Autor: Redação Lauro Campos

  • Vício Inerente

    Vício Inerente

    vício_inerenteTrabalho com a ideia de que toda obra de arte é uma metáfora estética. Partindo desse conceito o filme Vício Inerente , de Paul Thomas Anderson,  é o retrato da contracultura nos EUA em choque com a repressão política do período. O filme é baseado no livro Inherent Vice,  de Thomas Pynchon.

    O caminho escolhido pelo autor e pelo diretor do filme foi a sátira ao confronto ideológico entre sistema e anti-sistema nos anos 70. Para tornar tudo mais claro e mais crítico Pynchon utilizou o formato da novela policial clássica americana.

    Um detetive aventureiro, sempre em confronto com a polícia ao resolver casos em que aqueles falhavam por corrupção ou ineficiência, trabalha no caso do desaparecimento de uma garota e de mais uma penca de personagens.

    O diferencial é que esse detetive é um hippie que fuma maconha o tempo todo e enxerga tudo pela ótica da contracultura. O filme é qualificado na categoria de comédia pela mídia, mas trata-se de um drama sufocante onde assistimos a sociedade ultra capitalista americana tentando esmagar ou aproveitar-se de qualquer oposição ao sistema.

    Os segmentos corrompidos que usufruem dessa luta estão em muitas áreas: prostituição, internação psiquiátrica, tráfico de drogas entre outros. Os personagens são hilários e terrivelmente reais. Um policial que dirige as investigações conhecido como Pé Grande (Bigfoot) é a encarnação de um sistema antidrogas totalmente corrompido por ele.

    Pynchon revisto pelo diretor Anderson cria um filme inesquecível e muito divertido, mas imensamente doloroso!!

    Flávio Braga é escritor

  • Celpe: Prêmio à ineficiência

    Celpe: Prêmio à ineficiência

    Heitor Scalambrini Costa Neto
    Heitor Scalambrini Costa Neto

    O esperado aconteceu. Mais uma vez as empresas distribuidoras de energia elétrica conseguiram o que desejavam. A Diretoria da Agencia Nacional de Energia Elétrica (Aneel) deliberou a Revisão Tarifária Extraordinária (RTE) de 58 concessionárias de distribuição (27/2). O efeito médio que incidirá nas contas de energia será de 23,4%, e os índices definidos para cada distribuidora estão valendo desde o primeiro dia útil de março (2/3). Também as bandeiras tarifárias criadas para aumentar as receitas das distribuidoras tiveram um aumento considerável em seus valores. No caso da bandeira vermelha, que valerá ao longo de 2015, passou de R$ 3,00 para R$ 5,50 para cada 100 kWh/mês consumido. Um aumento de 83%.

    Já é de praxe o posicionamento sistemático da Aneel, autarquia vinculada ao Ministério de Minas e Energia, em defender os interesses das distribuidoras. A finalidade da Agência seria a de regular e fiscalizar a geração, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica segundo a legislação e as diretrizes do governo Federal. Mas o que se verifica é uma relação promiscua entre esta Agencia e as distribuidoras, que vem de longa data e já tem sido amplamente divulgada na imprensa.

    Em nome de clausulas draconianas existentes nos contratos de concessão, os famigerados contratos de privatização, se inaugurou no Brasil, na área de energia, o capitalismo sem risco. As empresas nunca perdem, ao contrário dos consumidores e da população. Em nome do equilíbrio econômico-financeiro das empresas, tudo é “legal”, dentro das normas impostas em gabinetes fechados. Para reativar a memória, tais contratos foram supervisionados/redigidos na Advocacia- Geral da União no Governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2003), sendo seu titular o jurista e magistrado Gilmar Mendes. Tais contratos, considerados “juridicamente perfeitos”, significam que mesmo o consumidor ganhando em instâncias inferiores, a reclamação ou a causa contra as distribuidoras, ao chegar ao Supremo Tribunal Federal, são derrotados, sendo sempre dado ganho de causa às empresas distribuidoras.

    O que chama a atenção e causa indignação nestes aumentos nas tarifas elétricas é o contrassenso. Nos últimos anos a qualidade dos serviços de distribuição vem se deteriorando. Os indicadores de continuidade, nos seus aspectos de duração equivalente de interrupção por unidade consumidora (DEC- indica o número de horas em média que um consumidor fica sem energia elétrica durante um período, geralmente o mês ou o ano) e frequência equivalente de interrupção por unidade consumidora (FEC- indica quantas vezes, em média, houve interrupção na unidade consumidora), estabelecidos pela própria Agência mostram claramente a deterioração da qualidade dos serviços oferecidos.

    Como exemplo ilustrativo, vejamos o caso da Companhia Energética de Pernambuco (Celpe), que detém a concessão para distribuição de energia elétrica em todos os municípios do Estado de Pernambuco, regulado pelo Contrato de Concessão n° 26, firmado em 30 de março de 2000, com vigência até 30 de março de 2030. O Grupo Neoenergia, na distribuição de energia, controla as distribuidoras Coelba (Bahia) e Cosern(Rio Grande do Norte), além da própria Celpe (Pernambuco).

    Desde o ano de 2000 é publicado o Índice Aneel de Satisfação do Consumidor – IASC, resultado de pesquisa junto ao consumidor residencial que a Agência realiza todo ano, para avaliar o grau de satisfação dos consumidores residenciais com os serviços prestados pelas distribuidoras de energia elétrica. A pesquisa abrange a área de concessão das distribuidoras no País, sendo realizadas em torno de 19.500 entrevistas.

    Na tabela abaixo é mostrada a evolução desde o ano 2000, o IASC da Celpe, da média das distribuidoras no Brasil, e como referencia internacional, comparado com o valor médio das empresas distribuidoras de energia elétrica dos Estados Unidos da América (EUA).

    Ano

    2000

    2001

    2002

    2003

    2004

    2005

    2006

    2007

    2008

    2009

    2010

    20111

    2012

    2013

    20142

    Celpe

    62,2

    62,6

    65,5

    65,4

    60,9

    55,3

    61,5

    61,7

    65,3

    64,3

    63,4

    61,7

    53,9

    57,4

    Brasil

    62,8

    62,2

    64,5

    63,6

    58,9

    61,4

    60,5

    65,4

    62,6

    66,7

    64,4

    61,5

    60,4

    67,7

    EUA

    69,0

    73,0

    72,0

    73,0

    72,0

    73,0

    74,0

    74,0

    74,0

    76,7

    77,4

    76,0

    Fonte: Agencia Nacional de Energia Elétrica (Aneel)
    1 Resultado do IASC não foi divulgado.       2 Relatório divulgado em novembro.

    A tabela mostra que na opinião dos consumidores não houve uma crescente satisfação com relação a qualidade do serviço. As promessas da privatização em relação à melhoria da qualidade dos serviços não foram alcançadas, pelo contrário, os serviços prestados, conforme este índice se deteriorou ao longo dos últimos 14 anos. E se compararmos com os EUA ai sim fica mais evidente a baixa qualidade do serviço elétrico prestado ao povo pernambucano.

    O ranking da continuidade do serviço elétrico fornecido pelas distribuidoras, elaborado pela Agencia Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) é publicado anualmente desde 2011, constituindo um instrumento que deveria incentivar as concessionárias a buscarem a melhoria contínua da qualidade do serviço oferecido aos seus consumidores.

    Na tabela a seguir são apresentados os valores dos índices DEC e FEC, apurados e estipulados pela Aneel.

    Ano Índice DEC (horas) apurado Índice DEC (horas) estipulado* Índice FEC (interrupções) apurado Índice FEC (interrupções) estipulado*
    2011 16,79 (18º lugar) 18,56 6,83 (8º lugar) 15,80
    2012 19,31 (23º lugar) 17,41 8,06 (13º lugar) 13,96
    2013 22,04 (25º lugar) 12,41 8,31 (14º lugar) 16,66

    É nítida a queda continua destes indicadores ao longo dos últimos anos, resultando no decréscimo na classificação da Companhia no ranking nacional.

    A tabela abaixo mostra o Indicador de Desempenho Global de Continuidade- DGC, e as respectivas colocações da Celpe no ranking desde que começou a ser divulgado. Nos anos 2011, ficou em 4º lugar entre 33 concessionárias; e em 2012 e 2013 ficou classificada em 16º e 24º lugar entre 35 concessionárias.

     

    Ano

    DGC

    Classificação

    2011

    0,67

    4º lugar (entre 33 distribuidoras > 1TWh)

    2012

    0,84

    16º lugar (entre 35 distribuidoras > 1TWh)

    2013

    0,99

    24º lugar (entre 35 distribuidoras > 1TWh)

    Verifica-se um decaimento vertiginoso do desempenho da empresa de 2011 a 2013.

    Por outro lado os indicadores econômicos e financeiros da Celpe apontam para resultados grandiosos, uma evolução crescente no Ebidta (lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização), mesmo diante da crise.

    Ebtidta (R$ milhões)

    2000

    2001

    2002

    2003

    2004

    2005

    2006

    2007

    2008

    2009

    2010

    2011

    2012

    2013

    2014

    169,1

    256,8

    160,3

    250,1

    265,3

    388,4

    430,3

    584,1

    692,2

    911,5

    723,5

    568,8

    224,0

    366,4

    463,7

    Com relação ao lucro líquido os ganhos foram extraordinários no período analisado. Somente os lucros nos primeiros 8 anos da privatização foram superiores ao valor leiloado e pago pela empresa (R$ 1,8 bilhões).

    Lucro líquido (R$ milhões)

    2000

    2001

    2002

    2003

    2004

    2005

    2006

    2007

    2008

    2009

    2010

    2011

    2012

    2013

    2014

    50,4

    135,6

    12,9

    97,9

    76,7

    134,8

    217,8

    311,5

    466,3

    586,9

    448,3

    283,4

    -29,3

    106,8

    129,9

    Do ponto de vista econômico e financeiro se constata que a empresa vai muito bem. Todavia seus clientes sofrem com as sucessivas interrupções no fornecimento de energia.

    Outra informação interessante a ser destacada é sobre o levantamento realizado pela Associação Brasileira das Distribuidoras de Energia Elétrica (Abradee), sobre a segurança. Nas 63 distribuidoras do país, acidentes com fios da rede elétrica mataram 317 pessoas em 2013, e acidentaram 841.

    A tabela a seguir mostra no Brasil de 2001 a 2013 os acidentes e as mortes causados pela fiação elétrica. A análise dos números dos últimos treze anos (de 2001 a 2013) indica no período uma média anual de 924 pessoas acidentadas, e de 322 mortes.

    2001

    2002

    2003

    2004

    2005

    2006

    2007

    2008

    2009

    2010

    2011

    2012

    2013

    1046

    1020

    1033

    1057

    923

    907

    942

    925

    815

    817

    856

    830

    841

    341

    357

    350

    334

    316

    306

    327

    329

    295

    305

    315

    297

    317

     

    Em Pernambuco a Agência Reguladora do Estado de Pernambuco (ARPE), apontou que em 2012 houve 31 óbitos por choque em rede elétrica, em vias públicas, uma média de quase três por mês. As ocorrências renderam à Companhia Energética de Pernambuco (Celpe) multa de R$ 3,1 milhões. A evolução dos óbitos (em Pernambuco) causados por choque elétrico na fiação da Celpe pode ser vista na tabela a seguir.

    2008

    2009

    2010

    2011

    2012

    2013

    2014 |*

    18

    18

    16

    31

    18

    13

    3

    *| Até fevereiro

    Desta breve analise da empresa Celpe desde sua privatização, evidencia a deterioração ao longo dos anos dos serviços prestados a população pernambucana. Daí os aumentos nas tarifas serem uma recompensa a ineficiência. Ou seja, um estímulo governamental para que quanto pior seja o serviço prestado, melhor seja remunerado.

    Portanto, precisamos de respostas/explicações a esta situação esdrúxula. Não se pode admitir que a empresa reajuste suas tarifas, mantendo a qualidade dos serviços aquém do estipulado pela própria Aneel.

    Nas tarifas elétricas neste ano os consumidores já tiveram dois reajustes para aumentar o caixa das concessionárias. O primeiro referente às bandeiras tarifárias, e o segundo o reajuste extraordinário concedido pela Aneel. E agora, no caso da Celpe, novo reajuste no final de abril, correspondendo ao promovido anualmente. É muito para o consumidor que sofre com a péssima qualidade do serviço prestado pela Companhia. Como pode as tarifas aumentar tanto e a qualidade dos serviços diminuírem tanto?

    Heitor Scalambrini Costa é professor da Universidade Federal de Pernambuco

     

  • Abertura da saúde para capital estrangeiro ameaça princípios do SUS

    Abertura da saúde para capital estrangeiro ameaça princípios do SUS

    SUS-charge-DukeCobertura Universal de Saúde, um nome aparentemente inofensivo que oculta um plano perigoso de ajuste estrutural contra trabalhadores e usuários. No Brasil, tudo indica que essa proposta começou a ser posta em prática no apagar das luzes de 2014, quando a Câmara de Deputados aprovou a Medida Provisória 656 autorizando a entrada de capital estrangeiro no setor, antes proibida pela Lei 8.080/90.

    Faltam cerca de R$ 50 bilhões de reais por ano à saúde no Brasil¹. Nosso país gastou em média 9,2% do PIB com saúde entre 2000 e 2001, segundo os últimos dados publicados pelo Ministério da Saúde². É um valor baixo. Praticamente a metade do que investe os Estados Unidos e menos do que França e Alemanha. É baixo também em relação ao que estabelece a Constituição Federal de 1988 e os 12% do PIB propostos pela Emenda Constitucional Nº 29 — que a bancada do governo no Congresso não aceita porque exige a aprovação simultânea de um outro projeto definindo uma nova fonte de recursos para substituir a Contribuição Provisória Sobre Movimentação Financeira (a CPMF, que, aliás, enquanto vigorou, não foi destinada para a saúde). O problema é que a alegada falta de recursos públicos pode se converter em justificativa para o governo brasileiro ceder às pressões do setor privado, como vem defendendo o organismo das Nações Unidas (ONU) para a saúde, a OMS.

    Um forte indício de que as ideias privatizadoras defendidas pela OMS já andam circulando nos gabinetes de Brasília foi a aprovação, no final de dezembro de 2014, da MP 656. Segundo o texto aprovado, hospitais públicos e privados poderão abrir-se ao capital estrangeiro. Quer dizer, agora os hospitais brasileiros podem ser adquiridos por fundos privados estrangeiros que exploram o “negócio” da saúde mediante o lançamento de ações nas bolsas de valores de todo o mundo em busca de rendas elevadas, em negócios de risco. O que eles não dizem é que o maior risco é para a população usuária desses hospitais ou serviços.

    A inspiração da nova legislação brasileira deve ser buscada na sede da OMS, em Genebra, na Suíça, e seu projeto de Cobertura Universal de Saúde. A diretora-geral da Organização, Margaret Chan, diz que a proposta tem por objetivo dar proteção financeira aos mais pobres. Porém, especialistas brasileiros, como o Professor Luiz Facchini (UFPel), advertem que a proposta esconde atrás de si o entendimento de que o direito à saúde pública deve ser restringido. Essa também é a opinião da Associação Latino-Americana de Medicina (Alames) para quem a proposta de Cobertura Nacional da Saúde segmenta a população de acordo com seu poder aquisitivo, restringindo os investimentos públicos ao atendimento apenas da parcela mais vulnerável da população, deixando o restante da sociedade entregue a planos privados³.

    A adesão da OMS a uma proposta como a Cobertura Nacional da Saúde deve-se aos financiamentos de fundações privadas que a Organização depende para sobreviver desde o final dos anos 1990. Atualmente, cerca de 76% dos seus recursos provém de doações voluntárias deste tipo de fundação privada. Esse fato é o que explica a redução da liberdade da OMS para defender políticas equitativas de saúde, analisa o historiador Marcos Cueto, da Casa Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz). Além disso, a influência do Banco Mundial na OMS tem feito com que governos de países endividados aceitem a proposta como uma forma de obter recursos internacionais, indica o pesquisador.

    Há quem pense que privatizar a saúde pode ser uma solução para o subfinanciamento e para melhorar o atendimento de saúde oferecido pelo SUS à população. A realidade, porém, é outra. Em 2014, 54,3% dos recursos aplicados em saúde já foram privados, contra 45,7% que tiveram origem pública. Isso não representou melhora na prestação dos serviços em geral. Ao contrário, só neste mês de fevereiro de 2015, a Agência Nacional de Saúde suspendeu a comercialização de 70 planos de saúde privados por descumprimento de prazos máximos para atendimento ou negativas indevidas de coberturas.

    Por isso, os trabalhadores da saúde e a sociedade em geral que, em Junho de 2013, clamaram por uma saúde Padrão FIFA devem estar alertas para esse risco de mais um ataque ao SUS, agora disfarçado de ajuda aos mais pobres. A Cobertura Nacional da Saúde e a abertura do setor ao capital estrangeiro são, na verdade, uma estratégia das grandes empresas privadas do setor farmacêutico e das gestoras de fundos de investimentos de elevação de seus lucros explorando a saúde da população. E nisso estão sendo apoiadas pela OMS e encontrando representantes eficientes no governo e no Congresso brasileiros. Aliados, os políticos e empresários do setor querem excluir grande parte da população do seu direito inalienável à saúde garantido pela Constituição brasileira e pelos princípios da universalidade, integralidade e equidade que fazem do SUS um sistema com bases democráticas pelos quais é preciso lutar para preservar e ampliar.

    ¹ Fonte: A informação é do ex-ministro da Saúde, José Gomes Temporão, em entrevista ao Valor Econômico Setorial Saúde, publicada em agosto de 2014.
    ² Fonte: World Health Statistics, 2014.
    ³ Ver reportagem especial publicada pelo jornal Brasil de Fato, edição dos dias 11 a 17 de dezembro de 2014.

    Carla Ferreira é jornalista, Dra. em História e vice-coordenadora do Núcleo de História Econômica da Dependência Latina-Americana – HEDLA/UFRGS

  • 22 de Março: Pouco para Comemorar, Muito por Lutar!

    22 de Março: Pouco para Comemorar, Muito por Lutar!

    Alexandre Araújo Costa
    Alexandre Araújo Costa

    É quase certo que em nenhum momento desde que foi instituído em 1993, a passagem do Dia Mundial da Água de 2015 se dê em um momento globalmente tão crítico no que diz respeito a esse bem natural essencial à vida no planeta.

    Secas praticamente sem precedentes têm assolado locais tão diversos quanto o Nordeste e o Sudeste brasileiros, a Califórnia, o Irã, a China. Há indícios de confirmação de uma mudança significativa no comportamento físico da atmosfera terrestre que, aquecida com a presença em excesso de CO2 e outros gases de efeito estufa, torna-se capaz de “armazenar” uma quantidade maior de vapor d’água. Esse fato, além de amplificar o próprio aquecimento global (já que o vapor d’água é, em si, um gás de efeito estufa), exacerba secas e enchentes, prolonga períodos de estiagem e produz supertempestades. Afinal, um reservatório maior precisa de mais água para “encher” e despeja uma maior quantidade de água de uma vez só quando é “esvaziado”.

    Mas os impactos desse ensaio do que pode vir a ser um conjunto muito mais severo de consequências das mudanças climáticas não deveriam ser tão duros sobre a população, pelo menos neste momento. Parte da falta de água chegando aos reservatórios não somente no Brasil mas em vários locais do mundo se deve a outro tipo de interferência humana no ambiente, tão desastrosa quanto. Refiro-me ao desmatamento que destrói matas ciliares e nascentes e que retira, em determinados locais, uma fonte importante de umidade para a atmosfera, a evapotranspiração promovida pela cobertura vegetal, que bombeia, a partir de seu sistema de raízes, a água armazenada em camadas mais profundas do solo. Por fim, a água disponível é utilizada em gigantescas proporções pela agricultura irrigada, em sua maioria por monoculturas que ou não são alimento ou são alimento para exportação, e pela indústria pesada, como a geração de energia por termelétricas, a mineração, siderúrgicas etc.

    A apropriação da água como insumo por parte de setores como o latifúndio e a grande indústria faz com que o consumo doméstico, humano, torne-se quase insignificante. Globalmente, a proporção é tipicamente de aproximadamente 70% para agricultura (majoritariamente agronegócio), 20% para a indústria e somente 10% para consumo humano. A pressão exercida por esses setores capitalistas nas políticas públicas, incluindo outorgas de água, faz com que um prioridade para este último, estabelecida pela legislação de diversos países, inclusive a brasileira, e considerada direito humano fundamental por assembleia da ONU, seja abertamente violada.

    No Brasil, segundo dados da Agência Nacional de Águas (a ANA),  72% da vazão consumida total de água doce no Brasil, de 1161 metros cúbicos por segundo, é apropriada pela demanda de irrigação, enquanto o abastecimento urbano responde por meros 9%. Mais estarrecedor é o fato de que embora nossa população em 4 anos tenha crescido apenas 3,8%, a demanda pela água tenha aumentado numa velocidade quase 5 vezes maior, também segundo a Agência Nacional de Águas. Nesse mesmo período, a vazão consumida em atividades industriais cresceu 13%. Aquela associada à irrigação, em sua esmagadora maioria o agronegócio centrado em monoculturas de exportação, cresceu 23%. Nada menos que 88% da demanda extra que surgiu nos últimos anos está na conta do agronegócio. Nós, moradores da cidade e do campo, pequenos agricultores; nós, os 99% da população não somos os responsáveis pela crise hídrica e é inadmissível que seja sobre nós que recaia o ônus a ela associado.

    Tamanho teatro do absurdo pode ser resumido em uma única expressão: injustiça hídrica. E é pelo fim dessa injustiça que precisamos urgentemente de um novo horizonte para a política de recursos hídricos, livre do jugo do capital. Água é direito humano, é suporte à vida, não é mercadoria!

    O Brasil precisa urgentemente de um programa com base no princípio de justiça hídrica. Isso inclui a gestão transparente e radicalmente democrática da água, em que a vida esteja no centro, e não o lucro, fim dos subsídios às grandes empresas consumidoras intensivas de água, reversão dos processos de privatização das companhias de gestão de águas e de gerenciamento do abastecimento e saneamento públicos, prioridade efetiva para os pequenos agricultores e para o abastecimento humano, o fim do desmatamento e a recuperação de nascentes e matas ciliares e uma radical mudança na política energética (priorizando renováveis, principalmente a energia solar residencial) para poupar a água dos reservatórios, usada não apenas por hidrelétricas, mas consumidas em grande escala por termelétricas movidas a combustível fóssil.

    Alexandre Araújo Costa é professor titular da Universidade Estadual do Ceará

  • Efeitos começam a aparecer

    Efeitos começam a aparecer

    educacao-chargesÉ sabido por todos que, no seu segundo mandato, Dilma decidiu cumprir o programa que criticava em seu adversário, começando com a nomeação de um neoliberal convicto pro comando da economia (Joaquim mãos de tesoura) e depois anunciando um conjunto de medidas de cortes de recursos orçamentários, reajuste das tarifas públicas, combustíveis e retirada de direitos trabalhistas.

    Porém, para muitos educadores, mesmo o corte de 7 bilhões no orçamento do Ministério da Educação, os efeitos nefastos das medidas recessivas e cortes de gastos públicos ainda não eram visíveis.

    Esta semana tem ajudado a materializar estes efeitos e, quem sabe, despertar mais pessoas para a necessidade de serem realizadas mobilizações contra o ajuste fiscal em curso. Duas notícias publicadas no dia de hoje mostram claramente do que tenho falado aqui neste espaço.

    A primeira relata o conflito de pais e alunos com seguranças na frente do Colégio de Aplicação da universidade Estadual do Rio de janeiro – UERJ, As aulas estão sendo continuamente adiadas por falta de verbas para manutenção e pagamento de pessoal da limpeza (http://migre.me/oYKWW).

    A outra notícia, referente ao corte de terceirizados na Universidade Federal de Goiás (UFG) é apenas a ponta de um gigantesco iceberg (http://migre.me/oYL8s). O que a Federal de Goiás está fazendo vai ser um dos caminhos trilhados por muitas universidades federais, cujos orçamentos foram tesourados e precisam manter o que pode ser dito como “essencial” para o seu funcionamento e se perguntam o que podem cortar. E é fácil entender o que pode (mas não deveria ser) cortado: gastos com terceirizados, com custeio, com bolsas, com assistência estudantil, tudo que não paralise por completo o funcionamento da docência, mesmo que o torne muito mais precário.

    O mais grave é que a paralisia da economia, motivada pelo tratamento de choque fiscal do governo federal, afetará a arrecadação de ICMS (que desce ou sobe a depender do consumo da população) e as dificuldades se alastrarão para estados e municípios (basta ver a situação das estaduais do Paraná, para ficar apenas em um exemplo).

    Ao contrário do que a presidenta Dilma afirmou em seu pronunciamento, as medidas anunciadas de ajuste fiscal não estão sendo repartidos igualitariamente por todos os segmentos da sociedade. Muito pelo contrário. Quem vai perder o emprego é o trabalhador. Quem vai pagar mais caro pelo transporte é o trabalhador. Quem vai comprar alimentos mais caros é o trabalhador. E quem vai receber serviços públicos precarizados é o trabalhador e sua família.

    Quando o governo atrasou um pouquinho o repasse dos recursos das bolsas do Pronatec, bastaram algumas matérias na imprensa para o problema ser resolvido. A mesma coisa com o atraso no FIES. Quem possui entrada na mídia e financia campanhas eleitorais consegue ver atendidas as suas reivindicações de imediato.

    Fonte: Blog do Luiz Araújo, quarta-feira, 11/03/2015

  • Crise hídrica e falta de governança: sintomas de um problema crônico do Brasil.

    Crise hídrica e falta de governança: sintomas de um problema crônico do Brasil.

    Entrevista especial com Eduardo Assad

    “Tem gente comprando piscinas de plástico e carro-pipa. Quando se imaginou que chegaríamos a uma situação dessas?”, questiona o pesquisador da Embrapa.

    cantareiraA resolução da crise hídrica de São Paulo depende, estruturalmente, de um projeto de revegetação dos 34 mil hectares desmatados em torno do Sistema Cantareira, defende Eduardo Assad, pesquisador da Embrapa. Segundo ele, cálculos baseados em estudos científicos apontam para a necessidade de plantar em média 800 mudas de árvores por hectare, totalizando 30 milhões de mudas em torno da Cantareira. “Se fizer a regeneração com novas mudas, a água volta em cinco anos”, garante, em entrevista concedida à IHU On-Line por telefone.

    O pesquisador afirma que se um plano emergencial não for posto em prática, com a previsão de menos chuvas para este ano, a tendência é de que a crise fique ainda mais acentuada, correndo-se o risco de falta de abastecimento em julho. Ele explica que por conta das mudanças climáticas, nos últimos cinco anos, em Campinas, houve uma redução na quantidade de chuvas, e a média anual de 1.600 milímetros de chuva caiu para 1.200, embora no último ano o registro tenha sido de 900 milímetros. “Essa é uma quantidade de chuva de transição entre agreste e semiárido”. Diante desse cenário, alerta, é preciso “iniciar imediatamente a manutenção da distribuição na área urbana, e isso inclui o início imediato da revegetação. Obviamente a transposição também é necessária, porque o paciente está na UTI, porque do contrário em julho não haverá água. Eu não sou contra a transposição, mas sou contra falar só em transposição. Falar apenas nisso é olhar o problema de um lado só, quando vários pontos precisam ser observados”, pontua. E adverte: “Para ter a solução no curto prazo, essas obras têm de ser feitas, mas deve-se tirar água de onde tem, e o rio Paraíba do Sul está sem água. Esse problema está interconectado, e se mexerem nisso desse jeito, a crise vai chegar no Rio de Janeiro”.

    Eduardo Assad também critica a falta de planos de emergência para vislumbrar alternativas diante da crise. “Quando há alertas como esse, a primeira coisa a fazer é criar os planos de contingência – não quando a crise começa, mas cinco ou seis anos antes, prevendo uma possível crise, porque pode, sim, chover menos, e tudo tem indicado isso”. Ele lembra que em 2011 a Agência Nacional de Águas – ANA “publicou um relatório em Brasília dizendo que em 2015 – e não era bola de cristal – haveria problemas de abastecimento em mais da metade dos municípios brasileiros, incluindo São Paulo. E ninguém fez nada. Então, para que servem esses estudos se eles alertam e ninguém faz nada?”, pergunta. E acrescenta: “Nessa hora não devemos poupar críticas: sim, os políticos estão aí para resolver os problemas da população. Nós pagamos impostos para que os serviços públicos sejam bons, e não para ficar passando aperto e nesta situação de insegurança em função de serviços que não foram feitos”.

    De acordo com o pesquisador, as perspectivas para o futuro não são boas e a crise pode atravessar o país. “O Rio Grande do Sul precisa abrir o olho, porque está numa situação muito crítica, além de Minas Gerais, parte da região de Goiás, sul do Maranhão, sul do Mato Grosso do Sul e a já crônica região do agreste nordestino e Bahia. A crise está geral, mas os mais críticos são os estados do Sudeste: São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro”, conclui.

    Eduardo Delgado Assad é graduado em Engenharia Agrícola pela Universidade Federal de Viçosa, mestre e doutor em Montpellier, França. É pesquisador da Embrapa desde 1987 atuando inicialmente no Centro de Pesquisa Agropecuária dos Cerrados – CPAC. Foi coordenador da Área de Recursos Naturais da Embrapa Cerrados, Secretário Executivo do Programa de Recursos Naturais da Embrapa e chefe de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Cerrados. Durante o período de 1993 a 2006 foi o coordenador técnico nacional do Zoneamento Agrícola de Riscos Climáticos do Ministério da Agricultura. Posteriormente, criou e coordenou a sub-rede clima e agricultura da rede clima do MCT&I até 2013. É membro do comitê científico do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas e em 2011 foi Secretário de Mudanças Climáticas e Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente. Atualmente também é professor do curso de mestrado em Agronegócio da Fundação Getulio Vargas.

    Confira a entrevista.

    IHU On-Line – Qual é a atual situação do Sistema Cantareira? Quais as causas próximas e as distantes que afetaram o sistema?
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    Eduardo Assad – É uma sucessão de erros, e isso não vem de hoje. Há um dimensionamento muito bom do Sistema Cantareira para atender a cidade de São Paulo, mas acontece que, em primeiro lugar, houve uma expansão urbana muito grande no Sistema Cantareira e nos 12 municípios em volta dele. Essa expansão provocou a impermeabilização do solo, o que evita que a água infiltre e reabasteça os reservatórios. Essa é uma das situações mais complicadas. Por outro lado, houve um desmatamento muito grande em volta das nascentes e ao longo dos rios de toda a rede de drenagem da Cantareira, e esse desmatamento gerou erosão – há muita erosão e, portanto, a água escorre e não infiltra; logo, não reabastece o sistema.

    Na discussão do Código Florestal, houve aquela questão sobre a proteção de Áreas de Preservação Permanente – APPs, que foi absolutamente inócua e ninguém levou em consideração a questão hídrica da biodiversidade, do ecossistema. Esse ecossistema que está em volta das matas ciliares e galerias é frágil. Se mexer ali, desregula todo o ecossistema e mata a nascente. Matando a nascente, não brota água, se não brota água, não é possível abastecer o sistema.

    Mudanças climáticas

    O outro problema é que estamos tendo um aumento muito forte das temperaturas no Brasil inteiro. Apesar de alguns colegas e do Ministro de Ciência e Tecnologia questionarem as mudanças climáticas, há um aumento crescente da temperatura e um aumento forte das ondas de calor, que provocam uma alta de evaporação. Então, se não tem vegetação, perde-se mais água para a atmosfera – e isso acontece com todos os sistemas, não somente com o da Cantareira. Além disso, todos os cálculos realizados para esse tipo de sistema de abastecimento urbano são feitos em cima de séries de chuvas estacionárias, são séries cujos valores oscilam em torno de uma mesma média ao longo de 40, 50 anos. Acontece que, podendo ou não ser efeito do aquecimento global, estamos mostrando que essas séries não são mais estacionárias e em muitos casos essa média está reduzindo.

    Então, quando há alertas como esse, a primeira coisa a fazer é criar os planos de contingência – não quando a crise começa, mas cinco ou seis anos antes, prevendo uma possível crise, porque pode, sim, chover menos, e tudo tem indicado isso. Vou dar um exemplo real: em Campinas, nos últimos cinco anos, essa média despencou de 1.600 para 1.200 milímetros. No ano passado, choveu 900 milímetros em Campinas. Essa é uma quantidade de chuva de transição entre agreste e semiárido, quer dizer, houve uma redução muito forte da quantidade de chuva. Isso não significa que vai continuar assim, mas temos de ficar alertas para essa oscilação na quantidade de oferta de água e, em cima disso, criar os planos de contingência.

    “Se não tem vegetação, perde-se mais água para a atmosfera – e isso acontece com todos os sistemas, não somente com o da Cantareira”

    Desperdício de água

    Outros problemas são da ordem da engenharia, tais como manutenção da rede, redução de perdas, controle correto de uso da água, campanhas de esclarecimento para a população sobre o uso da água. Fico impressionado porque não vejo nenhuma campanha do governo explicando para a população como tem de usar a água corretamente. Aliás, diga-se de passagem, parabéns à população de São Paulo, que está dando uma aula ao governo e mostrando como se faz para economizar água. A população está economizando por conta própria, sem orientação. A única campanha que se vê é a que está no metrô. O governo deveria estar fazendo, desde agosto, uma campanha muito grande, mas as ações estão acontecendo somente por conta da população.

    Pela avaliação que fizemos, temos hoje na Cantareira mais ou menos 8.100 Km de rio, nos 12 municípios que circundam o sistema, e 34 mil hectares desmatados na beira dos rios. Não há sistema de abastecimento de água para uma cidade de 22 milhões de habitantes que suporte uma situação dessas.

    IHU On-Line – Segundo notícias da imprensa, um estudo de 2009 da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo – Sabesp mostrou que não havia assoreamento na Cantareira. O senhor conhece esse estudo?

    Eduardo Assad – Eu gostaria de ver esse estudo, porque as imagens de satélite mostram exatamente o contrário: muito desmatamento, e se não houvesse assoreamento, a água não estaria marrom. Quando se tem água marrom e não se tem água azul, é porque está vindo sedimento. E se está vindo sedimento, tem erosão. Não estou questionando esse estudo, mas gostaria de ver quais parâmetros eles utilizaram para dizer que não havia erosão.

    IHU On-Line – O que o governo de São Paulo poderia ter feito para prevenir a crise? Quais medidas poderiam ter sido tomadas para minimizar os danos?

    Eduardo Assad – Fazer o que o mundo todo faz. Nova York, por exemplo, comprou terras acima da cidade e as revegetou, começou a proteger as suas nascentes. No município de Extrema, em Minas Gerais, tem um trabalho muito bom sendo desenvolvido, onde quando ocorreram as primeiras chuvas, as águas voltaram a nascer nas nascentes. E é claro que quando se protegem as nascentes você consegue fazer isso. O Código Florestal prevê ações preventivas e, portanto, algumas delas já deveriam ter sido feitas, como, por exemplo, cercar as áreas ao longo dos rios, das matas ciliares para permitir a revegetação, e a proteção das nascentes para permitir que a água brote e, principalmente, evitar a perda de água, porque há uma perda acentuada de água por falta de manutenção do sistema. É complicado, porque pagamos um imposto altíssimo e não há manutenção no sistema de distribuição.

    Essas coisas deveriam ser feitas. Por que não foi feito um plano de contingência? Todo mundo sabia que iria faltar água. Em dezembro de 2014 nós nos reunimos no Jardim Botânico, em São Paulo, e elaboramos a carta de São Paulo, que foi publicada na revista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – Fapesp, na qual apontamos a razão dessa crise. Agora, não criar saídas, não buscar financiamentos, não fazer planos com os municípios, não discutir melhor o zoneamento urbano para evitar expansão de condomínios em cima de áreas frágeis, tudo isso demonstra uma falta de governança deste e de todos os governos. Esse é um problema crônico do Brasil.

    Além disso, em 2011 a Agência Nacional de Águas – ANA publicou um relatório em Brasília dizendo que em 2015 – e não era bola de cristal – haveria problemas de abastecimento em mais da metade dos municípios brasileiros, incluindo São Paulo. E ninguém fez nada. Então, para que servem esses estudos se eles alertam e ninguém faz nada? Nessa hora não devemos poupar críticas: sim, os políticos estão aí para resolver os problemas da população. Nós pagamos impostos para que os serviços públicos sejam bons, e não para ficar passando aperto e nesta situação de insegurança em função de serviços que não foram feitos. A situação é séria e não me interessa se a culpa é do partido A, B ou C. O que estamos vendo no Brasil é que todos os partidos têm, em suas gestões, problemas de desabastecimento de água.

    IHU On-Line – O senhor está entre os especialistas que propõem o plantio de 30 milhões de mudas para recompor a mata ciliar em 34 mil hectares. Que resultado se espera com esse plantio e a partir de quando ele terá efeito sobre o Sistema Cantareira?

    Eduardo Assad – Esse cálculo é baseado em estudos científicos. Fizemos um cálculo de plantar 800 mudas por hectare, mas um grupo em São Paulo propõe um pouco mais, principalmente na Mata Atlântica. Esse é o estudo completo, mas se você considerar que todos os 34 mil hectares estão na mesma situação de capacidade de resiliência e regeneração zero, então tem que plantar 30 milhões de mudas.

    O professor Ricardo Rodrigues, que é especialista em regeneração, já falou que talvez não seja necessária a regeneração cheia, e que 50% do plantio já seria o suficiente. Assim, o restante da regeneração seria feito com 25% de replantio moderado, 25% de proteção, cercando algumas áreas. Existem seis ou sete técnicas diferentes para fazer essa regeneração, mas devido ao problema e a sua gravidade, sugerimos que se faça o plantio de mudas. Seguindo a conta do professor Ricardo Rodrigues, vão se plantar 20 milhões de mudas, mas eu estou propondo 30 milhões. Com essa revegetação e um cuidado em volta das nascentes dos rios, aos poucos a vegetação vai voltar. Se fizer a regeneração com novas mudas, a água volta em cinco anos. Se só cercar a área em torno das nascentes, vai levar mais tempo para a água voltar, por conta de outros fatores. Agora, é preciso fazer um plano detalhado para cada município e detalhar como essas ações serão feitas, qual será o custo, quem vai pagar, etc.

    Estou acompanhando um exemplo muito bom no Espírito Santo em torno do Programa Estadual de Ampliação da Cobertura Vegetal – Reflorestar, que consiste no financiamento da revegetação para o produtor rural. Então, se o produtor faz uma revegetação com plantio, eles financiam 7.600 reais o hectare e depois o agricultor vai receber um pagamento por serviço ambiental de 200 reais por ano. Se o produtor faz a regeneração natural, ou seja, cerca a área e deixa que a vegetação volte, eles pagam 2.400 reais e 191 reais por ano por serviços ambientais. Se o produtor faz um sistema agroflorestal, com produção em cima, ele recebe 8 mil reais, mas não recebe por serviço ambiental, porque terá movimentação. Ou seja, eles criaram um sistema em que é possível revegetar a área e o produtor recebe por isso. Por que não podemos fazer algo parecido em São Paulo?

    Além disso, diversos programas de baixa emissão de carbono possuem, no seu programa de financiamento, recursos para a revegetação de matas de galerias e nascentes. Então, temos tudo na mão. Por que não se faz? Alguém tem de fazer um estudo detalhado e dizer como as coisas vão ser feitas. É só proteger as áreas de beira de rios para que elas não sejam invadidas e a água vai voltar. Tenho ajudado alguns produtores e, somente cercando em volta das nascentes dos rios, em um ano, a água voltou a brotar porque o gado deixou de pisar nas áreas de nascente. Mas qual é o problema de fazer isso? É por que não é obra? É por que não aparece? É por que político só faz obra em cima da terra e não embaixo? Isso é muito antigo, o mundo mudou.

    O cálculo aproximado do professor Ricardo é de que o custo da revegetação seja de 200 milhões de reais. O governo está fazendo uma transposição de dois bilhões e meio. Só se pensa em obras neste país?

    IHU On-Line – As duas principais propostas do governo de São Paulo são fazer a transposição do Rio Parnaíba do Sul e usar a água da represa Billings. Como o senhor vê essas propostas?

    Eduardo Assad – Essas são soluções de engenharia. O paciente está na UTI, então é preciso alternativas de curtíssimo prazo para resolver a situação. A nossa sugestão, por outro lado, é de longo prazo e duradoura, é estruturante, e se fizerem o trabalho direito, vai durar para sempre, ao contrário das obras de engenharia que, como já estão mostrando, são iniciativas que se esgotam. Para ter a solução no curto prazo, essas obras têm de ser feitas, mas deve-se tirar água de onde tem, e o rio Paraíba do Sul está sem água. Esse problema está interconectado e se mexerem nisso desse jeito, a crise vai chegar no Rio de Janeiro.

    “É como se fosse um mito o governo assumir que está com problemas”

    Não sou contra soluções de curto prazo, mas o fato é que o governo deveria estar fazendo maior esforço em relação à manutenção e à redistribuição. Não se pode permitir, num momento de crise, perder 30% de água por problema de manutenção de rede. Em segundo lugar, temos de assumir que estamos em crise e fazer campanhas de economia de água, e não dar entrevistas dizendo para as pessoas comprarem mais uma caixa d’água. É como se fosse um mito o governo assumir que está com problemas.

    IHU On-Line – O senhor iniciou a entrevista dizendo que a expansão urbana foi uma das causas que gerou a atual crise. O que fazer em relação a essa expansão?

    Eduardo Assad – Esse é um problema crônico no Brasil. Há uma concentração de população nos grandes centros urbanos e essa expansão foi feita de maneira errada. Como podemos permitir que em Petrópolis morram mil pessoas porque o rio inundou e as casas estavam construídas em áreas de preservação permanente? Como podemos permitir um negócio desses? Mil pessoas morreram e nós esquecemos.

    Em São Paulo acontece o mesmo: a cidade vai se expandindo. A questão imobiliária é um problema. Eu me pergunto se os estudos de zoneamento urbano são respeitados. Não sei dizer, mas estamos vendo um desordenamento no crescimento das cidades e a especulação imobiliária tem sido enorme. E é óbvio que nesse cenário vai faltar água, energia, hospitais.

    IHU On-Line – Que medidas devem ser feitas agora para garantir o abastecimento urbano diante da oscilação da oferta de água por conta das chuvas?

    Eduardo Assad – Primeiro, iniciar imediatamente a manutenção da distribuição na área urbana e isso inclui o início imediato da revegetação. Obviamente a transposição também é necessária, porque o paciente está na UTI, porque do contrário em julho não haverá água. Eu não sou contra a transposição, mas sou contra falar só em transposição. Falar apenas nisso é olhar o problema de um lado só, quando vários pontos precisam ser observados. Tem gente comprando piscinas de plástico e carro-pipa. Quando se imaginou que chegaríamos a uma situação dessas? O governo do estado de São Paulo criou um comitê de crise e espero que ele olhe para todos os lados.

    IHU On-Line – Que relações o senhor tem evidenciado e estabelecido entre mudanças climáticas e seus impactos aos recursos hídricos, à agricultura?

    Eduardo Assad – Tenho trabalhado mais com os impactos das mudanças climáticas na agricultura. O que mais estudo é o parâmetro evapotranspiração, que equivale à evaporação do solo e transpiração das plantas. Com o aquecimento global essa evapotranspiração aumenta e tem efeito direto na oferta hídrica. Mais recentemente, um dos maiores focos de trabalho é na redução das emissões de gases de efeito estufa, na mitigação, que implica na revegetação ou sistemas de produção que sejam mais sequestradores de carbono, entre eles a revegetação de Áreas de Preservação Permanente – APPs, que tem duas vertentes importantes: sequestro de carbono e manutenção da água.

    IHU On-Line – Há risco de crise hídrica em outros estados?

    Eduardo Assad – O Rio Grande do Sul precisa abrir o olho, porque está numa situação muito crítica, além de Minas Gerais, parte da região de Goiás, sul do Maranhão, sul do Mato Grosso do Sul e a já crônica região do agreste nordestino e Bahia. A crise está geral, mas os mais críticos são os estados do Sudeste: São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.

    Fonte: IHU, 05/03/2015

  • Movimentos sociais e sociedade civil condenam projeto sobre recursos genéticos

    Movimentos sociais e sociedade civil condenam projeto sobre recursos genéticos

    Documento assinado por 80 entidades de camponeses, povos indígenas e tradicionais encaminhado ao governo critica 17 pontos de projeto de lei, entre eles a impossibilidade de negar acesso a seus conhecimentos e restrições à repartição de benefícios. ISA também apoia iniciativa

    biodiversidad33Um conjunto inédito de 80 movimentos sociais, organizações e redes da sociedade civil de todo Brasil, entre eles o ISA, divulgou, na sexta (27/2), uma carta condenando duramente o Projeto de Lei da Câmara (PLC) nº 02/2015 e a atuação do governo federal nas negociações sobre a proposta.

    Aprovado na Câmara no dia 10/2, o PLC tramita no Senado em regime de urgência e pretende facilitar o acesso de pesquisadores e indústrias aos recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade e à agrobiodiversidade.

    A carta foi entregue ao secretário executivo do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Francisco Gaetani. Representantes de agricultores familiares, povos indígenas e tradicionais exigiram que sejam ouvidos sobre o PL, que ele seja modificado e que seja retirado o regime de urgência.

    “Denunciamos o amplo favorecimento dos setores farmacêutico, de cosméticos e do agronegócio (principalmente sementeiros), a ponto de ameaçar a biodiversidade, os conhecimentos tradicionais associados e programas estruturantes para a segurança e soberania alimentares”, afirma o texto entregue ao MMA.

    Assinam o documento o ISA, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a Coordenação Nacional Quilombola (Conaq), o Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Via Campesina e Conselho Nacional de Populações Extrativistas (CNS). No dia 20/2, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) também publicou uma nota em que critica o PL .

    “Nós fomos alijados do processo. Ao pretender regulamentar o acesso ao patrimônio genético, a proposta acaba por legalizar a biopirataria”, criticou Marciano Toledo da Silva, do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA).

    “Ou o governo nos respeita enquanto povos, enquanto essa diversidade que o Brasil tem, ou nós paramos o Brasil em defesa dos nossos direitos. Esse governo não terá paz enquanto nossos direitos não forem respeitados”, advertiu Puyr Tembé, da Apib.

    Bastidores

    Na reunião, Gaetani voltou a admitir que o projeto tem problemas e que, em sua discussão, não houve participação de representantes de agricultores familiares, povos indígenas e tradicionais “na intensidade demandada”. Ele avaliou que houve desrespeito aos trâmites normais do projeto na Câmara – não foi criada uma comissão para analisá-lo nem designado oficialmente um relator – e atribuiu a isso a redução do espaço de debate sobre a proposta. Gaetani informou que o regime de urgência foi imposto pelo Palácio do Planalto, e não pelo MMA, a partir de uma “demanda do setor privado”.

    A reunião foi a última de uma série realizada pelo MMA, ao longo da semana, com os representantes dessas populações sob a justificativa de ouvi-las sobre a regulamentação do PL.

    Nos bastidores, o governo trabalha para aprová-lo o mais rápido possível e sem alterações, conforme pedido feito pela ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), também na semana passada. Se for aprovado sem mudanças, o projeto segue diretamente à sanção presidencial. Caso sejam feitas modificações, ele volta à Câmara.

    Na reunião na sexta, Gaetani negou a articulação e comentou que haveria espaço para “aprimoramentos” na proposta. “Os senadores têm toda a liberdade para discutir alterações”, disse. O secretário reconheceu fragilidades na articulação política do governo na tramitação na Câmara e que o Planalto ainda não definiu uma estratégia política de atuação no Senado. “Ainda não sabemos como abordar os parlamentares”, afirmou.

    Protocolo de Nagoya

    Dois pontos principais do texto preocupam o MMA: a possibilidade de que o Ministério da Agricultura e não apenas o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) tenha poder fiscalizatório sobre o patrimônio genético; e a possível incompatibilidade do PL com o Protocolo de Nagoya, tratado internacional que rege o assunto ainda não ratificado pelo Brasil.

    Numa coletiva no final da tarde de sexta, Gaetani sugeriu que um dispositivo do projeto de fato pode contradizer o protocolo. De acordo com a redação aprovada na Câmara, empresas que desenvolveram produtos com base no patrimônio genético antes da entrada em vigor da nova lei estariam isentas da repartição de benefícios prevista em acordos internacionais dos quais o Brasil seja parte. Na interpretação do MMA, essa isenção deveria valer apenas para produtos da agricultura e alimentação.

    O Brasil foi um dos principais apoiadores do Protocolo. Aprovar uma lei que o contradiz significaria ampliar o constrangimento diplomático já existente sobre o tema.

    Esse ponto transformou-se numa bandeira dos ruralistas na Câmara sob a justificativa de evitar que produtores rurais fossem obrigados à pagar royaltie sobre variedades de soja e milho, por exemplo, desenvolvidos em outros países. Com o forte lobby da indústria farmacêutica e de cosméticos, no entanto, a redação final acabou mantendo essa isenção para o uso de todo tipo de conhecimento tradicional.

    Original: Instituto Socioambiental – ISA, 03-03-2015
    Fonte: IHU, 05/03/2015

    CARTA CIRCULAR ABERTA

    Brasília, 27 de fevereiro de 2015
    .
    POVOS INDÍGENAS, POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS E AGRICULTORES FAMILIARES REPUDIAM PROJETO DE LEI QUE VENDE E DESTRÓI A BIODIVERSIDADE NACIONAL

    Os Povos Indígenas, Povos e Comunidades Tradicionais e os Agricultores Familiares do Brasil, representados por suas entidades e organizações parceiras
    abaixo assinadas, vêm expor o seu posicionamento sobre o Projeto de Lei n.º 7.735/2014 (atual PLC n.º 02/2015), que pretende regulamentar o acesso e a expl
    oração econômica da biodiversidade e da agrobiodiversidade brasileiras, bem como dos conhecimentos tradicionais associados. De início, registramos que os Povos e Comunidades acima mencionados estão plenamente cientes da atual ofensiva verificada no Brasil contra seus direitos fundamentais, garantidos pela Constituição Federal, pela legislação ordinária e por Tratados Internacionais ratificados pelo Brasil, contexto no qual se insere o PL n.º 7.735/2014, apresentado ao Congresso Nacional pelo governo federal em regime de urgência.

    Em razão desse cenário, que ameaça a própria existência dos Povos e Comunidades Tradicionais, informamos que as entidades representativas encontram-se unidas e mobilizadas com a determinação de lutar conjuntamente na defesa de seus direitos historicamente conquistados, os quais constituem a base da soberania e democracia constitucional do País.

    Especificamente em relação ao PL n.º 7.735/2014, que pretende anular e restringir
    nossos direitos, repudiamos a decisão deliberada do Poder Executivo de nos excluir do processo de sua elaboração, sem qualquer debate ou consulta, em violação à Convenção n.º 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), à Convenção da Diversidade Biológica (CDB), ao Tratado Internacional dos Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e Agricultura/FAO (TIRFAA) e à Constituição Federal.

    Em contraste a isso, denunciamos o amplo favorecimento dos setores farmacêutico, de cosméticos e do agronegócio (principalmente sementeiros), a ponto de ameaçar a biodiversidade, os conhecimentos tradicionais associados e programas estruturantes para a segurança e soberania alimentares, a exemplo do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), com a possibilidade inclusive de legalização da biopirataria.

    Tal cenário, reconhecido pelo próprio Governo, resultou em grave desequilíbrio no conteúdo do Projeto de Lei em questão. Além de anistiar as irregularidades e violações históricas e excluir qualquer fiscalização do Poder Público sobre as atividades de acesso e exploração econômica, o PL n.º 7.735/2014 viola direitos já consagrados na legislação brasileira, o que pode ser claramente verificado nos seguintes pontos principais:

    (1) Em relação ao acesso ao patrimônio genético e aos conhecimentos tradicionais:
    a) Deixa de prever e inviabiliza a negativa de consentimento prévio dos povos e comunidades tradicionais;
    b) Flexibiliza a comprovação do consentimento livre, prévio e informado, em detrimento da proteção de conhecimentos coletivos;
    c) Dispensa o consentimento livre, prévio e informado, para o acesso ao patrimônio genético e conhecimento tradicional associado relacionado à alimentação e agricultura; e
    d) Permite que empresas nacionais e internacionais acessem e explorem, sem controle e fiscalização, o patrimônio genético brasileiro e os conhecimentos tradicionais associados, permitindo, por exemplo, o acesso de empresas estrangeiras a bancos de sementes.

    (2) No que tange à repartição de benefícios:
    a) Prevê que apenas produtos acabados serão objeto de repartição de benefícios,
    excluindo os produtos intermediários;
    b) Restringe a repartição de benefícios aos casos em que o patrimônio genético ou
    conhecimento tradicional for qualificado como elemento principal de agregação de valor ao produto;
    c) Isenta de repartição de benefícios todos os inúmeros casos de acessos realizados anteriormente ao ano de 2000, e mantém explorações econômicas até hoje;
    d) Condiciona a repartição de benefícios apenas aos produtos previstos em Lista
    de Classificação a ser elaborada em ato conjunto por seis Ministérios;
    e) Estabelece teto, ao invés de base, para o valor a ser pago a título de repartição
    de benefícios;
    f) Deixa a critério exclusivo das empresas nacionais e internacionais a escolha da modalidade de repartição de benefícios nos casos de acesso ao patrimônio genético ou conhecimento tradicional de origem não identificável;
    g) Isenta microempresas, empresas de pequeno porte e micro empreendedores individuais de repartir benefícios; e
    h) Exclui de repartição de benefícios a exploração econômica do patrimônio genético e do conhecimento tradicional associado relacionado à alimentação e agricultura.

    (3) No que se refere às definições:
    a) Substitui o termo “povos” por “população” ao tratar de povos indígenas;
    b) Substitui o termo “agricultor familiar” por “agricultor tradicional”, em afronta à Lei 11.326/2006;
    c) Descaracteriza a definição de “sementes crioulas” contida na Lei n.º 10.711/2003;
    d) Deixa de prever que o atestado de regularidade de acesso seja prévio
    e com debates participativos sobre seus termos ao início das atividades; e
    e) Enfim, adotou conceitos à revelia dos detentores dos conhecimentos tradicionais.

    Diante do exposto, os Povos Indígenas, os Povos e Comunidades Tradicionais e os
    Agricultores Familiares do Brasil exigem o comprometimento do Governo Federal com a reversão do cenário acima denunciado, mediante a correção dos graves equívocos contidos no Projeto de Lei n.º 7.735/2014, de forma a assegurar o respeito e a efetivação dos seus direitos legal e constitucionalmente garantidos.

    Declaramos que não mais admitiremos a postura antidemocrática e o engajamento político do Governo Federal, associado aos interesses empresariais e outros, em direção à expropriação da biodiversidade e da agrobiodiversidade brasileiras e dos conhecimentos tradicionais associados.

    Reafirmamos, por fim, a nossa determinação de continuar unidos, mobilizados e dispostos a manter-nos em permanente luta na defesa de justiça e de nossos direitos
    .
    Assinam a presente carta
    :
    1. Amigos da Terra Brasil
    2. Articulação do Semiárido–ASA Brasil
    3. Articulação do Seminário–ASA Paraíba
    4. Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo-APOINME
    5. Articulação dos Povos Indígenas do Brasil-APIB
    6. Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste-ARPINSUDESTE
    7. Articulação dos Povos Indígenas do Sul-ARPINSUL
    8. Articulação Nacional de Agroecologia–ANA
    9. Articulação Pacari
    10. Articulação Puxirão dos Povos Faxinalenses
    11. Articulação Rosalino de Povos e Comunidades Tradicionais do Norte de Minas
    12. AS-PTA–Agricultura Familiar e Agroecologia
    13. Associação Agroecológica TIJUPÁ
    14. Associação Brasileira de Agricultura Biodinâmica
    15. Associação Brasileira de Agroecologia
    16. Associação Brasileira de Estudantes de Engenharia Florestal-ABEEF
    17. Associação Brasileira de Saúde Coletiva–ABRASCO
    18. Associação Cedro-Centro de Estudos e Discussões Romani
    19. Associação das Mulheres Organizadas do Vale do Jequitinhonha
    20. Associação das Panhadoras de Flores
    21. Associação de Agricultura Biodinâmica do Sul
    22. Associação de Comunidades da Diáspora Africana por Direito à Alimentação-Rede Kodya
    23. Associação de Mulheres Catadoras de Mangabas
    24. Associação dos Agricultores Guardiões da Agrobiodiversidade de Tenente Portela-AGABIO
    25. Associação dos Retireiros do Araguaia-ARA
    26. Associação dos Trabalhadores Assalariados Rurais de Minas Gerais–ADERE/MG
    27. Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural–AGAPAN
    28. Associação Nacional Ciganas Calins
    29. Associação Nacional da Agricultura Camponesa
    30. Associação Nacional da Cultura Bantu–ACBANTU
    31. Associação para a Pequena Agricultura no Tocantins–APA-TO
    32. Associação para o Desenvolvimento da Agroecologia–AOPA;
    33. Bionatur
    34. Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida
    35. Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas–CAA-NM
    36. Centro dos Trabalhadores da Amazônia (CTA)
    37. Centro Ecológico
    38. Comissão Guarany Ivyrupa
    39. Comitê Chico Mendes (CCN)
    40. Conselho do Povo Terena
    41. Conselho dos Povos Indígenas de Mato Grosso do Sul
    42. Conselho Indigenista Missionário-CIMI
    43. Conselho Nacional das Populações Extrativistas-CNS
    44. Cooperativa Coppabacs–AL
    45. Cooperativa Grande Sertão
    46. Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira-COIAB
    47. Coordenação Nacional Quilombola-CONAQ
    48. Entidade Nacional dos Estudantes de Biologia
    49. FASE–Solidariedade e Educação
    50. Fórum Brasileiro de Segurança e Sobera
    nia Alimentar e Nutricional
    51. Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social
    52. Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos

  • Guilherme Boulos: ‘O modelo petista de governabilidade se esgotou’

    Guilherme Boulos: ‘O modelo petista de governabilidade se esgotou’

    Guilherme Boulos
    Guilherme Boulos

    “Vimos que a opção da presidente Dilma de construir uma política neoliberal logo no início de 2015 é expressão do esgotamento de um modelo. Da mesma forma, o avanço da mobilização social no país desde junho de 2013 (o ano passado foi de muitas mobilizações e 2015 tende a ser também) é outro sintoma do esgotamento desse mesmo modelo”. Foi assim que Guilherme Boulos, dirigente do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), definiu o momento político em que se encontra o país, em entrevista ao Correio da Cidadania.

    Na conversa, que visa analisar um complexo início de ano, Boulos lembrou do clima eleitoral, quando um discurso à esquerda de Dilma se beneficiou do medo da volta do PSDB ao poder central, com um neoliberalismo “puro sangue”. Para surpresa de muitos, mas não todos, os tão denunciados “retrocessos foram encarnados pelo novo mandato petista”, que incorporou por inteiro o programa imputado apenas a um eventual mandato de Aécio. Assim, o líder do principal movimento de moradia do país não espera grandes avanços em nenhuma área social, inclusive a da moradia.

    “O movimento buscou propor, ao dialogar com o governo e a presidenta no ano passado, modificações importantes no Minha Casa Minha Vida. Mas, lamentavelmente, não temos nenhuma perspectiva de que as modificações ocorram, no sentido de o programa ser menos voltado ao lucro das construtoras, e mais voltado à qualidade das habitações e à gestão popular e direta dos projetos. Todas as sinalizações do governo são de que o programa, quando começar a andar, virá com os mesmos vícios das edições anteriores”, criticou.

    Além de prever um ano de fortes mobilizações sociais, no esteio dos últimos dois, Guilherme Boulos também tratou das articulações com centrais sindicais e outros setores governistas para o que pode vir a ser uma ampla “Frente de Esquerda”. Nesse sentido, deixou claro que de modo algum tal iniciativa visa buscar conciliações e caminhos institucionais, mas uma agenda comum de lutas do interesse das classes populares.

    “Não podemos ter peio de sentar com setores governistas e de relação histórica com o PT. A contradição não é nossa. É dos setores que apoiam o governo e que estão sendo forçados pelos ataques do próprio governo a se mobilizar. É um fator positivo na conjuntura. É fundamental que cada ataque do governo seja respondido à altura pela mobilização popular. Uma frente dessa natureza é, para nós, uma necessidade”, explicou.

    A entrevista completa com Guilherme Boulos pode ser lida a seguir.

    Correio da Cidadania: Como encarou a vitória de Dilma para um segundo mandato e, especialmente, o rumo que se insinua, a partir das escolhas ministeriais da presidente?

    Guilherme Boulos: As eleições do segundo turno foram extremamente polarizadas e também tiveram um componente de mobilização social que não víamos há vários anos. Houve, em dado momento, um alinhamento do setor mais tradicional da direita e até setores da extrema-direita em torno da candidatura do Aécio Neves. Numa parte importante da sociedade e dos trabalhadores, gerou-se um receio quanto ao risco de um maior retrocesso.

    É importante pontuar que as políticas dos 12 anos de governos do PT foram essencialmente conservadoras, não foram políticas que enfrentaram os grandes desafios, no sentido de buscar saídas para um projeto popular de país. As reformas estruturais não foram pautadas. De todo modo, houve um receio, naquele momento, de que uma vitória do Aécio representasse um retrocesso nos pequenos avanços do período, como o maior investimento social, em favor de uma política neoliberal puro sangue, de ataque frontal aos direitos trabalhistas.

    No entanto, mal acabaram as eleições e vimos aquele risco de retrocesso ser encarnado pela própria Dilma, embora na eleição tenha guinado à esquerda em seu discurso. Mas ela não deu qualquer sinalização aos setores de esquerda que lhe deram apoio, crítico ou não, no segundo turno, e deu todas as sinalizações ao mercado, realizando integralmente o programa defendido por Aécio Neves: aumentos sucessivos de taxas de juros (já há três meses), aumento do combustível, declaração de abertura de capital da Caixa Econômica Federal, indicação de um dirigente do Bradesco pra conduzir a economia do país e, mais recentemente, ataques diretos a direitos trabalhistas, como seguro-desemprego e pensões, além de cortes em investimentos sociais. Tal cenário caracteriza como a Dilma encarnou o retrocesso.

    Portanto, para nós, do MTST, está bem claro que 2015 será um período de grandes mobilizações contra esses ataques que querem fazer os trabalhadores pagarem pela crise, ao lado de uma plataforma de esquerda e popular, que pedirá avanços para o Brasil.

    Correio da Cidadania: Como liderança do MTST, como acredita que deva caminhar o tema habitacional neste governo, especialmente em um ano que promete grave e profunda recessão?

    Guilherme Boulos: Pois é. O programa Minha Casa Minha Vida 3, que pretende construir 3 milhões de casas, já foi lançado duas vezes, e não foi iniciado até agora. Foi lançado em junho passado, depois no discurso de posse, mas até agora não se deu 1 real para o programa. O Ministério das Cidades, que opera o programa, é o segundo que mais sofreu cortes no contingenciamento da tesoura do Levy, atrás apenas da Educação. Assim, a primeira questão é a dúvida sobre o fato de haver, ou não, recursos para viabilizar o programa.

    Porém, mesmo que tais recursos sejam empenhados, e nós acreditamos que em algum momento serão, porque há um grande interesse das construtoras, do capital da construção civil e do setor imobiliário no andamento do programa, tudo será feito de acordo com os interesses desses mesmos grupos.

    O movimento buscou propor, ao dialogar com o governo e a presidenta no ano passado, modificações importantes no programa Minha Casa Minha Vida. Mas, lamentavelmente, não temos nenhuma perspectiva de que as modificações ocorram, no sentido de o programa ser menos voltado ao lucro das construtoras, e mais voltado à qualidade das habitações e à gestão popular e direta dos projetos. É o contrário. Todas as sinalizações do governo são de que o programa, quando começar a andar, virá com os mesmos vícios das edições anteriores.

    Correio da Cidadania: O que tem a dizer sobre as manifestações e protestos que mudaram a tradicional cara pacata de anos que se iniciam, e tomam conta de 2015?

    Guilherme Boulos: 2015 foi o ano que começou antes do carnaval. E com muita intensidade. Começou com as respostas aos ataques feitos pelos próprios governos. O tema das tarifas de transporte está no país todo, pois em todas as capitais e grandes cidades houve aumento, o que tem gerado, e deve continuar gerando, mobilizações contra esse que é um ataque à economia popular.

    Ao mesmo tempo, começam a surgir mobilizações quanto ao tema da água, particularmente em São Paulo, por conta da política desastrosa do governo Alckmin – mas tende também a afetar outros estados do Sudeste. Tem também a moradia. Com o não lançamento do Minha Casa Minha Vida 3, temos um vácuo. Não se pode contratar, pois os recursos do programa 2 acabaram e o 3 ainda não foi lançado. Ou seja, temos um período sem contratações de habitação popular no país, o que tende a acirrar tensões.

    O MTST já realizou três mobilizações neste ano e realizará mais. Além do mais, teremos a mobilização encabeçada pelas centrais sindicais, mas também com o apoio do conjunto do movimento social brasileiro contra o ataque aos direitos trabalhistas. Na semana passada, já tivemos um dia de luta nesse sentido e teremos outros nas próximas semanas.

    É fundamental que cada ataque do governo seja respondido à altura pela mobilização popular. O MTST e outros movimentos temos construído o enfrentamento a essa linha de fogo, pra não deixar os ataques sem resposta.

    Correio da Cidadania: Portanto, vocês têm clara a necessidade de atuarem em conjunto com outros segmentos, inclusive pelos interesses do próprio movimento de moradia.

    Guilherme Boulos: Sem dúvida. A própria pauta do MTST não é estritamente pela moradia. No ano passado deixamos isso muito claro, com mobilizações em torno de vários outros temas urbanos. O MTST é um movimento de luta por reforma urbana e transformação da sociedade. Mesmo o sem teto que luta por uma casa precisa de água na torneira e pega transporte público pra ir trabalhar todo dia. Portanto, são pautas articuladas.

    Mas não é só. Temos participado e estimulado a construção de uma frente ampla pelas reformas populares e contra os ataques aos direitos sociais no país, para que a luta seja travada em maior escala.

    Correio da Cidadania: Nesse sentido, como explica e o que pensa da estratégia de aproximação e formação de uma agenda comum de lutas entre os novos movimentos e partidos e a esquerda mais institucional e governista?

    Guilherme Boulos: Para nós, é essencial, numa frente articulada, saber a plataforma que se defenderá e a forma de mobilização a ser adotada. A frente que queremos construir é com plataforma caracterizadamente de esquerda, em favor de reformas populares e estruturais, e contra o ataque aos direitos trabalhistas, inclusive do próprio governo petista. É uma frente voltada ao processo de mobilização, não para costuras institucionais. Uma frente dessa natureza é, para nós, uma necessidade.

    Não podemos ter peio de sentar com setores governistas e de relação histórica com o PT. Para nós do MTST isso não é um problema, porque temos segurança da nossa posição, que demonstramos no dia a dia, tanto nas mobilizações como nos discursos e posições políticas do movimento, de completa autonomia e crítica a qualquer governo.

    Pensamos que quanto mais amplo for e quanto mais setores pudermos juntar numa plataforma unificada de esquerda, mais poderemos avançar em políticas sociais pelo país.

    Correio da Cidadania: Acredita que entidades como a CUT, por exemplo, que começam a ir às ruas, mas cujas pautas e atuação nos últimos anos foram visivelmente rebaixadas diante do atrelamento ao governismo, possam de fato intensificar uma postura mais reivindicatória e de enfrentamento, em função da grave recessão que se anuncia?

    Guilherme Boulos: É o processo que vai mostrar. Essa contradição não é nossa. É dos setores que apoiam o governo e que estão sendo forçados pelos ataques do próprio governo a se mobilizar. Da parte do MTST, não existe contradição alguma. No entanto, a atuação do governo petista no final de 2014 e começo de 2015 tem sido tão ofensiva às pautas dos trabalhadores que forçou os próprios setores historicamente ligados ao governo a darem resposta e se mobilizarem.

    É um fator positivo na conjuntura. Não é problema. Seria um problema maior se, mesmo com tais ataques, esses setores ficassem parados, contendo suas bases. Temos de ver esses fatos, pelo ponto de vista mais amplo da conjuntura, como fatores positivos, a serem potencializados. O limite disso tudo é o processo que irá revelar.

    Correio da Cidadania: Finalmente, com tantas crises que se anunciam, algumas dentre as mais graves da história do país, como o desabastecimento de água, energia, além das pautas mais discutidas nessa entrevista, você se arrisca decretar o esgotamento do modelo político e de desenvolvimento econômico adotado pelo país nas últimas décadas?

    Guilherme Boulos: Para nós, existe uma análise consolidada de que o modelo petista de governabilidade se esgotou. O petismo produziu, particularmente nos primeiros seis anos de Lula, uma tentativa de amplo processo de conciliação de classes na sociedade. Consegue-se tal conciliação por um período, e com relativo sucesso, se tivermos as forças sociais desmobilizadas e, fundamentalmente, crescimento econômico.

    O que permitiu ao Lula produzir lucros recordes ao setor financeiro, às empreiteiras, ao agronegócio, enfim, uma bonança inédita ao grande capital, ao mesmo tempo em que se ampliaram o salário mínimo e o crédito aos trabalhadores, além de programas sociais como o Bolsa Família e o próprio Minha Casa Minha Vida? Foi o período de crescimento econômico. Entre 2003 e 2010, a média de crescimento era de 4% ao ano.

    O problema é que veio a crise de 2008, com forte queda na exportação de produtos primários, particularmente para a China. Os preços caíram, a economia chinesa desacelerou e esse crescimento foi para o buraco. A média de crescimento dos 4 anos de Dilma foi de 1,5% ao ano. Diminuiu-se a margem de manobra para a conciliação, o que força o governo a tomar opções mais claras e drásticas. Ao mesmo tempo, isso gera reações e resistências em setores organizados da sociedade.

    Vimos que a opção da presidente Dilma de construir uma política neoliberal logo no início de 2015 é expressão do esgotamento de um modelo. Da mesma forma, o avanço da mobilização social no país desde junho de 2013 (o ano passado foi de muitas mobilizações e 2015 tende a ser também) é outro sintoma do esgotamento desse mesmo modelo.

    O papel de uma esquerda socialista e combativa no país é apontar a perspectiva para um novo modelo político e econômico. E temos clareza de que isso não será alcançado por meio de disputas institucionais. Será alcançado por meio de construções de processos sociais, amplas mobilizações e intensificação das lutas populares no país.

    Valéria Nader, economista e jornalista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista.

    Fonte: Correio da Cidadania, terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

  • O aborto no Brasil é uma realidade

    O aborto no Brasil é uma realidade

    aborto“Aborto só será votado passando por cima do meu cadáver”, afirmou Eduardo Cunha. Ao que parece, o presidente da Câmara não se incomoda em passar por cima do cadáver de milhares de mulheres. A cada dois dias, uma mulher morre em decorrência de abortos clandestinos feitos em condições desumanas.

    Mais da metade das mulheres vítimas de procedimentos inseguros é negra e pobre. Segundo dados da Organização Mundial de saúde, o risco de morte para mulheres pobres, que fazem abortos em clínicas clandestinas inseguras, é multiplicado por mil.

    São 850 mil abortos realizados por ano no Brasil. Não adianta ignorar os números. Na prática, a proibição não evita o aborto, mas arrisca a vida de mulheres que não podem pagar por um procedimento seguro. E reacende uma discussão muito relevante para o feminismo: pode o Estado legislar sobre o corpo das mulheres?

    É preciso fazer este debate partindo de algumas premissas objetivas: (1) o número de abortos realizados por ano no Brasil (2) o número de mortes em decorrência de abortos inseguros. Essas premissas garantem que a discussão seja feita no campo político e não no campo moral ou religioso. Vale lembrar que o fundamento religioso para redução do direito de escolhas compromete o Estado Laico e a cidadania das mulheres.

    Não é possível ser “pró-vida” e cruzar os braços diante de um número alarmante de mortes. Ou será que essas mortes incomodam menos por um perverso esquema de valoração da vida, que reduz a importância da morte de mulheres negras e pobres?

    Esse debate, feito no campo político, será o requisito para que todas as mulheres tenham igualdades de condições para decidir livremente sobre seus corpos.