Autor: Redação Lauro Campos

  • A nossa luta coletiva vencerá. Não deixemos nos abater em tempos sombrios!

    A nossa luta coletiva vencerá. Não deixemos nos abater em tempos sombrios!

    A nossa luta coletiva vencerá. Não deixemos nos abater em tempos sombrios!

    Por Francisvaldo Mendes de Souza, presidente da Fundação Lauro Campos

    Vivemos mais de 20 anos de ditadura militar e, possivelmente, sentir o peso de todo aporte autoritário bate muito duro em todos nós. O pior que dessa vez o caminho foi a via democrática: a estrada do voto dando legitimidade por meio da escolha da maioria. Assim, a dor dessa realidade ganha maior profundidade. A democracia que existe não é para maioria, sabe-se bem disso, pois só os ricos desfrutam do bom e do melhor na sociedade, no entanto ela se apresenta para todas as pessoas, com a ideia ilusória de igualdade ou de merecimento entre todas. Contudo, é preciso compreender que o voto não é a única veia de realização democrática, apesar de ser relevante. A participação popular é de igual importância, diariamente, seja na fiscalização e nos questionamentos ao poder instituído.

    No último dia 28, um domingo, vimos a maioria das pessoas escolher, por “via democrática” o retorno da política tradicional das oligarquias atrasadas e veremos, no dia a dia, em futuro próximo suas consequências. Trata-se mais do que política ultrapassada, é o aumento da concentração das decisões políticas em pequenos grupos com interesses puramente privados acima dos interesses públicos. São as já conhecidas ações com novos nomes, que poderão vir com a imposição do silêncio e do medo, tentando a legitimação para retirar ainda mais direitos das pessoas que trabalham. Poderá haver controle, perseguições e ameaças em todos os aspectos e sentidos. Aquilo que se conhece como neoliberalismo na sua máxima potência, para ampliar lucros e controlar a ferro e fogo as pessoas que atuam por liberdade, conquistas e direitos.

    Claro que há responsáveis, sempre há. Nesse caso não há dúvidas que a oligarquia financeira fez um grande acordo com o setor político dominante no país. Os candidatos tradicionais com compromissos com tais setores, internacionais e nacionais, não emplacaram, e o aventureiro foi a solução encontrada pelos poderosos do sistema. Abre-se, assim, uma nova fase da ideologia dominante sobre o povo, quem viverá as mais duras consequências econômicas. Todas as pessoas que questionam o centro do poder, sejam indígenas, negras, nordestinas, militantes, sindicalistas, ativistas sociais e que possuem uma lente crítica sobre o mundo e atuam para que ele seja mais humano, mais democrático e com mais dignidade poderão viver o peso da violência institucional, mesmo que disfarçada por meio das milícias.

    Nessa hora devemos clamar pelo coletivo que será capaz de produzir a solidariedade, na defesa para continuar a vida, para a sobrevivência da mente e dos corpos, para a saúde em busca de ações qualificadas em nome de uma verdadeira democracia, com mais liberdade e mais direitos. A ideologia dominante forçará o individualismo, o salve-se quem puder e apostará que o temor predomine individualmente tentando empurrar cada pessoa para os ventos do medo, das doenças, da angústia, da ansiedade e do desespero.

    Vamos construir os ventos em outra direção. Ventos coletivos, de solidariedade, com mais organização, mais formação, ampliando para mobilizações conscientes e eficazes. Nessa direção que aqueles que querem ver o outro feliz devem seguir, e não estará só. Será na coletividade, com estudo, organização de base, companheirismo e fortalecimento das características pessoais que se dará a construção de alternativas. Faz-se necessário o cuidado um do outro para suportarmos a situação atual com sabedoria e acumular forças para superar esse momento histórico. Acredite!

    Ninguém estará só e não é o individualismo, tão divulgado e propagandeado pelo liberalismo, que fará cada um de nós vencedor desse processo. Essa é a hora do coletivo e vamos ser capazes de enfrentar os desmandos que a ideologia vencedora momentaneamente nos impõe. Vamos apoiar cada camarada no enfrentamento a desesperança que predomina na sociedade; vamos nos apoiar defendendo o valor da democracia, da liberdade e dos nossos direitos. Vamos unificados, juntos, toda a militância e com cuidado mútuo para nossa ação na construção de uma sociedade fraterna, justa e com liberdade. Essa é a hora do coletivo bradar seu som mais alto e apontar para soluções que ampliem nossas vidas, com mais dignidade humana, altivez e a alegria do nosso povo.

  • Fundações partidária lançam manifesto em defesa da democracia

    Fundações partidária lançam manifesto em defesa da democracia

    Fundações partidária lançam manifesto em defesa da democracia

    As fundações Lauro Campos (Psol), João Mangabeira (PSB), Leonel Brizola – Alberto Pasqualini (PDT), Maurício Grabois (PCdoB), da Ordem Social (PROS) e Perseu Abramo (PT) divulgaram em 18 de outubro um manifesto em defesa do regime democrático no Brasil. Leia o manifesto completo!

     Em defesa do regime democrático no Brasil 

    A democracia, em qualquer lugar do mundo, não se apresenta enquanto regime político pronto e acabado, pois tende a refletir, em geral, um processo maior que se submete à construção permanente. No Brasil, cuja cultura prática democrática tem sido efêmera, a sua defesa se faz sempre muito necessária, sobretudo no atual momento em que sofre ameaças profundas de retrocessos. 

    Mas a sua defesa não pode tão somente se limitar à defesa da realidade atualmente identificada, com diversas incongruências constatadas por todos brasileiros (as) defensores da democracia. O seu aperfeiçoamento requer garantir o que já foi conquistado, bem como avançar para além da situação atual de direitos, liberdades e deveres de todos.

    Alargar compromissos democráticos torna-se fundamental frente aos riscos de retrocessos à institucionalidade estabelecida pelo pacto político instaurado pela Constituição Federal de 1988. A possibilidade iminente de o país sofrer o desastre da instauração de um governo de conteúdo ditatorial do choque de totalitarismo reacionário, enquanto reação às garantias políticas, econômicas, culturais e sociais da liberdade democrática, precisa ser urgentemente contida por ação por uma tomada de posição dos (as) brasileiros (as) de todo brasileiro.

    Para muito além do resultado da disputa eleitoral atual que se encontra sob a forte ameaça pelo movimento de natureza fascista, a sobrevivência do regime democrático pressupõe ir além da opção por candidatura presidencial. Por isso, a constituição de uma ampla frente política nacional de defesa da democracia assume caráter fundamental, contando com a manifestação de todos (as) que defendem a prevalência da ordem democrática em nosso país.

    Assinam presidentes das seguintes Fundações:

    Francisvaldo Mendes de Souza, da Fundação Lauro Campos
    Felipe do Espirito Santo, Fundação da Ordem Social
    Alexandre Navarro, da Fundação João Mangabeira
    Manoel Dias, Fundação Leonel Brizola – Alberto Pasqualini
    Marcio Pochmann, da Fundação Perseu Abramo
    Renato Rabelo, da Fundação Maurício Grabois

  • As eleições e a democracia: qual futuro?

    As eleições e a democracia: qual futuro?

    As eleições e a democracia: qual futuro?

    Francisvaldo Mendes, presidente da Fundação Lauro Campos

    As eleições de 2018 são de um diferencial significativo na vida das pessoas. Quem possui mais de 50 anos guarda a lembrança da ditadura militar no Brasil. As outras pessoas possuem lembranças de um país sem ditadura militar. Levando-se em conta que a população brasileira se divide em três grandes faixas de idade – jovens até 19 anos; adultos dos 20 aos 59; idosos a partir dos 60 – e que tal diferenciação etária, segundo o IBGE, se divide estatisticamente em jovens e adultos com 90,7% e 9,3% são de idosos, a lembrança do tempo vivido durante a ditadura militar é a menor.

    Por outro lado, a vida com internet no Brasil, modificou hábitos de aproximadamente 90% da população. Os jovens, mais de 40% hoje, foram formados com os equipamentos e as linguagens desse ambiente digital, com o celular na primeira fileira e as leituras rápidas, fotos, memes, vídeos, tomando a maioria dos sentidos. Não são os livros, assim como não é a leitura do conhecimento acumulado, que predomina na vida das pessoas. Na verdade, no Brasil, a leitura e os estudos do conhecimento acumulado nunca foi predominante. Mas hoje se vive um período que nem os jornais impressos e nem mesmo a Televisão ocupam o principal espaço de tempo das pessoas, muito menos o rádio (principal comunicação popular do passado). Mas pode-se arriscar dizer que somente um meme, uma mensagem de alguns caracteres, desenhos, fotos, vídeos – facilmente produzidos e editados no próprio celular – predominam e, pior, são travestidos em conhecimento. A inverdade supera a verdade facilmente e em múltiplas dimensões. Não é por menos que os tais fake news estão em primeiro lugar na organização política na vida das pessoas. Vale uma informação, mesmo correndo o risco que todas as pessoas saibam, a tradução de fake news é notícias falsas.

    Agora, em outubro, na véspera de iniciar a terceira semana, a segunda depois da votação do primeiro turno em eleições quase gerais, com um dos candidatos tratando normal não ir ao debate, agredir verbalmente as pessoas, não respeitar minimamente as diferenças e ainda ser ponto fixo de uma (im)possível democracia, é algo muito assustador. O medo vai tomando as mentes e corações com mais força e predomínio a cada dia.

    Vale refletir sobre o que foi o saldo eleitoral do primeiro turno, para além de olhar somente para o PSOL na Câmara e nas Assembleias Legislativas. Na Câmara ampliamos para dez cadeiras, pois ocupávamos seis. Por sua vez, a sigla partidária do Bolsonaro, PSL, que eleição passada elegeu apenas 1 deputado, nessa fez 52, a segunda maior bancada da Câmara. O principal ambiente da política federal do país, terá a presença de 30 siglas das 35 registradas no TSE, continuará com conservadores como maioria e, para piorar, haverá predomínio dos reacionários.

    O PSOL ultrapassou a clausula de barreira, obteve mais de 1,5% dos votos válidos para Câmara em nível nacional e chegou, em mais de nove Unidades Federativas, com pelo menos 1% dos votos válidos em suas candidaturas. Ou seja, até 2022, significa que o partido terá direito aos rateios do fundo partidário e do tempo de TV. Agora, para além do Rio de Janeiro, São Paulo e Pará, o PSOL contará com parlamentares de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul. Não se pode deixar de registrar que, mesmo diminuindo o número de cadeiras de 69 eleitos na eleição passada para 56 na eleição atual, o PT foi a sigla partidária que mais elegeu deputadas e deputados.

    Nessa passarela que pode ser argumentada como democracia, pelo fato das pessoas votarem, o cenário que aponta para o próximo ano é desfavorável para o significado do termo. Caso o candidato da legenda PSL ganhe as eleições, o povo brasileiro viverá uma ação de estética e práticas autoritárias, com um modelo que ampliará o predomínio neoliberal com apoio da Câmara. Caso contrário, ainda que se derrube a estética autoritária e o modo reacionário de dirigir, haverá uma Câmara e um Senado combatendo qualquer fresta que aponte para enfrentar desigualdades e o neoliberalismo. Passagem com marcas democráticas que apontam para futuros com baixos odores da democracia.

    Nós do PSOL não tivemos dúvidas, apoiamos Haddad. Faremos de tudo para transformar os votos aos parlamentares do partido, ao Boulos, às nossas candidaturas, buscando sempre ampliar, em possibilidade de um ambiente que favoreça conquistar mais democracia e qualidade de vida. Sabemos que os próximos anos serão de muitos desafios. Formação, mobilização, participação das pessoas nos mandatos e construção de um novelo unificado partidário, avançando para um PSOL fortalecido e unitário, despersonalizando ao máximo nossas fileiras e ampliando a organização coletiva, será um grande desafio e que vamos fazer de tudo para construir. Mas, também sabemos, que nesse momento, será mais favorável para o futuro e para o presente, derrotar a xenofobia e toda estética da guerra com compromisso com o capitalismo que vem com a figura que representa a sigla PSL e seu candidato. Por isso, nesse momento, faremos de tudo para garantir a unidade e a mobilização para que Haddad seja o vitorioso no segundo turno das eleições.

  • Fake news: como enfrentar a desinformação sem cercear a liberdade de expressão

    Fake news: como enfrentar a desinformação sem cercear a liberdade de expressão

    Fake news: como enfrentar a
    desinformação sem cercear a
    liberdade de expressão

    Texto de Bia Barbosa e Jonas Valente*

    A polêmica sobre notícias falsas na rede não pode servir de álibi para grandes corporações midiáticas definirem o que pode ou não ser divulgado, dando curso a uma espécie de censura privada. Até mesmo figuras de proa do Judiciário acabam fortalecendo a ideia de que a imprensa tradicional seria uma espécie de “guardiã da verdade” em meio à multiplicação de vozes e opiniões pela internet.

    As campanhas eleitorais vêm passando por uma série de mudanças, marcadas, sobremaneira, pelo uso intenso das novas tecnologias de informação e comunicação. Plataformas digitais como facebook e aplicativos de mensagens como o whatsapp já passaram a ser um espaço privilegiado de circulação de informações e busca do eleitorado. Tal avalanche comunicacional tem gerado, por outro lado, um debate sobre quais informações são verdadeiras e como fazer para identificar cada uma delas.
    Episódios como as eleições presidenciais dos EUA, em 2016, e o referendo do Brexit no Reino Unido, em 2017, incitaram ainda mais o debate sobre a possível influência de informação manipulada, incluindo as chamadas fake news, no resultado de eleições.

    Em outubro passado, no Brasil, o Tribunal Superior Eleitoral-TSE criou um Conselho Consultivo para propor uma forma de fiscalizar e impedir a reprodução/compartilhamento de notícias falsas na internet. Convidou o Exército, a Agência Brasileira de Inteligência-Abin, a Polícia Federal, entre outros órgãos, para discutir regras a serem aplicadas no país. Desde então, o presidente da Corte, Luiz Fux, tem feito afirmações preocupantes, incluindo a de que o resultado de uma disputa eleitoral poderia ser anulado “se o resultado da eleição for fruto de uma fake news”. Segundo Fux, a anulação seria feita com base no Código Eleitoral, que já considera crime a divulgação de propaganda com fatos sabidamente inverídicos relacionados a partidos ou candidatos.

    Episódios como as eleições presidenciais dos EUA, em 2016, e o referendo do Brexit no Reino Unido, em 2017, incitaram ainda mais o debate sobre a possível influência de informação manipulada, incluindo as chamadas fake news, no resultado de votações

    Mas, como comprovar que a maioria dos mais de 100 milhões de eleitores brasileiros terá tido seu voto influenciado por uma ou várias informações manipuladas? Num contexto de ruptura democrática já em curso, a declaração é preocupante, principalmente porque as fake news poderiam, nesse caso, ser usadas como pretexto por aqueles que não concordarem com um resultado das urnas.

    Ignorando a legislação

    Fux engrossa o discurso daqueles que defendem a necessidade de um novo marco legal no país para combater as chamadas notícias falsas. Qualquer lei que seja aprovada agora pelo Congresso não terá mais validade para o pleito deste ano. Mesmo assim, em junho, por ocasião de uma Comissão Geral realizada sobre o tema no Plenário na Câmara dos Deputados, o presidente da Casa, Rodrigo Maia do DEM-RJ, propôs a criação de “conselhos de supervisão” que poderiam ordenar a remoção de determinado conteúdo da rede, de forma provisória, antes da deliberação final do Poder Judiciário. Para Maia, a medida seria necessária porque “a internet não pode ser espaço de vácuo legal, terra sem lei”.

    O presidente da Câmara ignora, assim, não apenas o Marco Civil da internet, lei aprovada em 2014 e que se tornou referência global para a regulação de direitos e deveres no mundo online, como todo o marco normativo brasileiro para crimes contra a honra – injúria, calúnia e difamação – e que já pode ser utilizado para o tratamento de notícias falsas que circulam na rede. Esse marco foi base, por exemplo, para a recente decisão da Justiça sobre as mentiras disseminadas nas redes sociais, após o assassinato da vereadora do PSOL do Rio de Janeiro, Marielle Franco, e do motorista Anderson Gomes.

    Episódios como as eleições presidenciais dos EUA, em 2016, e o referendo do Brexit no Reino Unido, em 2017, incitaram ainda mais o debate sobre a possível influência de informação manipulada, incluindo as chamadas fake news, no resultado de votações

    Mesmo assim, o Congresso brasileiro foi tomado por dezenas de novos projetos de lei propondo enfrentar o fenômeno, baseados em dois eixos centrais: 1) a criminalização, com a criação de um novo tipo penal, da produção e compartilhamento das fake news, numa resposta punitivista ao problema; e 2) a remoção imediata, pelas plataformas, de conteúdos considerados falsos. Essa tentativa de regulamentar a retirada de conteúdos da internet, por suposta falsidade ou suposta ofensa a terceiros, vem sendo reiterada por inúmeros deputados federais, que veem aí uma oportunidade de silenciar vozes dissonantes durante a disputa eleitoral.

    Em paralelo, a imprensa tradicional brasileira tem, em uníssono, utilizado a polêmica para tentar retomar o histórico lugar de “guardião da verdade”, como se os noticiários dos grandes meios impressos e televisivos fossem isentos e tivessem o privilégio exclusivo sobre a produção de informação “de qualidade”. Essa suposta isenção ignora, inclusive, o histórico de desinformação, com notícias flagrantemente falsas, assuntos manipulados e pautas silenciadas pelos meios tradicionais do país, por decisão de grupos econômicos, políticos e/ou religiosos proprietários desses meios e/ou pressão de seus anunciantes. Trata-se de um movimento que visa manter o domínio dos grupos comerciais, que sempre se beneficiaram de uma estrutura de mercado concentrada, afetando a diversidade e pluralidade de ideias e a qualidade do debate público, sobretudo, num ano eleitoral.

    Riscos à liberdade de expressão

    A regulação acerca das chamadas “notícias falsas” traz a necessidade de um olhar cuidadoso para evitar que o combate a esse fenômeno resulte na violação de direitos fundamentais como a liberdade de expressão, o acesso à informação e a privacidade dos usuários de internet.

    Em primeiro lugar, é importante lembrar que o próprio conceito de fake news é questionado por diversos especialistas em todo o mundo. No relatório Uma abordagem multidimensional sobre a desinformação, lançado em março de 2018, o Grupo de Alto Nível da União Europeia sobre fake news e desinformação online aponta para uma taxonomia diversa da ideia de “notícias falsas” e defende que o debate seja feito baseado nos conceitos de “desinformação”, “informações ludibriadoras” ou “notícias fraudulentas”. Aspectos como contexto, interpretação e autoria das informações devem ser considerados na análise de qualquer conteúdo.

    Nesse sentido, um primeiro risco da regulação da questão passa por conceituar o tema. Em workshop organizado em abril pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil, especialistas de diferentes setores apontaram que qualquer definição de fake news não pode ser vaga e ampla, sob o risco de cercear o debate político. A caracterização de um conteúdo como “notícia falsa” deveria, assim, requerer pontos como: a) a simulação/fabricação de um discurso/notícia factual, o que, por princípio, excluiria conteúdos opinativos dessa caracterização; b) a distorção deliberada de fatos e dados; e c) a difusão visando um dano específico, considerado o elemento da intencionalidade no processo.

    A imprensa tradicional tem, em uníssono, utilizado a polêmica para tentar retomar seu histórico lugar de “guardião da verdade”, como se os noticiários dos grandes meios impressos e televisivos fossem isentos e tivessem o privilégio exclusivo sobre a produção de informação
    “de qualidade”

    A preocupação com a conceituação é mais do que justificada, considerando que entre um conteúdo totalmente falso e um “verdadeiro” existem gradações infinitas. Se, por um lado, um fato ou dado totalmente falso pode ser facilmente identificado, por outro, todo o restante carece de uma análise mais complexa. Preocupantemente, projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional trabalham com conceitos ainda mais vagos, como o de “informações prejudicialmente incompletas”.
    Um segundo aspecto central do debate é sobre a quem cabe analisar um conteúdo e caracterizá-lo como fake. Alguns países têm adotado medidas temerárias nesse sentido.

    O pretexto de combater a proliferação de notícias falsas tem gerado um cenário de derrubada generalizada de conteúdos, restringindo a emissão de críticas legítimas e silenciando vozes dissidentes, sob a preocupação da comunidade internacional. É o caso da lei alemã, que obriga plataformas a derrubarem em 48 horas qualquer conteúdo com fortes indícios de serem “ilegais”. A norma tem sofrido tantas críticas que a gestão Merkel já considera revê-la. Na Malásia, onde a disseminação de fake news foi criminalizada, um turista dinamarquês foi preso por ter publicado em uma rede social mensagem sobre o tempo de atendimento de uma ambulância diferente do efetivamente ocorrido.

    Interesse público

    Em março de 2017, os relatores especiais para a Liberdade de Expressão de diversos organismos internacionais, como a ONU, publicaram conjuntamente um documento intitulado Declaração sobre a Liberdade de Expressão e Notícias Falsas, Desinformação e Propaganda. Entre as recomendações feitas pelos relatores está a de que restrições à liberdade de expressão devem, necessariamente, considerar o interesse público, em casos como incitação à violência ou à discriminação.

    No Brasil, o Marco Civil da Internet – Lei nº 12.965/14 – estabelece que o provedor de aplicações da rede, somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de informações geradas por terceiros, se não derrubar o conteúdo após determinação da Justiça. Os casos relacionados à honra, à reputação ou a direitos de personalidade podem ser apresentadas perante os juizados especiais, Art.19, § 3.

    O pretexto de combater a proliferação de notícias falsas tem gerado um cenário de derrubada generalizada de conteúdos, restringindo a emissão de críticas legítimas e silenciando vozes dissidentes

    O objetivo de tal dispositivo, baseado em padrões internacionais, é impedir que haja, por parte das plataformas digitais, remoções indiscriminadas de conteúdo na internet que resultem na prática de censura privada. Qualquer tentativa de regular a questão deve, portanto, passar pelo crivo judicial, que é quem tem as melhores condições para avaliar se houve danos na veiculação de determinado conteúdo. Mídias online, e não as redes sociais, devem sim, ser responsabilizadas pela veiculação de notícias comprovadamente falsas. Mas decisões tomadas a posteriori por juízes e não pelas plataformas permitem o contraditório e a ampla defesa em juízo.

    Pouca transparência

    Atualmente, plataformas como Google e Facebook já têm realizado filtros automatizados e pouco transparentes, baseados em algoritmos ou bloqueadores, para derrubar o alcance de determinados conteúdos na internet, quando não para removê-los por completo, incorrendo muitas vezes em censura privada. O Facebook, por exemplo, analisa conteúdos considerados “caça-cliques” e já removeu cerca de 600 milhões de notícias falsas no primeiro trimestre de 2018 em todo o mundo.

    Em maio, a rede social anunciou uma parceria com agências de checagem. A partir da notificação de usuários, o conteúdo é enviado para a análise das agências e, se for considerado inverídico, terá seu alcance reduzido. Menos de um mês depois, porém, a checagem da agência Lupa, parceira do Facebook, em torno da entrega de um terço do Vaticano ao ex-presidente Lula, na prisão em Curitiba, comprovou os argumentos de quem ver no mecanismo um risco para a liberdade de expressão.
    Entre declarações do Vaticano, do Partido dos Trabalhadores e do consultor do Pontifício Conselho Justiça e Paz do Vaticano, Juan Grabois, a agência carimbou uma matéria do Portal Fórum como fake, posteriormente, comprovada como verdadeira. Mas o estrago já havia sido grande. Além da redução do alcance da publicação, o Facebook notificou todos os usuários que haviam compartilhado a notícia de que ela vinha de uma página que produzia fake news.

    Nada contra, pelo contrário, à checagem de notícias. Trata-se de uma prática do bom jornalismo. Mas, transformar as agências em certificadoras definitivas de conteúdos que poderão ou não circular livremente nas redes é algo que vai na contramão da promoção de um ambiente de liberdade de expressão. Iniciativas das plataformas que absolutizam a referência desses checadores e da mídia tradicional são, portanto, bastante preocupantes, e podem reproduzir, num ambiente de monopólio na internet, a concentração que já vivenciamos nos meios tradicionais, com sérios impactos à diversidade e pluralidade.

    Controle ou censura?

    O Google, infelizmente, tem trafegado no mesmo sentido. Além de estampar um selo de checagem de fatos em notícias, informa que tem aprimorado seu algoritmo para não priorizar nas buscas conteúdos considerados enganosos. Se seguirem agindo como editoras de conteúdo, cabe perguntar se a não responsabilização judicial das plataformas por informações emitidas por terceiros deve permanecer como tal. Sobretudo, num contexto eleitoral, também cabe perguntar se o controle do fluxo de conteúdos na internet por gigantes globais do setor não ameaça a própria soberania nacional.

    A regulação acerca das chamadas “notícias falsas” traz a necessidade de um olhar cuidadoso para evitar que o combate a esse fenômeno resulte na violação de direitos fundamentais como a liberdade de expressão, o acesso à informação e à privacidade dos usuários de internet

    Em terceiro lugar, criminalizar o compartilhamento de conteúdos pelo público geral configura medida totalmente desproporcional. Por maior que seja o efeito dos compartilhamentos, condenar à prisão indivíduos por, simplesmente, redistribuirem ou promoverem conteúdos dos quais não são autores ou que não modificaram não pode ser visto como uma medida eficaz para enfrentar esse problema. Na maior parte das vezes, o cidadão comum sequer tem informações ou estrutura para verificar a veracidade de um conteúdo que circula pela internet. Apontar, nessa direção, só fará os usuários digitais exercerem autocensura e deixarem de compartilhar informações na rede. Isso pode ser extremamente danoso para um processo eleitoral democrático. Democracias em todo o mundo convivem com um grau de desinformação elevado, mas não com a censura. Assim, a responsabilização de criadores e disseminadores deliberados das chamadas “notícias falsas” deve passar muito mais por medidas civis e econômicas do que criminais.

    Caminhos para enfrentar o problema

    Em sociedades democráticas, é o confronto de ideias e a existência de debates abertos e plurais que podem combater a desinformação. É por isso que, em sua declaração conjunta, os relatores da ONU e da OEA para liberdade de expressão afirmam que os Estados – incluído o poder Legislativo – têm a obrigação de promover um ambiente de comunicação livre, independente e diverso, o que inclui a promoção da diversidade nos meios de comunicação e, também, a existência de meios de comunicação pública fortes, independentes e dotados de recursos adequados.

    Já as plataformas devem ser neutras e transparentes. Essa discussão avança em todo o mundo e ganhou corpo após o escândalo do Facebook e da Cambridge Analytica. Há diversos mecanismos que poderiam ser pensados para garantir transparência sobre seu funcionamento e ampliar o controle dos usuários sobre os conteúdos que publicam e acessam, desmontando os efeitos bolha e a estrutura de monetização que estimula a criação e difusão das chamadas notícias falsas. Um regramento importante seria, por exemplo, assegurar transparência sobre conteúdos pagos, obrigando as plataformas a manterem registros de anúncios e postagens impulsionados, valores, anunciantes e alcance – especialmente nas eleições, como forma de evitar o abuso do poder econômico na propaganda na Internet.

    Do ponto de vista legislativo, a única lei que pode contribuir de fato para evitar a potencialização das chamadas notícias falsas é uma Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. A produção e direcionamento das chamadas fake news hoje é fruto da coleta e tratamento maciços e indiscriminados de dados pessoais. Por isso, como já recomendou a Comissão Europeia, quanto maior a proteção e o controle dos usuários sobre suas informações, menor a incidência de intermediários e da dinâmica que estimula a promoção das chamadas notícias falsas, seja por motivação política por meio de conteúdos impulsionados, seja para fins de monetização por meio da busca de likes e compartilhamentos. A Câmara dos Deputados já aprovou um projeto nesse sentido, que aguarda agora votação pelo Senado (PLC 53/18).

    Debate qualificado

    Por fim, políticas públicas de educação para a mídia e a promoção de práticas de empoderamento digital são fundamentais para serem colocadas em curso, incluindo aí o fomento à produção de conteúdos positivos e contranarrativas que engajem a sociedade num debate mais qualificado.

    Por isso ONU, OEA, Organização para a Segurança e Cooperação na Europa-OSCE e a Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos-CADHP defendem “o desenvolvimento de iniciativas participativas e transparentes para uma melhor compreensão do impacto da desinformação e da propaganda na democracia, na liberdade de expressão, no jornalismo e no espaço cívico”.
    Se o Brasil apostar nessas medidas preventivas, atacando as causas do problema, a chance que teremos de construir um ambiente de debate público menos permeável à desinformação será, sem dúvidas, muito maior, mais efetiva e mais perene.
    Senão, seguiremos enxugando gelo.

    Confira a 22ª edição da revista Socialismo e Liberdade:

    Faça download!

    *Bia Barbosa e Jonas Valente são jornalistas e diretores do Intervozes. Texto elaborado a partir da contribuição apresentada pelo Intervozes à Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e Direito à Comunicação com Participação Popular, da Câmara dos Deputados.
  • Ditadura Nunca Mais – Para que nunca mais se esqueça

    Ditadura Nunca Mais – Para que nunca mais se esqueça

    Ditadura Nunca Mais – Para que nunca
    mais se esqueça

    De uns tempos pra cá, um setor fascista da sociedade começou a defender abertamente a ditadura militar. Por isso, a Fundação Lauro Campos produziu um vídeo didático para explicar o que foi esse período e como a FLC tem realizado eventos sobre o tema para relembrar e mostrar o caráter antidemocrático, autoritário e violenta desse período repugnante da nossa história. O vídeo conta com a participação do ex-capitão do Exército brasileiro, Darcy Rodrigues, companheiro e amigo do comandante Carlos Lamarca. Veja, comente e compartilhe. Para que não mais aconteça, para que nunca se esqueça.

    https://www.youtube.com/watch?v=2fAfjXNcW4g

  • Apoiada pela FLC, termina exposição sobre Dom Paulo Evaristo Arns

    Apoiada pela FLC, termina exposição sobre Dom Paulo Evaristo Arns

    Apoiada pela FLC, termina exposição
    sobre Dom Paulo Evaristo Arns

    A trajetória de Dom Paulo Evaristo Arns foi retratada entre os dias 21 de julho e 23 de setembro no Centro Cultural dos Correios. A mostra destacou a luta do cardeal junto aos movimentos sociais, em defesa dos direitos humanos e dos mais pobres, como a população em situação de rua. Organizada pela Cáritas e Mirar Lejos, a exposição “Dom Paulo Evaristo Arns – 95 anos” contou com o apoio da Fundação Lauro Campos (FLC), entre outras entidades.

    Composta por seis eixos temáticos (democracia, política, sociedade, legado intelectual, Igreja e comunicação) a exposição retratou o envolvimento de Dom Evaristo Arns com o povo da rua; sua importância para os perseguidos políticos brasileiros e do Cone Sul; a relação com os operários; o papel da mulher na Igreja e na sociedade; o legado para os movimentos sociais; e a luta por justiça social. Repleta de elementos lúdicos, interativos e multimídia, a mostra foi realizada em um espaço de 1,2 mil metros no centro de São Paulo.

    Um dos destaques da exposição foi a atuação de Dom Paulo contra a violência da ditadura civil-militar. Numa reprodução do Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo (Deops), o público pôde participar da peça interativa “Lembrar é Resistir”, adaptada e dirigida por Izaías Almada, ex-preso político, proporcionando uma volta aos anos 1960 e 1970. No mesmo espaço, foi instalada uma versão gigante do livro “Brasil: Nunca Mais”, além de um vale remontando à vala clandestina do cemitério de Perus, onde foram encontradas mais de mil ossadas humanas, muitas delas de presos políticos desaparecidos.

    Dom Frei Paulo Evaristo Arns faleceu em 14 de dezembro de 2016, aos 95 anos de idade. Foi frade franciscano, cardeal e o quinto arcebispo de São Paulo. Autor de 57 livros, dentro os quais a extensa pesquisa “Brasil, Nunca Mais”, que denunciou a repressão política e as práticas de tortura da ditadura civil-militar brasileira.

  • Superar as desigualdades: esse é o desenvolvimento que o Brasil precisa

    Superar as desigualdades: esse é o desenvolvimento que o Brasil precisa

    Superar as desigualdades:
    esse é o desenvolvimento que o Brasil precisa

    Francisvaldo Mendes, presidente da Fundação Lauro Campos

    Restam menos de quinze dias para a primeira votação nessas eleições e ainda que as grandes mudanças não venham desse processo, quanto mais neste em especial – mudanças profundas que envolvem a relação das pessoas com a natureza, o processo histórico da produção e o trabalho para realização da potência humana criativa – podem ser uma semente de possibilidades e isso importa neste momento.

    Para os principais setores das oligarquias políticas brasileiras, assim como para os poderosos do império em nível internacional, não é possível, para eles, enxergarem, em um dos dois candidatos que as pesquisas hoje colocam no segundo turno, alternativas. Claro, são por razões absolutamente distintas, mas não é possível. A alternativa colocada é buscar construir um “bote salva vidas” com o discurso para evitar crise; seja uma crise no campo moral, econômico (como o mercado trata o termo priorizando o lucro) ou social. Mas isso não está dado e no tempo que resta para a votação do primeiro turno pode não ser possível ser construído. Assim sendo, a oligarquia política brasileira pode ir para o segundo turno sem opções e, caso isso ocorra, terão que buscar acordos com os dois candidatos e escolher pelo acordo mais apropriado, para seus interesses, frente as condições.

    Da nossa parte, que temos uma chapa que acumula, tanto do ponto de vista político quanto programático, uma evidente identidade com o povo trabalhador, com toda sua diversidade, da periferia aos setores médios, o desafio colocado é apostar ao máximo para acumular nesse período. Nem o momento, nem a situação política, muito menos as condições objetivas, nos colocam agora alternativas de “voto útil”. Seria um grande equívoco político tomar esse rumo. Nesse momento é necessário unificar, acumular em formação, eleger uma bancada qualificada e que possa, junto com Boulos e Guajajara, ampliar a adesão do partido junto aos que vivem do seu trabalho e acumular condições para eleger deputados federais e estaduais que apresentem uma pauta contemporânea para enfrentar a exploração e as várias formas de discriminação social.

    Neste momento, o desafio do PSOL, e da acertada aliança que construímos, é investir na unidade e apostar em pautas que sejam propositivas em favor do povo trabalhador. A mídia ter reforçado o palco para o candidato que representa as principais pautas autoritárias, que marcam a formação social brasileira, que podem ser chamadas de fascistas ou até nazistas, não nos fortalece e não se pode investir em estrada similar. Apenas desfoca o elemento central da construção de um País que defenda a vida e os direitos como prioridade. Foi na esteira do golpe e da ação politica da mídia que unificou MDB, PSDB, DEM (e as várias siglas de aluguel que seguem seus dirigentes) que foi criada uma terra fértil para uma narrativa autoritária, machista, racista, que aposta no ódio e na estética da guerra e a fez ganhar tanta força, aparecendo com ênfase neste processo eleitoral. A politica de seguir essa estética de acusações, como se estivesse em uma batalha campal, é um grande equívoco. O caminho é o da formação e da demonstração de que lado está o PSOL: da grande maioria do povo, os que vivem da venda de sua força de trabalho.

    A principal identidade do povo brasileiro é com o trabalho e construir uma campanha focada nos direitos, no controle da natureza, na qualidade de vida, com mais postos de trabalho, maiores salários e dignidade, para homens e mulheres, negros e negras. Ou seja, para todo o povo que depende da venda de sua força de trabalho para sustentar suas vidas e as de suas famílias é nosso caminho. Vamos, portanto, intensificar nossa chapa presidencial. Apostar em ações que anime a militância, aproxime nossa chapa que disputa o planalto a todos que disputam os governos e as vagas nos parlamentos, principalmente as figuras de grande expressão nas Unidades Federativas. Vamos fortalecer o PSOL falando para a maioria do povo, com uma pauta que enfrente e demonstre que é possível, com mobilização, formação e ação qualificada, ter uma Brasil que supere as desigualdades e avance em defesa da vida.

  • Eletrobras pode terminar como mais um capítulo do desmonte nacional

    Eletrobras pode terminar como mais um capítulo do desmonte nacional

    Eletrobras pode terminar como mais
    um capítulo do desmonte nacional

    Texto de Rita Casaro*

    A companhia não é apenas uma geradora de energia, mas um complexo que envolve quase um terço da eletricidade produzida no país – metade de toda a transmissão – e atende seis Estados da Federação, na área de distribuição. Podemos estar diante da desarticulação do sistema energético nacional e de uma brutal elevação de preços ao consumido

    Maior holding de energia da América Latina, a Centrais Elétricas Brasileiras S.A. – Eletrobras, completou 56 anos de instalação oficial no dia 11 de junho. A decisão de criar a companhia havia sido tomada em 1954 por Getúlio Vargas por meio de projeto de lei que enfrentou resistência no Congresso e levou sete anos para ser aprovado. Após a epopeia parlamentar, a Lei nº3.890-A, finalmente foi sancionada por Jânio Quadros, em 25 de abril de 1961 e lançada no ano seguinte, em cerimônia sob a vista do então presidente João Goulart.

    Maior holding de energia da América Latina, a Eletrobras foi criada por Getúlio Vargas em 1954. O projeto demorou sete anos para ser aprovado no Congresso. A lei foi sancionada por Jânio Quadros, em 1961. O início das obras se deu no ano seguinte, no governo Jango

    Essa longa história – um marco importante da engenharia nacional e da capacidade de planejamento e realização do Estado – pode ter desfecho nada glorioso sob a batuta de Michel Temer, que anunciou, em agosto do ano passado, a intenção de privatizar a companhia.

    Compasso de Espera

    Sem sucesso em aprovar a inclusão no Programa Nacional de Desestatização-PND por meio da Medida Provisória nº 814/2017, cuja validade expirou sem ter sido votada, o governo lançou mão do Projeto de Lei nº9.463/2018 que também repousa na Câmara. Com dificuldades em fazer tramitar a matéria antes das eleições previstas para outubro, os R$ 12 bilhões que o Tesouro esperava arrecadar com a venda da empresa foram excluídos do orçamento de 2018.
    A cifra é o primeiro ponto a chamar atenção no processo, tendo em vista que, segundo a própria administração federal, o total de ativos da Eletrobrás soma R$ 170,5 bilhões e o valor patrimonial atinge os R$ 46,2 bilhões. O evidente mau negócio com a entrega de patrimônio público a preço irrisório, porém, está longe de representar o maior prejuízo a ser causado pela privatização da empresa, conforme apontam especialistas do setor.

    Maior conglomerado de geração

    A companhia é hoje, segundo dados oficiais, o maior conglomerado brasileiro de geração de energia elétrica, tendo produzido 182,1 milhões de MWh em 2017. Isso corresponde a mais de um terço do consumo no país. No ano passado, a capacidade instalada da Eletrobras atingiu 48.134 MW, o que representa 31% do total no Brasil. Noventa e cinco por cento desse montante tem origem em fontes limpas, especialmente hídrica (leia quadro 1). Ainda, responde por cerca de 50% de toda a transmissão de energia elétrica, somando 65 mil quilômetros de linhas com tensão maior ou igual a 230 KV. Também atua na área de distribuição de energia atendendo 13 milhões de habitantes numa área territorial de 2,46 milhões de km², nos Estados do Acre, Eletroacre; Alagoas, Ceal; Amazonas, Amazonas Energia; Piauí, Cepisa; Rondônia, Ceron; e Roraima, Boa Vista.

    Para a Federação Nacional dos Engenheiros-FNE, se a privatização se confirmar, terá como consequência a deterioração do setor elétrico e prejudicará os interesses do país, pelo papel estratégico que a holding representa. “Energia é bem essencial e deve permanecer sob controle do Estado para que se garantam desenvolvimento econômico, bem-estar social e soberania nacional”, afirma o presidente da entidade e profissional do setor, Murilo Pinheiro.


    Distribuidoras na berlinda

    Suspenso o plano de desestatizar a Eletrobras em seu conjunto, o objetivo da direção da empresa e do governo federal é vender seis distribuidoras.
    Para tornar o produto mais interessante ao mercado, segundo consta na justificativa do projeto de lei, a Eletrobras deve assumir cerca de R$ 11 bilhões em dívidas das distribuidoras, cujo passivo chega a R$ 24,9 bilhões.

    Completa a promoção de venda a liberação do cumprimento de indicadores de qualidade no fornecimento de energia pelos futuros controladores. A denúncia foi feita ao Ministério Público Federal pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Urbanas do Estado do Piauí-Sintepi.


    Papel relevante

    Roberto D’Araújo, diretor do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético-Ilumina, também ressalta a relevância da companhia. “Só quem não conhece a história, não dá valor ao que a Eletrobras fez. Ela coordenou toda a expansão do setor. Se temos esse sistema de transmissão que une o Brasil de leste a oeste, é graças à Eletrobras”.

    Para o especialista, é preciso ter em mente que as usinas hidrelétricas “não são meras fábricas de kw/h”. “Hidrelétrica é uma entidade na integração regional. Ultimamente, assumiu função muito mercantil, mas pode ter variados usos, como piscicultura, turismo, transporte fluvial e suprimento de água em municípios”, enumera.

    O consumidor brasileiro paga a quinta tarifa mais cara do mundo. Com a privatização, esse fato se agravará. “Vamos voltar 30 anos, quando a maior parte da população não tinha energia elétrica”, alerta o engenheiro Fernando Pereira

    Para D’Araújo é preciso retomar a função mais abrangente da Eletrobras para que o Brasil possa acompanhar as necessidades de avanço no setor elétrico e de desenvolvimento. “Poderia ter um progresso em energia solar imenso, mas o Centro de Pesquisas de Energia Elétrica-Cepel está sendo fragilizado. Destruir a Eletrobras é burrice, você fica sem uma ferramenta. A companhia é o martelo. O problema é mão que o está segurando; o governo é a mão barbeira que está fazendo a Eletrobras de gato e sapato”.

    Golpes em série

    Na avaliação de D’Araújo, esse processo tem se dado desde os anos de 1990, quando da privatização do setor elétrico. À época, conta ele, “jogaram para cima da Eletrobras as distribuidoras que não interessaram ao setor privado por não terem rentabilidade maior”. Para assumir o controle de distribuidoras da região Norte e Nordeste, a empresa, relata o diretor do Ilumina, “foi obrigada a pegar um empréstimo na Reserva Global de Reversão-RGR, fundo que não tem nada a ver com financiamento para compra de ativos”.

    O segundo golpe a abalar a Eletrobras se deu no racionamento, em 2001, quando o consumo caiu 25% e depois permaneceu 15% menor que o registrado antes do período de escassez. “Quando diminuiu a demanda, quem não tinha contrato passou a gerar sem ganhar nada, vendendo energia no mercado livre por uma bagatela durante quatro anos”, recorda D’Araújo.

    Por fim, aponta, veio a Medida Provisória 579, editada em 2012 com o objetivo de baixar as tarifas de energia no País, atendendo especialmente a reivindicação da área industrial. O peso da medida foi assumido basicamente pelas usinas antigas da Eletrobras, cujo investimento já havia sido amortizado. Essas tiveram os preços de sua energia reduzidos drasticamente. Até meados de junho de 2018 estavam no patamar de R$ 40,00/MWh. No entanto, a receita da empresa corresponde a apenas um quarto desse valor, o restante sendo taxas e impostos, o que a inviabiliza financeiramente.

    Como resultado, tem-se o principal argumento para a privatização, que é a dívida de cerca de R$ 44 bilhões, de acordo com balanço do primeiro trimestre de 2018, divulgado em maio último. Também é apontada como motivo para a desestatização a desvalorização das ações da empresa, cotadas a R$ 14,72 no final de junho. Para reverter o quadro, explica o diretor do Ilumina, não há escapatória: seria necessário elevar a tarifa cobrada pelas usinas da Eletrobras.


    Um gigante que pertence aos brasileiros

    A Eletrobras controla a Amazonas GT, CGTEE, Chesf, Eletronorte, Eletronuclear, Eletrosul e Furnas. É, ainda, em nome do governo brasileiro, dona da metade do capital de Itaipu Binacional. Completam essa estrutura as seis distribuidoras na região Norte e Nordeste, o Centro de Pesquisas de Energia Elétrica-Cepel e a Eletropar.
    A geração compreende 48 usinas hidrelétricas, 112 termelétricas a gás natural, óleo e carvão, duas termonucleares, 70 usinas eólicas e uma usina solar, próprias ou em parcerias, distribuídas por todo território nacional.

    Entre os empreendimentos da Eletrobras estão a parte brasileira de Itaipu, Tucuruí, Complexo Paulo Afonso, Xingó, Angra 1 e Angra 2, Serra da Mesa, Furnas, Teles Pires, Belo Monte, Jirau, Santo Antônio, Complexo Eólico Campos Neutrais e a usina Megawatt Solar.

    A Eletrobras é também responsável pelo programa Luz para Todos que levou energia a cerca de 15milhões de brasileiros, entre 2003 e 2013.


    A tarifa da privatização

    A medida certamente desagradará o consumidor cativo brasileiro que, apesar dos preços da Eletrobras, paga a quinta tarifa mais cara do mundo porque outras geradoras que compõem o setor elétrico têm preços muito mais elevados, que chegam a R$1.000/MWh. No entanto, o reajuste indicado por D’Araújo como imprescindível para sanear a empresa não se compara ao que virá por aí se ela for privatizada. “A atração de capitais privados para a venda de ações se dará justamente pela transformação dos atuais contratos de concessão de subsidiárias da Eletrobras, que estabelecem as receitas de 14 usinas hidrelétricas antigas, remuneradas pelo regime de cotas. Isso provocará aumento brutal das tarifas a serem pagas pelas distribuidoras de energia, o que, obviamente, será repassado aos consumidores finais”, aponta Murilo Pinheiro, da FNE.

    “A tarefa a ser cumprida é o resgate da Eletrobras e o aprimoramento do setor elétrico no país. Energia é bem essencial e deve permanecer sob controle do Estado para que se garantam desenvolvimento econômico, bem-estar social e soberania nacional” – Murilo Pinheiro, presidente da Federação Nacional dos Engenheiros

    “É ridículo o argumento do governo. Eles dizem que para viabilizar a financeirização da Eletrobrás será feita a descotização da tarifa e, após a privatização, as usinas passarão a cobrar R$ 250/MWh. Quem acha que vai aumentar cerca de sete vezes o preço de 16% das usinas e não haverá aumento de tarifa?”, questiona D’Araújo.

    Preocupação com consumidores

    A preocupação com os consumidores também é a principal preocupação do Coletivo Nacional de Eletricitários da Federação Nacional dos Urbanitários-FNU, que deflagrou greve pelo período de 72 horas, no dia 11 de junho, em protesto à privatização. “O dano maior será a tarifa para o consumidor. Hoje, as distribuidoras compram da geradora estatal. Se privatizar, vai ser lucro sobre lucro. Vamos voltar 30 anos, quando a maior parte da população não tinha energia elétrica”, alerta Fernando Pereira, secretário de Energia da FNU e coordenador do CNE.

    Para D’Araújo seria perfeitamente possível recuperar a empresa mantendo-a pública, com a tarifa de R$ 120,00/MWh. “O mercado vai gostar de saber que a Eletrobras estatal terá lucratividade. Se você pegar a cotação em 2011, o valor da ação corrigido é muito maior que o pico da cotação quando se anunciou que ela seria vendida. Quando a estatal tem condições de investimento, porque tem receita, o mercado gosta, sabe que ela pagará dividendos”.
    Para o presidente da FNE, não resta dúvida quanto à premência de seguir esse caminho: “A tarefa a ser cumprida é o resgate da Eletrobras e o aprimoramento do setor elétrico no país. Energia é bem essencial e deve permanecer sob controle do Estado para que se garantam desenvolvimento econômico, bem-estar social e soberania nacional”.

    Confira a 22ª edição da revista Socialismo e Liberdade:

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    *Jornalista
  • Documentário “Chão de Fábrica” de Renato Tapajós estreia na próxima semana

    Documentário “Chão de Fábrica” de Renato Tapajós estreia na próxima semana

    Documentário “Chão de Fábrica” de Renato Tapajós estreia na próxima semana

    “Chão de Fábrica”, novo documentário dirigido por Renato Tapajós, tem seu lançamento marcado para o dia 21 de setembro, às 18:00, no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC.

    Narrado pelo ator José de Abreu, o documentário é baseado na série de mesmo nome, feita para televisão em 13 episódios sobre a história do chamado Novo Sindicalismo brasileiro. A partir de uma linguagem clara e objetiva, o filme apresenta um panorama histórico sobre as lutas sindicais e políticas dos trabalhadores, fazendo uma ponte com o contexto histórico que o Brasil enfrenta nos dias atuais.

    Tendo em vista o ano de eleições, o intuito dos diretores é instrumentalizar os trabalhadores e trabalhadoras com uma visão crítica sobre a história do Novo Sindicalismo, e as reverberações que ele causou na política da época, e que se estendem até os dias de hoje.  Para isso, “Chão de Fábrica” será disponibilizado gratuitamente na web, e poderá ser exibido a data do lançamento nacional. O foco da equipe de produção do filme é a exibição em sindicatos, escolas, universidades e fábricas.

    O cineasta e escritor Renato Tapajós é uma das maiores referências do cinema documental do Brasil. Com sua obra, fez uma extensa cobertura sobre as ações da ditadura militar, os movimentos sociais, a luta armada e o sindicalismo nacionais, tendo recebido prêmios em festivais da Alemanha e Cuba. Em “Chão de Fábrica”, Tapajós aplica toda sua experiência de vida e apuro de linguagem para criar um documentário que é um instrumento de politização dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros.

    SINOPSE

    O filme Chão de Fábrica conta a história da luta dos trabalhadores brasileiros desde 1978 até os dias atuais, com enfoque no movimento sindical, naquilo que ficou conhecido como o Novo Sindicalismo. Realiza um voo sobre a história do país observando as políticas econômicas dos diferentes governos do período de forma crítica, clara e bem humorada, relacionado-as com a luta sindical. Chão de Fábrica é um filme sobre o trabalho e os trabalhadores do Brasil e um balanço sobre as alternativas atuais do movimento sindical.


    SERVIÇO DO LANÇAMENTO

    FILME “CHÃO DE FÁBRICA”
    Direção: Renato Tapajós / Hidalgo Romero
    Produção: Laboratório Cisco
    Documentário, longa metragem, 1h 30 min
    Data: 21 de setembro de 2018.
    Local: 3º andar do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC
    R. João Basso, 231 – Centro, São Bernardo do Campo – SP, 09721-100 /  (11) 4128-4200
    Horário: 18:00 | Gratuito