Autor: Redação Lauro Campos

  • A atualidade brutal de Hannah Arendt

    A atualidade brutal de Hannah Arendt

    Filme de Margarethe von Trotta sugere que totalitarismo pode assumir faces “normais” e parece indispensável num cenário de democracia esvaziada e guerra iminente

    Adolf Eichmann, criminoso nazista. Mas, também, um burocrata preocupado apenas em cumprir ordens…
    Adolf Eichmann, criminoso nazista. Mas, também, um burocrata preocupado apenas em cumprir ordens…

    O filme causa impacto. Trata-se, tema central do pensamento de Hannah Arendt, de refletir sobre a natureza do mal. O pano de fundo é o nazismo, e o julgamento de um dos grandes mal-feitores da época, Adolf Eichmann. Hannah acompanhou o julgamento para o jornal New Yorker, esperando ver o monstro, a besta assassina. O que viu, e só ela viu, foi a banalidade do mal. Viu um burocrata preocupado em cumprir as ordens, para quem as ordens substituíam a reflexão, qualquer pensamento que não fosse o de bem cumprir as ordens. Pensamento técnico, descasado da ética, banalidade que tanto facilita a vida, a facilidade de cumprir ordens. A análise do julgamento, publicada pelo New Yorker, causou escândalo, em particular entre a comunidade judaica, como se ela estivesse absolvendo o réu, desculpando a monstruosidade.

    A banalidade do mal, no entanto, é central. O meu pai foi torturado durante a II Guerra Mundial, no sul da França. Não era judeu. Aliás, de tanto falar em judeus no Holocausto, tragédia cuja dimensão trágica ninguém vai negar, esquece-se que esta guerra vitimou 60 milhões de pessoas, entre os quais 6 milhões de judeus. A perseguição atingiu as esquerdas em geral, sindicalistas ou ativistas de qualquer nacionalidade, além de ciganos, homossexuais e tudo que cheirasse a algo diferente. O fato é que a questão da tortura, da violência extrema contra outro ser humano, me marcou desde a infância, sem saber que eu mesmo a viria a sofrer. Eram monstros os que torturaram o meu pai? Poderia até haver um torturador particularmente pervertido, tirando prazer do sofrimento, mas no geral, eram homens como os outros, colocados em condições de violência generalizada, de banalização do sofrimento, dentro de um processo que abriu espaço para o pior que há em muitos de nós.

    Por que é tão importante isto, e por que a mensagem do filme é autêntica e importante? Porque a monstruosidade não está na pessoa, está no sistema. Há sistemas que banalizam o mal. O que implica que as soluções realmente significativas, as que nos protegem do totalitarismo, do direito de um grupo no poder dispor da vida e do sofrimento dos outros, estão na construção de processos legais, de instituições e de uma cultura democrática que nos permita viver em paz. O perigo e o mal maior não estão na existência de doentes mentais que gozam com o sofrimento de outros – por exemplo uns skinheads que queimam um pobre que dorme na rua, gratuitamente, pela diversão – mas na violência sistemática que é exercida por pessoas banais.

    Entre os que me interrogaram no DOPS de São Paulo encontrei um delegado que tinha estudado no Colégio Loyola de Belo Horizonte, onde eu tinha estudado nos anos 1950. Colégio de orientação jesuíta, onde se ensinava a nos amar uns aos outros. Encontrei um homem normal, que me explicava que arrancando mais informações seria promovido, me explicou os graus de promoções possíveis na época. Aparentemente queria progredir na vida. Outro que conheci, violento ex-jagunço do Nordeste, claramente considerava a tortura como coisa banal, coisa com a qual seguramente conviveu nas fazendas desde a sua infância. Monstros? Praticaram coisas monstruosas, mas o monstruoso mesmo era a naturalidade com a qual a violência se pratica.

    Um torturador na OBAN me passou uma grande pasta A-Z onde estavam cópias dos depoimentos dos meus companheiros que tinham sido torturados antes. O pedido foi simples: por não querer se dar a demasiado trabalho, pediu que eu visse os depoimentos dos outros, e fizesse o meu confirmando a verdades, bobagens ou mentiras que estavam lá escritas. Explicou que eu escrevendo um depoimento que repetia o que já sabiam, deixaria satisfeitos os coronéis que ficavam lendo depoimentos no andar de cima (os coronéis evitavam sujar as mãos), pois veriam que tudo se confirmava, ainda que fossem histórias absurdas. Segundo ele, se houvesse discrepâncias, teriam de chamar os presos que já estavam no Tiradentes, voltar a interrogá-los, até que tudo batesse. Queria economizar trabalho. Não era alemão. Burocracia do sistema. Nos campos de concentração, era a IBM que fazia a gestão da triagem e classificação dos presos, na época com máquinas de cartões perfurados. No documentário A Corporação, a IBM esclarece que apenas prestava assistência técnica.

    O mal não está nos torturadores, e sim nos homens de mãos limpas que geram um sistema que permite que homens banais façam coisas como a tortura, numa pirâmide que vai desde o homem que suja as mãos com sangue até um Rumsfeld que dirige uma nota aos exército americano no Iraque, exigindo que os interrogatórios sejam harsher, ou seja, mais violentos. Hannah Arendt não estava desculpando torturadores, estava apontando a dimensão real do problema, muito mais grave.

    Adolf Eichmann em seu julgamento em Jerusalém, (Julho 17, 1961), por Ronald Searle
    Adolf Eichmann em seu julgamento em Jerusalém, (Julho 17, 1961), por Ronald Searle

     

    A compreensão da dimensão sistêmica das deformações não tem nada a ver com passar a mão na cabeça dos criminosos que aceitaram fazer ou ordenar monstruosidades. Hannah Arendt aprovou plenamente e declaradamente o posterior enforcamento de Eichmann. Eu estou convencido de que os que ordenaram, organizaram, administraram e praticaram a tortura devem ser julgados e condenados.

    O segundo argumento poderoso que surge no filme, vem das reações histéricas de judeus pelo fato de ela não considerar Eichmann um monstro. Aqui, a coisa é tão grave quanto a primeira. Ela estava privando as massas do imenso prazer compensador do ódio acumulado, da imensa catarse de ver o culpado enforcado. As pessoas tinham, e têm hoje, direito a este ódio. Não se trata aqui de deslegitimar a reação ao sofrimento imposto. Mas o fato é que ao tirar do algoz a característica de monstro, Hannah estava-se tirando o gosto do ódio, perturbando a dimensão de equilíbrio e de contrapeso que o ódio representa para quem sofreu. O sentimento é compreensível, mas perigoso. Inclusive, amplamente utilizado na política, com os piores resultados. O ódio, conforme os objetivos, pode representar um campo fértil para quem quer manipulá-lo.

    Quando exilado na Argélia, durante a ditadura militar, conheci Ali Zamoum, um dos importantes combatentes pela independência do país. Torturado, condenado à morte pelos franceses, foi salvo pela independência. Amigos da segurança do novo regime localizaram um torturador seu, numa fazendo do interior. Levaram Ali até a fazenda, onde encontrou um idiota banal, apavorado num canto. Que iria ele fazer? Torturar um torturador? Largou ele ali para ser trancado e julgado. Decepção geral. Perguntei um dia ao Ali como enfrentavam os distúrbios mentais das vítimas de tortura. Na opinião dele, os que se equilibravam melhor, eram os que, depois da independência, continuaram a luta, já não contra os franceses mas pela reconstrução do país, pois a continuidade da luta não apagava, mas dava sentido e razão ao que tinham sofrido.

    No 1984 do Orwell, os funcionários eram regularmente reunidos para uma sessão de ódio coletivo. Aparecia na tela a figura do homem a odiar, e todos se sentiam fisicamente transportados e transtornados pela figura do Goldstein. Catarse geral. E odiar coletivamente pega. Seremos cegos se não vermos o uso hoje dos mesmos procedimentos, em espetáculos midiáticos.
    Hannah Arendt, filósofa política alemã de origem judaica (1906-1975)

    Hannah Arendt, filósofa política alemã de origem judaica (1906-1975)
    Hannah Arendt, filósofa política alemã de origem judaica (1906-1975)

    O texto de Hannah, apontando um mal pior, que são os sistemas que geram atividades monstruosas a partir de homens banais, simplesmente não foi entendido. Que homens cultos e inteligentes não consigam entender o argumento é em si muito significativo, e socialmente poderoso. Como diz Jonathan Haidt, para justificar atitudes irracionais, inventam-se argumentos racionais, ou racionalizadores.1 No caso, Hannah seria contra os judeus, teria traído o seu povo, tinha namorado um professor que se tornou nazista. Os argumentos não faltaram, conquanto o ódio fosse preservado, e com o ódio o sentimento agradável da sua legitimidade.

    Este ponto precisa ser reforçado. Em vez de detestar e combater o sistema, o que exige uma compreensão racional, é emocionalmente muito mais satisfatório equilibrar a fragilização emocional que resulta do sofrimento, concentrando toda a carga emocional no ódio personalizado. E nas reações histéricas e na deformação flagrante, por parte de gente inteligente, do que Hannah escreveu, encontramos a busca do equilíbrio emocional. Não mexam no nosso ódio. Os grandes grupos econômicos que abriram caminho para Hitler, como a Krupp, ou empresas que fizeram a automação da gestão dos campos de concentração, como a IBM, agradecem.

    O filme é um espelho que nos obriga a ver o presente pelo prisma do passado. Os americanos se sentem plenamente justificados em manter um amplo sistema de tortura – sempre fora do território americano pois geraria certos incômodos jurídicos -, Israel criou através do Mossad o centro mais sofisticado de tortura da atualidade, estão sendo pesquisados instrumentos eletrônicos de tortura que superam em dor infligida tudo o que se inventou até agora, o NSA criou um sistema de penetração em todos os computadores, mensagens pessoais e conteúdo de comunicações telefônicas do planeta. Jovens americanos no Iraque filmaram a tortura que praticavam nos seus celulares em Abu Ghraib, são jovens, moças e rapazes, saudáveis, bem formados nas escolas, que até acham divertido o que fazem. Nas entrevistas posteriores, a bem da verdade, numerosos foram os jovens que denunciaram a barbárie, ou até que se recusaram a praticá-la. Mas foram minoria.2

    O terceiro argumento do filme, e central na visão de Hannah, é a desumanização do objeto de violência. Torturar um semelhante choca os valores herdados, ou aprendidos. Portanto, é essencial que não se trate mais de um semelhante, pessoa que pensa, chora, ama, sofre. É um judeu, um comunista, ou ainda, no jargão moderno da polícia, um “elemento”. Na visão da KuKluxKlan, um negro. No plano internacional de hoje, o terrorista. Nos programas de televisão, um marginal. Até nos divertimos, vendo as perseguições. São seres humanos? O essencial, é que deixe de ser um ser humano, um indivíduo, uma pessoa, e se torne uma categoria. Sufocaram 111 presos nas celas? Ora, era preciso restabelecer a ordem.

    Um belíssimo documentário, aliás, Repare Bem, que ganhou o prêmio internacional no festival de Gramado, e relata o que viveu Denise Crispim na ditadura, traz com toda força o paralelo entre o passado relatado no Hannah Arendt e o nosso cenário brasileiro. Outras escalas, outras realidades, mas a mesma persistente tragédia da violência e da covardia legalizadas e banalizadas.

    Sebastian Haffner, estudante de direito na Alemanha em 1930, escreveu na época um livro – Defying Hitler: a memoir – manuscrito abandonado, resgatado recentemente por seu filho que o publicou com este título.3 O livro mostra como um estudante de família simples vai aderindo ao partido nazista, simplesmente por influência dos amigos, da mídia, do contexto, repetindo com as massas as mensagens. Na resenha do livro que fiz em 2002, escrevi que o que deve assustar no totalitarismo, no fanatismo ideológico, não é o torturador doentio, é como pessoas normais são puxadas para dentro de uma dinâmica social patológica, vendo-a como um caminho normal. Na Alemanha da época, 50% dos médicos aderiram ao partido nazista.

    O próximo fanatismo político não usará bigode nem bota, nem gritará Heil como os idiotas dos “skinheads”. Usará terno, gravata e multimídia. E seguramente procurará impor o totalitarismo, mas em nome da democracia, ou até dos direitos humanos.

    1 Jonathan Haidt, The Righteous Mind (A Mente Moralista),http://dowbor.org/2013/06/jonathan-haidt-the-righteous-mind-why-good-people-are-divided-by-politics-and-religion-a-mente-moralista-por-que-boas-pessoas-sao-divididas-pela-politica-e-pela-religiao.html/

    2 Melhor do que qualquer comentário, é ver o filme O Fantasma de Abu Ghraib, disponível no Youtube em http://www.youtube.com/watch?v=_TpWQj0MjvI&feature=youtube_gdata_player ; ver também a pesquisa da BBChttp://guardian.co.uk/world/2013/mar/06/pentagon-iraq-torure-centres-link ; sobre Guantanamo, ver o artigo do New York Times de 15/04/2013

    3 Sebastian Haffner – Defying Hitler – http://dowbor.org/2003/08/defying-hitler-a-memoir.html/

    Fonte: Outras Palavras, 05/09/2013

  • A mando de Stálin

    A mando de Stálin

    O homem que amava cachorrosRevoluções como a francesa e a bolchevique trariam o vírus da auto aniquilação de suas lideranças, essa é a tese subjacente ao romance O Homem que amava os cachorros, de Leonardo Padura (Editora Boitempo). Em seiscentas páginas, o autor vai desfibrando a última década de vida de dois homens: Trotsky e Juan Mercader. O segundo matou o primeiro com um golpe de picareta no crânio, em 1940, em Coyoacán, México. Ambos eram comunistas, mas Trotsky estava no exílio, por divergir de Stálin, e foi vítima deste. Mercader infiltrou-se entre os seguidores de Trotsky até ser recebido sem suspeitas na casa onde o exilado morava. Atacou-o no momento em que ele alimentava os coelhos.

    Leonardo Padura é cubano e expõe algumas mágoas com o sistema, principalmente no tocante à censura. É um homem de 62 anos que passou a maior parte da vida imaginando que Trotsky era um traidor e que Stálin tinha razão. Não perdoa o governo cubano por isso. Acho que essa postura compromete um pouco o romance. Ele toma partido. O livro é escrito na terceira pessoa e cheio de adjetivos. Mercader morou em Cuba e o autor o conheceu ou conheceu um amigo dele. Isso não fica claro. Mercader carregava uma cicatriz na mão, feita pelos dentes de Trotsky quando reagiu ao ataque. O assassino não conseguia esquecer o grito da vítima. Isso é muito bem descrito, de uma fora um tantonoir. Padura é autor de livros policiais. Há muita informação na obra, muita pesquisa. Imagino que se ele optasse pela primeira pessoa dos dois personagens, o livro poderia ter alcançado um nível ainda melhor. Ele deixaria que o leitor decidisse a vilania ou o heroísmo dos personagens.  Mas, de qualquer forma, é uma obra admirável e envolvente que se lê sem esforço. Para quem sonhou algum dia com o socialismo implantado no planeta, é um livro triste. Mas, certamente aprendemos alguma coisa.

    Flávio Braga é escritor

  • Pensamento brasileiro

    Pensamento brasileiro

    Vladimir Safatle
    Vladimir Safatle

    No último domingo, o Instituto Datafolha publicou uma pesquisa a respeito do posicionamento ideológico dos brasileiros. Essa não foi a primeira vez que pesquisas dessa natureza foram feitas pelo instituto, mas foi a primeira vez que questões econômicas ligadas à função do Estado, às leis trabalhistas e à importância de financiar serviços públicos apareceram. O resultado foi simplesmente surpreendente.

    Se você ler os cadernos de economia dos jornais e ouvir comentaristas econômicos na televisão e no rádio, encontrará necessariamente o mesmo mantra: os impostos brasileiros são insuportavelmente altos, as leis trabalhistas apenas encarecem os custos e, quanto mais o Estado se afastar da regulação da economia, melhor. Durante décadas foi praticamente só isso o que ouvimos dos ditos “analistas” econômicos deste país.

    No entanto décadas de discurso único no campo econômico foram incapazes de fazer 47% dos brasileiros deixarem de acreditar que uma boa sociedade é aquela na qual o Estado tem condição de oferecer o máximo de serviços e benefícios públicos.

    Da mesma forma, 54% associam leis trabalhistas mais à defesa dos trabalhadores do que aos empecilhos para as empresas crescerem, e 70% acham que o Estado deveria ser o principal responsável pelo crescimento do Brasil.

    Agora, a pergunta que não quer calar é a seguinte: por que tais pessoas praticamente não têm voz na imprensa econômica deste país? Por que elas são tão sub-representadas na dita esfera pública?

    A pesquisa ainda demonstra que, do ponto de vista dos costumes, os eleitores brasileiros não se diferenciam muito de um perfil conservador. O que deixa claro como suas escolhas eleitorais são eminentemente marcadas por posições ideológicas no campo econômico. Uma razão a mais para que tais posições possam ter maior visibilidade e estar em pé de igualdade com as posições econômicas liberais hegemônicas na imprensa brasileira.

    É claro que haverá os que virão com a velha explicação ressentida: o país ama o Estado devido à “herança patrimonialista ibérica” e à falta de empreendedorismo congênita de seu povo. Essa é a velha forma de travestir egoísmo social ressentido e preconceituoso com roupas de bricolagem histórica.

    Na verdade, o povo brasileiro sabe muito bem a importância da solidariedade social construída por meio da fiscalidade e da tributação dos mais ricos, assim como é cônscio da importância do fortalecimento da capacidade de intervenção do Estado e da defesa do bem comum. Só quem não sabe disso são nossos analistas econômicos, com suas consultorias milionárias pagas pelo sistema financeiro.

  • “Marighella”, uma biografia

    “Marighella”, uma biografia

    “Em cada época, é preciso arrancar a tradição ao conformismo, que quer apoderar-se dela.”

    Walter Benjamin

    “Marighella, o guerrilheiro que incendiou o mundo”, de Mário Magalhães
    “Marighella, o guerrilheiro que incendiou o mundo”, de Mário Magalhães

    “Marighella, o guerrilheiro que incendiou o mundo” foi o grande vencedor do prêmio Jabuti 2013 na categoria biografia.  O livro do jornalista Mário Magalhães, numa edição primorosa da Companhia das Letras,reuniu todos os requisitos para receber o troféu.  Merecido, em primeiro lugar pelo perfil fascinante do biografado.  Não há dúvida, Marighella é um mulato baiano que seduz e um personagem épico no sentido forte do termo. Mas merecido também porque a obra resultou num artefato de alta qualidade literária, pela prosa envolvente de Mário Magalhães, que, como jornalista, já recebera os prêmios Vladimir Herzog, Dom Helder Câmara, Esso de Jornalismo e o Every Human Hass Rights Media Awards.

    Trata-se de uma reportagem objetiva e bem informada, muito bem redigida, revelando o biografado e suas circunstâncias, ancorada num vasto levantamento historiográfico.  Para escrever a biografia de Marighella, o autor entrevistou 256 pessoas e pesquisou cerca de seiscentos títulos em 32 arquivos públicos e privados, no país e no estrangeiro.  Alinhavou isso tudo em mais de setecentas páginas de tirar o fôlego, costuradas  por uma narrativa ágil, que prende o leitor da primeira à última página.

     

    Revista RUMO, de Angra dos Reis
    Revista RUMO, de Angra dos Reis

    “Marighella” é a vida de um homem que marcou a esquerda brasileira e que, por isso mesmo, se confunde com boa parte da moderna história nacional.  Depois de ler o livro, o leitor fica com a sensação de haver visitado episódios decisivos da vida política brasileira que, não obstante sua importância para a compreensão da totalidade do processo histórico, estavam relegados à penumbra. O jornalismo investigativo de Mário Magalhães lança luz sobre esses episódios e, ao iluminá-los, escova a história a contrapelo, bem ao gosto de Walter Benjamin, para quem “nunca houve um monumento da cultura que não fosse também um monumento da barbárie”.No “Marighella” de Mário Magalhães, o leitor vai cruzar com inúmeras personalidades brasileiras e internacionais que influenciaram a vida política e cultural de seu tempo.  Entre esses notáveis estão Gregório Bezerra, Luis Carlos Prestes, Jorge Amado, Graciliano Ramos, Oduvaldo Vianna, Norma Benguel, Jean Paul Sartre, Fidel Castro, CaetanoVeloso, Glauber Rocha e tantos outros.Sobre Marighella e sua organização guerrilheira, a ALN, Caetano Veloso testemunharia: “o heroísmo dos guerrilheiros como única resposta radical à perpetuação da ditadura merecia meu respeito assombrado”.

    “Marighella” é uma leitura recomendável para quem aprecia o prazer do texto.  Imprescindível a quem quer conhecer a trajetória da esquerda brasileira, é indispensável para se vislumbrar que há uma face oculta na história do Brasil.

    Sergio Granja é Mestre em Literatura Brasileira pela UERJ, professor da rede estadual de ensino e pesquisador da Fundação Lauro Campos

    [Artigo publicado na revista RUMO, de Angra dos Reis]

  • A poesia pulsante e desconfortadora de “Pedagogia do Suprimido”

    A poesia pulsante e desconfortadora de “Pedagogia do Suprimido”

    Pedagogia-do-suprimidoHá muitas razões para que uma leitura seja considerada agradável e um sem-número de motivos para que seja tida como instigante, desconcertante, desassossegadora. E aí está o maior mérito de “Pedagogia do Suprimido”, obra de Zeh Gustavo, publicada recentemente pela Editora Verve, do Rio de Janeiro.

    Em meio a um panorama desumanizante em que, nas sociedades contemporâneas, os indivíduos se deixam consumir pelo mercado e se autoaniquilam, perdendo a própria identidade, surge uma escrita singular, transgressora, tematizando o cotidiano de sujeitos que, deslumbrados pelas facilidades advindas da modernidade e de uma educação midiática emburrecedora, acabam por suprimir a si próprios. Trata-se da escrita de Zeh Gustavo, marcada por um lirismo árduo, que se vale de fragmentos da memória, para dar forma a uma poesia pulsante e engajada, no sentido íntegro da palavra.

    Com alusão direta a Paulo Freire, “Pedagogia do Suprimido” provoca questionamentos em relação à formação dos indivíduos e traça uma radiografia poética de um momento histórico infecundo, entorpecido e dopado por um consumismo desenfreado e por uma educação repleta de falhas em que estamos inseridos e contra a qual precisamos nos rebelar para que não sejamos igualmente extinguidos.

    Fruto também de uma oportuna formação fracassada, latente na própria obra, o autor surge com sua linguagem própria e um estilo único, repleto de experiências sinestésicas, fazendo um uso peculiar do léxico e da estrutura sintática, e se valendo, com destreza, de neologismos necessários para garantir a autonomia de seus pontos de vistas e a produção de sentido de seu discurso libertador e libertário.

    Em diálogo constante com a arte e ciente do seu potencial criativo, o poeta dá novo fôlego a ideais de humanidade cada vez mais esquecidos, ao entoar seus poemas com um timbre particular, dando voz a sujeitos que, por motivos vários, tiveram suas cordas vocais suturadas.

    Luciana Crespo Dutra – Carioca, radicada em São Luiz Gonzaga; colaboradora do Jornal A Notícia; professora e revisora de textos; pós-graduada pela UERJ, com Especialização em Língua Portuguesa; bacharela e licenciada em LETRAS (Português/Literaturas), formada pela UFRJ.

    Fonte: A Notícia (São Luiz Gonzaga, RS, 14/10/2013).

    * Encomendas do livro pelas livrarias Relíquia, Cultura e Saraiva ou diretamente com oautor.

  • PSOL na TV em 3 de outubro de 2013

    PSOL na TV em 3 de outubro de 2013

    Foi ao ar nesta quinta-feira (3) o programa político gratuito do PSOL, nas emissoras de rádio e TV de todo o país. Conforme estabelecido pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o programa teve duração de 5 minutos de duração e foi o segundo dos dois que o partido tem direito de transmitir em 2013. Confira:

  • Liberdade na nuvem: Snowden, Manning e Assange são os novos heróis da era do controle digital

    Liberdade na nuvem: Snowden, Manning e Assange são os novos heróis da era do controle digital

    Slavoj Žižek
    Slavoj Žižek

    Todos nos lembramos do rosto sorridente do presidente Obama, cheio de esperança e confiança, em sua primeira campanha: “Yes, we can!” — nós podemos nos livrar do cinismo da era Bush e trazer justiça e bem-estar para o povo americano. Agora que os EUA continuam suas operações secretas e expandem sua rede de inteligência e espionagem até mesmo na direção de seus aliados, podemos imaginar manifestantes gritando para Obama: “Como você pode usar os drones para matar? Como você pode espiar nossos aliados?” Obama murmura com um sorriso zombeteiro: “Yes, we can.

    Mas a personalização perde o sentido: a ameaça à liberdade revelada pelos whistleblowerstem raízes mais profundas, sistêmicas. Edward Snowden deve ser defendido não só por que seus atos envergonharam os serviços secretos dos EUA; ele revelou algo que não só os EUA, mas também todos os grandes (e não tão grandes) poderes – da China à Rússia, da Alemanha a Israel – estão fazendo (na medida em que são tecnologicamente capazes de fazê-lo) .

    Seus atos forneceram uma base factual para as nossas suspeitas de que estamos sendo monitorados e controlados – a lição é global, muito além do padrão americano. Nós realmente não soubemos nada através de Snowden (ou Manning) que já não presumíssemos que fosse verdade. Mas uma coisa é suspeitar de maneira geral, outra é obter dados concretos. É um pouco como saber que um parceiro sexual está traindo você – pode-se aceitar o conhecimento abstrato, mas a dor surge com os detalhes picantes, as fotos do que eles estavam fazendo etc.

    Em 1843, o jovem Karl Marx afirmou que o ancien régime da Alemanha “supõe apenas que acredita em si e pede a todo mundo para compartilhar a sua ilusão”. Em tal situação, colocar a culpa em quem está no poder torna-se uma arma. Ou, como Marx continua: “A pressão deve ainda tornar-se mais premente pelo fato de se despertar a consciência dela e a ignomínia tem ainda de tornar-se mais ignominiosa pelo fato de ser trazida à luz pública”. (Crítica da filosofia do direito de Hegel, p. 148)

    Esta, exatamente, é a nossa situação hoje: estamos diante do cinismo descarado dos representantes da ordem global existente, que só imaginam que acreditam em suas ideias de democracia, direitos humanos etc.

    Em seu texto clássico “O que é esclarecimento?”, Kant contrasta o uso “público” e “privado” da razão — “privado” é , para Kant, a ordem institucional em que vivemos (o nosso estado, nossa nação… ), enquanto o “público” é a universalidade transnacional do exercício da razão: “O uso público da razão deve ser sempre livre e só ele pode trazer entendimento entre os homens; o uso privado da razão, por outro lado, pode muitas vezes ser muito limitado, sem particularmente impedir o progresso do entendimento. Por uso público da razão eu me refiro ao que um acadêmico faz perante o público leitor.”

    Segundo Kant, o domínio do Estado é “privado” e contido por interesses particulares, enquanto indivíduos que refletem sobre questões gerais usam a razão de forma “pública”. Esta distinção kantiana é especialmente pertinente com a internet e outras novas mídias. Em nossa era da computação em nuvem, não precisamos mais de grandes computadores individuais: softwares e informações são fornecidos sob demanda e os usuários podem acessar as ferramentas ou aplicativos da web através de browsers.

    Este maravilhoso novo mundo, no entanto, é apenas um lado da história. Usuários estão acessando programas e arquivos de software que são mantidos longe de salas climatizadas com milhares de computadores.

    Para gerenciar uma nuvem é preciso um sistema de monitoramento que controla o seu funcionamento, e este sistema é, por definição, escondido dos usuários. Quanto menor e mais personalizado o item (smartphone) que eu tenho em mãos, e mais fácil de usar, mais sua configuração tem de confiar no trabalho que está sendo feito em outro lugar, num vasto circuito de máquinas que coordena a experiência do usuário. Quanto mais a nossa experiência é espontânea e transparente, mais ela é regulada pela rede invisível controlada por agências estatais e grandes empresas privadas, que seguem suas agendas secretas.

    Uma lei secreta, desconhecida dos indivíduos, legitima o despotismo arbitrário daqueles que a exercem, como indicado no título de um recente relatório sobre a China: “Mesmo o que é segredo é um segredo na China.” Intelectuais incômodos que informam sobre a opressão política, catástrofes ecológicas, a pobreza rural etc ficam anos na prisão por trair um segredo de Estado. Como muitas das leis são confidenciais, torna-se difícil para as pessoas saberem como e quando as estão violando.

    O que torna o controle de nossas vidas tão perigoso não é o fato de que perdemos nossa privacidade e que todos os nossos segredos íntimos são expostos ao Big Brother. Não existe agência estatal capaz de exercer tal controle – não porque eles não saibam o suficiente, mas porque sabem demais. A quantidade de dados é muito grande, e apesar de todos os programas para a detecção de mensagens suspeitas, os computadores são demasiado estúpidos para interpretar e avaliar corretamente, resultando erros ridículos em que pessoas inocentes são listadas como potenciais terroristas — e isso faz com que o controle estatal das comunicações seja mais perigoso. Sem saber por quê, sem fazer nada ilegal, todos nós podemos ser listados como potenciais terroristas.

    Lembre-se da resposta lendária de um editor de um jornal do grupo Hearst à dúvida do dono de por que ele não tirava longas e merecidas férias: “Tenho medo de que se eu sair haverá caos e tudo vai desmoronar – mas eu tenho ainda mais medo de descobrir que, se eu sair, as coisas vão continuar normalmente sem mim, a prova de que eu não sou realmente necessário!” Algo semelhante pode ser dito sobre o controle estatal das nossas comunicações: devemos temer que não temos segredos, que as agências estatais secretas sabem tudo, mas devemos temer ainda mais que elas não consigam se sair bem nessa empreitada.

    É por isso que os whistleblowers têm um papel crucial na manutenção da “razão pública”. Assange, Manning, Snowden são os nossos novos heróis, casos exemplares da nova ética que convém à nossa era de controle digital. Eles não são mais apenas os denunciantes das práticas ilegais de empresas privadas e autoridades públicas; eles denunciam essas próprias autoridades públicas quando elas se engajam no “uso privado da razão”.

    Precisamos de Manning e Snowden na China, na Rússia, em todos os lugares. Há estados muito mais opressivas do que os EUA – apenas imagine o que teria acontecido a alguém como Manning em um tribunal russo ou chinês (provavelmente sem direito a julgamento público). No entanto, não se deve exagerar a suavidade dos EUA: é verdade, os EUA não tratam os prisioneiros com tanta brutalidade como a China ou a Rússia – por causa de sua prioridade tecnológica, os Estados Unidos simplesmente não precisam da abordagem brutal. Nesse sentido, os EUA são ainda mais perigosos do que a China na medida em que suas medidas de controle não são percebidas, enquanto a brutalidade chinesa é exibida abertamente.

    Portanto, não é suficiente jogar um Estado contra o outro (como Snowden, que usou a Rússia contra os EUA): precisamos de uma nova rede internacional para organizar a proteção dos whistleblowers e a disseminação de sua mensagem. Whistleblowers são nossos heróis porque eles provam que, se quem está no poder faz o que faz, nós também podemos fazer.

    Publicado originalmente em 13/08 no In these times, republicado no The Guardian com algumas modificações em 03/09, traduzido por Diário do Centro do Mundo.

  • Antes de História e consciência de classe

    Antes de História e consciência de classe

    Apesar dos esforços dos comentadores em assinalar uma continuidade e uma presença da obra inicial de Georg Lukács em seu primeiro livro marxista, História e consciência de classe, um exame cuidadoso de seus primeiros livros e manuscritos desmente essa hipótese. Além da evidente discrepância formal patente em seus primeiros trabalhos, marcados por súbitas mudanças de registro cultural e filiação, esses textos inserem-se num empenho e num solo conceitual bastante distinto da adoção do marxismo consolidada em História e consciência de classe.

    Luckas

    Os comentários sobre a obra de Georg Lukács, ou mais especificamente sobre História e consciência de classe (de 1923), em geral, iniciam a apresentação e a análise desse livro com a reconstituição do itinerário intelectual do autor. Assim, não deixam de pressupor que seus escritos pré-marxistas constituem uma espécie de chave mestra para a compreensão de sua trajetória posterior ou mesmo da gênese do marxismo ocidental. Essa premissa, no entanto, é frequentemente negada no próprio decorrer da exposição, uma advertência que sinaliza as aporias inerentes a tal perspectiva. Afinal, a par de uma preocupação comum com a compreensão da produção artística, suas obras de juventude discrepam bastante entre si, configurando um percurso marcado por sucessivas rupturas e por descontinuidades formais e metodológicas.

    Seu primeiro livro, Evolução histórica do drama moderno (escrito em 1906-1907 e publicado em 1911), redigido ainda em húngaro, pode ser descrito como uma obra de sociologia literária composta sob o prisma de uma ordenação enciclopédica da cultura.1 Para compreender o trágico moderno – a forma peculiar adquirida pelo conflito entre a afirmação do indivíduo e a objetividade da vida social -, Lukács recorre a categorias como “despersonalização”, “coisificação”, “intelectualismo”, “racionalização” etc., peças proeminentes do arsenal conceitual da sociologia alemã.2

    Em 1911, Lukács publica na Alemanha A alma e as formas, coletânea de artigos redigidos entre 1908 e 1910, na qual incluiu alguns textos já editados na revista húngara Nyugat (Lukács, 1971). Abre o livro, à guisa de prefácio, uma carta a Leo Popper que pondera sobre o estatuto do ensaio, reconhecendo em sua forma autônoma – um âmbito distinto tanto da arte como da ciência e da filosofia – um potente instrumento para a apreensão da totalidade do fenômeno estético e da “vivência” que lhe é subjacente.3 Com essa defesa do ensaio, ele almeja não somente dirimir o viés reducionista dos estudos histórico-literários, mas, sobretudo, fornecer uma fundamentação teórica para a renovação da crítica cultural.

    Apesar da heterogeneidade dos autores escolhidos como ponto de partida dos ensaios – Rudolph Kassner, Søren Kierkegaard, Novalis, Theodor Storm, Stefan George, Charles-Louis Philipee, Richard Beer-Hofmann, Laurence Sterne e Paul Ernst -, patente seja pelo ângulo da tendência estética, do período histórico ou mesmo da língua e nacionalidade; cristalizam-se no decorrer do livro vários fios comuns. O mais destacado deles talvez seja a reiteração da cisão que Lukács expressa por meio da duplicidade entre a “vida” e a “vida”, matriz de uma série de dicotomias: o imediato e o autêntico, a vivência empírica e a essencial, o cotidiano e a existência plena. A mediação entre esses polos constitui a tarefa primordial da “forma artística”, que se torna assim o objeto por excelência da investigação ensaística.

    O programa proposto por Lukács (2008b, p.110), no entanto, extravasa o campo estético:

    O crítico é aquele que vislumbra a fatalidade das formas, cuja vivência mais intensa é aquele conteúdo da alma que as formas, indireta e inconscientemente, escondem em si mesmas. A forma é sua maior vivência, ela é, como realidade imediata, o que há de figurativo, de verdadeiramente vivo em seus escritos. Da força dessa vivência essa forma, originada de uma observação dos símbolos da vida, recebe uma vida própria. Ela se torna uma visão de mundo, um ponto de vista, uma tomada de posição diante da vida da qual ela se originou: uma possibilidade de transformá-la e recriá-la.

    Nessa direção, A alma e as formas procura desentranhar, em cada uma das manifestações literárias examinadas, a partir da observação da “forma artística”, potenciais “formas de vida”, nas quais transparecem determinações valorativas, escolhas éticas, indicações para a ação, experimentos utópicos que apontem à vida verdadeira.

    Em seguida, instalado em Heidelberg, Lukács concentra-se na redação de uma teoria estética sistemática.4 Nesses fragmentos, adota como ponto inicial a existência de obras de arte para, em seguida, indagar sobre suas condições de possibilidade.

    Esse modo de colocar a questão, ainda no âmbito da investigação transcendental, promove, no entanto, um deslocamento em relação ao modo como Kant examina o fenômeno estético na Crítica da faculdade de julgar. Configura também uma ruptura radical com as premissas do neokantismo, movimento que Lukács rechaça a partir do veredicto de que suas análises não superam o estatuto de uma mera “metafísica do belo”.

    Além disso, sua estética desdobra considerações de A alma e as formas acerca da especificidade, da autonomia e do caráter significativo da “forma artística”. Esse movimento direciona sua reflexão para uma espécie de “fenomenologia” das obras de arte, atenta à apreensão do aparato formal que lhes é inerente.

    Apesar da recepção entusiasmada do manuscrito por parte de Max Weber e de seus incentivos para que concluísse o trabalho, Lukács não hesita em interromper – com três capítulos rascunhados – essa tentativa de “filosofia da arte”, para se dedicar integralmente ao projeto de um livro sobre Fiódor Dostoiévski.5

    Com a irrupção da Primeira Guerra e o retorno do autor à Hungria, esse plano é abandonado. Os prolegômenos da obra esboçada, no entanto, foram agrupados e concentrados, no inverno de 1914-1915, em dois ensaios articulados publicados no ano seguinte na revista de Max Dessoir, Zeitschrift für allgemeine Kunstwissenschaft, e editados posteriormente como livro, em 1920, sob o título A teoria do romance.

    Nesse volume, Lukács procura compreender a dimensão histórica das formas estéticas por meio de uma análise comparativa da essência dos gêneros literários no mundo antigo e no mundo moderno. Os pressupostos, os procedimentos e o próprio resultado conciliam, num híbrido, a tentativa de uma filosofia da história (impactada pelos temas da sociologia da modernização) com o esboço de uma tipologia do romance.

    A grande épica, representativa do mundo grego, na reconstrução de A teoria do romance, transcreve um universo “perfeito e acabado”, no qual a imediatez da vida cotidiana ainda se apresenta como plenamente significativa. Nesse solo, os fins do indivíduo se confundem, harmonicamente, com o destino da coletividade:

    Totalidade do ser só é possível quando tudo já é homogêneo, antes de ser envolvido pelas formas; quando as formas não são uma coerção, mas somente a conscientização, a vinda à tona de tudo quanto dormitava como vaga aspiração no interior daquilo a que se devia dar forma: quando o saber é virtude e a virtude, felicidade; quando a beleza põe em evidência o sentido do mundo. (Lukács, 2000, p.31)

    O romance, “epopeia de um mundo abandonado por deus”, em contraposição, desenvolve-se em uma sociedade que se organiza como uma segunda natureza, na qual prevalece a cisão entre as aspirações do indivíduo e a objetividade das relações sociais. Sua composição, estruturalmente problemática, denota o empenho em resistir à perda da imanência do sentido, à privação da “totalidade espontânea do ser”, configurando-se como uma “busca para descobrir e construir, pela forma, a totalidade oculta da vida” (ibidem, p.60).6

    O herói, no romance, apresenta-se como uma individualidade isolada, como uma subjetividade cujos estados de ânimo exprimem sua inadequação à vida convencional. Encontra-se condenado, num mundo em que “objetivo algum é dado de modo imediato”, a perseguir incessantemente um sentido para a existência (ibidem, p.62). O caráter aporético de tal empreendimento é registrado na consciência narrativa como “ironia” – índice de “objetividade do romance” -, um recurso formal que “apreende não apenas a profunda desesperança dessa luta, mas também a desesperança tanto mais profunda de seu abandono” (ibidem, p.87).

    Lukács constrói sua tipologia do romance adotando como diretriz duas modalidades distintas de inadequação do personagem em relação à vida corrente: “a alma é mais estreita ou mais ampla que o mundo exterior que lhe é dado como palco e substrato de seus atos” (ibidem, p.99). Privilegia assim uma explicação mais concentrada no exame de conteúdos do que na decomposição dos elementos formais do gênero, embora parta da pressuposição de que o romance, ao longo de seu processo de desenvolvimento, manteve sua forma exterior “essencialmente biográfica”.

    Denomina a primeira situação de “idealismo abstrato”, destacando já na terminologia a “rigidez da psicologia” do personagem. Engloba os casos em que o estreitamento da alma do herói, sua inaptidão para qualquer espécie de vivência interior restringe sua atividade à pura ação. Suas aventuras, atomizadas no espaço geográfico, extraem sua significação do embate entre o caráter estático de seu ideal e a realidade externa.

    A outra modalidade, o “romantismo da desilusão”, congrega personagens dotados, na estrita esfera da interioridade, de uma “vida própria e dinâmica”, “repleta de conteúdo e mais ou menos perfeita em si mesmo” (ibidem, p.118). Com a rarefação da ação, resultante do pendor contemplativo do herói, predomina a análise psicológica, elevando ao ápice a importância intrínseca do indivíduo. O sentido e a própria configuração formal do romance derivam assim de uma incorporação consciente da temporalidade, sucedâneo da fabulação épica em um “mundo abandonado por deus”.

    O legado do jovem Lukács com sua diversidade de orientações assumiu, nos relatos estabilizadores e unificantes dos historiadores das ideias e dos intérpretes de sua obra, os contornos de um objeto atravessado por incoerências e contradições. Perspectiva acentuada seja pela evidente discrepância formal entre os projetos a que se dedicou – tratado de sociologia literária, ensaios de crítica cultural, fragmentos de reflexão filosófica, teoria histórico-filosófica dos gêneros literários -, seja por súbitas mudanças de registro cultural e de filiação, sinalizadas no decorrer de seu itinerário intelectual.

    Na primeira década do século XX, Lukács, ainda que sob a influência da cultura alemã, insere-se e convive primordialmente no campo intelectual húngaro. Em 1902, estreia como crítico de teatro no jornal Magyar Szalon, uma experiência que durou poucos meses, mas delineou o rumo prosseguido com sua participação, em 1904, na fundação da Sociedade Thalia, uma tentativa bem-sucedida de atualização do movimento teatral de Budapeste.7 A partir de 1906, passa a publicar regularmente nas duas principais revistas da Hungria, Huszadik Század [Século XX] e Nyugat [Ocidente].

    Em entrevistas e relatos autobiográficos, ele destacou seu entusiasmo, nessa época, com dois intelectuais contemporâneos, reconhecendo em suas obras e condutas modelos e fontes de inspiração: o poeta Endre Ady, por seu inconformismo e recusa obstinada em se reconciliar com a ordem social existente, e Ervin Szabó, expoente da ala esquerda que, inspirado no sindicalismo francês e em Georges Sorel, tentou chocalhar a passividade evolucionista do Partido Social-Democrata Húngaro (MSZP).8

    Em 1911, Lukács transfere-se para a Alemanha. Depois de uma breve passagem por Berlin, durante a qual assistiu a cursos e entrou em contato com Georg Simmel, instalou-se em Heidelberg. Lá, integrou-se prontamente ao círculo que se reunia aos domingos na residência de Max Weber, uma congregação de intelectuais consagrados e jovens estudantes, frequentada, entre outros, por Ferdinand Tönnies, Werner Sombart, Georg Simmel, Alfred Weber, George Jellinek, Ernst Tröltsch, Wilhelm Windelband, Emil Lask, Friedrich Gundolf, Karl Jaspers, Franz Rosenzweig, Robert Michels, Ernst Bloch e Ernst Toller.9

    Durante a guerra, convocado pelo serviço militar, retorna à Hungria, prestando serviços civis no exército. Em breve, é dispensado.10 Nesses anos, participa ativamente das discussões e da organização dos cursos oferecidos pela Escola Livre das Ciências do Espírito – instituição concebida e mantida por um grupo de intelectuais que cultivava a filosofia e a sociologia germânicas, alguns deles, como Lukács, retornando de temporadas de estudos na Alemanha.11

    Nos prefácios que redigiu nos anos 1960, por ocasião da primeira reedição de suas obras de juventude, Lukács reconstitui seu percurso como uma “evolução dialética” do idealismo subjetivo (Kant) ao materialismo histórico (Marx), com uma estação de passagem no idealismo objetivo (Hegel).12 Segundo ele, todas as suas obras desse período, incluindo A teoria do romance, foram concebidas conforme os métodos das Geisteswissenschaft [ciências do espírito] tendo como modelo os trabalhos de Dilthey, Simmel e Weber (Lukács, 2000, p.9). As diferenças entre elas devem ser atribuídas, sobretudo, às oscilações de suas inclinações filosóficas.

    Nessa classificação, Evolução histórica do drama moderno e A alma e as formas situam-se na primeira fase, período marcado por sua adesão estrita à “teoria neokantiana da imanência da consciência”.13 A teoria do romance, por sua vez, assinala a transição do idealismo subjetivo ao objetivo, patente não apenas no empenho em aplicar os conceitos de Hegel às questões artísticas, como também no esforço de “historicização das categorias estéticas”, embrião de uma tentativa de filosofia da história (Lukács, 2000, p.11-13).14 O diagnóstico do presente, no entanto, sintetizado, em terminologia fichtiana, no emblema “a era da perfeita pecaminosidade” traduziria antes a influência de Kierkegaard do que um retorno a Fichte (ibidem, p.15).

    Apesar de sua manifesta intenção de procurar evitar a composição de um “desenvolvimento intelectual imanente e orgânico” e de seu cuidado em indicar a presença simultânea de “oposições abruptas”, seus relatos estão regidos por um telos, como se sua trajetória intelectual fosse a consecução ordenada de um projeto, ao que consta, inexistente na origem ou mesmo no decorrer do caminho.15 Assim, nos marcos dessa construção evolutiva, cada etapa passa a ser avaliada com o padrão de medida do resultado final, destacando a cada momento o grau de afastamento ou proximidade da “correta” compreensão do marxismo.

    Outro traço característico desses textos autobiográficos, além da intensidade valorativa, consiste em sua preocupação em identificar desdobramentos de sua obra juvenil no corpo do “marxismo ocidental”. Desse modo, Lukács, que acusou Bloch de invocar contra ele A teoria do romance, no debate sobre o expressionismo nos anos 1930, não deixa também – numa inversão especular – de colocar-se na mesma posição, que considerou “grotesca”: ataca com certa dose de virulência seus primeiros livros, no propósito de assim minar a credibilidade de projetos intelectuais concorrentes.16

    Nesse movimento, não hesita em minimizar a originalidade de seus primeiros trabalhos, apresentando-os como mero epigonismo de escolas e correntes filosóficas ou então como resultantes de uma mesma, homogênea e unilateral, “base sociofilosófica”, o famigerado “anticapitalismo romântico”. Subestima ainda o teor contestatório desses escritos ao sentenciar que são o produto de “uma fusão de uma ética de esquerda e de uma epistemologia de direita”. Não espanta então que Lukács conclua o Prefácio de 1962 proclamando que a leitura de A teoria do romance por quem busca orientação terá como resultado “uma desorientação ainda maior”.

    Em linhas gerais, parece mais factível, no entanto, conceber o itinerário do jovem Lukács como consequência de um empenho em dominar os gêneros predominantes no mundo acadêmico, concomitante ao esforço em incorporar em seu repertório autores e tendências culturais – um aprendizado obrigatório para quem buscava inserção e reconhecimento no campo intelectual da Alemanha guilhermista.17

    Em outro registro, destacando a descontinuidade e o impulso repentino dessas rupturas, cabe observar que suas atitudes e interesses percorrem um trajeto que parece mimetizar o trânsito entre as “esferas” descrito na filosofia de Kierkegaard.18 Impactado pela barbárie da Primeira Guerra, Lukács “salta” do universo estético para o ético e em seguida para a ação revolucionária.19

    A recapitulação de seus trabalhos anteriores certamente contribui para explicar a maturidade intelectual de História e consciência de classe, iluminar sua proficiência no terreno da filosofia e da sociologia alemã ou mesmo para atestar a precocidade de sua crítica à civilização burguesa. Porém, de modo geral, a dissecação do percurso intelectual do jovem Lukács pouco esclarece sobre as teses de sua primeira publicação marxista, alicerçadas na mudança de sua situação da condição de crítico cultural para a de militante político e, em princípio, orientadas por uma decidida tomada de posição no interior dessa linhagem.

    A obra de Engels, a partir do Anti-Dühring, redigida em grande parte após a morte de Marx (1883), contribuiu para estabelecer como parâmetro de inserção na tradição do marxismo o esforço concomitante de divulgação, sistematização teórica e ampliação temática do materialismo histórico.20

    Em Lukács, o empenho em atualizar o marxismo – empreitada renovada a cada geração tendo em vista o caráter assumidamente histórico dessa vertente – adquiriu contornos próprios. História e consciência de classe estabelece como critério de aferição da pertinência e validade de qualquer obra que se pretenda herdeira do legado de Marx a sua capacidade em desdobrar de forma articulada três tarefas, distintas e entrelaçadas: fornecer um diagnóstico do presente histórico, se posicionar ante a já extensa linhagem do marxismo e conceber uma interpretação original dos textos canônicos dessa doutrina.

    História e consciência de classe se propõe, assim, a recuperar a capacidade autorreflexiva que o marxismo havia perdido nos anos de predomínio da Segunda Internacional. Nesse sentido, um de seus alvos principais consiste na codificação da dialética apresentada pelo último Engels, avaliada como uma das premissas dos equívocos políticos e intelectuais da geração subsequente. Não se trata apenas do fato de Engels, seguindo o panlogicismo de Hegel, estender a atuação da dialética ao reino da natureza, adotando as ciências naturais como regra e modelo. A sua principal crítica refere-se à desatenção ante o vínculo entre método e transformação do mundo, que tende a ignorar o papel da dialética como “álgebra da revolução” (cf. Musse, 2005).

    Para além dessa correção metodológica, convém observar que História e consciência de classe se insere em outro cenário, moldado por novas circunstâncias históricas – entre as quais cabe destacar a sucessão de insurreições operárias que só foram derrotadas definitivamente alguns meses depois da publicação do livro, no outono de 1923 – que permitiram a Lukács vivenciar um contexto semelhante àquele que levou o jovem Marx a expor sua teoria como “expressão pensada do processo revolucionário”.

    Notas

    1 Lukács (1981), Entwicklungsgeschichte des modernen Drama. O livro comenta a dramaturgia, entre outros, dos seguintes autores: Lessing, Schiller, Goethe, Hebbel, Ibsen, Strindberg, Gerhart Hauptmann, Anton Tchékhov, Maurice Maeterlinck, Bernard Shaw, Oscar Wilde, Gabriele d’Annunzio e Hugo von Hofmannsthal. Um dos capítulos foi publicado, em 1914, na então mais prestigiosa revista acadêmica alemã, os Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik, sob o título “Zur Soziologie des modernen Dramas”.

    2 Lukács destaca, entre suas leituras nesse período, a Filosofia do dinheiro, de Georg Simmel, e os textos de Weber sobre o protestantismo (cf. Lukács, 2008a, p.38).

    3 Lukács (2008b), “Sobre a essência e a forma do ensaio: Uma carta a Leo Popper”. Rejeitado em seguida pelo próprio autor, esse texto foi recuperado e desdobrado, quase meio século depois, em Adorno (2003), “O ensaio como forma”.

    4 O manuscrito, iniciado em Florença no inverno de 1911-1912, só veio a lume, em 1974, numa edição organizada por György Márkus e Frank Benseler, sob o título Heidelberger Philosophie der Kunst 1912-1914 (Lukács, 1974b). Para uma apresentação da “primeira” estética de Lukács, ver Tertulian (2008) e Almeida da Silva (2008).

    5 Weber avaliava que esse texto, com sua pretensão sistemática, constituía a melhor opção que Lukács dispunha para desenvolver e apresentar como tese de habilitação, exigência obrigatória para o ingresso na carreira de professor na Universidade alemã. Embora contrariado, ele acabou aceitando a sugestão de Weber. A partir desse manuscrito, redigiu a tese com a qual pleiteou a habilitação em 25 de maio de 1918 junto à Universidade de Heidelberg. Apesar dos apoios, sua postulação foi recusada. A tese também só foi publicada postumamente, sob o título Heidelberger Ästhetik 1916-1918 (Lukács, 1974a).

    6 “O romance é a epopéia de uma era para a qual a totalidade extensiva da vida não é mais dada de modo evidente, para a qual a imanência do sentido à vida tornou-se problemática, mas que ainda assim tem por intenção a totalidade” (ibidem, p.55).

    7 Na entrevista autobiográfica Pensamento vivido, Lukács (1999, p.33-4) relata que – além das tarefas de organização do grupo Thalia e da tradução para encenação de O pato selvagem, de Ibsen -, ciente das insuficiências da crítica impressionista, dedicou-se nesse período ao estudo de obras teóricas, especialmente as de Kant, Dilthey e Simmel.

    8 Apesar e talvez por conta dessa admiração, Lukács (1999, p.40-2) confessa que manteve escasso contato pessoal com eles.

    9 Para um relato pessoal desses encontros e das opiniões de Weber sobre seus contemporâneos, ver Honigsheim (1968).

    10 Décadas depois, Ernst Bloch intriga-se ainda com o fato de Lukács, um opositor declarado da guerra, ter acatado o alistamento militar (ver a entrevista concedida a Michael Löwy (1979, p.284-5) em Para uma sociologia dos intelectuais revolucionários). Em Pensamento vivido, Lukács (1999) esclarece que contava com a influência de seu pai, então diretor-presidente de um banco de crédito – e a corrupção vigente nas altas esferas da sociedade húngara – para conseguir sua liberação.

    11 Ministraram conferências lá, além de Lukács, entre outros, Karl Mannheim, Arnold Hauser, Béla Balázs, Ervin Szabó, Béla Bartók, Eugene Varga e Béla Fogarasi.

    12 Prefácio (1962) de A teoria do romance e Prefácio (1967) aos Frühschriften II (em Lukács, 2003, p.1-50). Nesses textos, Lukács desenvolve de forma pormenorizada a descrição esboçada em 1933 no artigo “Meu caminho para Marx” (Lukács, 2008a).

    13 Lukács reconhece afinidades com Windelband, Rickert, Simmel e Dilthey, mas não com os pensadores da tendência que denomina “idealismo subjetivo extremo” – os neokantianos da escola de Marburgo e Ernst Mach (ver Lukács, 2008a, p.38).

    14 Ele reconhece aí sua dívida para com a correspondência Schiller-Goethe, no que tange à questão dos gêneros literários, e de Friedrich Schlegel e Solger, no tratamento do conceito de ironia.

    15 No Prefácio de 1967, ele destaca: “Se a Fausto é permitido abrigar duas almas em seu peito, porque uma pessoa normal não pode apresentar o funcionamento simultâneo e contraditório de tendências intelectuais opostas quando muda de uma classe para outra em meio a uma crise mundial?” (Lukács, 2003, p.4).

    16 No Prefácio de 1962 para A teoria do romance, Lukács menciona explicitamente Jean-Paul Sartre, Ernst Bloch e Theodor W. Adorno.

    17 Nos relatos autobiográficos, Lukács, conforme a conjuntura, ora ilumina ora joga sombra sobre os autores que leu. Em “Meu caminho para Marx” menciona Marx, Simmel, Weber, Dilthey, Windelband, Rickert, Hegel, Feuerbach, Szabó, Rosa Luxemburg e Lenin. No Prefácio de 1962, adiciona a esse catálogo Bergson, Friedrich Schlegel, Solger, a correspondência Goethe-Schiller, Kierkegaard, Bloch, Tolstói e Dostoiévski. O roteiro de Pensamento vivido completa a lista com o acréscimo de Paul Ernst, Mehring, Lessing, o romantismo de Iena, Schopenhauer, Nietzsche e Georges Sorel.

    18 Kierkegaard (1986). Sobre a teoria das “esferas”, ver também Adorno (2010, p.193-231).

    19 Para uma descrição dos dilemas éticos de Lukács antes de aderir ao Partido Comunista ver Lukács (1979).

    20 Para uma exposição do papel de Engels na gênese da tradição marxista, ver Musse (2000).

    Referências

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    Ricardo Musse é professor do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP

  • Londres: como ficam as liberdades de expressão e imprensa?

    Londres: como ficam as liberdades de expressão e imprensa?

    The_GuardianO premiê David Cameron ordenou contatar diretores do jornal The Guardian para pressioná-los a destruir informação polêmica que ele prefere esconder.  Esta é a mais recentes notícia do Reino Unido, um dos paladinos da democracia ocidental.

    Mas a história não termina aí. Ante a negativa da publicação de obedecer, a decisão foi enviar agentes da segurança para fazer o trabalho: eliminar os arquivos secretos filtrados pelo ex-analista da inteligência estadunidense Edward Snowden.

    “Os estados membros da União Europeia (UE), incluído o Reino Unido, fazem um estardalhaço quando algo semelhante ocorre em países de outros continentes”, alertaram os integrantes do grupo Socialistas e Democratas do Parlamento Europeu.

    É um escândalo, agregaram, a maneira como as autoridades britânicas intimidaram o jornal e violaram os direitos que protegem as liberdades de informação e expressão.

    Em 20 de agosto, o editor do jornal britânico The Guardian, Alan Rusbridger, havia denunciado que agentes do Quartel Geral de Comunicações do Governo (GCHQ) destruíram os discos rígidos dos computadores que armazenavam as informações secretas providas por Snowden.

    Segundo o jornalista, o fato ocorreu quando já haviam recebido várias advertências por parte do Governo a respeito da necessidade de destruir os dados.

    Faz um tempo, “fui contatado por um alto oficial que dizia representar a posição do premiê David Cameron. Em seguida ocorreram duas reuniões nas quais ele demandou a devolução ou destruição de todo o material em que estávamos a trabalhar”, explicou.

    O jornal não obedeceu à solicitação, agregou, o que suscitou novos encontros com figuras governamentais, nas quais a demanda era a mesma: entregar toda a informação de Snowden ou destruí-la.

    CONFIRMADA DENÚNCIA: A ORDEM VEIO DE DOWNING STREET

    Um dia depois, a denúncia de Rusbridger confirmou-se e a fonte foi o próprio Governo: o premiê em pessoa tinha ordenado ao servidor público de seu gabinete Jeremy Heywood executar as ações que já conhecemos.

    Com ar de infalível lorde inglês, o porta-voz de Downing Street – assim se conhece a residência do chefe de governo pela rua onde se localiza -, Nick Clegg, explicou ao mundo as razões da intromissão governamental no trabalho da imprensa: a preservação da segurança nacional.

    Se essas informações caem em mãos equivocadas, declarou, poderiam significar uma ameaça para a segurança do Reino Unido.

    E que elementos arriscados estão nos documentos secretos filtrados por Snowden?

    Em essência, a maneira como os serviços secretos (NSA) dos Estados Unidos operam para vigiar milhões de pessoas em seu país e no mundo inteiro, espionando as comunicações de telefone e Internet, com a colaboração de seus pares de outras nações, principalmente da inteligência britânica.

    Desde meados de junho último, os jornais The New York Times e The Guardiancomeçaram a publicar as informações confidenciais filtradas pelo ex-analista da NSA, que pouco depois teve que fugir das autoridades de seu país e asilar-se na Rússia.

    As revelações causaram um reboliço mundial, pois evidenciaram um assalto à privacidade cidadã em níveis que as pessoas e alguns governos não parecem estar dispostos a tolerar.

    De fato, recentemente conheceu-se que a segurança norte-americana tem capacidade para espiar mais de 75% de todo o tráfico na Internet nesse país.

    Depois das primeiras informações sobre a questão, Washington e Londres, protagonistas da espionagem, apressaram-se a justificar o programa de vigilância com palavras mágicas: segurança nacional e luta contra o terrorismo, como se o planeta já não tivesse demasiados conflitos em nome dessa mesma desculpa (diga-se Iraque, Afeganistão e Líbia, entre outros).

    Não obstante, os acontecimentos recentes parecem indicar que o Reino Unido decidiu a pôr um entrave à onda de descobertas, sem se importar o quão longe devia chegar.

    DETENÇÃO E APREENSÃO NO CASO SNOWDEN

    David Miranda e seu parceiro Glenn Greenwald, jornalista de The Guardian. Miranda foi detido pela polícia inglesa no aeroporto de Heathrow. Foto: Marcelo Piu / AFP / Getty

    David Miranda e seu parceiro Glenn Greenwald, jornalista de The Guardian. Miranda foi detido pela polícia inglesa no aeroporto de Heathrow. Foto: Marcelo Piu / AFP / Getty

    O jornalista do The Guardian que divulgou os documentos de Snowden se chama Glenn Greenwald e seu colega, o brasileiro David Miranda, foi detido de maneira surpreendente a 18 de agosto último no aeroporto Heathrow de Londres, quando fazia escala em um trajeto de Berlim ao Rio de Janeiro.

    As autoridades mantiveram-no retido por nove horas, durante as quais o interrogaram, ameaçaram e lhe apreenderam todos os dispositivos eletrônicos que levava consigo.

    Um dia depois, Miranda denunciou a ilegalidade de sua detenção, posição que o governo do Brasil apoia e assim o expressa publicamente em pronunciamentos diplomáticos. Neste sentido, os senadores do país sul-americano exigiram explicações pela ação que qualificaram de injustificada a partir da ausência de evidências concretas contra o jovem.

    Por sua vez, a polícia defendeu seus procedimentos e assegurou que estavam baseados, uma vez mais, nas leis de luta contra o terrorismo, pois Miranda poderia levar consigo dados potencialmente úteis para os terroristas.

    Mais tarde, a ministra britânica de Interior, Theresa May, declarou conhecer de antemão que as autoridades policiais deteriam o brasileiro e assegurou apoiar totalmente esta decisão.

    Em resumo, o sucedido deixa poucas dúvidas a respeito de duas questões: primeiro, o Reino Unido tem realizado atos extremos dirigidos a impedir a continuidade das polêmicas revelações de Snowden; segundo, tudo tem ocorrido com a anuência, e inclusive, sob as ordens dos mais altos dirigentes do Governo do país.

    “As medidas tomadas pelas autoridades britânicas em torno do The Guardian estão fora de sintonia com os postulados desse país sobre os direitos humanos universais, incluída a área dos meios de comunicação, a proteção dos direitos de jornalistas e da privacidade”, observou a respeito o porta-voz da chancelaria russa, Alexander Lukashevich.

    ESTAMOS NA ERA DA INTERNET

    Para o editor Rusbridger os fatos recentes constituem um indício de um perigo à espreita: a profissão jornalística pode enfrentar no futuro grandes complicações para seu funcionamento, derivadas do grande aparelho de vigilância articulado pelo Estado.

    “Não estamos nesse ponto, mas pode não passar muito tempo antes de que seja impossível para os jornalistas ter fontes confidenciais. A informação, de fato, a vida humana em 2013, deixa já demasiada impressão digital”, assinalou.

    Mas essa moeda tem outra face: na era das novas tecnologias, ainda que alguém apague ou apreenda informação, nunca poderá confirmar com a certeza total de que não existam outras cópias.

    Ao referir-se ao assunto, o presidente dos socialistas e democratas do Europarlamento, Hannes Swoboda, considerou que a destruição dos arquivos de The Guardian foi um ato simbólico, pois se sabe que há cópias da informação em outros lugares.

    Por sua vez, Rusbridger vaticinou que os jornalistas continuarão pacientemente fazendo seu trabalho: “seguirão as revelações, ainda que já não sejam de Londres”.

    Luisa María González é jornalista da redação Europa de Prensa Latina

     

    Carter apoia Snowden: “EUA não tem uma democracia que funcione” – por CONTRAINJERENCIA
    Jimmy Carter

    Jimmy Carter

    O ex-presidente do EUA Jimmy Carter criticou a atividade da Agência de Segurança Nacional dos EUA, ressaltando que “os EUA não tem uma democracia que funcione”.
    Durante seu discurso em um evento de portas fechadas da associação Atlantik-Brücke, em Atlanta (EUA), Jimmy Carter criticou o serviço de inteligência dos Estados Unidos e disse que o fato de os cidadãos americanos tomarem conhecimento do programa de espionagem interna da Agência de Segurança Nacioal (NSA) é algo “benéfico” para eles.
    “Na atualidade, os Estados Unidos não tem uma democracia que funcione”, diz o jornal alemão Der Spiegel citando o ex-presidente dos EUA.
    Segundo o Der Spiegel, Carter também expressou um pessimismo geral para com a situação global. “Não há nenhuma razão para ser otimista”, disse Carter referindo-se a situação no Egito. Ele também lamentou a crescente dissidência política nos EUA, a influência excessiva do dinheiro nas campanhas eleitorais dos EUA e as confusas regras eleitorais americanas.
    Carter destacou o triunfo da tecnologia moderna que “ajudou as revoluções em alguns dos países da Primavera Árabe, levando-os a um progresso democrático”, mas ressaltou que, devido à atividade da NSA, plataformas como o Google e o Facebook perderam credibilidade em todo o mundo.

    Não é a primeira vez que Jimmy Carter criticou abertamente a atividade NSA. “Eu acho que a invasão de privacidade já foi longe demais”, disse Carter à CNN em outra ocasião. “E eu acho que o segredo em torno dele [o programa de espionagem] foi excessivo”.

    No ano passado, ele escreveu um artigo para o The New York Times alegando que os Estados Unidos “perderão a sua autoridade moral” se continuarem a privar sues cidadãos de seus direitos civis. “Numa altura em que as revoluções populares estão varrendo o mundo, os Estados Unidos devem fortalecer, e não enfraquecer, as regras básicas do direito e os princípios da justiça, enumerados na Declaração Universal dos Direitos Humanos”, escreveu Carter. “Mas, em vez de tornar o mundo mais seguro, a violação dos direitos humanos nos Estados Unidos encoraja nossos inimigos e aliena os nossos amigos.”
    Tradução: Gabriel Alvarez
    Fonte: Controvérsia