sobretudo nos governadores e nos prefeitos, tachados, quase que automaticamente, como perdulários e irresponsáveis com o orçamento público. 

    Outro argumento utilizado foi que os executivos estaduais e municipais não se preocupavam com a situação de insolvência uma vez que a União sempre estaria pronta a socorrê-los na crise por eles produzida. Ou seja, os governadores e prefeitos ao perseguir objetivos de curto prazo e seus benefícios políticos com os gastos descontrolados colocariam em risco a estabilidade macroeconômica do país. Assim sendo, a União deveria intervir e disciplinar os entes subnacionais, a LRF foi o mecanismo escolhido.  

    A narrativa que envolvia a aprovação da LRF falava sobre a necessidade de se criar um marco legal tecnocrático de promoção do equilíbrio das contas públicas, porém, politicamente, significou a invasão da União nas prerrogativas estaduais e municipais. Em outras palavras, a LRF assumiu a responsabilidade de disciplinar o que as urnas, supostamente, seriam incapazes de fazer. 

    A visão de que a democracia e os direitos sociais não cabem no orçamento não começou agora, seu ponto de partida originário está nas “reformas” do estado de Fernando Henrique Cardoso. 

    LRF: o declarado e o real sobre o superávit primário

    A divisão ponderada de atribuições na prestação de serviços públicos e arrecadação de tributos, prevista no tipo de federalismo fiscal assumido pela Constituição Federal de 88, entrou em antagonismo com o tipo de “reformas” do estado implementadas pelos Governos de Fernando Henrique Cardoso, marcadamente comprometidas com o atendimento das demandas do capital financeiro. Tal compromisso se materializou na agenda de privatizações, na manutenção das altas taxas de juros, e, no que tange ao debate da LRF, na formação de superávit primário como ponto central.

    A demonização do déficit fiscal foi a principal obra dos neoliberais no Brasil, estes pretenderam e lograram derrotar o pensamento desenvolvimentista e criar as condições para a imposição de um regime político, social, ideológico e econômico controlado pelo setor financeiro-especulativo. Garantir a qualquer custo o superávit primário implicou em abrir mão de uma política econômica voltada para as garantias da cidadania (serviços públicos e direitos) e da economia real (geração de emprego). O pagamento da dívida pública, assentada em juros exorbitantes, se tornou, com a LRF, a razão de existência do sistema fiscal brasileiro. 

    O senso comum é errático, em especial porque tende a igualar coisas que são essencialmente diferentes. O déficit de uma empresa privada é algo distinto do que ocorre com o estado, por uma razão simples, o estado é um emissor de moeda, tem a capacidade de controlar, por iniciativa própria, as taxas de juros, e com isso equilibrar a formação de dívida com fomento à economia real, em especial o fomento ao trabalho, que por sua vez aumenta o volume de recursos tributáveis pelo próprio estado. O déficit produz riqueza para a sociedade como um todo se for orientado na direção do setor produtivo. Os neoliberais atacaram esta noção macroeconômica a substituindo por uma ideologia anti-estado e antipolítica. Conter os gastos passou a ser entendido como algo positivo aos olhos de grande parte da sociedade (trabalho feito pela grande mídia), pagar juros altos aos bancos se transformou em sinônimo de responsabilidade. 

    LRF X Constituinte de 88

    A proposta de austeridade e formação de superávit primário poderia ser apenas um programa de governo neoliberal, ou seja, passível de avaliação por meio do sufrágio. Com a LRF ela se transformou na regra articuladora do modelo de estado. A LRF deu perenidade a uma proposta de governo que deveria estar sujeita a avaliação e revisão pelo voto. Mas, a contrário, ela se impôs como um programa, por meio de lei, que percorreu todas as gestões dos executivos desde então, ou seja, feriu o regime pactuado pelos atores políticos da Assembleia Nacional Constituinte de 88, na medida que a LRF, que é uma lei complementar à Constituição, na prática, desfigurou a Carta Magna, alterando suas noções de estado e de governo. 

    A LRF não se trata, portanto, de um mecanismo de controle dos gastos públicos, mas sim de um instrumento de  imposição de um programa de governo específico, no caso o programa de FHC, sobre todos os governos posteriores, sejam eles federais, estaduais ou municipais. Após aprovada a Lei de Responsabilidade Fiscal os governos eleitos – independente do partido que tenha triunfado nas urnas –  na união, estados e municípios foram forçados juridicamente a seguir o programa neoliberal em alguma dimensão. 

    Sendo assim, a LRF não apenas atacou a autonomia dos entes federativos, como a própria democracia, uma vez que os eleitores são impedidos de escolher de maneira plena o programa de governo que melhor representa sua opinião. O repertório de ações de governos foi estreitado, a competição eleitoral passou a se dar entre as diferentes abordagens e possibilidade de governo dentro do paradigma imposto pela LRF.

    Uma lei que determina percentuais de orçamento dos entes federativos fora da pactuação constitucional, ou seja, do poder constituinte originário, está solapando do povo a prerrogativa de escolher o seu modelo de estado (Assembleia Constituinte) e um programa de governo por meio de eleições. 

    Da Responsabilidade à Recuperação Fiscal

    Duas décadas se passaram desde a aprovação da LRF e no lugar do chamado “equilíbrio” os municípios e estados encontram-se, em sua maioria, à beira da insolvência. Segundo o Índice FIRJAN de Gestão Pública, última versão publicada em 2017, 86% dos municípios brasileiros estão em situação fiscal grave ou crítica. No mesmo ano, 19 estados ultrapassaram o limite de gastos com pessoal (60% da receita corrente) estabelecidos pela Lei. Ou seja, a situação se agravou sob a vigência da LRF. 

    Estamos, portanto, no momento de uma avaliação séria sobre o tema. No lugar disso, durante o governo Temer se criou o Regime de Recuperação Fiscal – RRF, no qual os estados e os municípios que aderissem a ele teriam ajuda financeira ou suspensão temporária do pagamento de suas dívidas com a União em troca do compromisso de assumirem um programa de austeridade brutal, que prevê, entre outras medidas, a privatização das empresas públicas estaduais e municipais, limitação nas contratações, congelamento de salários de servidores e alienação de patrimônio público. 

    Se a LRF estabeleceu um cerco aos estados e municípios, o RRF irá promover seu aniquilamento completo. Estados e municípios se transformarão em entes ingovernáveis. A centralização de prerrogativas e condições de negociação da União não deixa espaço para a existência de uma república federativa. 

    Este fato tem gerado um efeito perverso no próprio comportamento político, pois os candidatos ao executivo assumem o discurso da impossibilidade de governar, e a única opção seria, então, gerir a crise. Basta procurar quantos candidatos nas últimas eleições municipais e estaduais se declararam contra a Lei de Responsabilidade Fiscal e encontrará uma minoria isolada. Praticamente nenhuma candidatura viável procurou demonstrar aos eleitores a irresponsabilidade social da LRF.  Estabeleceu-se um sistema de seletividade reversa no qual se premia os que se curvam diante da crise. O judiciário, a imprensa e, em alguns casos, os próprios partidos, selecionam um tipo novo de candidatura, não as mais aptas a governar, mas aquelas que declaram categoricamente que não irão, os chamados gestores. Por ironia, mesmo com toda suposta inteligência técnica, boa parte destes gestores conseguiram apenas empurrar para debaixo do tapete o problema que declararam capazes de solucionar, chamaram isto de “contabilidade criativa”. 

    A ideologia neoliberal descreve o problema federativo como uma questão contábil, mas os resultados e a experiência dos últimos anos demonstraram o contrário.  O aprofundamento da crise fiscal é diretamente proporcional à radicalização da agenda de austeridade. Superar a insolvência das entidades subnacionais implica em afirmar suas prerrogativas e autonomia. Implica em compreender o papel que a Lei de Responsabilidade Fiscal, o Sistema das Dívidas Estaduais e a Lei Kandir tem na crise do Pacto Federativo, como foi a intenção deste conjunto de artigos.

    *Pedro Otoni é mestre em Ciência Política, especialista em Economia Política, bacharel em Direito e colaborador da Fundação Lauro Campos – Marielle Franco.

    Fontes:

    FIRJAN. Índice FIRJAN de Gestão Pública (2017). Disponível em: https://www.firjan.com.br/ifgf/ , Acesso em 14/10/2019.

    MINISTÉRIO DA FAZENDA. Tesouro Nacional. Exposição da União à Insolvência dos Entes Subnacionais (2018). Disponível em: 
    https://www.tesouro.fazenda.gov.br/documents/10180/0/Texto+da+discuss%C3%A3o/b0119b85-0179-4fe5-9f98-93ed9e84209e,  Acesso em 14/10/2019.

  • “Mais que traição à Revolução Cidadã, foi uma traição ao povo”, comenta Rosa Erraez sobre as política de Lenin Moreno no Equador

    “Mais que traição à Revolução Cidadã, foi uma traição ao povo”, comenta Rosa Erraez sobre as política de Lenin Moreno no Equador

    “Mais que traição à Revolução Cidadã, foi uma traição ao povo”, comenta Rosa Erraez sobre as política de Lenin Moreno no Equador

    A Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, conversou com a sindicalista, Auxiliar de Enfemagem e Secretária Geral do Sindicato Nacional dos Auxiliares de Enfermagem do Ministério da Saúde Pública, Rosa Ana Garrido Erraez, que nos contou como foi o processo de eclosão social no Equador e os principais impactos da políticas antipopulares de Lenin Moreno.

    FLCMF – Qual é a real situação no Equador com a eclosão da revolta popular?
    Rosa Ana Garrido Erraez – A situação no Equador tornou-se caótica, uma vez que as vias de acesso às diferentes cidades foram bloqueadas, a manifestação dos cidadãos percorreu todos os espaços em protesto às medidas adotadas pelo governo.

    FLCMF – O que significa para o Equador a traição de Lenin Moreno ao programa e os fundamentos da “Revolução Cidadã”?
    Rosa Ana Garrido Erraez – Mais do que uma traição à Revolução Cidadã, foi uma traição ao povo, por conta de Moreno não estar aberto a uma consulta com o povo, para o povo decidir. 

    FLCMF – Quais são os reais efeitos na população do “Paquetazo”?
    Rosa Ana Garrido Erraez – É o aumento dos custos de alimentação, transporte, moradia, serviços básicos e tudo que nos mantém vivos.

    FLCMF – É histórico do movimento indígena e social do Equador cercar Quito para pressionar (e derrubar) governos que não respondem aos anseios do povo. Na história recente do Equador, 5 foram derrubados. O que significa a mudança do governo para Guayaquil?
    Rosa Ana Garrido Erraez – A proteção do poder e das funções de Lenin Moreno como presidente também é apoiada por grupos de direita tradicionais estabelecidos em Guayaquil e em Quito.

    FLCMF – Há a possibilidade do governo também ser cercado em Guayaquil?
    Rosa Ana Garrido Erraez – As possibilidades são muito menores que as de Quito.

    FLCMF – O petróleo é um bem do povo equatoriano. O quão é importante mantê-lo no domínio dos equatorianos?
    Rosa Ana Garrido Erraez – É muito importante, uma vez que os lucros advindos da venda desse recurso são investidos no país e no benefício do seu povo.

    FLCMF – Antes de colocar em prática esse projeto de país, como você acha que vai terminar esse processo de enfrentamento?
    Rosa Ana Garrido Erraez – Esse processo de confronto terminou com a revogação do decreto 883, que eliminou o subsídio ao combustível e propôs reformas trabalhistas antipopulares, com o governo se abrindo ao diálogo para reformular esse decreto, levando em consideração a opinião de grupos sociais e cidadãos em geral.