Autor: Redação Lauro Campos

  • A direita,  a internet  e os livros . Por Haroldo Ceravolo Sereza

    A direita, a internet e os livros . Por Haroldo Ceravolo Sereza

    A direita, a internet e os livros

    O mercado editorial vive uma profunda mudança: as vendas em livrarias físicas caíram, mas a circulação de livros, não

    Por Haroldo Ceravolo Sereza

    No início de janeiro de 2021, o grupo Record, do Rio de Janeiro, anunciou a saída de Carlos Andreazza da direção-executiva, com a substituição por Rodrigo Lacerda. Aparentemente, uma pequena e quase discreta movimentação nos cargos de uma das grandes empresas do setor, que, além da própria editora Record, conta também com os selos Difel, Bertrand Brasil, José Olympio, Civilização Brasileira, Paz e Terra, Verus, BestSeller (e o selo Best Business), as Edições BestBolso, Rosa dos Tempos, Nova Era e Viva Livros.

    Andreazza é hoje mais conhecido pelos comentários que fazia diariamente na rádio negacionista Jovem Pan. Recentemente, foi contratado pela CBN e será um dos âncoras a partir de fevereiro. Também tem uma coluna no jornal O Globo. É sobrinho do coronel Mario Andreazza (1918-88), o candidato preferido dos militares à Presidência. Foi derrotado na convenção do partido da ditadura, o PDS (atual Progressistas), por Paulo Maluf, que perderia a disputa indireta de 1985 para Tancredo Neves (PMDB). Estava na Record havia oito anos.

    Propaganda lacerdista

    O grupo Record, inicialmente uma distribuidora de serviços para a imprensa, como tiras de quadrinhos e artigos, passou a publicar livros nos anos 1960 para divulgar as ideias de Carlos Lacerda (1914-77) e fazer muita propaganda anticomunista. Foi uma das editoras que, obviamente, mais apoiaram o golpe de 1964. Carlos Lacerda, aliás, criou uma editora muito importante também, a Nova Fronteira, da qual o novo diretor do grupo Record, neto do governador do Rio em 1964, já foi gerente editorial.

    O grupo Record, inicialmente uma distribuidora de serviços para a imprensa, como tiras de quadrinhos e artigos, passou a publicar livros nos anos 1960 para divulgar as ideias de Carlos Lacerda (1914-77) e fazer muita propaganda anticomunista. Foi uma das editoras que, obviamente, mais apoiaram o golpe de 1964

    Essas genealogias sugerem a relevância que a tradição cultural da direita dá aos projetos ideológicos de fundo e para o papel fundamental que o mercado editorial teve no golpe de 2016 e na trajetória política do país que levou Jair Bolsonaro ao poder. Longe de ser um campo neutro, algumas das principais editoras e livrarias – e entidades que representam as grandes casas publicadoras – foram atores diretos da disputa ideológica em que estamos metidos.

    A construção de um ambiente hostil à esquerda recorreu a diferentes métodos de intervenção no debate político cultural. A edição e a superexposição de autores medíocres, embalados pela publicidade e pela compra de espaço nas livrarias, sugerem que, mais do que “ganhar dinheiro” diretamente com a venda de livros, algumas editoras se engajaram de modo explícito e empolgado na vida política. O resultado econômico imediato cedeu às pressões da luta ideológica. Não há estudos suficientes que indiquem claramente o financiamento político dessas empresas por institutos e think tanks que estiveram à frente desse combate. Mas, como o mercado editorial é, economicamente falando, bastante pequeno, é muito difícil detectar essas movimentações a quente. Normalmente, o entendimento desse mecanismo leva anos para ser desvendado, como foi o caso do apoio norte-americano à editora GRD, na década de 1960, comandada pelo escritor Rubem Fonseca. Essa casa, também especializada na difusão de ideologia reacionária, foi responsável pela publicação dos primeiros livros do hoje consagrado autor, um notório articulador do complexo ideológico Ipes-Ibad, institutos que organizaram o discurso e o dinheiro internacional que sustentou o golpe de 1964.

    Guinada à extrema direita

    Evidentemente ninguém é responsável pelos atos de tios e avós, mas Andreazza é responsável, sim, por uma radical guinada à extrema direita do grupo Record. Ele é o editor de Olavo de Carvalho, Rodrigo Constantino e tantos outros. Também foi o editor que tirou de catálogo incontáveis autores progressistas e socialistas. Lacerda tem um perfil mais discreto e menos radical que o de Andreazza, e creio que ainda é cedo para avaliarmos o impacto da mudança. De todo modo, a saída de Andreazza da Record, em tese, coloca a editora numa posição menos engajada com a ultradireita que liderou o golpe.

    Durante os anos 2010, essa ultradireita levou muito a sério a criação e a difusão, com práticas de marketing agressivas, de livros. O Grupo Record, ainda antes de Andreazza assumir um posto de direção, já responsável pela publicação do jornalista Reinaldo Azevedo, fez uma agressiva campanha, fundada em desinformação, contra o prêmio Jabuti de Livro do Ano de Chico Buarque em 2010, autor de Leite derramado, publicado pela Companhia das Letras.

    O mercado editorial brasileiro vive uma profunda mudança: as vendas em livrarias físicas caíram, mas a circulação de livros, não. Os números detalhados ainda não temos, mas tudo sugere que o principal espaço de difusão de livros deixou de ser a livraria física e passou a ser a Amazon. Trocamos o controle das redes de livrarias reacionárias pelo controle pela empresa do homem mais rico do mundo hoje, Jeff Bezzos

    Num modelo de financiamento que dependia das editoras para bancar o crescimento, livrarias em dificuldades econômicas trocaram a ideia de gerirem espaços plurais política e culturalmente pela venda descarada de melhores lugares nas gôndolas de livros (não mais estantes) para as editoras capitalizadas. Direitistas envergonhados que dirigiam essas livrarias viram-se também representados por essa onda, e passaram a ser defensores ardorosos do Estado mínimo enquanto se afundavam em empréstimos obtidos no BNDES, num dos maiores erros setoriais do banco durante os anos Lula e Dilma.

    Falência das grandes livrarias

    Como sabemos, o projeto político vingou, mas as livrarias faliram. 2020 foi o ano em que as redes Saraiva e Cultura, as duas maiores do país, minguaram, numa crise que seria pouco diferente se não fosse a pandemia. Esses negócios vinham enfrentando dificuldades de longa data, dificuldades que derivam de erros de planejamento econômico, de administração cotidiana infeliz e, também, das derivas políticas desastrosas, que espantaram parte do público fiel. Essas lojas, que deixaram de pagar centenas de milhões de reais a fornecedores e trabalhadores, sofrem também com uma crise estrutural do setor, que, pressionado pela publicação legal ou ilegal de livros e textos digitais, viu o faturamento cair, em termos reais, 20% nos últimos 14 anos.

    Segundo o IBGE, de janeiro a novembro de 2020, as livrarias sofreram uma dura contração: o portal Publishnews, especialista no acompanhamento do mercado editorial, noticiou que o setor varejista de livros, jornais, revistas e papelaria apresentou perda acumulada de 29,7%. A Veja São Paulo também registrou uma nova ronda de demissões na Livraria Cultura, com o corte de dezenas de funcionários em 8 de janeiro de 2021. Dirigindo-se aos trabalhadores da rede, Sérgio Herz, CEO da Cultura, afirmou que a empresa “não está fazendo nada de mais” em atrasar os pagamentos e, em nota, a rede justificou as demissões como consequência de uma adequação “devido à nova realidade”: “o mercado migrou para o on-line e as vendas pela internet representam hoje, em média, 80% do total das vendas no Brasil”.

    Vendas físicas e online

    De acordo com o site da revista Pequenas empresas, grandes negócios, em 2019, segundo pesquisa divulgada pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL), “as livrarias físicas e as vendas on-line representaram, respectivamente, 50,5% e 17,9% do faturamento do setor editorial. A expectativa é que, este ano, a internet tenha sido responsável, sozinha, por mais da metade”.

    Como mostra o gráfico 1 acima, essa queda não foi tão sentida pelas editoras em geral, especialmente as que dependiam menos das duas redes, por conta da venda on-line de livros – seja em sites próprios, de cada empresa, seja pela Amazon. Quando os dados incluem a venda on-line, os resultados são outros.

    É fundamental que a esquerda leve a sério o acompanhamento e a atuação do mercado editorial, por meio de editoras ligadas diretamente ou historicamente aos movimentos populares e progressistas, e favoreça a construção de redes alternativas de distribuição, compreendendo definitivamente a importância política estratégica e tática do setor, incorporando a suas lutas projetos e reivindicações que revertam a hiperconcentração do setor e a falta de pluralismo que sufoca as propostas populares

    Segundo o Painel do Varejo de Livros no Brasil (veja gráfico 1), acompanhamento em tempo real do mercado editorial brasileiro, feito pela Nielsen [Media Research por encomenda do Sindicato Nacional dos Editores de Livros, até o fim de novembro de 2020 foram vendidos tantos exemplares e alcançou-se quase o mesmo faturamento que nos doze meses de 2020. De acordo com o Publishnews, “por questões contratuais da Nielsen com as varejistas, o documento não esmiúça o que foi realizado em lojas de argamassa e tijolo e aquilo que foi vendido em lojas exclusivamente virtuais, mas livreiros e editores ouvidos pelo PublishNews apontam que grande parte dessas vendas foi realizada em e-commerces, mostrando que esse segmento é o que tem sustentado essa recuperação apontada pelo Painel”.

    Assim, o mercado editorial brasileiro vive uma profunda mudança: as vendas em livrarias físicas caíram, mas a circulação de livros, não. Os números detalhados ainda não temos, mas tudo sugere que o principal espaço de difusão de livros deixou de ser a livraria física e passou a ser a Amazon. Trocamos o controle das redes de livrarias reacionárias pelo controle pela empresa do homem mais rico do mundo hoje, Jeff Bezzos.

    Redes alternativas

    Nesse cenário, parece fundamental que a esquerda leve a sério o acompanhamento e a atuação do mercado editorial, por meio de editoras ligadas diretamente ou historicamente aos movimentos populares e progressistas, e favoreça a construção de redes alternativas de distribuição, compreendendo definitivamente a importância política estratégica e tática do setor, incorporando a suas lutas projetos e reivindicações que revertam a hiperconcentração do setor e a falta de pluralismo que sufoca as propostas populares.

    ____________
    Fontes:
    Agência O Globo/Revista Pequenas Empresas, Grandes Negócios: O ano em que o e-commerce salvou o mercado editorial. https://revistapegn.globo.com/Banco-de-ideias/E-commerce/noticia/2020/12/o-ano-em-que-o-e-commerce-salvou-o-mercado-editorial.html
    O Estado de São Paulo: Mercado editorial brasileiro encolhe 20% em 14 anos. https://cultura.estadao.com.br/noticias/literatura,mercado-editorial-brasileiro-encolhe-20-em-14-anos,70003357850
    Publishnews: Nielsen: Black Friday polpuda salva 2020. https://www.publishnews.com.br/materias/2020/12/18/nielsen-black-friday-polpuda-salva-2020
    Publishnews: Mais demissões na Cultura. https://www.publishnews.com.br/materias/2021/01/18/apanhadao-mais-demissoes-na-cultura
    Veja São Paulo: Cultura demite 30 no último corte; ex-funcionários protestam para receber. https://vejasp.abril.com.br/cidades/livraria-cultura-fgts-rescisao-atrasado-pagamento-funcionario/
    Folha de São Paulo: Editor Carlos Andreazza deixa o grupo Record para se dedicar ao jornalismo. https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2021/01/editor-carlos-andreazza-deixa-o-grupo-record-para-se-dedicar-ao-jornalismo.shtml

    Haroldo Ceravolo Sereza, doutor em Letras pela FFLCH-USP, é fundador de Alameda Casa Editorial, ex-presidente das Liga Brasileira de Editoras (2011-2015) e representante eleito do Conselho do Plano Municipal do Livro, Leitura e Literatura do município de São Paulo.

  • Aonde nos levará essa loucura?

    Aonde nos levará essa loucura?

    Aonde nos levará essa loucura?

    É possível que quando o número absurdo de mortes ultrapasse a 400 mil, em mais seis ou sete semanas, a manter-se o patamar atual de mortes diárias, Bolsonaro já não seja o presidente do Brasil

    Por Euclides Mance

    Quando os portugueses aportaram nestas terras, enxergaram um mundo de oportunidades para enriquecer. Movidos pela sede de fortuna, passaram a pilhar o que de valioso encontravam. Pessoas que aqui viviam, em suas comunidades milenares, foram escravizadas e mortas, subjugadas para propósitos econômicos e sexuais – sendo tratadas como coisas, usadas e descartadas, pois não teriam alma. Nascia, desse modo, o Brasil, um país dividido entre os que mandavam e os que obedeciam. Entre aqueles que tinham o poder sobre a vida e a morte dos demais. E aqueles que, para sobreviver, tinham de submeter-se à dominação e trabalhar como escravos ou resistir e enfrentar a opressão, defendendo a sua dignidade, a sua liberdade, sua honra e cultura, até a morte se preciso fosse.

    A resistência indígena tornou inviável a escravidão dos povos que aqui viviam, impossibilitando a exploração econômica de seu trabalho. E os portugueses tiveram de buscar escravos em outras terras, que depois foram substituídos por trabalhadores assalariados vindos de qualquer parte.

    Aos membros dessa elite, sempre colonial, importava enriquecer e ir embora daqui. Sonhavam em voltar patacudos para a Europa e desfrutar do patrimônio que haviam acumulado às custas do sangue, da vida e da exploração do trabalho alheio.

    Tal cultura de saqueio, dominação e de indiferença à morte de milhões de indígenas e negros, de seus filhos e mestiços, permaneceu no Brasil ao longo de sua história. A elite que a reproduz, nos dias atuais, também espera enriquecer com a exploração do trabalho alheio e a pilhagem da coisa pública, para depois gozar a vida na Europa ou nos Estados Unidos. Ou, ao menos, desfrutar anualmente de algumas semanas ou meses por lá. Para ela, é inaceitável que os filhos da classe trabalhadora ingressem nas universidades; que pessoas humildes tenham direito a melhores salários e que lhes seja possível viajar de avião pelo país.

    Mas a transparência completa dessa cultura abominável, agasalhada por expressiva parte da classe dominante brasileira, revela-se cristalina na situação atual que o país atravessa. Para essa pequena parcela abastada da sociedade, pouco importa quantos brasileiros morrerão infectados pelo coronavírus. Por isso, desde o início da pandemia, ela nada fez para frear ou conter amplamente a propagação desse vírus. Preocupou-se, tão somente, em assegurar que houvesse vagas de UTI disponíveis para os membros da própria elite, para atendê-los em caso de necessidade.

    Assim, criou-se um sistema para permitir a propagação do vírus, contabilizando-se as vagas disponíveis de UTI. Havendo vagas que permitam atender aos membros da elite, defende-se que tudo esteja aberto, pouco importando que a transmissão do vírus se amplie e os mais pobres morram de Covid-19 – afinal, os membros da elite, sempre isolados do povo, dificilmente contrairiam a doença, imaginavam. Por outra parte, não havendo tais vagas disponíveis, eles concordam em fechar o que for necessário, para não ficarem desatendidos de uma UTI, em caso de serem acometidos por apendicite, infarto, AVC etc.

    No início dessa pandemia, estudos científicos publicados pelo Imperial College London, projetavam que poderia haver 1,1 milhão de mortes no Brasil por Covid-19. Refazendo essas projeções, em abril de 2020, com base em declarações do Ministério da Saúde e em detalhes das condições de habitação e saneamento no país, concluímos que poderia haver entre 1,5 a 1,7 milhão de mortos, se medidas de prevenção do contágio não fossem amplamente tomadas[1]. Mas, infelizmente, a morte prevista de centenas de milhares de pessoas, que poderia ser evitada com medidas corretas para reduzir o contágio, não teve a menor importância para as elites que governam o Brasil: –“Fazer o quê?” “Esse vírus é igual a uma chuva, vai molhar 70% de vocês”, disse o presidente sociopata, em abril de 2020.

    Mas aonde nos levará essa loucura? O atual ministro da Saúde afirmou que garantirá a vacinação de um milhão de pessoas por dia. Supondo que haja vacinas para isso, seriam necessários 100 dias para vacinar 100 milhões de brasileiros – pouco menos da metade da população. Mas, se as mortes provocadas pelo Coronavírus permanecerem em duas mil ao dia, nos próximos 100 dias teremos 200 mil mortes, que somados às 300 mil já ocorridas, resultarão em meio milhão de vidas perdidas. Porém, se todas as vagas de hospitais estiverem ocupadas, no atendimento dos pacientes de Covid-19, também morrerão muitos dos que precisarem de assistência médica em consequência de acidentes de trânsito, infartos, AVC etc.

    Os empresários em geral e os banqueiros em particular já se deram conta de que a própria vida deles está em risco. Mas uma parte dos políticos do Congresso Nacional ainda não. Em mais três meses, entre os mortos dessa doença, estarão, com certeza, não apenas os filhos da classe trabalhadora, obrigados a sair de casa para garantir o alimento da sua família, mas também esposas, filhos, mães ou outros parentes dos próprios deputados e senadores que representam os interesses das elites desse país e que sustentam, até agora, o seu Governo genocida. Por serem base de apoio desse Governo, eles são igualmente responsáveis pelas milhares de mortes que poderiam ter sido evitadas. É possível que quando o número absurdo de mortes ultrapasse a 400 mil, em mais seis ou sete semanas, a manter-se o patamar atual de mortes diárias, Bolsonaro já não seja o presidente do Brasil. Mas poderá ter sido tarde demais, para mudar o desfecho dessa tragédia, anunciada desde março de 2020.

    Nota

    [1] http://euclidesmance.net/wp/index.php/2020/04/09/coronavirus-o-brasil-avanca-para-uma-tragedia-ainda-maior/

  • Áurea Carolina: “Não nos conformamos com o modelo formal de democracia. Resguardar as regras do jogo é essencial”

    Áurea Carolina: “Não nos conformamos com o modelo formal de democracia. Resguardar as regras do jogo é essencial”

    Áurea Carolina: “Não nos conformamos com o modelo formal de democracia. Resguardar as regras do jogo é essencial”

    Eleita vereadora em 2016 e deputada federal em 2018 – nas duas situações com votação consagradora -, Áurea Carolina (PSOL-MG) tem sua atuação voltada à área da Cultura e à regulação da atividade mineradora no país, marcada pelos crimes ambientais da Vale, em Brumadinho e em Mariana. Ao mesmo tempo, não perde o diálogo com a periferia, de onde veio. A parlamentar considera possível fazer transformações em situações locais, que podem ganhar escala, a partir de uma direção política democrática

    Entrevista realizada por Gilberto Maringoni

    Como tem sido a experiência na Câmara Federal com um governo de extrema direita? E quais diferenças você vê para a atuação local?
    É um desafio em todas as dimensões. O ambiente da Câmara tem outra escala, com uma complexidade muito maior em relação à Câmara Municipal de BH. Estou na Comissão de Cultura, ocupando a segunda vice-presidência. É a primeira vez em que o PSOL está na mesa de uma comissão, o que é muito importante, ainda mais com a presidência de Benedita da Silva (PT-RJ), uma mestra maravilhosa que sempre me acolheu e orientou. Mas o contexto geral é de desmonte muito acelerado e violento, com essa ala extremista e autoritária que ganha força no Congresso. Na área da Cultura houve tentativas de censura e asfixia no financiamento das políticas públicas. Foi uma espécie de prisma para compreender toda a conjuntura brasileira. Também atuei na denúncia e apuração do crime da Vale, em Brumadinho, direcionando o mandato na busca da responsabilização da empresa e na defesa das populações atingidas. Participei de uma comissão externa que propôs uma revisão da legislação sobre mineração, e depois da CPI que investigou o crime.

    A Vale financiou muitos políticos mineiros e, portanto, é também um poder político. Como foi fazer esse enfrentamento à mineração predatória?
    Havia uma influência da Vale sobre parte dos parlamentares. Isso ficou ainda mais escancarado quando conseguimos levar alguns dos Projetos de Lei que construímos na comissão para apreciação do plenário. A Vale entrou pesado para inviabilizar mudanças significativas, mesmo após os crimes em Brumadinho e em Mariana, com a Samarco. É impressionante como essas empresas conseguem determinar boa parte do jogo parlamentar. Agora, está em curso o processo de acordo para reparação de danos sociais e ambientais, e vemos como a Vale continua controlando a cena do crime e dando as cartas, prejudicando as populações atingidas. Tudo com certa conivência do Judiciário e dos outros poderes. Compreendi não ser possível banir a mineração do Brasil, embora essa fosse a perspectiva desejável. O desafio é como reduzir os danos da atividade, que necessariamente causa destruição, e como torná-la mais responsável e segura.

    A Vale também foi financiadora de alguns setores da cultura. Existe alguma blindagem feita pela empresa nesse campo?
    O financiamento de ações culturais nos territórios deve ser exigido das empresas, não de qualquer maneira. Sabemos os riscos que isso traz de cooptação, manipulação, relações clientelistas e de como isso se torna um ativo para as corporações. Mas não exigir que tenham esse tipo de reparação mínima é também ilusório. Não acho que devamos prescindir desse vínculo entre formas de reparação, destinando parte da fortuna que levantam na exploração predatória para que, minimamente, possamos reconstruir esses territórios. Dessa forma, devemos fazer uma transição para sair da minerodependência usando parte dos recursos da atividade minerária para a diversificação da matriz econômica. Várias cidades teriam vocação para o turismo, economia popular e solidária, produção de alimentos saudáveis, e mesmo para desenvolvimento industrial. Mas isso não é cobrado dessas empresas. Tentamos emplacar mudanças na tributação, mas a Vale entrou de sola e não permitiu. Hoje, a tributação da mineração no Brasil é ridícula.

    O financiamento de ações culturais nos territórios deve ser exigido das empresas, não de qualquer maneira. Sabemos os riscos que isso traz de cooptação, manipulação, relações clientelistas, e de como isso se torna um ativo para as corporações. Mas não exigir que tenham esse tipo de reparação mínima é também ilusório. Hoje, a tributação da mineração no Brasil é ridícula

    A cultura talvez tenha sido uma das áreas mais tumultuadas do governo Bolsonaro, com uma forte ofensiva reacionária. Como isso se dá na comissão?
    A extinção do Ministério da Cultura foi o primeiro gesto do governo de que aprofundaria algo já em curso. Desde o golpe de 2016, isso vem numa toada cada vez mais grave. Na sequência, os secretários de Cultura vêm sempre com uma linha desastrosa, negacionista, delirante e muito coerente com o projeto bolsonarista. A cultura acontece sob um clima fundamentalista de perseguição à diversidade, com cerceamento do pensamento crítico e com tentativa de censura, não só de conteúdo, mas principalmente com a retirada de recursos da área, de maneira brusca e num volume inacreditável. Com a pandemia, tivemos um desastre total. Aprovamos a Lei Aldir Blanc para socorrer artistas e espaços culturais. Fizemos seminários temáticos para resgatar um pouco da história das políticas culturais, a questão dos povos e comunidades tradicionais e combatemos a tentativa de submeter a cultura ao pensamento mercadológico. A comissão passou a ser, como disse a Benedita, o partido da Cultura. Vários embates foram travados e tentamos ter uma concertação progressista para defender o básico.

    Você leva à Câmara uma contribuição periférica, negra e feminina num Congresso majoritariamente branco, machista, misógino e lgbtfóbico. Como enfrenta esse ambiente?
    Tive um pré-teste na Câmara de BH, um microcosmo da Câmara dos Deputados. Lá, já tínhamos visto a facção fundamentalista muito invasiva, além de agressividade física no plenário e muito da violência política presente no Legislativo. Uma parlamentar com as minhas características e compromissos, é sempre difícil estar em um espaço que não foi programado para nós. Mas nossa bancada é aguerrida e maravilhosa, apesar de pequena. Consolidamos uma atuação cuja força vem de fora para dentro, porque ali a correlação de forças dificulta avançar com nossas agendas. Há um reconhecimento forte de lideranças como eu, Talíria Petrone, Sâmia Bomfim e Fernanda Melchionna, jovens feministas que passam a ativar outra possibilidade de estar nos espaços de poder. Houve um crescimento de candidaturas de pessoas negras, feministas, periféricas e LGBTI nas eleições de 2020. Acho que é uma tendência, e o PSOL é o partido que mais tem correspondido a esse apelo e a essas novas formas de organização.

    Com o fim do auxílio emergencial e com a pandemia ainda em alta, se nada for feito, o que você vislumbra para o futuro próximo?
    O agravamento muito rápido das condições de vida faz com que a capacidade de auto-organização popular seja muito comprometida. Por outro lado, em função da necessidade de sobrevivência nas comunidades, surgiram iniciativas incríveis de ajuda mútua e busca de alternativas econômicas, além de circuitos de formação política que escapam muito da forma de organização de partidos e de movimentos sociais. Estou muito mais preocupada com a capacidade de a população construir formas politizadas de gestão da vida, buscando o cuidado entre nós, do que com as entranhas do Legislativo ou do partido. É o que me faz ter esperança e disposição para poder continuar existindo na Câmara, apesar de um jogo tão desfavorável para nós. É necessário apostar na institucionalidade para aquele que tenha uma vitalidade fora dela consiga impactar e transformá-la.

    Nas periferias, você disputa espaço com as igrejas fundamentalistas, em um meio violento e preconceituoso. Como se estabelece essa disputa?
    É muito difícil, mas os resultados existem. Nas igrejas evangélicas começa a existir um movimento disruptivo de crítica interna – ainda diminuto, mas com uma força qualitativa muito grande. Não à toa, tem surgido candidaturas evangélicas progressistas, que buscam em suas comunidades mostrar ser possível confrontar o fundamentalismo e toda a manipulação disfarçada de fé, para ter uma resposta em que fé e política se encontram. Na questão da segurança pública, se conseguirmos dialogar a partir de um trabalho persistente com lideranças críticas, a segurança vem como um dos eixos de organização comunitária. Vou dar um exemplo. Em Belo Horizonte, existia um baile funk muito famoso no Aglomerado da Serra, uma das maiores favelas do país, reunindo milhares de jovens. Ali, começou a haver muito conflito com a polícia, que sempre chegava com muita violência. Eu, ainda estava vereadora e nos reunimos com a Polícia Militar, a Prefeitura e os organizadores do baile e começamos a mediar uma situação para viabilizar a festa, com participação de parte a parte, defendendo o direito à cultura e à cidade. Surpreendentemente, tivemos avanços e o baile começou a acontecer em outros termos. No entanto, quando saímos dessa mesa de negociação, a situação não se sustentou e retrocedeu muito rapidamente. Isso mostra que quando há uma direção política é possível fazer transformações no micro que podem ganhar escala. Acho que o Sistema Nacional de Segurança Pública, tendo outra ação, poderia ter uma resposta de proteção à vida para sair desse modelo repressivo ineficaz e passar a se direcionar para uma política cidadã, com melhores resultados. Restabelecer a democracia em um lugar de decência mínima é a grande tarefa que temos para 2022. Não nos conformamos com o modelo formal de democracia que, sequer, funciona a contento. Resguardar as regras do jogo é algo essencial.

    Da cultura hip-hop para a Câmara dos Deputados

    Áurea Carolina de Freitas e Silva, paraense de Tucuruí, 37 anos, iniciou a militância política no mundo da Cultura, no início dos anos 2000. Integrante do grupo de rap Dejavuh, da periferia de Belo Horizonte, revelou-se uma artista eclética: compunha, cantava e dançava. Mas Áurea se destacou mesmo nas atividades organizativas, ao ajudar a formar o Hip Hop Chama, espaço de ativismo que unia arte e pensamento crítico. A atual deputada federal conta que “havia uma necessidade de participação e a arte foi o meio que nos trouxe para a reflexão sobre a realidade”.

    Daí para a política partidária, o caminho foi natural. “Comecei a participar de coletivos, tanto de rap quanto os que discutiam políticas públicas e direitos de juventudes, em temas como violência, racismo, machismo dentre outros”. Áurea foi atuar no terceiro setor ao mesmo tempo em que cursava graduação em Ciências Sociais, na Universidade Federal de Minas Gerais.

    Tem início uma fase de ativismo incessante. A ativista integrou o Fórum das Juventudes da Grande BH, em 2004, acompanhou a instituição da Secretaria Nacional de Juventude, do Conselho Nacional e do Plano Nacional de Juventude, nos governos de Lula, e passou a pesquisar a institucionalização de políticas para mulheres jovens no Brasil. Durante o mestrado, em 2015, foi subsecretária de Políticas para as Mulheres do governo de Minas Gerais, na gestão de Fernando Pimentel (PT). “Fiquei pouco tempo”, sublinha, “pois vi que não tinha como fazer o que eu acreditava”. Ela considera o período importante para entender como a sociedade civil pode influenciar as instituições.

    Ao participar de uma rede de movimentos de oposição às arbitrariedades do então prefeito Márcio Lacerda (PSB), Áurea entrou em contato com a militância do PSOL. Logo, nasceu a ideia da candidatura para Câmara Municipal. Em 2016, ela chegou lá, com 17.420 votos. O melhor desempenho feminino da cidade.

    O mandato de vereadora abriu uma experiência até então inédita. Ao lado de Cida Falabella, também do PSOL, inaugurou um mandato coletivo, batizado de Gabinetona. “Juntamos várias candidaturas em um projeto comum e desenvolvemos estratégias com resultados fenomenais”, relata.

    A maior inspiração de Áurea foi o avô materno, militante do PCB. “Ele trabalhou na mina de Morro Velho, em Nova Lima (MG), e participou da organização dos trabalhadores na década de 1930. Também foi perseguido e preso na ditadura. Já na década de 1980, atuou em projetos comunitários na periferia de BH”, afirma. A parlamentar pouco conviveu com o antigo militante, mas as memórias familiares e de amigos próximos servem de exemplo constante.

    O trabalho de Áurea e dos militantes do PSOL mineiro renderam frutos. Em 2018, elegeu-se para a Câmara dos Deputados com 162.740 votos, quase dez vezes mais do que o obtido dois anos antes. Andreia de Jesus, integrante da Gabinetona, foi eleita deputada estadual. “Passamos a ter quatro parlamentares nas três esferas do Legislativo, com equipe ampla trabalhando de forma integrada”, assinala. Em 2020, Áurea Carolina disputou a prefeitura de Belo Horizonte, numa frente com o PCB e a Unidade Popular, alcançando o quarto lugar, com 8,33% dos votos válidos.

  • GOLPE: OBJETO DE DESEJO DO ATUAL PRESIDENTE BRASILEIRO . Por Francisvaldo Mendes

    GOLPE: OBJETO DE DESEJO DO ATUAL PRESIDENTE BRASILEIRO . Por Francisvaldo Mendes

    GOLPE: OBJETO DE DESEJO DO ATUAL PRESIDENTE BRASILEIRO

    Por Francisvaldo Mendes . Presidente da FLCMF

    Março passou novamente, no último dia ressoa a lembrança dolorosa do Golpe Militar no Brasil. Foi no dia 31 de março de 1964 que o poder do Estado mostrou a maior face de terror, medo e culto à tirania. Um golpe de Estado, dirigido pelos militares, tomava o contorno do poder em nome dos civis. A liberdade que envolve as pessoas, foi devidamente acorrentada com uma organização de poder militar, que faz todo o tipo de totalitarismo. E, lamentavelmente, o atual presidente do Brasil, eleito pela maioria das pessoas, possui o desejo de consumo do golpe em sua gestão. Mais que isso, organiza uma ditadura diferente, impondo uma política genocida, haja visto a quantidade de mortes do período atual que superou, em muito, os tempos sombrios dos militares.

    Agora, em 2021, fazem 57 anos do golpe militar, sem que nada exista para comemorar. Muito pelo contrário, foram 21 anos de totalitarismo, torturas e mortes. Direitos humanos não existiam, mas nos tempos atuais também padecem aos interesses individualistas e escusos que orientam o governo central. No lugar de torturas corporais, desaparecimentos sem rotas, exílios sem sentidos, execuções com o máximo da violência letal, as pessoas vivem outra forma de ditadura neste ano do século XXI. Mortes, medo, impedimentos, punições, doenças, fome, proibições, perseguições com base na lei de segurança nacional, tomam as pessoas atualmente. O desejo de golpe, que existe na presidência, mistura-se a um modelo de ditadura que tira mais vidas que se poderia imaginar. As mentiras combinadas com a pior das ideologias, buscam fazer a festa totalitária do que foram os tempos sombrios do passado impondo mais terror no tempo atual. Não por menos, o atual presidente conseguiu autorização para comemoração do golpe militar.

    Passar por essa fase em que o necrocapitalismo toma a existência e a necropolítica orienta a organização do poder é um golpe duro demais para viver. Não se pode falar de civilização nesse tempo e todas as possibilidades de disputa de projetos políticos parecem perecer na disputa para assegurar a vida das pessoas. E ainda que existam rasgos incontroláveis, com morte de alguns ricos que roubaram o comum e de alguns membros da organização do poder que não respeitam a força do vírus ampliada pelas suas próprias ações irresponsáveis, a grande maioria das pessoas, nos mais de 300 mil óbitos, são das periferias e dos setores populares das cidades.

    O sentimento de submissão pesa como sempre em tempos como este. Um país colonizado que não se livra das marcas da colonização cruel, se dispõe seguir modelos de colonização nos tempos atuais por seus sujeitos dominantes. O que foi no início a Europa, principalmente Portugal, desde o século passado até os dias atuais, padece no imperialismo decrépito dos Estados Unidos da América. E para isso se exagera nas impropriedades das falácias, pois, quando o totalitarismo se faz com o apoio aberto das armas, como no passado, ou quando se faz no apoio do discurso armamentista e feroz como os tempos de hoje, arte, cultura, liberdade e criatividade são impulsos que se tornam inimigos dos donos do poder e de seus organizadores pelo Estado.

    Quaisquer ilustrações cínicas servem como apoio para se fingir mudanças e alterações da política desastrosa. O presidente faz sua festa de clubes do poder tentando abraçar ainda mais o militarismo e movimentando as mesmas peças do seu jogo de xadrez destrutivo. Vale destacar que, mesmo sendo aparentemente obvio para os “donos do poder”, que as chamadas forças militares são para defender a nação que se diz existir ou produzir a guerra contra outras nações. Por sua vez, a organização do poder em movimento no Brasil aposta em uma força armada que possa ampliar medo, controle e opressões contra seu próprio povo.

    Com as portas abertas para o vírus e com as notícias diárias de recorde de mortes, brasileiras e brasileiros, a grande maioria empobrecida pelo sistema, padecem na tristeza e na descrença. Eis um cenário que muito interessa a ignorância que sobressai para a população sobre as garantias do poder. Nega-se a ciência, nega-se o acúmulo dos conhecimentos ancestrais, nega-se as condições materiais para viver, nega-se a história e o totalitarismo é imposto em uma máscara cruel de democracia que nos falta.

    Mas o que ocorre, nada natural é. Há sujeitos que impõe as condições atuais. Assim como há sujeitos que podem acumular forças para romper com toda essa ordem “necrogenocida” imposta. De um lado se força mostrar que nem como “exército de reserva” para a venda da força de trabalho serve as pessoas que podem ser cruelmente descartadas do viver. Do outro lado, essas pessoas, uma multidão criativa e poderosa com consciência e unidade, não pode apenas sentir os impactos mais duros da vida. Precisamos, todas e todos nós, reagir e lutar.

    Para a multidão que precisa vender a força de trabalho para viver é tempo de um grito de liberdade e superação. Tempos incandescentes para fazer com que a unidade tenha propósito e se amplie na defesa da vida avançando para a radicalização da democracia. Radicalizar com condições de viver, saúde, moradia, educação, cultura e liberdade, é mais do que necessário conclamar aos sujeitos que fazem e podem fazer a diferença – mulheres e homens que vivem da venda da força do trabalho e podem abraçar o trabalho criativo em todas as dimensões, e a política é uma delas. Para isso a vida é mais que necessária, para que corpos sejam diferentes atores de uma unidade potente e que conquiste a dignidade.

    Tirar o presidente atual, mudar as pessoas que organizam o poder, ter mais de nós em todos os espaços da política e do conhecimento, são ações que sempre foram necessárias. Nos dias atuais, no entanto, tais ações são imprescindíveis para superar a atual política em curso e impedir a ampliação e continuidade das mortes. Vamos então ampliar a vida, com formação, organização e ação, construindo um programa de libertação política do povo, sem nos iludirmos com as eleições, pois somente o fazer, para além de sonhar, construirá a transformação na diversidade humana pelo viver melhor.

  • Em defesa da Vida e da Democracia, Interditar Bolsonaro e Revogar a Lei de Segurança Nacional

    Em defesa da Vida e da Democracia, Interditar Bolsonaro e Revogar a Lei de Segurança Nacional

    Em defesa da Vida e da Democracia, Interditar Bolsonaro e Revogar a Lei de Segurança Nacional.

     Hoje, completam-se 57 anos do golpe militar que interrompeu o processo de aprofundamento da democracia liderado pelo presidente João Goulart, por meio das Reformas de Base. A partir de então e por longos 21 anos, perdurou uma ditadura que usou dos mais diferentes meios para violentar as liberdades dos brasileiros e brasileiras. Para isso, cassou mandatos parlamentares e de governadores, fechou partidos políticos, sindicatos e a UNE, suspendeu as eleições para os governos estaduais, prefeituras das capitais e cidades rotuladas como “áreas de segurança nacional”, censurou a imprensa, interveio nos sindicatos, prendeu sindicalistas, torturou, assassinou, obrigou ao exílio importantes lideranças políticas e sociais. E tudo isso com o objetivo de “limpar o terreno” para a preservação dos privilégios dos grandes proprietários e o ingresso maciço do capital estrangeiro.

    Pela extinção da LSN, um entulho autoritário que persiste

    Mas o povo brasileiro não se dobrou. Travamos a luta contra a ditadura pelos mais distintos caminhos e, depois da memorável campanha das Diretas-Já, enterramos esse período escabroso. Por meio da Constituição de 1988, o país foi dotado do mais avançado estatuto legal da nossa história. Mas não conseguimos ainda revogar todo o entulho autoritário. É verdade que enterramos o AI-5 e a famigerada Lei de Segurança Nacional, que, em sua versão mais truculenta, foi editada pela Junta Militar em 1969. Inspirada na doutrina da contra-insurgência, elaborada na Escola Militar de West Point, nos Estados Unidos, pregava a existência do “inimigo interno”, a ser perseguido pelas Forças Armadas. O avanço da luta democrática extinguiu a velha LSN ainda durante a ditadura, em 1983, mas o regime ainda teve fôlego para impor uma nova LSN (no. 7.170/83), que, embora mais branda, mantinha resquícios autoritários de sua predecessora.

    Conforme Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, ajuizada no STF pelo PT, o PCdoB e o Psol, em 25 deste mês, essa Lei abriga diversos dispositivos que violam a Constituição de 1988. Muitos deles vêm sendo hoje acionados pelo presidente Bolsonaro para criminalizar manifestações desfavoráveis a ele. O uso e abuso desses dispositivos por Bolsonaro denota seu espírito autoritário, incompatível com a liberdade de expressão e opinião garantida na nossa Carta Magna. Os partidos também questionam a competência atribuída pela Lei de Segurança Nacional à Justiça Militar e às autoridades militares para processarem e julgarem cidadãos civis em razão do suposto cometimento dos crimes previstos na LSN que não possuem enquadramento na Constituição Cidadã.

    Crise humanitária e sistêmica: Bolsonaro começa a ser abandonado

    Quanto mais a crise se agrava, mais o Presidente, sentindo-se acuado, recorre a instrumentos autoritários. Trata-se de uma crise de múltiplas dimensões. A crise sanitária já se transformou numa verdadeira tragédia. A pandemia ceifou a vida de mais de 300 mil pessoas. Passamos a marca de três mil mortes por dia, com tendência ascendente, e a de 100 mil novos casos. O Brasil tornou-se campeão mundial dos dois indicadores, desbancando os EUA dessa nefasta posição. Terreno fértil para o surgimento de novas variantes do Coronavírus, o Brasil é hoje o epicentro mundial da pandemia, tornando-se uma ameaça para todos os demais países. O sistema de saúde está em colapso no Brasil inteiro. Milhares de brasileiros e brasileiras acometidos pela Covid-19 se acotovelam, sem atendimento, nas portas e nos corredores dos hospitais, que estão abarrotados: não há leitos disponíveis, as UTIs estão lotadas, sem oxigênio, sem respiradores nas quantidades necessárias.

    O recrudescimento da pandemia, agravado pela retirada dos estímulos monetárias e fiscais (o Congresso aprovou em 2020 pacotes emergenciais no valor de R$ 587,46 bilhões e, agora, depois de três meses sem qualquer auxílio emergencial, o governo anuncia que vai gastar nessa rubrica apenas R$ 44 bilhões) e pelo retorno da trajetória de elevação da taxa básica de juros, indica que a recessão tende a continuar. Ao mesmo tempo, a inflação, nascida nos preços dos alimentos (que nos últimos 12 meses subiram 15%) e dos combustíveis, já se espalha por outras áreas, como revelam as elevadas cifras do IGP (29% nos últimos 12 meses), sinalizando a volta do fantasma da estagflação. Nesse quadro, a crise social explode sob a pressão dúplice da carestia e do desemprego. Além dos 14 milhões abertamente desempregados, milhões de trabalhadores gostariam de trabalhar, mas não procuram emprego por causa da pandemia.

    Nesse contexto, começa o distanciamento das bases de apoio do governo, acelerando a crise política. A “elite econômica” da Faria Lima, que, por meio do ministro Paulo Guedes, tem apoiado o governo Bolsonaro, em documento assinado por centenas de economistas, empresários, banqueiros e figuras conhecidas do mercado financeiro anuncia seu afastamento, exigindo um “Bom Governo”. No Congresso, o Centrão, que, com apoio de Bolsonaro, foi vitorioso há pouco tempo na eleição das duas casas, ameaça, por meio de discurso do presidente da Câmara, Arthur Lira, desembarcar do governo, ao anunciar “remédios amargos e até fatais”, em 25 deste mês.

    Genocida Bolsonaro quer provocar o caos

    O morticínio e a crise sistêmica (sanitária, econômica, social e política) não são decorrência natural da pandemia. Decorrem diretamente da atitude negacionista e irresponsável, movida pelo obscurantismo de Bolsonaro e seu grupo, mas também de uma sequência articulada de decisões por eles adotadas. Bolsonaro sempre foi um apologista da ditadura, inclusive de seu aspecto mais perverso, a tortura, criticando esse período apenas por sua suposta moderação na repressão. Chegou a estabelecer em 30 mil o número de mortes que seria necessário naquela época. Já no governo, manteve essa postura, ameaçando, a cada momento, ultrapassar os limites da democracia e implantar uma ditadura no país. Alimentou a crise e o morticínio, tudo indica, com o objetivo de engendrar uma situação caótica favorável a seu intento golpista. Sabotou abertamente todo o esforço de testagem massiva, distanciamento social e uso de máscara recomendado pela OMS e praticado por todos os governos responsáveis. E nem de longe cogitou adotar a vigilância epidemiológica e o rastreamento ativo para o enfrentamento mais adequado à pandemia.

    Manteve essa mesma atitude em relação à vacina, instrumento mais poderoso, segundo a ciência, para combater a pandemia. Além de fazer uma verdadeira campanha contra seu uso, o governo, conscientemente, deixou de tomar as providências essenciais para o estabelecimento de parcerias com os laboratórios e deixou de contratar, na hora certa, as vacinas oferecidas por vários laboratórios. Agora, quando a tragédia se aprofunda, tem dificuldade de encontrar disponível a quantidade necessária de vacinas. Tudo indica que há método nesse desastre. Para agravar ainda mais a situação, não tomou qualquer atitude até este mês para manter os estímulos monetários e fiscais, com destaque para o auxílio emergencial, que permitiram manter a vida de 68,2 milhões de beneficiários em 2020, além de garantir o funcionamento da economia. E, agora, depois de três meses em que as famílias brasileiras estão passando enormes dificuldades, decidiu por um auxílio emergencial de apenas R$ 250 em média por família (quando o auxílio anterior era de R$ 600 por beneficiário e o custo de uma cesta básica na capital paulista é de R$ 639,47) para apenas 45,6 milhões, cerca de dois terços das pessoas que foram beneficiadas em 2020.

    Salvar vidas, interditar Bolsonaro e revogar LSN

    O direito à VIDA, valor supremo de todos os seres humanos, é negado a milhares de compatriotas. O Congresso, pressionado pelos partidos de oposição, mas incorporando setores do chamado Centrão, decidiu deixar de votar qualquer projeto até equacionar o programa de vacinação. Isso significa, antes de tudo, garantir vacina para toda a população e auxilio emergencial para as populações mais vulneráveis, num valor mínimo que equivalha à cesta básica, pelo tempo que durar a pandemia.

    Mas devemos também impedir que o Presidente Bolsonaro continue a alimentar esse genocídio. Consideramos que a criação da CPI da Pandemia é um instrumento poderoso para ajudar a barrar essa mortandade. Já existem 74 pedidos de impeachment na Câmara de Deputados. Existem também várias queixas crime em apreciação no Supremo Tribunal Federal e até um pedido de interdição foi formalmente apresentado recentemente. Em manifesto divulgado em 17 deste mês, as Fundações partidárias abaixo assinadas apresentaram, para apreciação do Congresso Nacional, mais um caminho alternativo: uma Proposta de Emenda Constitucional que, se aprovada, resultará na interdição de Bolsonaro..  Pesquisas de opinião pública indicam que a população, majoritariamente, avalia como ruim ou péssima a atuação de Bolsonaro para enfrentar o Coronavirus.

    Paralelamente, para evitar que Bolsonaro prossiga na perseguição a seus adversários políticos e na violação continuada da liberdade de opinião e expressão, urge revogar a Lei de Segurança Nacional. A essa conclusão, chegou em 2016 o ministro do STF Luís Roberto Barroso, quando, ao julgar um caso nela enquadrado, afirmou: “já passou a hora de nós superarmos a Lei de Segurança Nacional, que é de 1983, do tempo da Guerra Fria, que tem um conjunto de preceitos inclusive incompatíveis com a ordem democrática brasileira”.

    Basta! Temos que unir toda a Nação em defesa da Vida.  Conclamamos a todos os democratas, todos aqueles que têm compromisso com a vida: os partidos políticos, os movimentos organizados da sociedade, os governadores, prefeitos, parlamentares, cientistas, intelectuais, trabalhadores, empresários, igrejas, estudantes, enfim, a sociedade organizada, a mobilizarem-se pela aprovação da emenda constitucional que possibilita a interdição de Bolsonaro e a revogação do entulho autoritário, que é a Lei de Segurança Nacional de 1983. Em defesa da Vida e da Democracia, o Brasil interditará o genocida Bolsonaro e revogará a Lei de Segurança Nacional!

    São Paulo, 31 de março de 2021

    Fundação Lauro Campos/Marielle Franco, PSoL
    Fundação João Mangabeira, PSB
    Fundação Leonel Brizola/Alberto Pasqualini, PDT
    Fundação Maurício Grabois, PCdoB
    Fundação Perseu Abramo, PT
    Fundação Ordem Social, PROS
    Fundação Astrojildo Pereira, Cidadania
    Fundação Verde Herbert Daniel

    PT, PSOL e PCdoB ACIONAM O STF AÇÃO CONTRA A LEI DE SEGURANÇA NACIONAL.

    Na manhã dessa quinta-feira (25), o Partido dos Trabalhadores (PT), o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) ajuizaram, no Supremo Tribunal Federal, Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental contra diversos dispositivos da Lei de Segurança Nacional (Lei n. 7.170/83), que vem sendo amplamente utilizada para criminalizar manifestações desfavoráveis ao Presidente Jair Bolsonaro.

    As agremiações afirmam que a Lei de Segurança Nacional apresenta diversas violações à Constituição da República de 1988, de modo a não poder ser reconhecida em vários de seus pontos como constitucional. Alegam que o uso recente dessa lei deixa claro o seu espírito autoritário, oriundo de sua própria criação em tempos de ditadura militar, o que não se coaduna com a liberdade de expressão e opinião garantidas no atual paradigma constitucional brasileiro.

    Por fim, os partidos também questionam a competência atribuída pela Lei de Segurança Nacional à Justiça Militar e às autoridades militares para processarem e julgarem cidadãos civis em razão do possível cometimento dos crimes previstos naquela mesma lei, o que também representa um entulho autoritário do regime militar brasileiro e não possui enquadramento na Constituição Federal de 1988.

    A ação deve ser distribuída, por prevenção, ao Ministro Gilmar Mendes, que já é relator de outras duas ADPF sobre o mesmo tema, mas ainda não há uma data para julgamento.

  • A POLÍTICA SUCUMBIU AO VIRUS . Por Francisvaldo Mendes

    A POLÍTICA SUCUMBIU AO VIRUS . Por Francisvaldo Mendes

    A POLÍTICA SUCUMBIU AO VIRUS

    Por Francisvaldo Mendes, presidente da FLCMF

    A política praticada pelo governo federal, de irresponsabilidade e descaso com a saúde do povo, levou às mortes descontrolada e não pode ser ignorado. Ao contrário, precisa ser enfrentado politicamente para condenar o responsável pelo Genocídio causado, que destrói diariamente a vida das pessoas. Para piorar o Estado e seus agentes políticos de maior hierarquia atuam como se apreciassem a morte e debocham da grande maioria de pessoas exploradas e subjugadas à falta do básico para viver. Estamos com mais de 303.726 óbitos por covid, dentre os quais os maiores índices estão entre os empobrecidos e negros da periferia das cidades. Mas o vírus mata porque a política que predomina abriu as portas para a morte e inexiste no cenário um projeto político com força acumulada para destruir a vida.

    Trata-se de uma política que visa desorganizar a organização econômica para que os corruptos de plantão possam tirar proveito da coisa pública com falta de investimento, principalmente em saúde. O momento no qual vivemos demanda um projeto para um Estado de Exceção vetorizado para a vida com papel decisivo do Estado para assegurar que as pessoas não morram e com o Governo coordenando uma ação contundente para que condições estruturais para moradia, saúde e alimentação, em todas as dimensões, exista. Para isso é primordial o auxilio emergêncial com vista uma renda básica permanente. Neste contexto mórbido as condições de vida das pessoas precisam ser asseguradas e os repasses financeiros precisam assegurar o viver e não ser garantido apenas o dinheiro para os banqueiros e grandes empresários, o que tem sido feito religiosamente todo mês com o discurso de pagamento da dívida.

    Neste momento não há o que se duvidar, pois, se um presidente eleito pelas pessoas atua para que as pessoas morram e não para garantir suas vidas, este presidente precisa ser retirado do seu lugar, urgentemente. E o Estado não pode vacilar nesse verdadeiro Estado de Exceção, pois, precisa estancar sua prioridade de organizar o lucro, o controle e dominação para apostar em vida, sobrevivência e seguridade. A Constituição brasileira após a ditadura militar que foi organizada pelos civis donos do poder, aprovou uma constituição que afirma que os crimes de responsabilidade do presidente em seu artigo 85 são: I – a existência da União; II – o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação; III – o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; IV – a segurança interna do País; V – a probidade na administração; VI – a lei orçamentária; VII – o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

    Salientamos que diante da nova realidade mundial de pandemia e dos atos realizados ou não realizados pelo governo federal esses crimes ficaram obsoletos devendo ser atualizados com uma emenda constitucional que responsabilize e afaste o presidente em caso de omissão em pandemias nos cuidados necessário com a população tendo como base a ciência. Assim, o observatório da democracia, composta de 8 fundações partidárias apresentará uma PEC que incluirá a responsabilidade criminal do presidente neste caso de omissão, afim de proteger o povo dos desmandos de um governo irresponsável.

    Haja vista que desde que foi declarada pela OMS, em 11 de março de 2020 a pandemia, a situação de sindemia prevalece na vida da maioria das pessoas em países que não existe seguridade como prática do Estado. No Brasil a Constituição é distante da maioria da população e utilizada pela minoria no dia-a-dia para ampliar o lucro, o individualismo e toda ideologia narcisista que encharca o país com a morte, a ponto de alguns empresários furarem a fila da vacina de forma criminosa. O vírus mata, mas mata porque há a porta aberta como política predominante no Estado para fazer a morte tomar os corpos dos viventes em escalas mórbidas de ampliação das desigualdades.

    Ou seja, neste momento, realmente de exceção, que não pode ser ideologicamente utilizado como um discurso sofista e cínico para ampliar o lucro, mas deve seguir a assertividade da garantia da vida, o Estado deve agir como o principal ambiente de organização do poder. O poder precisa se organizar para a manutenção da vida. Os projetos precisam existir para isso, com a prática de todos os estadistas, sejam os alçados pelo voto ou pelo mérito pessoal. Os partidos políticos, assim considerados pela legislação, devem movimentar-se para esse fim. As organizações da sociedade civil, sejam as favoráveis a multidão que vende sua força de trabalho ou ao pequeno grupo que explora a força de trabalho, precisam entrar no vetor da defesa da vida. Assim, dessa forma, será possível constituir um vetor no qual a vida possa se fazer existente.

    Nessa hora, ainda que a morte seja causada pelo vírus, que encontra a porta aberta pela política, a política deve ter como unidade a defesa da vida. E, nesse vetor da vida, a ciência é a base de orientação com investimentos e atuação para o fazer necessário pelo viver. Assim como as pessoas para viver precisam do investimento do Estado, em todos os aspectos e sentidos, pois, além de vacina para todas as pessoas, precisa-se também garantir para todas as pessoas a seguridade para morar, ter água potável, redes de esgoto, alimentação e mobilidades que assegurem o viver.

    Para o que é conhecido como esquerda no mundo e no Brasil esses princípios do tempo histórico precisam ser inquestionável na política atual. Mas para além disso o consenso necessário para fluidos de senso comum precisam agitar todas as letras e ações a favor da vida. O encontro entre direito e politica agora, de forma inquestionável, é para garantir o viver. O Estado precisa se colocar na situação de assegurar tais condições, a sociedade civil deve agir com a força dessa garantia e o mercado precisa aceitar que a hora do lucro, nesta onda de exceção, deve dar lugar para o investimento na vida. Trata-se do momento, pois, um ano atrás isso já deveria ser inequívoco e o contrário foi o que predominou no Estado e no Governo central para ampliar os óbitos chegando a números atuais que nem em guerra e neste modelo capitalista sustentado pelo necrocapitalismo e a necropolitica as pessoas sentiram com tanta dor como nos dias atuais. Não se trata somente de números, são seres humanos com alma e historias. Basta de morte e que se abra o tempo de exceção para a garantia da vida em todos os aspectos e todas as dimensões. Um projeto político para esse fim se faz necessário com imediata formulação e aplicação fazendo-se lei!

  • PEC pela Vida: afastamento de Bolsonaro e enfrentamento da pandemia

    PEC pela Vida: afastamento de Bolsonaro e enfrentamento da pandemia

    PEC pela Vida: afastamento de Bolsonaro e enfrentamento da pandemia

    Diante de um cenário no qual o país deverá chegar até o final do mês de março a mais de 300 mil mortes, com um ministério sem comando, as fundações partidárias reunidas no Observatório da Democracia são explícitas ao afirmar que não há saída para a crise sem a interdição imediata de Jair Bolsonaro.

    A Proposta de Emenda Constitucional (PEC), texto apresentado pelo Observatório, inclui entre os crimes de responsabilidade as ações que atentam contra a vida humana, por sabotagem ou omissão, em epidemias e pandemias.

    As responsabilidades de Bolsonaro e as ideias lançadas pelas fundações partidárias estiveram no centro dos debates do Pauta Brasil desta segunda-feira, 22 de março. Com mediação do jornalista Edmundo Machado de Oliveira, Francisvaldo de Souza, Felipe Espírito Santo e Walter Sorrentino fizeram análises sobre como se chegou ao projeto de lei apresentado, a conjuntura e as possibilidades de afastamento do presidente da República.

    Felipe Espírito Santo acredita que o texto apresentando pelo Observatório da Democracia espera não só o afastamento de Bolsonaro “mas o enfrentamento da pandemia”, que não ocorre por falta de coordenação do governo federal. “O governo relativizou e desdenhou do potencial de mortalidade desta pandemia, deixou que os governos ficassem abandonados na gestão das medidas de enfrentamento do coronavírus”, relatou Espírito Santo.

    Ele ainda relembrou que o governo não age se não for por cobrança e pressão, como foi o caso do Auxílio Emergencial e o “descaso e desprezo pela vacina”. “Todo o mundo está errado, menos o presidente Bolsonaro?”, questionou o representante da Fundação da Ordem Social (Pros) ao relatar que desde o início da pandemia os exemplos do governo e do presidente foram muito ruins, “exemplos muito negativos”.

    Francisvaldo Mendes de Souza é o presidente da Fundação Lauro Campo/Marielle Franco. Ele relatou as atividades e debates no Observatório da Democracia e a importância da ação para conter a pandemia. Para ele, o vírus e as suas vítimas são um trauma para a população, “que fica procurando informações que deveriam ser do presidente da nação, que não por falta de preparo, mas por uma política de instalar o caos. A serviço dos grandes interesses ele quer vender o patrimônio do país e tratar dos interesses familiares”.

    Para ele, “a falta de legislação que possa afastar Bolsonaro fez o Observatório lançar essa Proposta de Emenda Constitucional, que inclui na Constituição o direito à vida, já que esse valor não é o primordial do governo Bolsonaro”. “Ele é um genocida sim, quem atenta contra a vida do seu povo é um genocida”, disse.

    Para Walter Sorrentino, vice-presidente nacional do PCdoB e presidente do Conselho Curador da Fundação Maurício Grabois, “vivemos em estado de luto” lembrando os milhões de brasileiros e brasileiras vítimas de alguma forma da Covid-19. “Estamos sofrendo uma guerra, somos bombardeados a cada minutos e não temos comando, aliás, temos uma quinta coluna”, explicou Sorrentino. “Bolsonaro não tem compromisso, ataca o pacto federativo, ataca os governadores que atuam contra a pandemia. Ele quer se manter no controle da narrativa criminosa que irá afundar ainda mais a economia e matar mais gente”, lamentou.

    Sorrentino ainda defendeu o Auxílio Emergencial como fundamental para frear a marcha da pandemia e da “insanidade de Bolsonaro”. “É preciso unir os cidadãos para a travessia de 2021, a despeito de interesses outros que não são imediatos como é a PEC pela Vida, que é uma resposta, uma iniciativa precisa, com respeito à nossa Constituição e pelo direito à vida do nosso povo”. E o crime contra a vida humana exige afastamento do presidente e inclusive que seja levado à Corte Interamericana de Direitos Humanos.

    Importante citar o cuidado dos debatedores em defender que o direito à vida instituído pela PEC proposta não se relaciona com a luta das mulheres pelo direito ao aborto, que seguirá tendo o apoio de muitas destas fundações. E uma justa homenagem aos profissionais da saúde foi feita pelos participantes no encerramento.

    Assista a íntegra do programa aqui.

    Pauta Brasil recebe especialistas, lideranças políticas e gestores públicos para discutir os grandes temas da conjuntura política brasileira. Os debates são realizados às segundas, quartas e sextas-feiras, sempre às 17h, e transmitidos ao vivo pelo canal da Fundação Perseu Abramo no YouTube, sua página no Facebook e perfil no Twitter, além de um pool de imprensa formado por DCM TV, Revista Fórum, TV 247 e redes sociais do Partido dos Trabalhadores.

    O novo programa substitui o Observa Br, programa que era exibido às quartas e sextas-feiras, às 21h. Clique aqui e acesse a lista de reprodução com todos os 66 programas.

  • MAJOR OLÍMPIO: O PÂNICO CHEGA AO ANDAR DE CIMA . Por Gilberto Maringoni

    MAJOR OLÍMPIO: O PÂNICO CHEGA AO ANDAR DE CIMA . Por Gilberto Maringoni

    MAJOR OLÍMPIO: O PÂNICO CHEGA AO ANDAR DE CIMA

    Por Gilberto Maringoni
    A morte do Major Olímpio – 58 anos, vida saudável – representa a primeira grande perda que a extrema-direita tem na pandemia, em meio a um festival de negacionismo genocida.
    Olímpio participou ativamente de uma presepada em Bauru – cidade que entrou em colapso sanitário – há um mês, juntamente com patifes como o Véio da Havan e a prefeita bolsonarista na cidade. Em ato de vandalismo, colocaram um caminhão atravessado numa das pistas da via Marechal Rondon, a principal da região, e dirigiram impropérios a Dória à esquerda e aos defensores do isolamento social.
    A morte do senador-policial representa um impacto para a boçalidade reinante. Não é pouca coisa.
    Não tenho ideia se o comportamento genocida de um governo fanatizado por militares golpistas se alterará muito. É possível que tenhamos um efeito contrário e que o abismo sanitário entre pobres e ricos se aprofunde. Tudo na tentativa de salvar a Faria Lima – novo endereço da casa grande – e seus agregados.
    O país está em pandarecos e o futuro imediato torna-se nebuloso, com claros responsáveis pela situação.
    Mas uma coisa é certa: o pânico chega ao andar de cima.
  • Fundações lançam carta convocatória e PEC para impedir Bolsonaro

    Fundações lançam carta convocatória e PEC para impedir Bolsonaro

    Fundações lançam carta convocatória e PEC para impedir Bolsonaro

    As sete fundações que integram o Observatório da Democracia lançaram nesta quarta-feira (17) uma carta pública  convocatória com o objetivo de defender a vida e interditar Bolsonaro. A carta foi assinada por oito fundações partidárias – Fundação Lauro Campos/Marielle Franco, PSoL, Fundação João Mangabeira, PSB, Fundação Leonel Brizola/Alberto Pasqualini, PDT, Fundação Maurício Grabois, PCdoB, Fundação Perseu Abramo, PT, Fundação da Ordem Social, PROS, Fundação Astrojildo Pereira, Cidadania  e Fundação Herbert Daniel, PV  – e pode ser acessada neste link.

    As fundações vão levar como sugestão ao Congresso Nacional uma Proposta de Emenda Constitucional para  incluir no rol dos crimes de responsabilidade previstos no art. 85 da Constituição Federal as ações que atentem contra a vida, por sabotagem ou omissão, em situações de epidemias e pandemias. Acesse a PEC neste link.

    A PEC visa atualizar a Constituição Federal para uma situação gravíssima que não estava prevista, uma vez que crises de saúde pública dessa proporção não estavam colocadas no horizonte de preocupação quando a CF foi aprovada. Além da mudança no Art. 85, a PEC visa deixar explícito no artigo 1º da Constituição que a defesa da vida é um dos princípios norteadoras da República.

    A carta assinada pelas Fundações critica as dificuldades criadas pelo governo para aquisição de vacinas e versa que “o direito à VIDA, valor supremo de todos os seres humanos, é negado a milhares de pessoas. Os milhões de contaminados que conseguem sobreviver, carregam fortes sequelas, ainda não de todo previsíveis. Esse morticínio não é decorrência natural da pandemia. Reafirmamos os termos do manifesto de janeiro: ‘decorre diretamente da atitude negacionista e irresponsável do presidente Bolsonaro e seu grupo. Desde o início, negaram as recomendações da OMS e da medicina. Ou seja, movidos por seu obscurantismo, negaram a ciência. Subestimaram e continuam subestimando esta grave doença’”.