Autor: Redação Lauro Campos

  • ESTAMOS ULTRAPASSANDO O LIMITE DA BARBARIE

    ESTAMOS ULTRAPASSANDO O LIMITE DA BARBARIE

    ESTAMOS ULTRAPASSANDO O LIMITE DA BARBARIE

    Por Francisvaldo Mendes, presidente da FLCMF

    Podemos reafirmar que no grau de civilização atual que predomina no mundo, ainda mais nas Américas, a Barbárie é uma realidade. Vivemos ainda nos lamentos da pré-história e, a cada dia, somos forçados e enterrados ainda mais nos foceis da barbárie. Por vezes sentimos que todas as conquistas acumuladas são massacradas pelo sistema de exploração que é progressivamente imposto no capitalismo.

    As cenas de pessoas procurando por alimentos no lixo quase todos os dias em todo o país amplia os sentimentos de repulsa e indignação em quem aposta ou deseja alcançar a dignidade humana. As pessoas que aparecem nas notícias e mensagens postadas recolhendo a sobra estragada de comida, encontram-se em tal situação devido a uma política imposta, principalmente pelo governo federal aqui no Brasil. A garantia do lucro ganha perfil ainda mais indigno no executivo do governo brasileiro. Para que seja garantido o lucro das empresas, dos bancos e de um grupo seleto de oportunista de burgueses, a vida é massacrada, diminuída e tirada sem qualquer pudor.

    O sistema capitalista é direcionado para saquear todas as formas de sobrevivência do ser humano em um contínuo e progressivo modelo de necropolitica que é imposto para a maioria das pessoas. Os burgueses que controlam as coisas e a grande maioria de homens e mulheres agem, com auxílio da maioria dos “chefes de governos”, eleitos ou não, para degradar, cada dia mais, a dignidade, o corpo, a mente, a esperança e a relação humana. E, neste processo, o governo atual que há no Brasil atua saqueando a vida e exterminando com a dignidade.

    A maioria das pessoas que existem no Brasil são violentadas por dentro e por fora, sentem os mais pesados golpes da exploração e o que muda é apenas a escala das opressões e golpes. Isso exige que os sujeitos, trabalhadores e trabalhadoras, enfrentem com altivez e determinação esses cenários bárbaros que indicam um total desrespeito pela maioria das pessoas.  e pelas leis existentes no Brasil e, até mesmo, pela Constituição (dita lei máxima).

    Registra-se que é sim por obra da política hegemônica, principalmente do atual Governo Federal, a imposição da atual situação de doença e morte que massacra a maioria da população brasileira. Mas, a desumanidade e cada dia mais latente e quando temos um sistema que garante mesmo que com amparo da lei que recebam salário cerca de 50 vezes superior ao salário-mínimo atual, e apareça como se fosse natural tais ações absurdas. E não se trata do compreensível, muito menos aceitável, que a grande maioria das pessoas seja brutalizada na sociedade.

    A política atualmente imposta, no contexto da necropolitica, atinge como alvos pessoas que estão em condição de rua, nas favelas e periferias das cidades brasileiras e são as que mais sofrem o impacto arrasador da política para forçar a manutenção e ampliação do lucro, com ampliação progressiva do sistema da relação social de exploração. É neste contexto de morte aberta, no qual mais de 600 mil pessoas já padeceram, que o Ministro da Economia “brinca” de paraíso fiscal a custas do dinheiro público. Deputados, viajam, confabulam e negociam emendas para se beneficiar, e os corporativismo se aproveitam do momento para resguardar ou ampliar suas “mamatas”.

    Assim, o governo aprofundando a lógica do sistema, diverte-se com a retirada da vida como se fosse comédia diária para as pessoas que já tiveram a vida diminuída e para as pessoas que terão a vida furtada efetivamente, seja com a humilhação de colher comida no luxo, seja de enfrentar o desemprego crônico e estrutural para que a versão do capitalismo em curso, tendo na linha de frente o Governo Federal garanta o lucro e a diminuição do tempo de vida dos pobres.

    São pessoas que distantes de qualquer “salário”, independente que qual força de trabalho e que trabalho concreto pode executar, estão infinitamente distantes da vivência mínima com dignidade, do acesso educação, moradia, e dos organizadores do poder no Estado. Afinal, as desigualdades que chegam em todas as esferas humanas não chegam nos organizadores do poder que tomam o governo central brasileiro.

    Frente tais condições pelas quais passamos ações contundentes para organização, mobilização, formação com composições coletivas são fundamentais para fazer valer quem somos e o lugar da dignidade para a maioria das pessoas. Precisa-se exigir e conquistar que o Estado assuma a vida como valor universal e não seja impositor da morte. Para além de atuar contra a atuação do governo federal atual, precisamos ser as pessoas que organizadamente se colocam como artífices para garantir e ampliar a dignidade humana.

  • O projeto de exclusão social de Guedes e Bolsonaro

    O projeto de exclusão social de Guedes e Bolsonaro

    O projeto de exclusão social de Guedes e Bolsonaro

    A Coreia do Sul retratada em Round 6 e o capitalismo brasileiro

    Por Eduardo Borges*

    Texto publicado originalmente no site A Terra é redonda

    O economista coreano Há-Joon Chang, professor de Economia Política do Desenvolvimento na Universidade de Cambridge, escreveu um livro instigante intitulado 23 coisas que não nos contaram sobre o capitalismo. O professor Chang tem demonstrado em seus trabalhos uma perspectiva bastante crítica em relação ao funcionamento do sistema capitalista nos levando a relativizar alguns clichês do economês liberal que muito pouco dialoga com a vida real nas sociedades capitalistas.

    O fato dele ser coreano é relevante. A Coreia do Sul e os chamados Tigres Asiáticos foram, a partir dos anos 1980 do século XX, a principal peça de propaganda do suposto triunfo de um modelo de capitalismo em alternativa ao já desgastado modelo ocidental. Mais do que isto, nos parece que a indústria cultural coreana está sendo realmente assimilada pelo mundo ocidental. A estética anime é sucesso entre os adolescentes do mundo. Desde o Oscar entregue a Parasita tornando-o o primeiro filme em língua estrangeira a ganhar o prêmio de melhor filme da Academia de Cinema americano e o sucesso do K-pop e sua mistura de gêneros, que os coreanos caíram no gosto popular. O sucesso mundial da série Round 6 é somente uma consequência lógica de uma indústria cinematográfica que vem se constituindo em uma das mais originais e vigorosas do mundo.

    O que temos a aprender com os asiáticos? Seriam eles donos de uma superior inteligência estratégica, resultados de suas respectivas culturas milenares? No Brasil, a Coreia do Sul passou a ser a principal referência de um capitalismo triunfante e conquistou vigorosamente os corações e mentes dos liberais brasileiros. A burguesia brasileira encontrou no desenvolvimento industrial coreano um exemplo de primo pobre (Brasil e Coreia do Sul são periferias do Sistema Mundo Capitalista), que conseguiu triunfar apostando em mais capitalismo. Mesmo nesse caso, nossa burguesia se mostrou medíocre e desonesta. Não se preocupou em sofisticar a análise do “triunfo” coreano e tampouco buscou incorporar as ações desenvolvimentistas da burguesia coreana. Já nos lembrou Florestan Fernandes que nossa burguesia é atavicamente contrarrevolucionária. Eu complemento dizendo que ela é “patologicamente” entreguista, insensível e usurária. Muito se fala que o governo Lula aproveitou os bons ventos vindos do mercado externo, mas, no entanto, não aproveitamos suficientemente para criarmos uma Samsung ou uma Hyundai.

    Por outro lado, se em algumas décadas atrás já tivemos uma economia melhor que a coreana, parte do “sucesso” do capitalismo coreano é assim explicada pelo economista Uallace Moreira: “(…) é inegável que a coesão entre Estado orientado por uma elite desenvolvimentista e oligopólios privados que aceitavam – e em certa medida influenciavam – a oferta de subsídios e a orientação estratégica estatal maximizou a oportunidade externa.”[1]

    Esta é a diferença básica entre Brasil e Coreia do Sul, nunca tivemos uma elite que pudéssemos chamá-la de desenvolvimentista. Contudo, pouco importa que a elite coreana seja mais preocupada com o desenvolvimento nacional do que a brasileira, no final das contas (e isto será explicitado em Round 6) o povo será sempre um número enquanto estivermos submetidos às regras e à ética (ou falta dela) de um selvagem e excludente capitalismo seja coreano ou brasileiro.

    Além disso, para o brasileiro médio, adepto da tese vulgar de que um país só se torna rico se investir em educação, a Coreia do Sul passou a ser a melhor expressão desta tese, sobre isto o citado professor Chang, para decepção de muitos, escreveu: “O que realmente importa na determinação da prosperidade nacional não é o nível de instrução das pessoas e sim a capacidade da nação de organizar pessoas em empreendimentos com uma elevada produtividade.”[2]

    Os liberais brasileiros, a exemplo do deputado federal Kim Kataguiri, sempre muito ciosos de sua subserviência ao capital internacional, fazem questão de encobrir o fato de estarmos correndo em círculo quando insistimos no argumento de que a educação fará do Brasil um país mais rico e desenvolvido. Com o grau de mecanização e com o uso cada vez mais indiscriminado de alta tecnologia nos meios de produção, uma boa parte da força de trabalho, seja nos países ricos ou nos periféricos, estará cada vez mais “repondo mercadorias nas prateleiras dos supermercados, fritando hambúrgueres em restaurantes fast-food e fazendo faxina em escritórios”.[3] O “liberal” brasileiro segue obtuso e repetidor de mantras econômicos já superados até mesmo entre os liberais do centro do capitalismo mundial.

    Mesmo diante de todas as evidências negativas das políticas econômicas neoliberais, criadora de pobres e miseráveis, os ultraliberais brasileiros (representados pela turma do ministro Paulo Guedes) preferem encampar uma estratégia de desenvolvimento, que insiste em reproduzir a velha lógica do surrado Consenso de Washington, e se colocam em defesa de uma gama de clichês neoliberais como o Estado mínimo, que inclui desconstruir completamente qualquer tipo de seguridade social, uma reforma trabalhista que atinge de morte as relações de trabalho precarizando a proteção social da classe trabalhadora e o forte investimento em um sistema econômico concentrador de renda e gerador de exclusão social.

    Porém, não contavam nossos empedernidos liberais, eternos fãs do “triunfo coreano”, que uma obra de ficção causaria um impacto no mínimo constrangedor às suas teses econômicas. A série sul-coreana intitulada no Brasil de Round 6 (o nome original é Jogo da Lula ou Squid Game) ganhou telespectadores em todo o mundo e ao ser vista em 90 países bateu todos os recordes de audiência da famosa plataforma de streaming Netflix.

    Não sei até que ponto vou dar spoilers, mas a série gira em torno de um jogo mortal jogado por indivíduos em condições de vulnerabilidade social que enxergam no prêmio bilionário ofertado pelo jogo a solução de seus problemas pessoais. A princípio poderíamos argumentar que a série se torna interessante pelo fato de que os elementos que compõem sua estrutura central configura a melhor expressão do conflito de gerações que se impôs no século XXI com a consolidação da internet e das redes sociais. É muito comum que pais criados nos anos 70 e 80 insistam, ao argumentarem com seus filhos conectados, no desgastado discurso do “no meu tempo nós brincávamos de pião e bola de gude”.

    Estamos definitivamente na era da geração digital. Trata-se de uma geração que em decorrência de um estratosférico desenvolvimento tecnológico foi obrigada a ressignificar o próprio conceito de divertimento. A série faz um apelo a um visual colorido com cenários que remetem aos primeiros jogos eletrônicos. A estética retrô não deixa de ser uma estratégia de provocar certa nostalgia na audiência, ainda que se mantenha no universo da sempre atualizada diversão tecnológica. A escolha, como desafios aos participantes, de jogos que remetem a uma infância remota, certamente é proposital pela capacidade de terem uma linguagem de fácil entendimento e por sua universalidade. Isto fica mais bem caracterizado quando o roteirista opta em explicar na abertura da série as regras do “Jogo da Lula”, talvez por ser uma brincadeira restrita ao universo mental de uma criança coreana. Depois disso, o que temos é o velho cabo de guerra e a bola de gude. A série até pode ser acusada de apelar para uma violência exagerada, mas a cultura pop ocidental já foi devidamente “amaciada” pela estética lisérgica dos filmes de Quentin Tarantino.

    Depois de arrebatar a “plateia” com o uso estratégico da comunicação visual, Round 6 penetra em nosso consciente crítico ao colocar a audiência em contato com um discurso explicitamente político/social sobre a Coreia do Sul do século XXI.

    A história narrada pelo roteirista e diretor sul-coreano Hwang Dong-hyuk se sustenta nos pequenos ensaios críticos referentes ao funcionamento do capitalismo coreano. Seus principais personagens (ou jogadores) são responsáveis por aglutinar em cada um deles uma experiência decadente de vida. Temos um trabalhador grevista que perdeu o emprego em um processo de “reengenharia administrativa” da empresa, uma refugiada da comunista Coreia do Norte buscando sobreviver em meio à miséria da “coletividade individualista” do Sul capitalista, um estudante pobre que ousou penetrar no prestigiado universo do “meritocrático” ensino superior coreano, um paquistanês vivendo as agruras de um emigrante explorado em terra estrangeira e um bandido mafioso decadente.

    São sujeitos que povoam o tão admirado (principalmente pelos liberais brasileiros) capitalismo sul-coreano. 2021 é também a conjuntura do Coronavírus e todo seu impacto desastroso sobre países tradicionalmente com baixa densidade em termos de Estado de bem estar social. A Coreia do Sul é um desses países. Destituído de um sistema público de seguridade social universal o coreano é tão vítima do capitalismo selvagem quanto um brasileiro, um boliviano ou um angolano. Duas personagens idosas da série retratam bem como um país de idosos não se preocupou em oferecer um sistema previdenciário que lhes assegurassem um fim de vida mais seguro e saudável. Um dos motivos que levou a um dos personagens a se submeter à crueldade das regras do jogo é justamente a necessidade de pagar um tratamento médico para a mãe.

    O personagem Cho Sang-Woo é simbólico para demonstrar o quanto é excludente e elitista o sistema de educação superior na Coreia do Sul. Nascido e criado em um bairro periférico transformou-se em uma espécie de “herói local” só pelo fato de ter sido o único da comunidade a ter conseguido adentrar na Universidade de Seul e consequentemente furar a bolha da elite corporativa coreana. É interessante como os ministros da educação do governo Bolsonaro querem reproduzir no Brasil esta lógica excludente e elitista. Mas Cho Sang-Woo também serve a outro discurso na série, aquele do indivíduo que veio da parte baixa da pirâmide social e que ao “receber” o privilégio de ascender socialmente, não conseguiu se tornar imune à ambição desmedida presente no mundo corporativo, decepcionando a família e a própria comunidade de onde saíra. Este, inclusive, foi o grande dilema ético/social que levou Cho Sang-Woo ao jogo mortal.

    A Coreia do Sul retratada em Round 6 é literalmente uma sociedade de endividados. Os indivíduos se deslocam sozinhos e desamparados em meio a um sistema cruel e insensível bem afeito ao individualismo exacerbado pregado pela lógica liberal capitalista. Eles são livres para escolher entre o inferno ou o inferno.

    Round 6 é bastante direto em seu discurso político. A crítica mordaz ao capitalismo coreano pode ser resumida, entre outros momentos, com a seguinte frase presente no roteiro: “há dois infernos, e o pior é a realidade”. Espelhando um modelo que o atual governo capitaneado pelo Sr. Paulo Offshore Guedes busca implantar no Brasil (e com o apoio de uma surreal classe média) a série coreana retrata a queda do nível de renda e o aumento da pobreza ampliados em decorrência de uma desumana reforma trabalhista neoliberal, iniciada nos anos 90 pelo governo de Kim Young-Sam, que prometeu mais emprego e entregou mais miséria e o aumento do trabalho informal precarizado.[4]

    Ainda que também seja bom divertimento, para nós brasileiros Round 6 é principalmente um alerta futuro e uma lição de vida. A realidade da sociedade coreana retratada na série é um esboço asiático do que o Brasil tem se tornado nos últimos anos. Mas não se enganem, ainda não chegamos ao fundo do poço. Com o aprofundamento das reformas, principalmente a administrativa que vai atingir em cheio o funcionalismo público, e a sanha privatista de Guedes e Jair, o selvagem capitalismo brasileiro ainda tem muita lenha para queimar. Aliás, em um rompante de “sincericídio” afirmou o próprio Bolsonaro: “Nada não está tão ruim que não possa piorar”. Vai vendo Brasil.

    Mas apesar do escancarado desmascaramento do capitalismo coreano provocado pela série, um “destacado” representante do ultraliberalismo brasileiro, o Deputado Federal Kim Kataguiri, ainda encontrou espaço para exercer sua profunda desonestidade intelectual e ideológica ao comparar, através de um meme, a história retratada em Round 6 com o socialismo. O esforço hercúleo feito pelo “nobre” parlamentar em fazer a infame comparação, e ainda ter o desplante de publicar em sua rede social, somente explicita o baixo nível intelectual e ético dessa malta de direitistas que emergiram das trevas no pós 2013 e ao naturalizarem um retrocesso civilizatório estabeleceram as bases que possibilitaram a ascensão de um sujeito como Jair Bolsonaro e toda sua representatividade burlesca completamente desprovida de empatia humana. Em Round 6, definitivamente, a arte imita a vida e mostra sua face mais cruel.

    *Eduardo Borges é professor de história na Universidade do Estado da Bahia.

    Notas

    [1] Lima, Uallace Moreira. O debate sobre o processo de desenvolvimento econômico da Coreia do Sul: uma linha alternativa de interpretação. Economia e Sociedade, Campinas, v. 26, n. 3 (61), p. 585-631, dez. 2017, p. 586.
    [2] CHANG, Ha – Joon. 23 coisas que não nos contaram sobre o capitalismo. São Paulo: Cultrix, 2013, p. 247
    [3] CHANG. op. cit., p. 254.
    [4] Moreira, Uallace. Round 6, K-pop e o Cinema Coreano. https://disparada.com.br/round-6-k-pop-cinema-coreano/.

  • A destruição do mundo do trabalho

    A destruição do mundo do trabalho

    A destruição do mundo do trabalho

    A era do capitalismo digital-financeiro implica a completa possibilidade da substituição do trabalhador vivo pela máquina

    Por José Micaelson Lacerda Morais*

    Texto publicado originalmente no blog A Terra é redonda

    O capitalismo digital-financeiro-de-vigilância impacta o mundo do trabalho de três formas, a saber: (1) reorganização da força de trabalho através da inclusão de uma nova categoria (trabalhadores de aplicativos) que está à margem de qualquer direito trabalhista; (2) como consequência do primeiro, estabelece novas relações de trabalho com grau de exploração maior que o próprio trabalho assalariado; e (3) aumenta o sedimento mais baixo da superpopulação relativa que habita o pauperismo, mesmo para os mais aptos ao trabalho, lançados de forma definitiva à informalidade pelas novas tecnologias e pelo novo padrão de automação da indústria 4.0 (que tanto poupam força de trabalho quanto usam de forma crescente robôs para executar as mais diversas atividades antes realizadas por humanos).

    Nesse contexto, não está em questão somente a desvalorização da capacidade de trabalho de um grande conjunto de atividades humanas, tampouco apenas a substituição parcial da força de trabalho pela máquina. A era do capitalismo digital-financeiro implica a completa possibilidade da substituição do trabalhador vivo pela máquina, consequentemente, uma completa destruição do mundo do trabalho como o conhecemos. O aspecto mais intrigante desse processo é que ele pode não enredar a destruição do processo de acumulação de capital. Tal é sua contradição (acumulação desvinculada do processo de trabalho propriamente dito)! Ao invés desse processo representar a completa destruição do capitalismo, parece prover novos meios ao movimento da acumulação, através do que denominamos de autonomização da autodeterminação do capital (assunto discutido em outro artigo, “O super capitalismo”, também publicado neste site). De forma geral, denominamos de autonomização da autodeterminação do capital o processo que resulta da interação entre financeirização e digitalização da economia, do qual se origina uma nova lógica de acumulação, que abre novas fronteiras para a continuidade do capitalismo, enquanto modo de produção dominante.

    Alguns exemplos do ex-mundo do trabalho. O McDonald’s, a gigante do fast-food, começou a testar um dispositivo de inteligência artificial (IA) em 10 restaurantes na cidade de Chicago, nos EUA, que substitui atendentes humanos do drive-thru por bots. Outro exemplo, ainda no setor de alimentação, mostra que tal substituição está acontecendo não só no setor de atendimento, mas também na própria produção. O Brooklyn Dumpling Shop é um fast-food que abriu as portas recentemente (2021), no Brooklyn,e opera de forma automática, com contato humano zero. O cliente não encontra ninguém ao entrar na loja, o pedido e o pagamento são realizados por meio de um totem, a comida é totalmente feita por uma máquina chamada “monstro”, capaz de produzir 30 mil unidades por hora, depois colocada em um armário que o cliente libera com um código de barras (UOL, 03/06/2021).

    Outra reportagem, também do UOL, de 30/04/2021, traz como título “Sem pedreiro: casal vai viver na 1ª casa feita por impressora 3D na Europa”. A primeira casa europeia produzida quase que inteiramente em 3D, fica no sul da Holanda, em Eindhoven, e foi construída com 24 peças de concreto impressas por uma máquina, dispensando pedreiros e um conjunto de materiais e estruturas, antes necessárias para a construção convencional de uma casa.

    Enquanto isso, na Grande São Paulo:

    “Formado em marketing, Claudio Francisco de Carvalho Junior, 37, faz entregas por aplicativo na cidade de São Paulo há um ano. Ele atua em uma área nobre do centro expandido da capital — passando pela Paulista, Aclimação, Bom Retiro, Barra Funda, Perdizes e Pompeia […] No início da pandemia de covid-19, Carvalho encontrou no delivery uma oportunidade para se manter. Hoje, conta que as dificuldades são muitas, desde situações delicadas no trânsito, a pressão para a entrega rápida, passando por uma remuneração que chega perto da dignidade só se as jornadas passarem de 12 horas diárias […]Os motoboys David, 27, e Francisco, 31, […] viraram entregadores de comida por causa da pandemia […]

    Sem rumo e sem dinheiro, compraram suas motos, baixaram um aplicativo de delivery e, desde então, saem da zona leste da cidade todos os dias em direção ao centro da capital […]

    Os entregadores de aplicativos não são contratados formalmente. Por isso, não recebem benefícios como vale-refeição ou plano de saúde […]Segundo estimativa do Sindmoto (Sindicato dos Mensageiros Motociclistas, Ciclistas e Moto-Taxistas do Estado de São Paulo):

    • A cidade de São Paulo tem em torno de 320 mil motociclistas.

    • No estado, são 650 mil.

    A entidade calcula que houve aumento de 20% a 25% no número de motociclistas que passaram a atuar profissionalmente com entregas e outros serviços neste ano, na comparação com 2020” (UOL, 06/2021).

    A realização de tarefas por máquinas e algoritmos vai mais além. A Amazon, por exemplo, vem substituindo o seu setor de RH por robôs, “[…] não apenas para gerenciar funcionários em seus depósitos, mas para supervisionar motoristas contratados, empresas de entrega independentes e até mesmo o desempenho de seus funcionários de escritório” (O GLOBO, 28/06/2021). O curioso é que a matéria da qual foi extraída esta citação tem como título “‘Fui despedido por um robô’: como a Amazon deixa máquinas decidirem destino dos trabalhadores”. Ela conta a história de Stephen Normandin que foi demitido via um e-mail automático.

    “O veterano do Exército de 63 anos ficou pasmo. Ele havia sido despedido por uma máquina. Normandin diz que a Amazon o puniu por coisas além de seu controle que o impediram de concluir suas entregas, como complexos de apartamentos fechados com chave. ‘Eu sou o tipo de cara da velha escola e dou 100% de mim em cada trabalho’, disse ele. ‘Isso realmente me chateou porque estamos falando sobre minha reputação. Eles dizem que eu não fiz o trabalho, quando sei muito bem que fiz’. Na Amazon, as máquinas costumam ser o chefe — contratando, avaliando e demitindo milhões de pessoas com pouca ou nenhuma supervisão humana” (O GLOBO, 28/06/2021).

    Além das linhas de produção dos setores mais dinâmicos da economia mundial, muitas outras atividades já se tornaram praticamente robotizadas, tais como atendimento de call center, consultores financeiros, de vendas e de marketing, até lojas comerciais, como a Amazon Go. Esta última utiliza uma tecnologia denominada de Just Walk Out Shopping, mesmo tipo de tecnologias usada em carros autônomos.

    Sobre os escombros do mundo do trabalho se ergue um capitalismo imparável e ao mesmo tempo autodestrutivo. No entanto, esta autodestruição pode não implicar, necessariamente, sua substituição por outra forma de organização social. Pode, sim, no limite significar a própria aniquilação da vida humana na terra.

    No limite, ainda, parece mesmo que estamos construindo um mundo pelas máquinas e para as máquinas. Até parece, também, que nós humanos e a natureza de forma geral somos apenas inputs agora necessários, mas que seremos ao seu tempo elementos descartáveis desse processo. No intermédio, estamos caminhando para tornar real uma obra de ficção apocalíptica. Entre tantas outras, lembramos de Elysium, um longa-metragem de 2013, do diretor Neill Blomkamp. Apesar de constituir apenas uma obra de entretenimento à moda hollywoodiana, talvez tenha capturado o sentido e a direção que pode tomar a sociedade do capital. Nele, a terra do século XXII não passará de um grande lixão, ainda miseravelmente habitável pelos tantos que foram deixados para trás. Uma seleta parte da humanidade irá viver em abundância, paz e beleza, em um satélite artificial, totalmente robotizado, criado para ser um verdadeiro paraíso.

    Pelo poder alcançado pelo capital com o capitalismo digital-financeiro-de-vigilância, talvez nunca passemos da pré-história humana, no sentido humanista do próprio Marx. A transformação da ciência não só em mercadoria, mas em capital, conferiu a este um poder praticamente sem limites.

    Desde que o gênero homo começou a sua aventura, há cerca de 2,2 milhões de anos, a humanidade não deu um passo sequer em direção a ela mesma. O capital representa nesse processo o ápice de uma construção social totalmente negada por nós, enquanto seres racionais, mas mesmo assim erguida através do roubo de milhares de vida no decorrer do tempo histórico. Todo trabalho acumulado, toda tecnologia desenvolvida, todas as mercadorias produzidas, não foram suficientes para nos mostrar que cada vida importa, nessa nossa curta existência coletiva terrena. De que importa o grau de educação, de saúde, as grandes cidades, a quantidade e a diversidade de produtos, a sofisticação tecnológica que alcançamos, se não nos tratamos como iguais? Se não nos respeitamos como iguais! Se não repartimos os frutos do trabalho social como iguais! Se destruímos com tanta avidez o meio que preserva nossa própria existência!

    Nesse sentido, a nossa capacidade de raciocínio, de planejar, projetar e executar, parece que não serviu para eliminar a violência como forma animal da nossa existência, tão somente serviu para executá-la com requintes de crueldade cada vez mais sofisticados. Movidos por motivos de crença, raça, poder, misoginia, xenofobia, riqueza, ciência, etc., promoveram-se as mais horríveis e grandiosas violências, como as cruzadas, o escravismo capitalista, o nazismo, o neoliberalismo, etc., etc., etc.

    O século XX apresenta-se emblemático para a humanidade. Pois, em apenas um século, criamos a capacidade de destruir milhares de anos da existência humana e de sua história. O anúncio foi feito, em 1945, com a explosão da bomba nuclear em Hiroshima. Por sua vez, a guerra fria fez proliferar armas nucleares como cogumelos. A economia e a ciência promoveram uma devastação contínua na terra, nos rios, oceanos, modificando a própria biosfera do planeta. A mundialização do capital, sua digitalização, e a forma política criada para sua gestão ‒ o neoliberalismo, fizeram as democracias derretem tal como açúcar na água, completou a transformação da política em negócio, por sinal muito lucrativo, separando-a de vez da sociedade. Não há desenvolvimento descontrolado das ciências e das técnicas. Pelo contrário, as ciências e as técnicas se tornaram formas capitais da acumulação pela acumulação, autonomizando completamente o capital dos conteúdos da vida. A regressão política e social a qual estamos imersos talvez tenha um significado maior; da criação mesmo de uma nova sociedade. Não de liberdade, igualdade e justiça para toda a humanidade, talvez tão somente para o pequeno grupo que conseguir deixar o planeta terra antes do seu esgotamento total.

    Como o saudoso Raul Seixas cantava em “ouro de tolo”, “eu é que não me sento no trono de um apartamento com a boca escancarada cheia de dentes esperando a morte chegar”. Eu existo, penso, escrevo e denuncio sobre a nossa condição. E mesmo me sentido abraçado pelo vazio, pois se você não conseguir uma “reserva” nunca que poderá jantar no restaurante do meio científico, eu continuo.

    Todavia, esperar que o “capital” altere sua consciência e sua fome de lucro (que capitalistas, de forma geral, percebam de alguma forma que cada vida importa), parece ser o mesmo que acreditar que a história humana não tenha sido construída sobre a exploração, a expropriação do trabalho e de seus frutos, de muitos por poucos. Nesse sentido, o capitalismo não seria, como pensava Marx, um ponto de inflexão dessa trajetória, mas o coroamento da única forma de sociabilidade possível ao longo de toda história humana, baseada justamente na exploração, expropriação e predação.

    Gostaria de terminar esse artigo de forma otimista. Todavia, parece não existir mais forças humanas e sociais suficientes para frear o poder destrutivo do capital, tão brutal quanto o da própria natureza. As leis de movimento do capital adquiriram tanta inércia que não há mais nada que possa se opor a sua velocidade e trajetória. No limite, a destruição da humanidade. No intermédio, duas formas de sociedade fisicamente separadas. Uma rica e tecnologicamente sofisticada (quem sabe em outro planeta), outra miserável, ambientalmente destruída e vivendo das sobras e descartes tecnológicos da primeira. Eis, aí, o nosso “admirável mundo novo” a caminho da realidade. O capitalismo pode não ser o fim da história, mas pode muito bem ser a história do fim. Ver nossas alternativas de enfrentamento se tornando cada vez exíguas é muito desalentador, mas enquanto houver vida devemos seguir lutando. Todavia, o exclusivismo científico (segregação de pesquisadores por grupo de pesquisa, instituição, região) e a soberba acadêmica (a ciência acima da sociedade e do seu cotidiano) somente adicionam um grau a mais nesse desalento.

    ***

    Trecho do livro O capitalismo e a revolução do valor: apogeu e aniquilação. São Paulo, Amazon (Independently Published), 2021.

    ***

    *José Micaelson Lacerda Morais é professor do Departamento de Economia da URCA.

    Referências

    MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Livro I: o processo de produção do capital. 2ª ed. São Paulo: Boitempo, 2017.

    O GLOBO. ‘Fui despedido por um robô’: como a Amazon deixa máquinas decidirem destino dos trabalhadores. Publicado em 28/06/2021). Disponível em: https://oglobo.globo.com/economia/tecnologia/fui-despedido-por-um-robo-como-amazon-deixa-maquinas-decidirem-destino-dos-trabalhadores-25079925. Acessado em 15/07/2021.

    UOL. “Almoçar é uma raridade”. Reportagem de Leonardo Martins e Maria Tereza Cruz (Texto) e Tommaso Protti (Fotos). Publicado em 06/2021. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/reportagens-especiais/desigualdade-na-pandemia—na-rua-e-com-fome/#cover. Acessado em15/07/2021.

    UOL. “Robô ‘monstro’ produz 500 refeições por minuto em novo fast-food de NY”. Publicado em 03/06/2021. Disponível em: https://www.uol.com.br/nossa/noticias/redacao/2021/06/03/novo-fast-food-automatico-produz-500-dumplings-por-minuto-sem-funcionarios.htm?cmpid=copiaecola. Acessado em 15/07/2021.

    UOL. “Sem pedreiro: casal vai viver na 1ª casa feita por impressora 3D na Europa”. Publicado em 30/04/2021. Disponível em: https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2021/04/30/sem-pedreiro-casal-vai-viver-em-casa-totalmente-feita-por-impressora-3d.htm?cmpid=copiaecola. Acessado em 15/07/2021.

  • Observatório da Democracia debateu armadilha evolutiva, o direito como arma de guerra e responsabilidade dos dirigentes partidários

    Observatório da Democracia debateu armadilha evolutiva, o direito como arma de guerra e responsabilidade dos dirigentes partidários

    Observatório da Democracia debateu armadilha evolutiva, o direito como arma de guerra e responsabilidade dos dirigentes partidários

    ‘Law fare, Psicologia Social e Neurociência’ foram temas da terceira live do Seminário Guerra Cultural e Luta Ideológica

    O terceiro debate do Seminário Guerra Cultural e Luta Ideológica falou sobre as facetas dessa guerra, o uso do lawfare, termo utilizado para o uso do direito na política, os prejuízos psicológicos das fake news e como o termo Guerra Cultural tem cunho de extrema direita e precisa parar de ser utilizado. Quem proporcionou essas reflexões sobre os temas expostos foram a advogada Lorena Freitas, o psicólogo social, Marcos Ferreira, e o neurocientista Sidarta Ribeiro, com a mediação de Mariana Moura, do Instituto Cláudio Campos.

    Sidarta abriu a conversa falando sobre a armadilha evolutiva em que nos encontramos e alertando sobre como as mentiras são mais propagáveis na internet que as verdades e como a febre das fake news tomou conta do planeta. “Isso está acontecendo, em parte, porque nosso cérebro evoluiu e passou a detectar novidades e estímulos muito exagerados. As pessoas querem novidades e estão viciadas em estímulos permanentes que se tornam perigosos, à escala planetária, tornou isso uma Torre de Babel da mentira”, explicou. Segundo ele, a única maneira de sair disso é questionar, pensar fora da caixinha e modificar o jeito de estar no mundo. “Há muitas camadas de ilusão e para que tudo funcione é preciso muita mentira. Ou a gente desfaz essa arapuca cultural ou daqui a pouco não terá mais solução. As pessoas não estão juntando ‘lé com cré’”, disse o neurocientista.

    A advogada Lorena Freitas trouxe em sua fala o que é lawfare ou guerra jurídica e explicou que é mais uma faceta da Guerra Cultural. “O direito não pode ser visto nem desconectado da política, nem da nua realidade cultural. A visão crítica dos fatos é indispensável para colocar freio ao cenário de inversão de consciência que se instalou”, explanou. Para ela, há uma crescente das chamadas guerras híbridas, que são diferentes das guerras armadas, e que se dão pelo planejamento estratégico, operando em uma variedade de formas que são mais atrativas e eficazes, tendo o direito um papel fundamental nessa estratégia. “A lawfare ou a guerra jurídica usa a legislação para perseguir e atacar politicamente adversários dentro da estratégia de hegemonia. O direito não é a luta como deveria ser e, sim, como concretamente é”, elucidou.

    Já o professor Marcos Ferreira falou sobre a formação de ideias e teorias que hoje permeiam a nossa política. Segundo ele, há máquinas de formar consensos e não ligamos para elas, citando alguns veículos de imprensa. “Nós compramos uma ideia em 2018 que havia uma onda inelutável de extrema direita no planeta e isso abalou as pessoas e houve um desânimo coletivo, que levou à atual situação que enfrentamos, mas que de fato não se concretizou, como provam as eleições em Portugal, Espanha e outros países. Ferreira atentou para um grande problema que, se não for corrigido a tempo, pode prejudicar uma vitória da esquerda na próxima eleição: a falta de enfrentamento no campo das fake news. “Há um coletivo para o qual precisamos chamar a atenção, que são os organizadores e dirigentes políticos. Pesa nos ombros deles uma responsabilidade enorme, pois não há uma coordenação de resistência para a avalanche de fake news e manipulação, o que acarreta a perda do enfrentamento”. O professor disse, ainda, que não podem chamar o combate da esquerda de Guerra Cultural, porque tanto o nome quanto o significado estão ligados à direita, são termos cunhados por eles. “O que o seminário e o livro fazem é um processo civilizatório humanizador, organizado, com gente responsável nas direções dos nossos partidos, capazes de nos dar orientação e linha e trazer as pessoas para uma visão de solidariedade”, explica.

    Em mais um debate de alto nível e cheio de fatos e ideias que fazem pensar, o que fica latente é a diferenciação de como a direita elitista que está no poder trata o povo, tentando mudar a sua essência e formatando-o ao que consideram um padrão apropriado, em vez de estudar, valorizar as individualidades e dar voz para a parcela da população que mais tem sofrido com essa polarização política, econômica e social que vivemos, como disse o professor Ferreira. A luta é buscar o mínimo denominador comum para que haja união em torno de uma agenda positiva para o país no pleito de 2022, como reiterou Sidarta.

    Confira os próximos debates:

    Seminário: GUERRA CULTURAL E LUTA IDEOLÓGICA – caminhos para reconstruir a democracia
    Horário – das 19 às 20h30 – YouTube do Observatório da Democracia

    Dia 8/9 – Frente Ampla na Luta Ideológica e Programa

    Aldo Arantes (advogado)
    Juca Ferreira (ex-ministro da Cultura/Fundação Perseu Abramo)
    Carlos Lopes – Instituto Claudio Campos
    Dep. Glauber Braga – Fundação Lauro Campos/Marielle Franco
    Alexandre Navarro – Vice-Presidente da Fundação João Mangabeira
    Mediação – Fundação Maurício Grabois

    Dia 13/9 – Tática da Luta Ideológica – Construção de Plataformas Sociais

    Everton Rodrigues
    Beatriz Tibiriçá (Coletivo Digital)
    Jonas Valente (Coalizão Direitos na Rede)
    Claudia Archer (diretora da Associação Software Livre).
    Mediação – a confirmar

  • ENTREVISTA – Paulo Buss – “O fim da Unasul impede a formação de uma frente continental contra a pandemia”

    ENTREVISTA – Paulo Buss – “O fim da Unasul impede a formação de uma frente continental contra a pandemia”

    “O fim da Unasul impede a formação de uma frente continental contra a pandemia”

    Por Gilberto Maringoni

    Para Paulo Buss, ex-presidente da Fiocruz e um dos principais sanitaristas brasileiros, um sistema de saúde pública articulado internacionalmente seria decisivo para um combate mais eficiente à Covid-19. Em suas palavras, “O Brasil está sendo salvo por dois institutos públicos de 120 anos de idade: a Fundação Oswaldo Cruz e o Instituto Butantan. Isso porque são dois institutos do SUS, e não agem pela lógica do mercado”. Na entrevista a seguir, ele fala de como o combate à doença poderia ser mais eficiente.

    A pandemia da Covid-19 poderia ter sido evitada? E o desenrolar poderia ter sido diferente no Brasil?

    Os profissionais que trabalham com doenças infecciosas e epidemiologia já sabiam que a emergência de uma pandemia nessas condições era algo previsível. Nos anos precedentes, aconteceram epidemias de influenza, de Sars-Cov e de MERS [síndromes respiratórias variantes anteriores ao coronavírus, identificadas entre 2002-12]. O surto de Ebola aconteceu em 2015 e foi contido a tempo, pois eclodiu em um lugar em que o transporte é muito precário. Apesar disso, houve casos nos EUA e na Europa. Mas ele despertou tremendo susto e houve uma reação importante, que pouca gente conhece, por parte das Nações Unidas. Foi um grupo de trabalho dirigido pela doutora Amina J. Mohammed, em que se desenvolveu um relatório com uma série de medidas sugeridas, mas nenhuma foi adotada. O mundo continuou fazendo de conta que aquele relatório era só mais uma peça das muitas da ONU. Já o Sars-Cov-2 – o novo coronavírus – aconteceu na China, em uma região altamente populosa, com um transporte abundante, pela infraestrutura negocial da região, e rapidamente se difundiu. Então, podemos dizer que seria evitável. Reduzir o impacto e a difusão também seria possível. Mas, para isso, deveria ter havido resposta e responsabilidade por parte dos dirigentes, que não fizeram o dever de casa proposto por aquele grupo de trabalho.

    De março de 2020, quando a OMS classificou a Covid-19 como pandemia, até dezembro, não havia vacina. Teria sido possível conter a doença com lockdowns e outras medidas não medicamentosas nesse período?

    Houve um desdém por parte das principais autoridades dos países afetados após a ocorrência na China. Os governos da Itália e do Reino Unido minimizaram o problema. Não queriam impacto sobre a economia. A China fez aquele estardalhaço de fechar tudo, mas os países acreditaram não ter sido aquilo que gerou a contenção, e sim a própria história natural da doença. Se tivessem tomado as medidas de contenção tal como a China, que tem uma experiência grande com esse tipo de doença, teriam reduzido não só o número de casos nesses países, como também dado tempo de organizar a resposta dos sistemas de saúde. O grande problema é que a massa de pessoas que passa a ter necessidade de cuidados médicos ultrapassa e muito qualquer capacidade instalada. O ex-ministro da Saúde do Brasil, Luiz Henrique Mandetta, alertou isso o tempo inteiro. Ele estava muito bem assessorado por profissionais competentes da área de vigilância, e que foram catapultados porque o mandatário maior da nação fez ouvidos moucos e operou exatamente como as lideranças da Europa que negligenciaram a questão. Mas lá, rapidamente voltaram atrás. No Brasil, infelizmente, foi o contrário. Continua a negligência e, como estava incomodando, Mandetta foi demitido.

    Parece claro que uma pandemia como esta só pode ser combatida por meio de políticas públicas. Qual tem sido o papel do Estado e da saúde pública nos principais países?

    Quando os casos começaram a se distribuir, a OMS convocou um grupo de especialistas imediatamente. Esses técnicos muito precocemente disseram que se deveria utilizar com rigor o regulamento sanitário internacional, fazendo isolamento, identificação de casos, fechando alguns lugares etc. E houve claramente um rechaço a isso porque os governantes sabem que a iniciativa privada não quer nunca reduzir os lucros. A própria arrecadação pública, que seria reduzida, fez com que os governos ficassem muito resistentes. Faltou esse reconhecimento do papel de autoridade sanitária internacional para a OMS. E esse é um defeito que continua. Foram apresentados três relatórios na Assembleia Mundial da Saúde, em maio de 2021. Um da comissão independente, liderada pela ex-primeira-ministra da Nova Zelândia, Helen Clark, e a ex-presidenta da Libéria, Ellen Johnson Sirleaf; outro do Comitê de Emergências da OMS; e o terceiro do comitê que analisa o funcionamento do regulamento sanitário internacional. Os três foram unânimes em dizer que a OMS atuou dentro dos limites, com razoável grau de acurácia, mas que seriam necessárias mudanças. Uma delas é a tensão entre a recomendação frente a uma pandemia e a soberania dos países. Essa tensão, que é do multilateralismo, não é específica da saúde. E os países, mais uma vez, decidiram agir por conta própria, sempre pensando nos atores econômicos e políticos internos.

    Um grande problema da América Latina foi a eliminação da cooperação em saúde que a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) promovia. Em abril de 2019, Jair Bolsonaro (Brasil), Sebastián Piñera (Chile), Mauricio Macri (Argentina) e Iván Duque (Colômbia) deram um tiro de misericórdia na Unasul. Se tivéssemos o conselho de ministros da época da entidade, poderíamos ter feito uma frente ampla contra a doença

    Muitas pessoas têm feito um paralelo com uma pandemia de 100 anos atrás, a da gripe espanhola, apesar das estatísticas muito precárias da época. Existe algum ensinamento que possamos tirar daquela situação?

    Antes de mais nada, é preciso lembrar que o mundo estava saindo da I Guerra Mundial naquele momento. Apesar das contradições a respeito, os movimentos de tropas foram responsáveis por imensas ondas de contaminação. Se estivessem vivendo um momento de paz, muito provavelmente a pandemia não teria sido tão intensa. Penso que a mudança demográfica, tecnológica, e de capacidade de mobilidade faz com que tenhamos poucas lições dessa pandemia de influenza, ocorrida de 1918 a 1920. Naquele momento, não tínhamos nem antibiótico, que só apareceu na década de 1940. A tecnologia era muito primitiva. A saúde pública se originou com a Revolução Industrial [na segunda metade do século XVIII, na Grã-Bretanha] e as práticas estatais apareceram com a Lei dos Pobres [de 1601, também na Grã-Bretanha], ocasião em que o então líder da saúde na Inglaterra disse: “não sei se são pobres porque são doentes ou se são doentes porque são pobres”. Mas não havia uma autoridade sanitária mundial. A Liga das Nações surgiu depois da I Guerra [em 1919], e logo se criou um comitê de saúde, que foi o anteprojeto de OMS, surgido em 1948.

    A América Latina ainda é o covidário global, como se tem falado há alguns meses?

    Sim, embora já se veja na África em um crescimento de casos muito preocupante, além do sudeste da Ásia. Já se sabe que essas curvas ascendentes estão relacionadas ao Ocidente rico, com a liberação precoce das atividades. Nesses outros países, que têm economias mais atrasadas – com menor mobilidade urbana, como é o caso da África –, a taxa de contato se reduz e o progresso da pandemia é mais lento, mas o crescimento de casos é inexorável, pois a pobreza dá outra sustentação para a expansão.

    Na Argentina, houve uma tentativa de lockdown na grande Buenos Aires, mas a taxa de vacinação não estava alta. Com isso, vimos uma alta de infecção nos últimos meses. O que contribuiu para o alastramento do vírus ali?

    A explicação dos especialistas locais é de que, no início da pandemia, houve uma séria intervenção estatal para o lockdown. Mas, quando o vírus começou a ter fôlego para circular, eles reabriram. Foi uma abertura precoce. Isso, associado a uma baixa taxa de imunização, facilitou muito. A abertura aconteceu porque parecia que o comportamento do vírus não seria como nos outros países, mas o resultado foi desastroso.

    Em Cuba, também houve um controle inicial pelo lockdown. O que contribuiu para a alta recente de casos ali? Seria a volta do turismo no início do ano?

    Sim, abriram a economia desesperadamente no verão. E os turistas, ao mesmo tempo em que poderiam estar levando a doença, poderiam também se contaminar. Por conta do bloqueio, acabou faltando seringa e agulha, entre outras coisas. E olhe que Cuba tem uma medicina de muito boa qualidade. Uma enfermagem muito boa, a mortalidade infantil muito baixa, mas a pandemia chegou por esse caminho.

    No Brasil, o governo federal tem jogado a responsabilidade para os estados. Mas é possível existir uma política nos entes subnacionais diferente da nacional? Nessas condições, seria possível fazer algo como uma contrapolítica sanitária?

    As afirmações do governo federal são falaciosas. Por exemplo, quem regula a mobilidade por meio das viagens interestaduais, dos aviões, são autoridades federais, como a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) e a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Um governo estadual pode ter feito uma política melhor do que outro, e muito melhor do que o governo federal, mas não foram realizadas ações controladas a partir de Brasília. O resultado é que a mobilidade continuou farta e fácil, particularmente nas rodovias federais e nas atividades dos caminhoneiros, que deveriam ter sido fortemente estimulados a adotar medidas sanitárias. Um exemplo bem-sucedido foi o do Maranhão. Mesmo quando detectaram casos da variante indiana por lá, atuaram com extrema habilidade e, de fato, tiveram uma das melhores performances a favor da saúde. Em compensação, há exemplos muito ruins, como o Rio de Janeiro, com uma péssima gestão da pandemia, com um governador e um secretário de saúde negociando por baixo do pano, e ao mesmo tempo construindo estruturas completamente inadequadas, apenas para inglês ver. Como consequência, a letalidade é muito alta no Rio.

    Como o senhor avalia a política implementada pelo governador de São Paulo, João Doria?

    Gosto muito de algumas pessoas que compõem a equipe. Por exemplo, levou João Gabbardo, que estava no Ministério na gestão Mandetta. O próprio grupo de gestão da crise funcionou razoavelmente, embora São Paulo não mostre um desempenho muito melhor do que os outros estados, permanecendo na média em termos de denominador. Mas ali temos o principal aeroporto internacional do país.

    Se os países da Europa tivessem tomado as medidas de contenção tal como a China, que tem uma experiência grande com esse tipo de doença, teriam reduzido não só o número de casos nesses países, como também dado tempo de organizar a resposta dos sistemas de saúde. O grande problema é que a massa de pessoas que passa a ter necessidade de cuidados médicos ultrapassa e muito qualquer capacidade instalada

    Se o senhor se tornasse Ministro da Saúde, quais seriam as primeiras medidas que tomaria hoje?

    A coisa mais importante é o fortalecimento da rede de atenção primária, qualificando e dando condições de trabalho aos profissionais. Estamos com uma rede de mais de 50 mil equipes de saúde da família, que é quase inigualável no mundo, mas que tem um subfinanciamento muito grande. Precisamos de um verdadeiro abastecimento de mão de obra, com presença de enfermagem, médicos, agentes comunitários etc. Isso se perdeu. Algo bem feito nos governos do PT, até à época do ex-ministro José Gomes Temporão, foi a enorme valorização da saúde da família. Mas atenção primária não é atenção imediata. Teríamos que, imediatamente, promover uma valorização no sentido de adequar os profissionais de saúde e os materiais. Se existe uma distribuição bem feita da rede, com regras bem definidas e indicadores de alerta, nós rapidamente detectaríamos onde a circulação de um vírus está mais intensa. E isso não é só para enfrentar a pandemia.

    Podemos ver no horizonte um mundo pós-pandemia na nossa região?

    Um grande problema da América Latina foi a eliminação da cooperação em saúde que a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) promovia. Em abril de 2019, Jair Bolsonaro (Brasil), Sebastián Piñera (Chile), Mauricio Macri (Argentina) e Iván Duque (Colômbia) deram um tiro de misericórdia na Unasul. Com isso, desmoronou todo o processo de cooperação. Além disso, o vírus não tem fronteira, a circulação é intensa entre esses países, e nós estamos até hoje sem um mecanismo de coordenação. A mesma coisa valeria para a aquisição de vacinas. Se tivéssemos o conselho de ministros da época da Unasul, poderíamos ter feito uma frente ampla de compra. Teríamos 12 países negociando fortemente com a indústria farmacêutica, segurando os pagamentos e recebendo imunizantes para toda a região. O Brasil está sendo salvo por dois institutos públicos de 120 anos de idade: a Fundação Oswaldo Cruz e o Instituto Butantan. Isso porque são dois institutos do SUS e não agem pela lógica do mercado. Mas, apesar disso, o governo federal brasileiro não liderou as ações adequadamente, e todas as estruturas interestaduais continuaram na mesma operação antipopulação e pró-enfermidade.

    Uma vida voltada à Saúde Pública

    Paulo Buss é médico, doutor emtomada Ciências pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo e diretor do Centro de Relações Internacionais em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz, instituição que presidiu entre 2001-08. Foi secretário executivo da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (1979-83) e presidente da Federação Mundial de Saúde Pública (2008-10). Representou o Brasil no Comitê Executivo da Organização Mundial da Saúde (2008-2011) e participou da direção de outros organismos de saúde internacionais. É autor e organizador de diversos livros, entre eles Diplomacia da Saúde e Covid-19: reflexões a meio caminho (juntamente com Luiz Eduardo Fonseca), disponível para baixar na página da Fiocruz.

  • Policial da ativa será exonerado se for dia 7 de setembro à manifestação

    Policial da ativa será exonerado se for dia 7 de setembro à manifestação

    Policial da ativa será exonerado se for dia 7 de setembro à manifestação

    Ten. Col. Paulo Ribeiro dá o recado: Policial da ativa, NÃO VÁ DIA 7 DE SETEMBRO. Você será EXONERADO! #7desetembro

  • Qual é a frente necessária para derrotar Bolsonaro?

    Qual é a frente necessária para derrotar Bolsonaro?

    Qual é a frente necessária para derrotar Bolsonaro?

    Quatro dirigentes do partido expõem suas concepções táticas para deter o avanço da extremo direita

    [1] É tempo de fortalecer o partido!

    Este é tempo de partido,
    tempo de homens partidos.
    …Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos.
    As leis não bastam. Os lírios não nascem da lei.
    Meu nome é tumulto, e escreve-se na pedra.

    Carlos Drummond de Andrade

    No Brasil, é possível e imprescindível termos uma candidatura de esquerda radical. Essa candidatura deve apresentar um programa que diga ao povo que os bancos são nossos maiores inimigos, e não que vão ganhar muito com nosso governo. É necessário dizer que o latifúndio e o agronegócio não são heróis, mas os responsáveis pela fome e preços altos dos alimentos, por isso é preciso fazer a reforma agrária. É importante afirmar que qualquer projeto de país que deseje o mínimo de autonomia tem que partir de uma anulação das medidas encaminhadas pelos golpistas, como as privatizações de empresas estratégicas, teto de gastos, reformas da Previdência, Trabalhista, entre outras

    Berna Menezes

    O senso comum e com uma boa dose de razão diz: todos juntos contra Bolsonaro. É natural! Quando vemos desfilando pela grande imprensa e redes sociais as declarações de Bolsonaro, Guedes, Damares, os finados Salles e Weintraub, imaginamos que abriram as portas do inferno. Se olharmos em volta, mais de meio milhão de mortos pelo descaso e irresponsabilidade de Bolsonaro, metade da população em insegurança alimentar e o retorno da fome, milhões de desempregados e subempregados, famílias inteiras morando nas ruas, falência de pequenos agricultores, extermínio da juventude negra nas periferias e dos povos indígenas, fim dos direitos trabalhistas, incêndios florestais ameaçando biomas e espécies, constatamos: é a barbárie! Mas como nossa guerreira Rosa Luxemburgo dizia: Isso de entregar-se por inteiro às misérias de cada dia que passa é coisa inconcebível e intolerável para mim… precisamente um lutador é quem mais tem que esforçar-se para ver as coisas de cima, caso não queira encarrar a cada passo todas as mesquinharias e misérias…, sempre e quando, naturalmente, se trate de um lutador de verdade…

    Espaço amplo

    Por isso, defendemos a mais diversa unidade de ação, como um espaço mais amplo possível, inclusive policlassista, contra Bolsonaro. Portanto, nessa frente social, cabe todo mundo: Globo, CNBB, Maia, Ciro, Requião, PSDB, FHC. Como a frente construída contra a ditadura militar, no movimento pelas “Diretas Já!”, que foi dirigida pelo PMDB. Naquele momento, isso não significou como consequência uma frente eleitoral do PT com o PMDB. Ao contrário, reafirmamos o PT, como partido de classe e seu programa, apoiado na mobilização cotidiana, que se expressou de forma contundente durante o processo constituinte e nas eleições de 1989.

    Pode-se argumentar que a correlação de forças era outra, mas até isso é discutível. A ditadura caiu pela mobilização do povo, mas a transição foi conservadora, pactuada entre os setores da elite brasileira. Por isso, diferentemente da Argentina, a caserna ficou intacta e pode retornar ao poder como se nada tivesse acontecido.

    Defendemos a mais diversa unidade de ação, como um espaço o mais amplo possível, inclusive policlassista, contra Bolsonaro. Nessa frente social, cabe todo mundo: Globo, CNBB, Maia, Ciro, Requião, PSDB, FHC entre outros, como a frente construída contra a ditadura militar, no movimento pelas “Diretas Já!”, que foi dirigida pelo PMDB. Já uma frente eleitoral é definida, além da correlação de forças, por um programa, que delimitará a composição da frente

    A unidade de ação se dá em torno a um ou poucos pontos e cabem todos que tenham esse mesmo objetivo: abaixo a ditadura, Diretas já! Pela Legalidade! Reformas de base já!

    Já uma frente eleitoral é definida, além da correlação de forças, por um programa, já que se pressupõe, em caso de vitória, que se governará junto e que, portanto, deve apresentar uma saída para o país em questão. Por sua vez, o programa delimitará a composição da frente. As frentes eleitorais são uma tática privilegiada para intervirmos em processos nos quais os revolucionários são ainda minoritários.

    Dois exemplos de como enfrentar a ultradireita

    Recentemente, as eleições nos EUA e na Espanha puderam revelar a complexidade da aplicação desses conceitos.

    Após a crise de 2008, ressurge em nível internacional o fenômeno da ultradireita, polarizando com saídas mais à esquerda e o fantasma do comunismo. O governo Trump foi a expressão. Contra esse governo de ultradireita, nas prévias do Partido Democrata, apresentou-se Bernie Sanders, com um programa que, para a correlação de forças gringas, tocava em pontos que iam contra a lógica do capital: sistema de saúde universal e gratuito com a eliminação dos planos privados, perdão das dívidas de financiamento estudantil e sistema de ensino superior gratuito, salário mínimo de 15 dólares/hora. Essa candidatura mobilizou um exército de milhares de jovens e atuou junto a movimentos feministas e negros, além de imigrantes latinos e indígenas que percorreram o país mobilizando eleitores e debatendo programa.

    Após a crise de 2008, ressurge em nível internacional o fenômeno da ultradireita, polarizando com saídas mais à esquerda e o fantasma do comunismo. O governo Trump foi a expressão. Contra ele se apresentou Bernie Sanders, nas prévias do Partido Democrata, com um programa que tocava em pontos que iam contra a lógica do capital

    O final, todos acompanhamos, a elite fechou posição em torno de Biden e Bernie Sanders retira a candidatura, exigindo pontos programáticos do futuro governo. Sem fazer nenhum juízo de valor sobre o processo, o concreto é que a apresentação da candidatura de Sanders, o debate programático que mobilizou uma vanguarda progressista no coração do capital, acumulou para a esquerda norte-americana. O movimento social sai fortalecido e a esquerda ressurge como força importante naquele país.

    Olhemos agora o processo do Podemos na Espanha, partido considerado o irmão do PSOL naquele país. O Podemos foi parido nas gigantescas mobilizações da Praça Porta do Sol. Em um ano, tornou-se o segundo maior partido no país. Elegeu as prefeituras das duas principais cidades, a capital do Estado espanhol, Madri, e a capital da Catalunha, Barcelona.

    Com o discurso de barrar a direita, colou-se a velha política representada pelo decadente PSOE, fazendo parte do governo nacional. Consequência, perdeu 50% dos votos do processo eleitoral anterior e este ano perdeu a prefeitura de Madri, fato que levou o principal dirigente, Pablo Iglesias, declarar que vai abandonar a política. Quem ressurgiu das cinzas? A extrema direita, Fox. Além de fortalecer o PSOE como oposição, que vem engolindo ano a ano o eleitorado do Podemos.

    Situação em nosso continente

    Na América Latina, também temos exemplos de que há espaço para derrotar a ultradireita pela esquerda. Onde não se avançou no programa e ações, retrocedeu ou perdeu. Foi assim no Equador. No México, Morena encolheu. Por outro lado, no Chile, onde as mobilizações não pararam, avançou. No Peru, ganhou um dirigente de greves de professores que ninguém acreditava.

    No Brasil, é possível e imprescindível uma candidatura de esquerda radical que apresente um programa para o povo afirmando que os bancos são nossos maiores inimigos e não que vão ganhar muito com nosso governo. É necessário dizer que o latifúndio e o agronegócio não são heróis, são responsáveis pela fome e preços altos dos alimentos, e que é preciso fazer a reforma agrária. Esse programa deve afirmar, também, que qualquer projeto de país que deseje o mínimo de autonomia tem que partir de uma anulação das medidas encaminhadas pelos golpistas, como as privatizações de empresas estratégicas, teto de gastos, reformas da Previdência, trabalhista, entre outras. Para isso, como uma das primeiras medidas, o novo governo deve encaminhar um referendo revogatório, para que abra o debate na sociedade como um gigantesco processo pedagógico de política feita pelo povo.

    Organizamos o primeiro ato contra o golpe no Rio Grande do Sul, quando sequer o PT chamava mobilização contra os golpistas, nem a direção majoritária nacional estava com essa posição, ou ainda, quando outros gritavam nas ruas “Fora Dilma”, nós já estávamos nos atos junto a ela ou nos atos do Paraná contra a prisão de Lula. Pagamos um preço alto, mas tínhamos a tranquilidade de estar do lado certo da história

    Nesse sentido, está claro, Lula não quer isso. Não quer uma frente de esquerda. Lula, mais uma vez, quer governar com a direita. Por isso, é contra a taxação das grandes fortunas, defende as estatais pero no mucho e reforma agrária nem pensar.
    Isso significa que não votaremos em Lula? Não! No segundo turno, é todo mundo contra Bolsonaro! Mas o PSOL não pode abdicar de discutir com nosso povo de que é possível uma saída. A candidatura de Glauber Braga é a possibilidade de reafirmar essa saída à esquerda para a crise.

    Antipetismo? Nem pensar! Organizamos o primeiro ato contra o golpe no Rio Grande do Sul, quando sequer o PT chamava mobilização contra os golpistas e nem a direção majoritária nacional estava com essa posição, ou ainda, quando outros gritavam nas ruas “Fora Dilma”, nós já estávamos nos atos juntos a ela ou nos atos do Paraná contra a prisão de Lula. Pagamos um preço alto, mas tínhamos a tranquilidade de estar do lado certo da História.

    Berna Menezes é da Executiva Nacional do PSOL


    [2] Da Diretas ao Fora Bolsonaro

    Tudo indica haver alguma similitude entre a campanha das Diretas, de ontem, e o Fora Bolsonaro, de hoje. Ontem, tratava-se de pôr fim a duas décadas de um regime que implantou um verdadeiro terrorismo de Estado em nosso país. Hoje, trata-se de defender o Estado de Direito Democrático e impedir que o Brasil resvale para uma abjeta ditadura, militar-miliciana, sob a liderança protofascista de Jair Bolsonaro. Como dizia Dr. Ulysses, “a única coisa que mete medo em político é povo na rua”

    Haroldo Saboia

    A convenção nacional do PMDB, no domingo 4 de dezembro de 1983, impôs severa derrota aos autênticos, aos progressistas e ao próprio Ulysses Guimarães ao eleger, com apoio do então governador de Minas, Tancredo Neves, o senador biônico paranaense Afonso Camargo para o importante cargo de Secretário Geral.

    Estava em jogo, então, a definição do PMDB, maior partido de oposição no Congresso, quanto à transição política em curso: aprovar as Diretas Já previstas pela Emenda Dante de Oliveira, participar do Colégio Eleitoral para “eleger” o sucessor do general Figueiredo ou, uma terceira hipótese, admitir um mandato-tampão em consenso com o Planalto.

    Em 25 de janeiro de 1984, quando os próprios organizadores esperavam 100 mil pessoas, São Paulo – no dia dos seus 430 anos de fundação – surpreendeu: mais de 300 mil pessoas lotaram a Praça da Sé. Ulysses Guimarães, Franco Montoro, Leonel Brizola, José Richa, Mario Covas, Lula e centenas de artistas e lideranças sindicais estavam lá. Estava formada uma grande frente popular pelas Diretas Já! Da disputa institucional, a campanha ganhou as ruas fortalecida pela adesão dos movimentos sociais, sindicais e populares!

    Deputado estadual, participei dessa Convenção como Delegado do PMDB do Maranhão. Assisti ao plenário em ebulição, aplausos aos autênticos e vaias, muitas e ruidosas vaias, aos conservadores.
    A própria presença de Tancredo Neves foi objeto de apupos, e seus partidários – mesmo os antigos autênticos como o pernambucano Fernando Lira – praticamente impedidos de falar pelos militantes de esquerda (do PCdoB e de outras organizações) ainda abrigados no velho PMDB.

    O clima ao final era desolador. O deputado baiano, Chico Pinto, afastado da Secretaria Geral, e Ulysses Guimarães, mantido na Presidência de uma Executiva e de um Diretório majoritariamente conservador.
    No dia seguinte, segunda feira, ao final da manhã, fui à Presidência do PMDB encontrar com o antigo deputado maranhense Cid Carvalho, que fora colega de Câmara do Dr. Ulysses na década de 1950, cassado em 1968 com o AI-5, e de volta com a Anistia.

    Pouca gente na Casa. Não havia sessões às segundas pela manhã. Movimento menor ainda no Gabinete do derrotado da véspera, o bravo anticandidato de 1974! Em seu gabinete, um único deputado àquela hora. Logo ao chegar, mal o cumprimentei, Dr. Ulysses se dirigiu ao Cid e disse:

    – Convide o Saboia para almoçar conosco. Vamos ao Anexo IV.

    Não apenas “navegar era preciso” – como tanto gostava de repetir – era preciso também dar uma demonstração de altivez, de força, mostrar que a derrota não o abatera.

    Acompanhei, então, os dois deputados pessedistas dos anos 1950, que atravessaram os longos corredores do Salão Verde e do Anexo II até o restaurante do Anexo IV. No trajeto poucos parlamentares e jornalistas, e muitos funcionários surpresos com aquela presença tão inusitada.

    Para as ruas!

    À mesa, o até então taciturno Ulysses Guimarães se transformou:

    – É Dr. Cid, temos que ir para as ruas! Teremos diretas só se ganharmos as ruas!

    Era quase unanimidade entre os analistas políticos naquele momento de transição que, vitoriosa a Emenda Dante de Oliveira e restabelecidas as eleições diretas para Presidente da República, o nome escolhido seria o do Dr. Ulysses. Mantido o Colégio Eleitoral, emergiria com força o nome de Tancredo Neves, com bem mais trânsito juntos às lideranças do PDS que sucedeu a Arena, partido do “sim, senhor” dos anos de chumbo da ditadura.

    A campanha pelas Diretas Já tomou conta do país, mas não arrefeceu a disputa pela hegemonia do processo de transição em curso. No mesmo palanque, às vezes até mesmo com discursos mais inflamados, defensores da ida ao Colégio Eleitoral e da conversão conservadora do regime disputavam espaço com os setores mais combativos, as forças de esquerda que lideravam a oposição popular à ditadura militar

    Levar a luta pelas Diretas Já dos debates institucionais para os movimentos populares e sociais, do Congresso para as praças públicas, eis o grande desafio que se colocava ao Dr. Ulysses. E ele bem o sabia.

    Praticamente um mês depois, em 12 de janeiro de 1984, o primeiro grande comício das Diretas, em Curitiba, reunia mais de 50 mil pessoas. Fora convocado pelo governador José Richa instado pelo Dr. Ulysses. No 27 de novembro anterior, um comício convocado pelo PT (os outros partidos foram convidados apenas dois dias antes e suas principais lideranças mandaram apenas representantes) e por setores da Igreja Católica mal reuniu 15 mil pessoas no Pacaembu.

    A Frente pelas diretas

    Em 25 de janeiro, quando os próprios organizadores esperavam 100 mil pessoas, São Paulo – no dia dos seus 430 anos de fundação – surpreendeu: mais de 300 mil pessoas lotaram a Praça da Sé! (Saí do meu Maranhão para assistir de corpo presente esse momento de nossa História).

    Ulysses Guimarães, Franco Montoro, Leonel Brizola, José Richa, Mario Covas, Lula, centenas de artistas e lideranças sindicais. Tancredo Neves, que esteve em Curitiba, não compareceu. Estava formada uma grande frente popular pelas Diretas Já! Da disputa institucional, a campanha ganhou as ruas fortalecida pela adesão dos movimentos sociais, sindicais e populares!

    Daí para a frente todos sabemos. Duas tiras – uma verde, outra amarela – pintadas como displicentes pichações, coloriram o Brasil inteiro…

    A campanha pelas Diretas Já tomou conta do país, mas não arrefeceu a disputa pela hegemonia do processo de transição em curso. No mesmo palanque, às vezes até mesmo com discursos mais inflamados, defensores da ida ao Colégio Eleitoral e da conversão conservadora do regime disputavam espaço com os setores mais combativos, as forças de esquerda que lideravam a oposição popular à ditadura militar.

    Similitudes ontem e hoje

    Por ironia da História, tudo indica haver alguma similitude entre a campanha das Diretas, de ontem, e o Fora Bolsonaro, de hoje.

    Ontem, tratava-se de pôr fim a duas décadas de um cruel regime que censurou, que reprimiu, que prendeu, que torturou, que matou… implantando um verdadeiro terrorismo de Estado em nosso país.

    Hoje, trata-se de defender o Estado de Direito Democrático instaurado com a Constituição de 1988 – com todas as debilidades, que conhecemos – e impedir que o Brasil resvale para uma abjeta ditadura, militar-miliciana, sob a liderança protofascista de Jair Bolsonaro.

    Ontem, setores oposicionistas se dividiam entre aqueles que queriam eleições imediatas, diretas verdadeiramente já, e outros que admitiam a transição lenta, com a ida ao Colégio Eleitoral.

    Hoje, temos certos setores que lutam pelo Fora Bolsonaro (impeachement já) por entenderem que – a depender da conjuntura – Bolsonaro pode ganhar tempo tanto para a disputa eleitoral em 2022 como para desfechar o tão almejado (e até mesmo propalado pelos apoiadores) golpe policial-militar.

    Ontem, a luta pelas Diretas Já saiu do Congresso para as ruas. Hoje, ao contrário, a luta está partindo das ruas e praças do País e acumulando forças – apesar das dificuldades impostas pela pandemia – para chegar ao Congresso e viabilizar o impeachment já

    Por outro lado, observamos outros setores que, embora acompanhem o coro do Fora Bolsonaro, não se empenham, de fato, na campanha pelo impeachement já por apostarem que o enfraquecimento de Bolsonaro é inexorável e que é preferível esperar – deitados no berço esplêndido das pesquisas – para derrotá-lo nas eleições presidenciais de 2022.

    Ontem, a luta pelas Diretas Já saiu do Congresso para as ruas.

    Hoje, ao contrário, a luta está partindo das ruas e praças do País e acumulando forças – apesar das dificuldades impostas pela pandemia – para chegar ao Congresso e viabilizar o impeachment já.

    Grito de partida

    A Frente Povo Sem Medo, a Frente Brasil Popular, centrais sindicais, partidos políticos, movimentos sociais e populares e entidades da sociedade civil deram o grito de partida e foram às ruas, cada vez mais numerosos, nos quatro cantos do Brasil em 29 de maio,19 de junho, 3 e 24 de julho. Perceberam, como lembrou Guilherme Boulos, que “quando um governo é mais letal do que o vírus, é inevitável a necessidade de sairmos para o enfrentamento”.

    Manifestações populares em centenas de cidades brasileiras; um mega pedido de impeachment de Bolsonaro, que reuniu mais de cem denúncias apresentadas à Câmara dos Deputados (23 crimes previstos em lei), entregue em 30 de junho e assinado por mais de uma dezena de partidos, de organizações de categorias profissionais, um sem-número de renomados juristas; um manifesto com centenas de economistas, empresários, banqueiros e intelectuais liberais – revelam o crescente isolamento político e social de Jair Bolsonaro e seu governo.

    Lembremos que a PEC do voto impresso na Câmara Federal esteve longe de conquistar os 308 votos necessários para a aprovação em primeiro turno, o que representou a maior derrota do governo Bolsonaro no Congresso até o momento. Fato que pode vir a confirmar a sempre lembrada assertiva de que “o Centrão nunca se vende, sempre se aluga”!

    Como dizia Dr. Ulysses, “a única coisa que mete medo em político é o povo nas ruas”. Não podemos descartar a hipótese das manifestações populares, convocadas pelas organizações do fora Bolsonaro, alcancem a amplitude e a dimensão necessárias para impor ao Legislativo a suspensão das funções presidenciais do atual presidente.

    Se ontem a não aprovação da emenda Dante de Oliveira contribuiu para que fosse configurado um caráter conservador à transição política (ida ao Colégio Eleitoral, Assembleia Constituinte não exclusiva e com a participação dos senadores biônicos de 1978); nos dias de hoje, o não afastamento imediato de Bolsonaro poderá levar o país, em 2022, a um quadro de esgarçamento social, político e institucional com desfecho imprevisível. Fora Bolsonaro! Impeachment já!

    Haroldo Saboia foi Deputado Federal Constituinte (1986-90) pelo PMDB-MA, Deputado Federal (1990-94) pelo PT-MA e membro do Diretório Nacional do PSOL.


    [3] A unidade possível

    A frente possível é uma frente das esquerdas. Ela é bastante diversa e reúne projetos distintos que vão de um tímido social-liberalismo a um programa de mudanças estruturais. Essa frente poderia redundar numa unidade eleitoral em 2022? Quem tiver a real dimensão da gravidade do momento que vivemos, lutará pela unidade até o último minuto

    Juliano Medeiros

    Durante meses as esquerdas se enredaram numa polêmica que, com o passar do tempo, mostrou-se sem sentido. De um lado, estavam os que defendiam uma “frente ampla”, leia-se, uma frente entre os todos os que estivessem dispostos a resistir aos ataques de Bolsonaro contra os direitos sociais, a democracia e a soberania nacional. Uma frente que reunisse as esquerdas e setores democráticos da centro-direita em oposição ao governo da extrema direita. De outro lado, estavam aqueles que defendiam uma frente das esquerdas, reunindo setores sociais e partidários dispostos a irem além da abstrata “defesa da democracia” e que denunciasse, ao mesmo tempo, a agenda antipopular de Guedes, Bolsonaro e do Centrão.

    A polêmica não é totalmente desprovida de sentido, ao menos teoricamente. Ambas as opções táticas têm vantagens e desvantagens. Uma frente mais ampla, como podemos supor, agregaria mais forças sociais contra o governo, alcançando setores que não simpatizam com posições de esquerda. Por outro lado, considerando as diferenças no plano econômico, exigiria um nível de ação mais rebaixado, circunscrito à defesa das liberdades democráticas e do Estado de Direito.

    Uma frente das esquerdas, por sua vez, seria politicamente mais coesa, com condições de opor-se à totalidade da agenda bolsonarista, incluindo o violento programa econômico. Por outro lado, ao restringir o diálogo aos setores progressistas da sociedade, uma frente dessa natureza teria muitas dificuldades em construir maioria social para barrar os ataques do governo.

    A velha direita e o governo

    Em que medida, então, considero que a polêmica se revelou “sem sentido”? Ora, por uma razão simples: não houve qualquer adesão significativa de setores da centro-direita à luta contra o governo Bolsonaro. No Congresso Nacional os partidos da velha direita – PSDB, DEM, MDB, PP, etc. – têm sustentado a agenda de ataques de Bolsonaro aos direitos e à soberania. Apoiaram a privatização dos Correios e da Eletrobras; viabilizaram o criminoso projeto de autonomia do Banco Central, além da legalização da grilagem e a criação de uma nova modalidade de subemprego, por meio da aprovação da MP 1045.

    O leitor, com razão, poderá contestar: mas há contradições! Sem dúvida. A extrema direita bolsonarista e a velha direita neoliberal não têm exatamente o mesmo projeto. E as diferenças se manifestam vez ou outra, especialmente diante dos arroubos autoritários de Bolsonaro e dos militares que o apoiam. Mas na agenda econômica e social, bolsonaristas e neoliberais estão em perfeita sintonia. Basta notar que Novo (86%), PSDB (87%), DEM (91%) e PL (93%) estão entre os partidos que mais votam com Bolsonaro na Câmara dos Deputados.

    Não houve qualquer adesão significativa de setores da centro-direita à luta contra o governo Bolsonaro. Apoiaram a privatização dos Correios e da Eletrobras; viabilizaram o criminoso projeto de autonomia do Banco Central, além da legalização da grilagem e a criação de uma nova modalidade de subemprego, por meio da aprovação da MP 1045

    A conclusão é simples: não há frente ampla porque não existe um “centro democrático” disposto a construí-la. Quando se trata de retirar direitos, enfraquecer a soberania nacional, precarizar as condições de trabalho e privilegiar o capital financeiro, a unidade entre o bolsonarismo e a direita neoliberal é total. As parcas exceções – como os três parlamentares de direita que assinaram o “superpedido” de impeachment – só confirmam a regra.

    O resultado é uma blindagem institucional que vai do “oposicionista” Rodrigo Maia ao “governista” Arthur Lira. Ambos, na presidência da Câmara dos Deputados, negaram-se a instalar o processo de impeachment, mesmo diante dos incontáveis crimes cometidos por Bolsonaro. Crimes que custaram a vida de milhares de brasileiras e brasileiros durante a pandemia da Covid-19.

    Portanto, a frente antibolsonarista realmente existente é uma frente das esquerdas, isto é, uma frente dos partidos, movimentos, intelectuais, artistas, influenciadores digitais, jornalistas que se identificam como progressistas e articulam ao mesmo tempo a defesa das liberdades democráticas e dos direitos sociais.

    O programa da unidade

    Essa frente tem unidade em torno de alguns pontos fundamentais. O primeiro é a necessidade de interditar imediatamente o projeto de Bolsonaro. Para tanto, reconhece a necessidade de instalar o processo de impeachment e tornar Bolsonaro inelegível, como prevê a lei. O segundo, é a necessidade de barrar a agenda bolsonarista. Ou seja, além de derrubar o governo, derrotar os projetos que avançam com apoio da direita neoliberal, pejorativamente chamada de Centrão. Terceiro, a defesa das liberdades democráticas.

    Em que pese a diferença entre projetos, em nenhum momento as esquerdas titubearam em denunciar as investidas golpistas de Bolsonaro ou de seus aliados militares. Quarto, a defesa das conquistas históricas da classe trabalhadora. Projetos como o da autonomia do Banco Central ou a privatização dos Correios contaram com a oposição da maioria dos partidos e movimentos de esquerda e centro-esquerda.

    Por tudo isso, podemos concluir que a frente possível é uma frente das esquerdas. Ela é bastante diversa e reúne projetos distintos, que vão de um tímido social-liberalismo a um programa de mudanças estruturais. Essa frente poderia redundar numa unidade eleitoral em 2022? Se considerarmos a gravidade do momento histórico que vivemos e o nível de unidade em torno de elementos programáticos mínimos, arrisco dizer que sim. Mas considerando os diferentes projetos eleitorais em curso – legítimos, a priori – é pouco provável que isso ocorra. Ainda assim, quem tiver a real dimensão da gravidade do momento que vivemos, lutará pela unidade até o último minuto.

    Juliano Medeiros é presidente nacional do PSOL e doutor em História pela UnB.


    [4] Todas as táticas para derrotar Bolsonaro e uma estratégia por um Brasil dos trabalhadores e do povo

    No Brasil atual, a tática da unidade de ação, amplamente utilizada em todas as lutas importantes ao longo da história, principalmente contra regimes e governos autoritários e ditatoriais, é fundamental para que se imponha a derrota ao governo Bolsonaro. A unidade de ação não é uma tática para as eleições, mas para a luta cotidiana. Porém, pode ser também estendida ao terreno eleitoral se, num segundo turno, por exemplo, enfrentam-se Bolsonaro e outro candidato que tenha sido seu oponente

    Roberto Robaina

    Para ir direto ao ponto, na atual situação política brasileira, há três objetivos fundamentais que devem ser postos para o movimento socialista: 1) Derrotar, pela via que seja, o presidente Jair Bolsonaro; 2) Defender as liberdades democráticas, os direitos econômicos e sociais dos trabalhadores e do povo; 3) Formular, desenvolver e lutar por propostas que apontem uma saída para a crise do ponto de vista dos interesses dos explorados e oprimidos.

    Desses três objetivos não contraditórios entre si, derivam-se táticas e orientações estratégicas, cada uma delas cuja especificidade responde, na mesma ordem, aos objetivos definidos, orientações que não apenas são complementares, mas se fortalecem mutuamente e fortalecem a luta pelos três objetivos: a) A tática da unidade de ação; b) A tática da frente única; e c) A estratégia da construção de um corpo político revolucionário independente.

    Unidade de ação

    No Brasil atual, a tática da unidade de ação, amplamente utilizada em todas as lutas importantes ao longo da história, principalmente contra regimes e governos autoritários e ditatoriais, é fundamental para que se imponha a derrota ao governo Bolsonaro. A importância deriva do fato de que o projeto de Bolsonaro é contrarrevolucionário de extrema direita, cuja realização implica ataque às liberdades democráticas, à liberdade de imprensa, de organização, de reunião, e, no caso concreto brasileiro, recentemente, na deslegitimação das eleições. Esse projeto de Bolsonaro despertou a oposição em todas as classes sociais. A própria classe dominante está dividida. Basta, como exemplo, a decisão de investigar Bolsonaro, tomada pelos ministros do STF e do TSE.

    A tática da frente única não abandona os objetivos da unidade de ação, mas constrói uma delimitação superior em conteúdo e método. Busca unir os partidos que se postulam como partidos de classe, dos trabalhadores, e as organizações sociais do movimento de massas para se oporem aos ataques do fascismo

    Unir na ação concreta ao redor desse ponto programático, isto é, de defesa das liberdades democráticas e, de preferência, pela bandeira do Fora Bolsonaro, é o que definimos como aplicação da tática da unidade de ação, que passa pela realização de atos, passeatas, pronunciamentos e manifestos, com todos que compartilhem desse objetivo. A unidade de ação não é uma tática para as eleições, mas para a luta cotidiana, mas pode ser também estendida ao terreno eleitoral se, num segundo turno, por exemplo, enfrentam-se Bolsonaro e outro candidato que tenha sido seu oponente. A unidade, nesse caso, expressaria-se na defesa do voto contra Bolsonaro. A tática da unidade de ação, entretanto, está longe de esgotar a orientação do movimento socialista. Limitar-se a ela seria confiar que as classes sociais têm o mesmo interesse e que a burguesia liberal é consequente na luta contra o fascismo. Os trabalhadores devem ser conscientes de que a continuidade do poder burguês significa uma constante ameaça aos seus interesses.

    Frente única

    A tática da frente única, formalizada pela primeira vez em junho de 1921, no III Congresso da Internacional Comunista, não abandona os objetivos da unidade de ação, mas constrói uma delimitação superior em conteúdo e método. Busca unir os partidos que se postulam como partidos de classe, dos trabalhadores, e as organizações sociais do movimento de massas para se opor à ofensiva patronal, seja aos ataques do fascismo, seja aos ataques contra os direitos sociais e econômicos dos trabalhadores levados adiante pelos capitalistas e seus governos.

    Trata-se de um acordo cujo objetivo é somar forças para impor derrotas aos planos capitalistas e fortalecer bandeiras de classe dos setores explorados e oprimidos. Tal tática não esgota, tampouco, a orientação do movimento socialista. Entre as organizações e partidos que reivindicam a classe trabalhadora há programas e estratégias diferentes e até opostas. O movimento dos trabalhadores se dividiu historicamente em posições revolucionárias, cuja estratégia é a destruição do capitalismo e a construção de um estado de novo tipo, uma nova institucionalidade baseada na auto-organização do movimento de massas, e as posições reformistas, cuja estratégia é atenuar as contradições de classe, buscando melhorias para os trabalhadores, mas num regime e num modo de produção burguês. Pois a tática de frente é a busca de acordo entre forças revolucionárias e reformistas que atuam no movimento de massas.

    O movimento dos trabalhadores se dividiu historicamente em posições revolucionárias, cuja estratégia é a destruição do capitalismo e a construção de um Estado de novo tipo, uma nova institucionalidade baseada na auto-organização do movimento de massas, e as posições reformistas, cuja estratégia é atenuar as contradições de classe, num regime e num modo de produção burguês

    A importância dessa unidade para fortalecer a capacidade de luta dos trabalhadores é evidente, mas não menos evidente são os limites dessa tática, já que os reformistas são contrários a uma estratégia de ruptura com a burguesia, como concretamente os 13 anos de governos do PT demonstraram. Assim, a tática da frente única não pode implicar acordo para realizar um governo comum entre revolucionários e reformistas, pela simples razão de que os revolucionários, nesse caso, estariam abrindo mão do seu programa ao aceitarem a hegemonia de um programa que não rompe com o capitalismo.

    Capitulações e compromissos

    Ao longo da História, tivemos muitos exemplos dessa capitulação, não tendo registro de experiências opostas, em que os revolucionários tenham sido apoiados por aparatos reformistas em sua estratégia de revolução social. Se não é uma tática por um governo comum, quer dizer que tampouco é uma tática e um acordo para as eleições. Mas a frente única pode também se estender ao terreno eleitoral. Tal opção deve ser feita em pelo menos dois casos: se há real ameaça de a candidatura da extrema direita vencer a eleição e se há uma ameaça real de um candidato da burguesia liberal ser o principal opositor contra a extrema direita, em detrimento de um candidato das forças reformistas. Nesse caso, o chamado ao voto e a participação na campanha não devem implicar compromisso de governo.

    Em relação à tática da frente única, além do seu conteúdo econômico e social de classe, agrega-se um método de luta mais claro, de combate permanente, que pode e deve incluir a necessidade de impulsionar a autodefesa dos partidos e das organizações, entidades sindicais, populares, camponesas, estudantis e dos direitos civis em geral. No Brasil, aliás, essa tarefa deve ser posta na ordem do dia, o que não tem sido discutido com a urgência que merece. A discussão tem se resumido ao terreno eleitoral.

    A via eleitoral é um caminho visível para derrotar Bolsonaro. E tal acordo é simples de ser feito numa eleição em dois turnos, seja apelando para a tática de unidade de ação, seja preferencialmente pela via do apoio a um candidato que integre os partidos que construam a frente única. Mas um compromisso eleitoral está longe de garantir a eficácia da frente única. A capacidade de organização e de luta nas ruas de cada classe social é decisiva para o futuro do país

    A via eleitoral é um caminho visível para se derrotar Bolsonaro. E tal acordo é simples de ser feito numa eleição em dois turnos, seja apelando para a tática de unidade de ação, seja preferencialmente pela via do apoio a um candidato que integre os partidos que construam a frente única. Mas um compromisso eleitoral está longe de garantir a eficácia da frente única. A capacidade de organização e de luta nas ruas de cada classe social é o decisivo para o futuro do país.

    Tarefa estratégica

    Não é por acaso que a terceira tarefa é denominada estratégica. A construção de um corpo político revolucionário que impulsione a mobilização e a luta pelo poder dos trabalhadores e do povo pobre é a única saída de fundo para a crise nacional. Ou o capitalismo é derrotado ou teremos sempre as forças da barbárie ganhando terreno tendencialmente, acompanhadas pela ameaça recorrente do fascismo. A denominação mais conhecida desse corpo político é a de partido político, embora a forma partido esteja desgastada por conta da identificação quase exclusiva entre partido e eleições, tarefa fundamental, mas que não resume a atuação de um corpo revolucionário digno desse nome. Hoje, os revolucionários são uma minoria. Essa razão não nos isenta da necessidade de construir esse corpo e se apresentar de modo claro, com bandeiras próprias ao movimento de massas. Somente se postulando, desenvolvendo as táticas necessárias para fortalecer as lutas democráticas, econômicas e sociais que respondam aos interesses dos trabalhadores e dos setores oprimidos, atuando como operador dessas lutas, pode-se construir um polo consciente, capaz de agrupar as parcelas mais avançadas do povo trabalhador. Esse desafio é o que permite fortalecer as tendências da revolução e derrotar de modo definitivo a contrarrevolução e seus representantes de hoje e de amanhã.

    Roberto Robaina é Vereador em Porto Alegre e membro do Diretório Nacional do PSOL.

  • O POVO NÃO ACEITARÁ GOLPE NO BRASIL – Por Francisvaldo Mendes

    O POVO NÃO ACEITARÁ GOLPE NO BRASIL – Por Francisvaldo Mendes

    O POVO NÃO ACEITARÁ GOLPE NO BRASIL

    Por Francisvaldo Mendes – Presidente da FLCMF

    O inominável presidente da república, após derrotas consecutivas na política de morte imposta, esclarecida pela atuação da CPI da COVID e a negação do funcionamento das instituições do Estado brasileiro, recorre a tentativa de golpe. Como o desejo busca reunir os sentimentos mais autoritários e retrógados que existem em algumas pessoas da sociedade que cultivam a ideologia mais fascista no Brasil, fica cada vez mais nos limites das possibilidades. Mas o golpe, ainda bem, não passa do desejo do atraso, cultura impregnada no desnível educacional implementado por anos no Brasil.

    Não há, até o momento, quaisquer apresentações de base social e muito menos de poder superestrutural para realizar um golpe de Estado. Muito pelo contrário, há um movimento em toda a superestrutura brasileira – que nunca foi a favor dos trabalhadores – colocando a presidência em conflito com o legislativo, o judiciário e as unidades federativas e prefeituras, sem o abraço unificado e completo dos militares, que se subordinam aos poderes constituídos. Não há, por outro lado, nenhuma ação com expressão pública que apareça para além das motocicletas instituídas por poucos “endinheirados” de ultradireita, com alguns pobres desavisados. Ou seja, o Governo atual não consegue fazer com que o discurso de golpe ressoe para além do desejo anacrônico de governo autoritário que almeja em seu mandato.

    A rejeição cada dia crescente na sociedade na perspectiva de 2022 é, sem dúvida, um aspecto positivo no meio do cenário negativo de mortes, fome e opressão, que predomina no Brasil. Passamos por um quadro que pode ser desenhado como o pior da trajetória do país em um tempo tão curto, com menos de dois anos. Há sim, neste período, o impulso da pandemia inventada e imposta. Mas a junção entre a pandemia e a necropolítica faz ampliar as piores consequências da exploração amalgamada ao racismo, preconceito e autoritarismo que encarnam na presidência atual.

    Evidente que muito há o que fazer e que uma conquista que mais nos fortalece – como setor em condições de organizar uma política popular em defesa da vida, com participação dos setores organizados – clama por retirada agora do atual presidente. Mas, muito mais que isso, somos convocados para organizações, mobilizações e formações que ampliem os setores populares favoráveis à democracia e ao crescimento da qualidade de vida.

    O Brasil vem vivendo a imposição da onda mais dura da exploração, com a retirada de direitos dos trabalhadores e da sociedade, com forte influência do peso patrimonialista, patriarcal e racista que foram impostos em nossa história. Este cenário obtuso e regressivo nos impõe uma inconsistência de condições de vida em todos os aspectos. A maioria das pessoas no Brasil não possui onde trabalhar, são aterrorizadas pela fome, pela ausência de saúde, pela imposição da inexistência de condições de vida e moradia mínimas. Basta identificar os números amplamente divulgados por organismos oficiais do descaso desse desgoverno genocida.

    O IPEA já demonstrou que a quantidade de pessoas em situação de rua é muito maior que uma impressão. Principalmente, nesta fase que a política de exploração, repressão e discriminação imposta pelo governo se unifica ao transcorrer do vírus. Para além da divulgação de mais de meio milhão de mortes, que com certeza atinge as pessoas que menos possuem para comer e viver, há uma ampliação de todos os números regressivos para a vida.

    Pode-se sim afirmar que houve ampliação do número de pessoas que sofrem a imposição forçada da situação de rua, sem condições de se manterem nos aluguéis. Nessa mesma onda há também ampliação das pessoas sem comida, sem remédios, sem saneamento, sem a condição mínima para a sobrevivência, no cenário de doença e morte que predomina em escala nacional.

    O discurso anacrônico e sem sustentação, favorável a um golpe, feito pelo presidente da república e seus “ignorantes” seguidores, infelizmente é uma jornada ideológica para ampliar o número de pessoas que desesperadas aprovem a experiência mais retrógada já eleita na história do país. Na verdade, todo discurso presidencial, na maioria das vezes sem respeito e explicitamente descompromissado com qualquer colaboração para a vida das pessoas, não passa de expressão de isolamento, de desespero. Não há condições objetivas ou de sustentações subjetivas para o golpe no país, o que há é o desejo de alguns poucos em ampliar um ambiente autoritário e retrógado.

    Da nossa parte, por sua vez, com o respeito que temos com a vida e a dignidade humana, devemos apostar na organização popular e na conquista de direitos. Por isso, devemos ir às ruas no próximo dia 07 de setembro contra toda forma de golpe, que só serve para ampliar o retrocesso e a morte. Vamos atuar, mobilizar e nos levantar coletivamente pelas conquistas que virão, com nossas ações e lutas, favoráveis ao BEM VIVER e a dignidade humana!!

  • OLIMPÍADAS: DISPUTA E SOLIDARIEDADE!  – Por Francisvaldo Mendes

    OLIMPÍADAS: DISPUTA E SOLIDARIEDADE! – Por Francisvaldo Mendes

    OLIMPÍADAS: DISPUTA E SOLIDARIEDADE!  

    Por Francisvaldo Mendes

    A vida é uma constante disputa pela sobrevivência, um percurso onde predomina o medo, a destruição, a ganância, o genocídio e a expectativa do tempo de vida, ou do sentido da própria vida que faz o pessimismo predominar em cada dificuldade que a vida apresenta. Do outro lado, as pessoas também têm sentimento absolutamente distinto que ativa o companheirismo, a disposição de ajudar, a solidariedade, a torcida pelo sucesso, criando energia para a sobrevivência. Essa dicotomia é a essência da nossa condição dentro desse modelo de sociedade, sendo nas olimpíadas, principalmente em 2021, essa percepção constante,  apesar do conceito apontar para interesses do sistema capitalista como direcionam os organizadores dos jogos, à qual, devemos estar atentos e críticos, valorizando a competição harmoniosa da disputa solidária.

    A busca pelas vitórias sempre é o mote apontado nas disputas esportivas, e mensagens otimistas são passadas, com a demonstração de superação entre os competidores e muitas vezes com a colaboração coletiva. Mas, por traz das olimpíadas estão os interesses de marcas esportivas, de mega empresas e de atomização do próprio sistema capitalista. No entanto, nas olimpíadas de 2021 cuja presença do vírus que mata, a Covid-19, outras mensagens surgiram.

    Seja na apreensão de disputa sem o calor do público que participa ativamente de cada momento jogado, seja no esforço que cada atleta fez para sua participação nas olimpíadas, ou seja, no esforço pessoal que alguns atletas fizeram dentro da adversidade deste momento, muitas vezes sem nenhuma ajuda do governo de seu país.

    No Brasil, principalmente essas olimpíadas marcaram muito mais o amor dos atletas por esse país tão grande e lindo, do que pela irresponsabilidade desse governo que acabou com o ministério dos esporte: não investiu sequer em apoio mínimo aos atletas e sequer comemorou qualquer vitória dos atletas brasileiros.

    Mas indo além do esporte e pensando as influências sócio-históricas que marcam a formação social do capitalismo no Brasil, que impõe a ideologia das pessoas se enxergando como mercadoria, já nasce uma crítica no meio esportivo que visa quebrar o tabu de que os atletas não podem se manifestar politicamente como fez a norte americana, Raven Saunders, que no pódio cruzou os braços acima da cabeça, contra toda forma de opressão, demonstra que todos temos que lutar em todos os espaços que ocupamos.

    O gesto de rebeldia, deve ser reconhecido e valorizado, pois as pessoas e atletas não são mercadoria, cuja desenvoltura do raciocínio não exista, devemos sim valorizar a capacidade de desenvolvimento intelectual dos atletas que se dispõem a representar sua nação enquanto participante de um mundo desigual e desumano cuja diferença social e causada pela forma de desenvolvimento imposto pelo sistema de exploração capitalista mundial e não por religiões, credos ou as características particulares das pessoas. Somos todos seres humanos, dignos de reconhecimento e valorização do ser e da vida.

    Assim, vale destacar, o ocorrido na disputa do Salto em altura, envolvendo um atleta da Itália e do Qatar dividiram o primeiro lugar no pódio com a medalha de ouro, por decisão dos dois, ambos demonstraram que o “espírito de Ubuntu” possui marcas e sinais no mundo que atravessam todas as “nações”.

    A questão é mesmo quem ganha e quem perde no domínio intolerante e asfixiante do sistema de disputa do capital. A ideia de que para ganhar alguém precisa perder e que para dividir precisa crescer são visões que formam base ideológicas fundamentais para o capitalismo ter ao seu lado quem mais perde materialmente. E as contradições se ampliam, pois, quem ganha espaço de criação, motivação, inventividade, para fazer a vida viver é também o grupo social que sofre o maior impacto da proibição de viver e das impossibilidades dos direitos materiais. Enquanto nem a mercadoria do dinheiro está disponível para ser trocado em moradia, comida, transporte e venda de força de trabalho, o capitalismo amplia em lucros absurdos. Esse movimento cria ambientes nos quais as pessoas consideram que oprimir, dominar, controlar criam mais condições de viver. Mas não, não criam! Ao contrário, ampliam as condições de dominação dos poucos que controlam o mundo e as nações.

    Não há dúvidas, portanto, que estejam as pessoas em quaisquer locais existentes no mundo, o lugar que as divide é mesmo o do poder e do viver. Enquanto uma pequena minoria se apossa do poder e possui seus “capitães” para fazer o poder massacrar a vida e ampliar o lucro, a grande maioria vivem o impacto da exploração e diminuição do tempo de vida. Nesse mundo, onde não há a pessoa sozinha, a questão está na criação de ambientes que a convivência sejam predominantes e tenham energia para todos os locais.

    Portanto, para nós, que compomos o grupo social que precisa vender a força de trabalho para ter mercadoria que possibilite o viver, e que politicamente é quem quer um mundo democrático, justo e qualificado, só cabe divulgar os sinais de solidariedade e vitória. É uma vitória quanto o que a outra pessoa ganha chega para nós como vitória e não como derrota.

    Nessa estrada das olimpíadas, precisa-se demonstrar cada passo favorável à vida em um período no qual as políticas de diminuição de vida predominam.

    Afinal, nos tempos atuais, são impostas as mortes de mais de um milhão de pessoas no mundo, e mais de quinhentos e cinquenta mil no Brasil. Nessa condição que faz guerras aparecerem como presente o todo tempo e criando mais e mais medos diferentes para viver, cabe sim saber se aproveitar de todos os exemplos de conquistas que pulsam a vida.

    No nosso caso,  pessoas brasileiras, que vivemos a imposição de um genocida que só faz ampliar as péssimas condições materiais: sem casa para morar, sem comida para comer, sem vacina para poder ter esperança de viver. Essas condições atuais, impostas predominantemente nas políticas do Brasil, são as piores, pois forçam a ampliação do medo, o que para sucumbir com a vida é fundamental.

    E, nesse contexto lamentável das condições humanas, não podemos deixar passar momento que divulga solidariedade, companheirismo, colaboração humana e vitórias sem derrotas. As olimpíadas demonstram uma disputa para elevar as condições e não um estado de guerra para eliminações constante. Nesse momento pelo qual passamos isso é fundamental. Então nós temos que agarrar todas as vitórias simbólicas e materiais para dizer que coletivamente vamos ganhar. Para além disso podemos afirmar que nosso otimismo da vontade traz em todas as personagens das olimpíadas, da Fadinha à Rebeca, sinais de que sairemos vencedores na vida. Construindo a organização coletiva, a formação, a atuação, aprendendo com a diversidade que nos amplia, assim sempre sairemos vencedoras e vencedores no viver.