Autor: Redação Lauro Campos

  • Curso On-Line – “150 anos da Comuna: Estamos aqui pela Humanidade!”

    Curso On-Line – “150 anos da Comuna: Estamos aqui pela Humanidade!”

    Curso On-Line – “150 anos da Comuna: Estamos aqui pela Humanidade!”

    A Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, em comum com a Biblioteca Lívio Xavier e a Secretaria de Formação do PSOL CE, ofertam à militância dos movimentos sociais a realização do curso “150 anos da Comuna: Estamos aqui pela Humanidade!

    Proclamada em 18 de março de 1971, a Comuna foi uma verdadeira “tomada dos céus” pela classe trabalhadora parisiense, em resposta ao abandono da capital pelo governo francês ante a iminente invasão pelo exército prussiano. Entre os dias 18 de março e 27 de maio de 1871, a Comuna sitiada soube resistir de armas nas mãos, enquanto tomava medidas que abriam caminho para a emancipação política e econômica das forças do trabalho diante da dominação do capital.

    Inscreva-se já

    “Comuna foi formada por conselheiros municipais, eleitos por sufrágio universal nos vários bairros da cidade, responsáveis e revogáveis em qualquer momento. A maioria dos seus membros eram naturalmente operários ou representantes reconhecidos da classe operária. A Comuna havia de ser não um corpo parlamentar mas operante, executivo e legislativo ao mesmo tempo. Em vez de continuar a ser o instrumento do governo central, a polícia foi logo despojada dos seus atributos políticos e transformada no instrumento da Comuna, responsável e revogável em qualquer momento. O mesmo aconteceu com os funcionários de todos os outros ramos da administração. Desde os membros da Comuna para baixo, o serviço público tinha de ser feito em troca de salários de operários. Os direitos adquiridos e os subsídios de representação dos altos dignitários do Estado desapareceram com os próprios dignitários do Estado. As funções públicas deixaram de ser a propriedade privada dos testas-de-ferro do governo central. Não só a administração municipal mas toda a iniciativa até então exercida pelo Estado foram entregues nas mãos da Comuna.” (Marx)

    A Comuna, assim como registrado por Euclides da Cunha sobre Canudos, não se rendeu, resistiu até o esgotamento completo. Após 72 dias de resistência heroica, a Comuna foi finalmente derrotada no dia 21 de maio, pelas tropas do próprio exército francês, que invadiram Paris, dando início à infame “Semana sangrenta”, na qual foram mortos 20 mil partidários da Comuna, além de mulheres e crianças. Nas semanas seguintes, 38 mil rebeldes foram presos e 7.500 deportados. A perseguição aos Comunnards perdurou até 1880, quando finalmente foi conquistada a anistia para esses heróis da classe trabalhadora.

    150 anos depois de seu esmagamento, a Comuna segue inspirando com seu heroísmo e realizações o programa da transformação radical da sociedade no século XXI. A realização desse curso visa fomentar a memória desse acontecimento épico, para que não caia no esquecimento das novas gerações de lutadoras e lutadores sociais, e que se debata sobre o significado histórico e a importância política e programáticas para as lutas presentes.

    Sobre o curso:

    Ministrante: Nilo Sérgio Aragão. Um dos fundadores do PSOL, foi membro da primeira Direção Nacional do partido. Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Ceará (UFC), mestrando em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará.

    Plano de aulas: 3 (três) encontros de 90 minutos cada, com exposição e diálogo entre os participantes. No primeiro encontro, a aula será precedida de uma breve abertura, com falas dos organizadores do curso e do marxista Michael Lowi. As aulas começarão sempre às 18h30.

    23/04 – “Os tempos dos Comunnards: Revolução Industrial, lutas operárias e Internacionalismo”.
    30/04 – “Marx e A Comuna de Paris”.
    07/05 – 3º Encontro: “A Comuna e Nossos Tempos”.

    Bibliografia sugerida para leitura:

    ARCARY, Valério. A Comuna de Paris e a Teoria da Revolução em Marx e Engels: 1871 – 1895. in BOITO Jr, Armando A Comuna de Paris na História, Xamã, 2001.
    BATALHA, Cláudio. Três visões da Comuna de Paris: Benoît Malon, Louise Michel, Prosper-Olivier Lissagaray, in BOITO Jr, Armando A Comuna de Paris na História, Xamã, 2001.
    BENSAID, Daniel e LÖWY, Michael. Auguste Blanqui, Comunista Herege, in BENSAID & LÖWY, Centelhas, São Paulo, Boitempo, 2017.
    LOURENÇO, Fernando. “Delito de Lesa-Humanidade”: os parlamentares do Império brasileiro frente à Comuna de Paris. in BOITO Jr, Armando A Comuna de Paris na História, Xamã, 2001.
    LÖWY, Michael. A cidade, lugar estratégico do enfrentamento das classes – Insurreições, barricadas e haussmannização de Paris nas Passagens de Walter Benjamin. Margem Esquerda: ensaios marxistas, n. 8.
    MARX,. Karl. A Guerra Civil na França. São Paulo: Boitempo Editorial, 2011.
    MARX, Karl. O Capital: crítica da Economia Política. Livro 1. São Paulo: Boitempo, 2013. Ilustração da Lei Geral da Acumulação Capitalista, Capítulo 23, seção 5.
    MARX, Karl. Crítica do programa de Gotha. São Paulo: Boitempo, 2012.

  • Observatório da Democracia promove debate sobre a participação das mulheres na luta democrática

    Observatório da Democracia promove debate sobre a participação das mulheres na luta democrática

    Observatório da Democracia promove debate sobre a participação das mulheres na luta democrática

    No próximo dia 12 de março, o Observatório da Democracia realizará a conferência online “A Presença e a Participação das Mulheres para Conquistar a Democracia”. O debate contará a participação de Jane Neves, da Fundação Astrogildo Pereira; Márcia Campos, do Instituto Claudio Campos; Bernadete Menezes, da Fundação Lauro Campos / Marielle Franco; Miguelina Paiva Vecchio, da Fundação Leonel Brizola; Ana Prestes, da Fundação Maurício Grabois; Lídice da Mata, deputada federal pelo PSB da Bahia; Zenaide Maia, Senadora pelo PROS da Paraíba; e Benedita da Silva, deputada federal pelo PT do Rio de Janeiro. A mediação será feita por Luciana Capiberibe, comunicadora da Fundação João Mangabeira.

    O evento será transmitido às 17h do dia 12/3 no canal de Youtube do Observatório da Democracia.

  • 8M: transformar esperanças

    8M: transformar esperanças

    8M: transformar esperanças

    Mulheres simples e anônimas me ensinaram a paciência de quem luta para vencer a opressão que sufoca e a coragem de enfrentar o que parece impossível mudar.

    Com elas aprendi a abrir brechas de rebeldia no conformismo do presente, a encharcar de indignação o solo que alimenta o sonho de liberdade, a transformar esperanças em passos que aproximam o hoje ao amanhã.

    Em suas aulas sigo aprendendo as lições que fazem a vida vencer.

    Emilio Gennari.
    8 de março de 2021.

     

     

  • O Estado, seus objetivos e suas possibilidades . Por Francisvaldo Mendes

    O Estado, seus objetivos e suas possibilidades . Por Francisvaldo Mendes

    O Estado, seus objetivos e suas possibilidades

    Por Francisvaldo Mendes, presidente da FLCMF

    O Estado é um instrumento para organizar a opressão ao cidadão em favor daqueles que detêm o lucro, controlam a exploração para a classe que domina, não sendo possível disputar a sua essência.

    O Estado não garante o Bem Estar da População, apenas ameniza para uma parcela afim de manter o povo contra o povo para deixar que os governantes administrem tranquilamente em favor de alguns com todas as contradições existentes. O Estado se compõe pela totalidade por aqueles que usufruem da estrutura do aparato Estatal para seus negócios privados, como exemplo a mansão de 6 milhões do filho do presidente.

    No caso do Brasil, por exemplo, o Estado é organizado para beneficiar o sistema financeiro a qual chamam de “mercado” e afirmam isso categoricamente com a complacência da imprensa que não esclarece para a população que o mercado são os banqueiros e investidores que controlam a política. Ou seja, só quem tem muito dinheiro que controla a política.

    As vezes perdem o controle do processo eleitoral e fazem acordos para administrar o Estado, mas impõem condições para deixarem aquele político no cargo como fizeram com o PT. E por isso, o PT administrou mais de 13 anos aceitando a condição do “mercado”. Assim aparece que está em disputa a administração do Estado por um partido mais progressista ou um partido democrático.

    Importante ressaltar que no Brasil, há 33 partidos legalizados pelo Tribunal Superior Eleitoral, mas apenas 10% aproximadamente são partidos que defendem a transformação social sendo os demais apenas siglas de negócio no mundo eleitoral, pois não há diferentes posições, práticas, trajetórias e identidades sociais. Senão vejamos, a realidade social do Brasil, na qual mulheres e negros são maioria na sociedade brasileira, estão longe de ser a mesma realidade no parlamento e em todos os cargos de poder. Aparentemente se apresenta como uma pluralidade na disputa, mas a estrutura é para manter os representantes do poder econômico na estrutura política do País.

    Devemos compreender que o Estado não é um ambiente para a melhorar a sua vida. O Estado atua para ampliar o lucro de alguns que controlam a política para seus interesses pessoais na atuação em repasses de verbas, investimentos e comprometimentos da verba pública para suas empresas.

    O Estado atua para controlar a sociedade civil e não se dobrará para se colocar em disputa para as várias organizações sociais. Mas isso não significa que devemos abrir mão em fazer o combate nas suas estruturas, mas temos que saber que essa disputa sempre será limitada pelo próprio desenho do Estado.

    A atuação nas brechas do estado ajuda as organizações ganharem folego na auto organização da sociedade civil, inclusive para combater a exploração que o próprio Estado pratica sob a égide dos interesses dos proprietários dos meios de produção.

    E assim que os grandes proprietários ampliam sua riqueza material, controlando o Estado, e quando o seu poder de controle está ameaçado pela regra democrática, procura-se esvaziar o poder do Estado retirando o patrimônio construído com o dinheiro público através da privatização de cada instituição.

    As concessões ou privatizações são propagandeados como modernização e ganham a mente de muitas pessoas que não entendem o papel do Estado e assim defendem entregar um patrimônio que é de todos para um empresário que o prejudicará futuramente.

    Por exemplo a saúde, que com os planos privados, agora não conseguem atender a pandemia na qual vivemos. Por outro lado, se houvesse uma estrutura do SUS bem equipada, estaríamos enfrentando essa tragédia humana com muito mais vigor e condições materiais. E muitos que defenderam os planos de saúde contra o SUS – público e de qualidade – para todos, hoje são deixados à própria sorte por atendimento médico.

    Por isso é importante destacar que o Estado está abertamente na mão dos proprietários das riquezas do pais, e me arrisco a dizer que 99% deles nem vive no Brasil, apenas comandam e manipulam os mecanismos de controle da nação (a política, os meios de comunicação e o judiciário).

    E essa é uma reflexão que precisa ampliar e promover canais de diálogo para a compreensão da maioria das pessoas, pois, são as pessoas que podem alterar a história, se conseguir entende-la.

    O Governo atual de Bolsonaro aplica uma política deliberada de imposição da necropolitica condenando as cidades ao fracasso administrativo sem condições de garantir água potável e esgoto, habitação decente, emprego e saúde com o caos dos leitos lotados. São consequências de uma política do sistema capitalista, da lógica do dinheiro, do “mercado” e sem nenhum compromisso com a vida. Essa é a realidade que vivemos hoje, sem quaisquer ilusões, onde a vida está cada vez mais desprezada esperando ser descartada.

    Pois então, está colocado um desafio central: buscar lutar por espaços que acumulem forças, que invistam em formação coletiva, organização e no crescimento coletivo para superar esta dura realidade imposta que é aprofundada nos dias atuais com aumento das desigualdades que massacram a vida com as ações organizadas indiretamente pelo Estado.

  • Curso On-Line . 150 anos de Rosa Luxemburgo: vida, obra e atualidade

    Curso On-Line . 150 anos de Rosa Luxemburgo: vida, obra e atualidade

    Curso On-Line . 150 anos de Rosa Luxemburgo: vida, obra e atualidade

    “Naquela época eu acreditava firmemente que a ‘vida’,
    a vida ‘verdadeira’,
    estava em algum lugar distante,
    lá longe, por cima dos telhados.
    Desde então viajo em seu encalço.
    Mas ela sempre se esconde por detrás de um telhado qualquer.”

    Rosa Luxemburgo nasceu no dia 5 de março de 1871 na Polônia. Suas formulações e sua militância política marcaram o socialismo do fim do século XIX e início do século XX, o que a torna uma referência incontornável na luta contra toda forma de exploração e opressão.

    O resgate de sua vida e obra, para além de caricaturas políticas, é uma bela forma de celebrar os 150 anos de seu nascimento. Além disso, suas ideias não são apenas objeto de mera curiosidade histórica para a esquerda atual. Partindo de suas interpretações sobre democracia, desenvolvimento do modo de produção capitalista e revolução é possível buscar pistas sobre a situação histórica atual.

    INSCREVA-SE

    Dessa forma, a Secretaria de Formação do PSOL/CE e a Biblioteca Lívio Xavier convidam a todas e todos que se interessam na vida e na obra de Luxemburgo a participar do curso “150 anos de Rosa Luxemburgo: vida, obra e atualidade”.

    Baixe o livro que será utilizado durante o curso

    Os encontros iniciarão às 18:30 (horário de Brasília) e serão realizados por meio da plataforma da Fundação Lauro Campos e terão uma duração de cerca de 90 minutos. Os primeiros 60 minutos compreenderão a realização de uma pequena mística de abertura, a contextualização do tema de discussão do dia e a exposição do pensamento de Rosa Luxemburgo. Os 30 minutos restantes serão dedicados a discussões com os(as) participantes.

    Utilizaremos o livro “Rosa Luxemburgo: textos escolhidos”, organizado por Isabel Loureiro, como material base.

    O calendário do curso é o seguinte:

    12/03/2021 – Ato em homenagem a Rosa Luxemburgo e Marielle Franco + Abertura do curso
    No início das atividades, realizaremos uma pequena homenagem à vida de Rosa Luxemburgo e Marielle Franco. Camaradas da Fundação Lauro Campos, do PSOL/CE e da Escola Nacional Florestan Fernandes realizarão um ato que durará cerca de 45 minutos. Em seguida, ocorrerá a abertura do curso intitulada “Por que ler Rosa Luxemburgo no Brasil de hoje?”. Nesse momento serão expostos alguns elementos da vida e obra de Luxemburgo, bem como a exposição da dinâmica do curso.

    19/03/2021 – Os primeiros escritos e a questão da democracia
    A tônica do primeiro encontro é a democracia nos primeiros escritos de Luxemburg. Apresentaremos brevemente os anos iniciais de militância de Rosa Luxemburg, pouco analisados. Entre 1893 e 1898 a autora se dedicou à análise do desenvolvimento do capitalismo na Polônia e às implicações políticas desse desenvolvimento para o movimento socialista polonês. Tratando da Polônia, a autora apresenta a ideia de “democratização das estruturas estatais” do Império Russo. O tema da democracia é desenvolvido em seguida na sua polêmica com Eduard Bernstein em, “Reforma social ou revolução?”, texto base do encontro.

    26/03/2021 – “No princípio era a ação”: Rosa Luxemburg e a Revolução de 1905
    No segundo encontro analisaremos o impacto da Revolução Russa de 1905 sobre Luxemburgo. Neste encontro analisaremos a interpretação que Rosa Luxemburgo dá à “massa” e a relação da “massa” com as organizações políticas. O texto de base será “Greve de massa, partido e sindicato”.

    09/04/2021 – A crise da social-democracia e a Primeira Guerra Mundial
    No dia 04 de agosto de 1914 o Partido Social Democrata Alemão (SPD) vota a favor dos créditos de guerra solicitados pelo Imperador Guilherme II. Dessa forma, a I Guerra Mundial eclode com o apoio do maior partido socialista. Esse episódio marca o fim da II Internacional e do próprio SPD como um partido revolucionário. No terceiro encontro iremos analisar como Luxemburgo percebeu o avanço do oportunismo no SPD e sua análise sobre o surgimento do imperialismo. O texto de base será “A crise da social-democracia”, também conhecido como “Panfleto Junius”.

    16/04/2021 – “Eu fui, eu sou, eu serei”: Rosa Luxemburgo e as Revoluções Russa e Alemã
    No último encontro, analisaremos a Revolução Russa de 1917 e a interpretação de Luxemburgo sobre ela. Presa desde 1915, Luxemburgo acompanha de perto a evolução dos acontecimentos na Rússia e da própria cadeia redige seu panfleto “A revolução russa”, base para a discussão do último encontro. Analisaremos as esperanças da autora quanto a experiência socialista russa e suas críticas à política implantada pelos bolcheviques. Por fim, veremos brevemente a atuação da autora no início da Revolução Alemã.

    O curso será ministrado por Antonio Mota Filho, doutorando em Desenvolvimento Econômico (Unicamp). Sua pesquisa de doutorado trata da economia política do internacionalismo desenvolvida por Luxemburgo. Realizou estágio de pesquisa doutoral na “École des Hautes Études en Sciences Sociales”, em Paris, sob a supervisão de Michael Löwy.

  • Racismo e branquidade na transformação social . Por Danilo Moura

    Racismo e branquidade na transformação social . Por Danilo Moura

    “(…) Pois o desrespeito das elites pensantes brasileiras com as coisas do negro sempre foi a marca maior da ideologia deste país. As elites pensantes brasileiras, como subsidiárias do pensamento europeu/estadunidense, durante séculos vêm produzindo pilares ideológicos que dão sustentação ao preconceito, ao racismo, à discriminação que sempre se viu e se vê no Brasil” . Fernando Conceição¹

    Racismo e branquidade na transformação social

    O racismo não pode ser reduzido ao preconceito de cor ou mesmo de raça. Ele precisa ser compreendido como produto de quase quatro séculos de escravização dos povos africanos, ao longo da etapa de acumulação do capital no estágio mais primitivo. O que significa dizer que é parte constitutiva da identidade nacional

    Por Danilo Moura

    Escrever sobre o racismo no Brasil é uma tarefa intrigante, em parte por ser um tema já amplamente debatido, remoído e de aparentes obviedades, mas também por ser uma questão que teimam em colocar no campo das subjetividades pessoais e sempre caindo no velho “não é bem assim” ou “vocês vêm isso em tudo”. O fato é que o falar sobre o racismo em nosso país é tão cansativo quanto necessário e a cada vez que se fala é necessário “repassar” conceitos básicos e triviais, quase como se tivesse que ensinar ao seu filho a engatinhar toda vez que for sair de casa, mesmo ele já tendo corrido a casa inteira.

    A branquidade é um lugar de vantagem estrutural na dominação racial, um ‘ponto de vista’, um lugar a partir do qual se vê e vê os “outros” e as ordens nacionais e globais. Superar o racismo implica superar os privilégios da branquidade e isso passa por uma revisão de comportamento da militância, em uma autovigilância permanente

    A primeira coisa que precisa ser dita, praticamente mastigada e regurgitada para compreensão, é que o racismo não pode ser reduzido ao preconceito de cor ou mesmo de raça, precisa ser compreendido como produto de quase quatro séculos de escravização dos povos africanos, ao longo da etapa de acumulação do capital no estágio mais primitivo. O que significa dizer que é parte constitutiva da identidade nacional, assegurado pela perpetuação de relações sociais baseadas na assimetria entre brancos e não brancos, o “branco” como padrão e todos os demais como negação desse padrão, estabelecendo e protegendo privilégios cotidianos e quase invisíveis, de tão naturalizados, ao primeiro grupo.

    Compreender que racismo é, necessariamente e invariavelmente, um produto do processo de escravização e parte orgânica da sociedade brasileira, deve ser suficiente para uma segunda constatação que dela deriva, quase que instintivamente, a de que não é possível racismo reverso ou qualquer outra coisa do gênero, tampouco a afirmação de que o racismo parte ou deriva dos próprios negros.

    Seria preciso inverter completamente as relações sociais, séculos de exploração econômica, negação de valores estéticos, religiosos e epistemológicos, para somente daí acreditar na possibilidade do tal “racismo reverso”.

    Negação de direitos

    Em consequência das constatações anteriores devemos chegar a uma terceira que teima em se esconder e nunca ser debatida que é a “branquidade” e seus privilégios. Ela é tão perversa quanto a negação de direitos e a opressão infligida a negras e negros e os privilégios “naturais” concedidos às brancas e aos brancos, que se perpetuam há séculos, criando distorções econômicas, sociais e de direitos. Em sua obra Racismo e sociedade: novas bases epistemológicas para entender o racismo, Carlos Moore reflete sobre isto:

    “Nas sociedades multirraciais, é por intermédio do fenótipo que se organiza a gestão dos recursos. Na medida em que o racismo visa ejetar esse ‘Outro Total’ do circuito de usufruto dos recursos de um espaço definido, garantindo a marginalização completa, ele almeja a substituição do Outro, a erradicação mediante à assimilação ou qualquer outra forma mais radical. Na origem, o racismo constituiu-se e consolidou-se por intermédio do exercício da agressão, da conquista, da dominação ou do extermínio de qualquer agrupamento humano existente fora dessas redes. Assim, o racismo passa a ser nada menos que uma visão coletiva totalizante, que garante a gestão monopolista e racializada dos recursos, sendo a população-alvo considerada como parte integrante desses recursos”.

    O branco de esquerda tem papel nessa luta e não é de espectador. Para o nosso campo a luta contra o racismo deve ser uma tarefa árdua e um desafio cotidiano para toda a militância, independentemente de lugar no espectro da racialidade

    O silêncio dos brancos de esquerda é tão perverso quanto os gritos racistas do bolsonarismo, exemplo da defesa dos privilégios brancos levados ao extremismo, e se somam à manutenção do racismo. A branquidade é um lugar de vantagem estrutural na dominação racial, um ‘ponto de vista’, um lugar a partir do qual se vê e vê os “outros” e as ordens nacionais e globais. Superar o racismo implica superar os privilégios da branquidade e isso, necessariamente, por uma revisão de comportamento da militância, em uma autovigilância permanente.

    Não se trata de mi mi mi

    Por conseguinte, a esta altura já devemos constatar que o racismo não é uma questão para ser enfrentada e resolvida pelos negros, porque não se trata de “dorzinha”, “mi mi mi”, ou falta de autoestima. Como tudo que é estrutural, somente pode ser superado pelo enfrentamento de contradições e encontrando nas manifestações as formas de resistência e, por fim, de superação.

    O branco de esquerda tem papel nessa luta e não é de espectador. Para o nosso campo a luta contra o racismo deve ser uma tarefa árdua e um desafio cotidiano para toda a militância, independentemente do lugar no espectro da racialidade. Antes de qualquer conclusão precipitada não há nessa posição qualquer tentativa de culpabilidade sobre o que antepassados brancos fizeram, mas o reconhecimento de que isso construiu os privilégios aos quais todo homem branco e mulher branca estão devidamente sentados e usufruindo de uma magnânima vista de uma sociedade racializada e que funciona a seu favor.

    O privilégio da branquidade faz com que manifestantes desarmados defendendo a vida sejam vistos como mais perigosos do que homens brancos armados que invadem o Capitólio construindo um cenário de atentado terrorista

    Recentemente, o centro do capitalismo mundial foi abalado por uma tentativa de golpe, com a ocupação do Capitólio dos EUA no dia em que seria feita a homologação da vitória de Joe Biden. O que saltou aos olhos foi a diferença no contingente policial e no tratamento destes aos manifestantes em comparação ao que foi visto nas manifestações do “Black Lives Matter!” (Vidas Negras importam!). A sobreposição das imagens deixa evidente para qualquer um quem é “mais perigoso” e quem não.

    Sim, o privilégio da branquidade faz com que manifestantes desarmados defendendo a vida sejam vistos como mais perigosos do que homens brancos armados que invadem o Capitólio construindo um cenário de atentado terrorista.

    O preconceito nos shoppings centers

    Vale, ainda como exemplo, lembrar os rolezinhos de 2014, em que a simples presença de corpos negros em determinados ambientes, nesse caso os shoppings centers, aciona um verdadeiro sistema de segurança para proteger e salvaguardar o espaço “naturalmente” destinado para o grupo racial e social privilegiado com o usufruto deste. A branquidade é quem, silenciosamente, alerta a todos no ambiente que tem algo errado, algo está fora do lugar, quem avisa à “gente de bem” que esse é o tipo que não cabe naquele espaço; portanto, enfrentar o racismo é enfrentar seus próprios privilégios.

    Ainda ilustrando, a branquidade estabelece, na mídia e no imaginário social, principalmente a partir da linguagem, a diferença entre o traficante que tinha 200g de maconha e o jovem estudante portando 3kg de cocaína, racionalizando o racismo e promovendo uma falsa sensação de legítimos ao encarceramento e genocídio da população negra. Por tudo isso, não é um exagero afirmar que as populações negras encarceradas são formadas por presos políticos, ou assassinados por motivação política, no Brasil ou onde quer que seja, em vista da condição que o escravismo – racializado nos legou.

    Engana-se quem avalia que o Estado brasileiro é ausente e que nunca teve política pública relacionada a essa questão. O que acontece é que o Estado sempre agiu para manter o status quo dos brancos e, inclusive, com diversas tentativas de “embranquecer” a nação

    Vale resgatar que em 1978, na oportunidade da fundação do Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial (MNUCDR); um grupo de “presidiários” de São Paulo, manifestaram-se do seguinte modo:

    “Do fundo do grotão, do exílio, levamos nosso sussurro a agigantar o brado de luta e liberdade dado pelo MNUCDR. Nós, presidiários brasileiros, contamos com nosso grupo unificado contra a discriminação racial. E aqui estamos no lodo do submundo, mas dispostos a dar nossos corpos e mentes para a ação da luta, denunciar também a discriminação dentro do sistema judiciário. Aqui, no maior presídio da América do Sul. (…) Também tem o seguinte: Se (direito humano) for algo do qual dependemos da sociedade branca para nos conscientizar, algo que se consiga com docilidade de servos, não apresente!… Já estamos fartos de palavras, demagogias, por isso somos um grupo, por isso gritamos sem cessar. Somos negros, somos netos de Zumbi. (E vovô ficaria triste, se nos entregássemos sem lutar…)”

    Estado embranquecedor

    Engana-se quem avalia que o Estado brasileiro é ausente e que nunca teve política pública relacionada a essa questão. O que acontece é que o Estado sempre agiu para manter o status quo dos brancos e, inclusive, com diversas tentativas de “embranquecer” a nação. Basta para isso correlacionarmos o genocídio com as levas de imigrantes europeus.

    O Brasil, depois de quase quatro séculos de escravização de povos africanos e descendentes, após uma abolição incompleta que não concedeu a cidadania e/ou integrou os negros e negras à sociedade, sem realizar referência ao genocídio dos povos originais, ainda não consegue reconhecer os efeitos nefastos do que significou esse período e, por isso mesmo, é incapaz de fazer um acerto de contas com a história. Ainda se fala do racismo como se folclore fosse, homenageia-se escravocratas e se criminaliza aquelas e aqueles que por sentirem na pele as mazelas, levantam-se insurgentes contra as desigualdades.

    A esquerda precisa inaugurar um novo período em que o privilégio da branquidade seja combatido com a mesma voracidade que combate a exploração capitalista e, portanto, incorporar a ideia de que “numa sociedade racista, não basta não ser racista. É necessário ser antirracista”, logo, enfrentar os próprios privilégios e se colocar como aliada das negras, negros, povos indígenas e demais segmentos racialmente excluídos.

    Há no movimento negro quem pense que “os brancos podem ficar do nosso lado nas questões pequenas, mas jamais nas fundamentais”. Entretanto, também há quem pense que é na superação da branquidade e dos privilégios que dela derivam que encontramos o tal “lugar de fala” de boa parte da esquerda e do campo progressista.

    Concluo esse brevíssimo artigo com um alerta às companheiras e aos companheiros da dita esquerda branca, meio clichê e até repetida: no Brasil a revolução será negra ou não será, e como bem dito por um intelectual negro: “se a esquerda não é negra, sejamos nós a esquerda.”

    Danilo Moura é diretor de Articulação Jornal Questões Negras e Membro da Rede Brasileira de Justiça Ambiental;

     

     

    (1)Jornalista, docente da Faculdade de Comunicação da UFBA; no livro: Negritude favelada: a questão do negro e o poder na “democracia racial brasileira”; 1988
    (2)Movimento Negro Unificado; 1978 – 1988 10 anos de luta contra o racismo. São Paulo, Confraria do Livro, 1988; p – 8-9.
    (3)Angela Davis, professora e filósofa socialista estadunidense, ex-integrante do Partido Comunista dos Estados Unidos e dos Panteras Negras.
    (4)Malcolm x, defensor do Nacionalismo Negro nos Estados Unidos, fundador da Organização para a Unidade Afro-Americana.
    (5) Clóvis Moura, sociólogo, jornalista, historiador e escritor brasileiro que desenvolveu a Sociologia da Práxis Negra.

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  • Luta contra o racismo: resistência à opressão do capital global . Por Dennis de Oliveira

    Luta contra o racismo: resistência à opressão do capital global . Por Dennis de Oliveira

    Luta contra o racismo: resistência à opressão do capital global

    O enfrentamento do racismo é o elemento central da construção de um projeto político transformador do país, de ruptura com a ordem capitalista global e de transformação radical das estruturas sociopolíticas. Não se trata de política meramente identitária, tampouco de enfrentar comportamentos disfuncionais, mas de se perceber a luta de classes em sua complexidade e múltiplas implicações

    Por Dennis de Oliveira

    1. A restauração conservadora do século XXI

    A luta contra o racismo no Brasil está diretamente conectada aos movimentos de resistência às novas formas de exploração do capital global. Após o período chamado pelo historiador egípcio Eric Hobsbawm de Era dos extremos, entre 1914 e 1991, ou também chamada por “breve século XX”, o início do terceiro milênio é marcado por uma restauração conservadora.

    Essa restauração tem dois elementos. O primeiro é a vitória das forças lideradas pelos Estados Unidos na Guerra Fria, marcada simbolicamente pela queda do Muro de Berlim em 1989 e o fim da antiga União Soviética em 1991. Tal fato histórico possibilitou uma avalanche ideológica conservadora sem precedentes que deu bases a um processo civilizatório baseado na imposição do paradigma da economia de mercado como discurso único. O segundo é a consolidação da reorganização do modelo de reprodução do capital – processo já iniciado nos anos 1970 como resposta à crise cíclica do capitalismo – com a transformação da produção das grandes plantas industriais em redes globais de nichos produtivos especializados, radicalizando a divisão internacional do trabalho.

    Em 1978, no ato de fundação do Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial, realizado nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo, lideranças de uma organização de encarcerados, chamada Centro de Lutas Netos de Zumbi, denunciaram as condições bárbaras em que os detentos viviam. O ato também foi um protesto contra a tortura e assassinato de um jovem trabalhador negro numa delegacia policial

    Por uma coincidência trágica, tais processos ocorreram no mesmo momento da redemocratização do Brasil, nos anos 1980. Os novos sujeitos coletivos que protagonizaram a luta contra a ditadura militar de 1964/85 ganharam força na arena política e pressionaram na repactuação sociopolítica da Nova República, obtendo conquistas importantes na Constituição de 1988, em especial no tocante aos direitos sociais.

    Importante destacar que o movimento negro foi um dos sujeitos coletivos desse processo. Entretanto o racismo estrutural brasileiro impediu uma maior visibilidade das agendas. Em 1978, no ato de fundação do Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial, realizado nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo, lideranças de uma organização de encarcerados, chamada Centro de Lutas Netos de Zumbi, denunciaram as condições bárbaras em que os detentos viviam.

    O ato de fundação do MNU também foi um protesto contra a tortura e o assassinato de Robson Silveira da Luz – jovem trabalhador da zona oeste da capital paulista -, numa delegacia policial.

    Esses fatos ocorreram três anos depois dos grandes atos de protesto contra o assassinato de Vladimir Herzog, no DOI-CODI, em outubro de 1975, que deu início a uma grande campanha contra as torturas e assassinatos de presos políticos. Nesse contexto, o MNU defendia a tese de que “todo preso comum é também um preso político”, infelizmente não abraçada pelo campo progressista.

    Por que esse fato é importante? No ano de 1988, mesmo ano de promulgação da Constituição, a Escola Superior de Guerra (ESG) – a mesma instituição vinculada às Forças Armadas e que foi o think-tank responsável pela elaboração da Doutrina de Segurança Nacional que permeou toda a lógica político-ideológica da ditadura – lançou um importante documento. Tratava-se de Estrutura do Poder Nacional para o Século XXI – 1990/2000 – Década vital para um Brasil moderno e democrático. No capítulo social foi apontado que os focos desestabilizadores da democracia nesse período foram os cinturões de miséria e os “menores abandonados”. Por esta razão, a ESG defendia a manutenção dos aparatos repressivos constituídos na ditadura.

    No final da ditadura, a Escola Superior de Guerra na prática defendia que os “inimigos internos” deixaram de ser “os opositores do regime” para serem “os moradores da periferia ou dos cinturões de miséria”

    É interessante observar que a pactuação democrática dos anos 1980 não tocou a fundo a mudança nesse item. Mais que isso, a própria transição negociada pelo alto da ditadura para a democracia, entre o final dos anos 1970 e 1980, impediu o pleno julgamento dos agentes da repressão. A Lei da Anistia foi o instrumento normativo que possibilitou isso.

    Assim, o que a ESG na prática defendia é que o “inimigo interno” deixou de ser “os opositores do regime” para “os moradores da periferia ou dos cinturões de miséria”. Visionária ou não, a ESG já preparava o terreno para uma situação de intensificação da miserabilidade com a adoção do modelo neoliberal na economia brasileira que começou com maior força a partir dos governos Collor e Fernando Henrique Cardoso.

    2. As ações do movimento negro e o “Neoliberalismo progressista”

    Nesse período, o movimento negro brasileiro, com todas as dificuldades, teve importantes ações, como a organização de Encontros Nacionais de Mulheres Negras. Neles, lideranças feministas negras apontavam os mecanismos estruturais de opressão sobre a mulher negra. Foram realizados também Encontros Regionais e Nacionais de Entidades Negras. Destaca-se aqui o importante encontro de 1991, na cidade de São Paulo, em que cerca de 600 delegados representando 250 entidades denunciaram o “extermínio programado da população negra e pobre” tendo como base justamente esse documento da Escola Superior de Guerra e apontando a articulação entre racismo, capitalismo e neoliberalismo. Vale também destacar a Marcha da Consciência Negra, de 20 de novembro de 1995, em celebração aos 300 anos de Zumbi dos Palmares e, na sequência a realização do Congresso Continental dos Povos Negros das Américas no Memorial da América Latina, em São Paulo.

    Nos anos 1990, há uma inflexão pontual do projeto neoliberal que, diante das demandas crescentes das populações empobrecidas, passa a incorporar reivindicações pontuais desses movimentos, buscando retirar perspectivas de ruptura. É a corrente que a pensadora Nancy Fraser chama de “neoliberalismo progressista”

    O ano de 1995 foi ímpar por conta da confluência de dois processos políticos. O primeiro foi o acúmulo político-ideológico do movimento negro, que chegou a apresentar um programa político de combate ao racismo ao então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. Ele se tornou o primeiro chefe de Estado a reconhecer o racismo como problema nacional. O segundo, decorrente disso, foi uma inflexão pontual do projeto neoliberal que, diante das demandas crescentes das populações empobrecidas com a intensificação da concentração de renda por conta do novo padrão de acumulação e reprodução do capital, passou a incorporar as reivindicações pontuais desses movimentos, buscando retirar as perspectivas de ruptura. É a corrente que a pensadora Nancy Fraser chama de “neoliberalismo progressista” e que vai ter papel importante em várias conferências internacionais, entre elas a Conferência de Combate ao Racismo de Durban, em 2001.

    Fraser afirma que…

    …foi uma aliança real e poderosa de dois companheiros improváveis: por um lado, as principais correntes liberais dos novos movimentos sociais (feminismo, antirracismo, multiculturalismo, ambientalismo e direitos LGBTQ); por outro lado, os setores mais dinâmicos, de alto nível “simbólico” e financeiro da economia dos EUA (Wall Street, Vale do Silício e Hollywood). O que manteve esse casal estranho junto foi uma combinação diferenciada de pontos de vista sobre distribuição e reconhecimento.

    Mais adiante, a pensadora estadunidense elencou o programa desse bloco:

    O bloco progressista-neoliberal combinava um programa econômico expropriativo e plutocrático com uma política liberal-meritocrática de reconhecimento. O componente distributivo desse amálgama era neoliberal. Determinado a soltar as forças do mercado da mão pesada do Estado e da mina de “impostos e gastos”, as classes que controlavam esse bloco queriam liberalizar e globalizar a economia capitalista. (…) Calhou, desse modo, aos “Novos Democratas” contribuir com o ingrediente essencial: uma política progressista de reconhecimento. Recorrendo às forças progressistas da sociedade civil, eles difundiram um ethos de reconhecimento superficialmente igualitário e emancipatório. O núcleo desse ethos eram os ideais de “diversidade”, “empoderamento” das mulheres e direitos LGBTQ; pós-racialismo, multiculturalismo e ambientalismo. Esses ideais foram interpretados de uma forma específica e limitada que era totalmente compatível com a Goldman Sachsificação da economia dos EUA. Proteger o meio ambiente significava comércio de carbono. Promover a posse da casa própria significava empréstimos subprimes agrupados e revendidos como títulos lastreados em hipotecas. Igualdade significava meritocracia.

    A radicalidade da luta antirracista no Brasil que apontava para uma ruptura com a ordem capitalista neoliberal, enfrentava dois campos: um da extrema direita expressa na proposta da Escola Superior de Guerra, de intensificação dos mecanismos de extermínio; e outro, de uma comoditização das agendas antirracistas dentro dessa proposta do “neoliberalismo progressista”

    A Conferência de Durban foi um palco onde essas visões ideológicas se confrontaram. A radicalidade da luta antirracista no Brasil que apontava para uma ruptura com a ordem capitalista neoliberal enfrentava dois campos: um da extrema direita expressa na proposta da Escola Superior de Guerra, de intensificação dos mecanismos de extermínio; e outro, de uma comoditização das agendas antirracistas dentro dessa proposta do “neoliberalismo progressista”. O Banco Mundial, nesse período, atuou como uma instituição de governança global que financiava programas de enfrentamento da pobreza como “danos colaterais” das políticas de ajuste fiscal preconizadas pelo Fundo Monetário Internacional.

    Uma pessoa importante nesse período que impactou essas discussões foi James David Wolfensohn, empresário australiano radicado nos EUA que atuou como presidente do Banco Mundial, entre 1995 e 2005. Foi justamente nesse período que Wolfensohn colocou o tema do combate à pobreza como central na agenda do Banco Mundial. Porém, a ideia de combate à pobreza ia no sentido de articulá-la dentro da perspectiva de constituição de uma governança global que garantisse o ajuste das economias dos países dependentes aos paradigmas da globalização neoliberal.

    No relatório anual de 2000, o Banco Mundial afirmou que a “pobreza mundial continua sendo um problema de grandes proporções”. Na abertura do relatório, Wolfensohn defendeu a necessidade de se combinar esforços em nível nacional (estabelecendo compromissos do país, abordagem integrada de longo prazo, parcerias e focos nos resultados) e global (na qual o banco se colocou como uma plataforma-suporte para implantação de políticas de combate à pobreza).

    A ação do Banco Mundial se articulou com o FMI (responsável pela imposição dos ajustes macroeconômicos) por meio dos chamados Poverty Reduction Strategy Papers (PRSP), que consistem em trabalhos realizados por países membros do FMI que combinaram ajustes macroeconômicos com políticas de redução da pobreza monitoradas por técnicos do fundo e do Banco Mundial.

    Após esse período, o cenário da luta contra o racismo teve mudanças significativas. Primeiro, a crise do modelo neoliberal no início do século XXI possibilitou o fortalecimento da corrente antineoliberal e, com isso, em vários países da América Latina foram eleitos governos com plataformas desenvolvimentistas ou anticapitalistas. No caso do Brasil, em 2003, com a vitória da frente liderada pelo PT em 2002, várias demandas do movimento social de negros foram institucionalizadas, em especial as ações afirmativas (como a promulgação da Lei Nº 10.639/03, as cotas raciais nas universidades e serviço público, o Estatuto da Igualdade Racial, entre outros). Mais: o modelo de governança participativa proposto pelo PT possibilitou a presença de lideranças do movimento negro em diversos espaços institucionais sem, contudo, haver uma reformulação nas estruturas racistas do Estado brasileiro.

    A resultante disso é que essa participação institucional ocorreu perifericamente, “nas franjas” dos espaços governamentais. Apesar de tudo, houve uma incorporação institucional da energia do movimento negro para tais espaços, configurando um “antirracismo de resultados”, isto é, a luta contra o racismo se deslocou meramente para a eficácia de políticas institucionais.

    Porém, o grande problema é de fundo ideológico. A luta contra o racismo, centrada nas políticas públicas de promoção, consolidou a ideia de que o racismo é um problema de ordem comportamental. Mesmo algumas enunciações de “racismo institucional” e “racismo estrutural”, centram-se em argumentos de comportamentos inadequados de agentes no poder. A diferença é que há aqueles que consideram que é possível uma reforma por meio de mecanismos institucionais – ressaltando os aspectos teoricamente disfuncionais do racismo e que, portanto, por meio do convencimento ou por pressões dos movimentos sociais e outros que desconsideram essa possibilidade, reafirmando uma essencialidade racial que determina os comportamentos preconceituosos.

    3. Os erros do reducionismo “progressista” da luta antirracista

    Como resultado, há uma tendência no campo progressista de reduzir a luta antirracista a dimensão comportamental e enxergar o movimento meramente como “identitário”. Quais são os erros dessa visão?

    Primeiro: a componente racial está diretamente articulada com as hierarquias da divisão internacional do trabalho radicalizada com os novos arranjos produtivos globais. Tais arranjos se organizam da seguinte forma: no topo, os centros produtores e disseminadores de tecnologias e processos, no intermédio, a aplicação das tecnologias e produção manufatureira, e na base, o fornecimento de insumos e matérias primas.

    Essa foi uma zona de enfrentamento dos projetos progressistas na América Latina. Países como Bolívia e Venezuela tiveram que garantir uma situação de bem-estar às populações, como também envidar esforços para retirar as economias dos países da situação de mero fornecedores de matérias-primas.

    No caso do Brasil, país colocado na zona intermediária e que, por situações singulares, tem uma estrutura capacitada de produção tecnológica, a luta foi contra o desmonte das universidades públicas e empresas estatais capazes de induzir cadeias produtivas de maior valor agregado.

    O modelo de governança participativa proposto pelo PT possibilitou a incorporação de lideranças do movimento negro em diversos espaços institucionais sem, contudo, haver uma reformulação nas estruturas racistas do Estado brasileiro

    Nesse sentido, a democratização do acesso tanto a universidades públicas como às empresas públicas, por meio das cotas raciais, permitiu a inserção da população negra nessa produção tecnológica, possibilitando a articulação do desenvolvimento científico-tecnológico às demandas sociais dessas populações.

    Não é à toa que as campanhas direitistas contra Evo Morales e Hugo Chavez, por exemplo, tiveram forte conotação racista. Ideologicamente, tal discurso cristalizou os lugares subalternos desses povos e suas nações no cenário global do capitalismo, assim como o próprio Banco Mundial que historicamente prega o desinvestimento no ensino superior com o argumento populista de que se deve priorizar a educação básica.

    Também esse elemento explica o porquê da USP – a universidade responsável pela esmagadora maioria da produção científica e tecnológica do país e colocada entre as cem maiores do mundo – ter sido a mais resistente em adotar as cotas raciais.

    Ciência e tecnologia é o poder dentro da cadeia global da produção capitalista.

    Um exemplo que deixa isso nítido são as telas de cristal líquido que equipam celulares, produto que envolve uma sofisticação tecnológica desenvolvida nos centros de pesquisa e desenvolvimento sediados nos países centrais do capitalismo e que tem como matéria-prima o mineral coltan, extraído com mão de obra de crianças escravizadas na República do Congo.

    Basta ver a composição étnica dos países em que se situam esses centros de pesquisa sofisticados (bem como os seus integrantes) e do país que fornece a matéria-prima e o insumo (e das crianças escravizadas nesse tipo de trabalho).
    Segundo: o capitalismo brasileiro foi construído a partir do sistema escravista e não significou uma ruptura com a ordem anterior e sim uma transição, como afirma o pensador brasileiro Clóvis Moura.

    Moura defende a ideia de que entre 1850 e 1888 se constituiu uma “modernização sem mudança”, pois a constituição da infraestrutura necessária para o estabelecimento do capitalismo foi feita por meio de inversões de capital estrangeiro, principalmente britânico. Assim, constituiu-se uma aliança entre esse capital e as classes dominantes brasileiras que se, ao mesmo tempo aceitaram serem sócias minoritárias nesse projeto, mantiveram seus privilégios, interditando qualquer possibilidade de constituição de um projeto nacional que implicasse uma aliança com a classe trabalhadora nacional.

    A luta contra o racismo, centrada nas políticas públicas de promoção, consolidou a ideia de que o racismo é um problema de ordem comportamental. Mesmo algumas enunciações de “racismo institucional” e “racismo estrutural”, centram-se em argumentos de comportamentos inadequados de agentes no poder

    O racismo operou, assim, como uma ideologia que sustentou esse projeto de submissão e, inclusive, de transformação da imensa massa de negros e negras ex-escravizados em excedente de mão de obra que possibilitava o rebaixamento geral do valor da força de trabalho. Foram criadas as condições necessárias para a realização do fenômeno da superexploração da mão de obra – isto é, o pagamento em valores inferiores às necessidades de reprodução – elemento essencial do capitalismo dependente, segundo Ruy Mauro Marini.

    Constituiu-se, assim, uma tipologia de Estado que tem como tripé de sustentação a concentração de renda e patrimônio, a concepção restrita de cidadania e a violência como prática política recorrente. Daí as dificuldades de implantação no Brasil de pactuações democráticas efetivas, ainda que dentro dos marcos de uma democracia burguesa liberal clássica. Esse é o sentido da palavra de ordem de uma organização do movimento negro, a Rede Quilombação, de que “a democracia não chegou na periferia”.

    Assim, o enfrentamento do racismo é o elemento central da construção de um projeto político transformador do país, de ruptura com a ordem capitalista global e transformação radical das estruturas sociopolíticas. Não se trata de política meramente identitária, tampouco de enfrentar comportamentos disfuncionais.

    Após a Abolição, em 1888, o racismo operou como uma ideologia que sustentou o projeto de transformação da imensa massa de negras e negros ex-escravizados em excedente de mão de obra que possibilitava o rebaixamento geral do valor da força de trabalho

    Lelia Gonzales, no texto intitulado Amefricanidade, fala do “racismo como denegação”, ou seja, uma postura recorrente das classes dominantes de negar a condição amefricana do país, independente do pertencimento étnico pessoal.

    Em um projeto político que tem como centro aprofundar a democracia e combater as desigualdades sociais, colocar a luta contra o racismo em segundo plano é desconsiderar que negras e negros sempre foram excluídos de qualquer possibilidade de pactuação democrática e que o racismo é uma ideologia que sustenta a concentração de renda, a ponto de naturalizarem-se cenas de crianças negras vendendo doces nos cruzamentos e a Escócia, país majoritariamente branco, ter uma reitora negra na Universidade de St. Andrews, enquanto aqui…

    Isso não é mero identitarismo, mas produto de uma arquitetura ideológica que define lugares sociais. Pois, desde as origens, no Brasil, as classes sociais são racializadas: negras e negros foram escravizados para o trabalho e brancos educados para colonizar e expropriar as riquezas.

    Dennis de Oliveira é professor da Universidade de São Paulo, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados (IEA), coordenador do Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação (CELACC) e do GT Epistemologias decoloniais, cultura e territorialidades do Conselho Latino Americano de Ciências Sociais (CLACSO). Coordenador da Rede Quilombação. E-mail: dennisol@usp.br

     

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    Referências
    ALMEIDA, S. O que é racismo estrutural. S. Paulo: Pólen, 2018.
    FRASER, N. “Do neoliberalismo progressista a Trump – e além” in: Revista Política e Sociedade – revista de sociologia política. V. 17, n. 40 (2018), disponível em https://periodicos.ufsc.br/index.php/politica/article/view/2175-7984.2018v17n40p43/38983 (acesso em julho de 2020).
    GONZALES, L. “A categoria cultural de amefricanidade” in: Por um feminismo negro latino-americano. Rio de Janeiro: Zahar, 2019.
    HOBSBAWN, E. A era dos extremos: o breve século XX (194-1991). S. Paulo: Cia das Letras, 1995.
    MARINI, R. Dialética da dependência. Cidade do México: Ed. Era, 1977.
    MOURA, C. Dialética radical do Brasil Negro. S. Paulo: Anita Garibaldi, 2018.
    OLIVEIRA, D. “Globalização e racismo no Brasil” S. Paulo: Legítima Defesa, 1994.
    —————— “Intervenção no Rio de Janeiro: o golpe se aprofunda contra as periferias” no portal Alma Preta (disponível em https://www.almapreta.com/editorias/o-quilombo/intervencao-no-rio-de-janeiro-o-golpe-se-aprofunda-contra-as-periferias, acesso janeiro 2021).
    ——————. (org). A luta contra o racismo no Brasil. S. Paulo: Fórum, 2017.
    SOUZA, C. L. S. Racismo e luta de classes na América Latina: as veias abertas do capitalismo dependente. S. Paulo: Hucitec, 2020.
    WORLD BANK. “The World Bank Annual Report 2000” disponível em http://documents1.worldbank.org/curated/en/931281468741326669/pdf/multi-page.pdf (acesso em julho 2020).

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  • O PESO DAS CONTRADIÇOES NA DEMOCRACIA . Por Francisvaldo Mendes

    O PESO DAS CONTRADIÇOES NA DEMOCRACIA . Por Francisvaldo Mendes

    O PESO DAS CONTRADIÇOES NA DEMOCRACIA

    Por Francisvaldo Mendes, presidente da FLCMF

    O tempo atual no Brasil mistura o medo, a ignorância, as mentiras e as atrocidades. A cada dia um novo ataque surpreende o ambiente nacional com mais de 240 mil óbitos. Lamentável desprezo pela vida em ondas crescente de eliminação das pessoas praticado por esse presidente genocida que atua para os poderosos. E para esses, a maioria das pessoas são desnecessárias ou desprezíveis. Nesse contexto assombroso há a discussão sobre os poderes jurídicos legais – executivo – legislativo – jurídico – em um ataque causado por um deputado federal que obteve 31.789 votos na última eleição, a mesma que elegeu o presidente genocida e, registre-se, eleitos pelo mesmo partido.

    A mesma pessoa que hoje unifica STF contrário as suas ações que disseminam mentiras, crueldades e opressões, rasgou a placa da Marielle Franco e espalhou fake news a gosto sobre COVID. Suas práticas contra a vida estão sendo relevadas e dessa vez, sua defesa do AI-5 em vídeo, tão inapropriadas como defender fascismo, nazismo, racismo, exploração e opressão para todas as vias da vida, unificou o STF. O ambiente de organização que deve imputar a reprimenda definitiva é a Câmara Federal, devido a sua provocação cínica que se esconde na liberdade de expressão, subvertendo e afrontando o “Estado de direito”.

    Importante salientar que uma pessoa eleita para a corte federal de deputados teria mais responsabilidade que todas as demais pessoas comuns, algo que está distante de ser conhecido e vivido nos dias de hoje, ainda mais com um presidente que debocha das mortes. Nesse quadro que morre mais pessoas que em períodos deflagrados de guerra e o genocídio à vida parece tão natural quanto a água potável inexistente, questões como essas ganham dimensões mais amplas que costumeiramente aparecem aos sentidos.

    Estamos no século XXI, ou seja, há muito já passamos pelo século XVIII quando surgiu o advento do iluminismo. Tais práticas autoritárias exercidas como naturais, que se evidenciam nesta atitude absurda do deputado Daniel Silveira, permeiam o Governo Federal. Nessa escalada da ignorância que vivemos chama atenção que a cultura e a educação não estejam nas guias frontais para o enriquecimento intelectual das pessoas.

    O conhecimento é fundamental na vida das pessoas, inclusive para que se possa saber sobre os atos ditadores e autoritários como o AI-5. A cultura educacional fomenta o estudo e o conhecimento organizado para a vida, o que contribuiria para encontrar ações coletivas que poderiam amenizar a agonia e a angústia que vivemos hoje. Assim, tenderia a não haver defensores, nem nas mesas de bares, para descaso com a morte que predomina na formação social brasileira.

    Nessa fase em que o necrocapitalismo e a necropolítica nadam de braçada, atos que desrespeitam a dignidade humana, como esse que foi condenado pelo STF, precisam trazer energia para os sentidos. É sim necessário o investimento no conhecimento em todos os aspectos e, certamente, viverá melhor quem conhecer mais. Em uma situação como atual que não viver parece normal, mesmo sem ser, abre-se uma estrada para genocídios dos mais absurdos como existente em governos e organizações políticas das mais autoritárias. Para além de defender o Estado de Direito tão falado e divulgado sem muitas explicações, deve-se também defender o Estado da Vida. Afinal o Estado que predomina, e é lamentavelmente conhecido pela maioria das pessoas, principalmente na periferia é o Estado da Morte.

    Que os espasmos das contradições existentes possam trazer questões para reflexão e, por essa razão em si, debater as circunstancias da prisão e importante, pois, prisão não é ambiente de mudança, e punição não é prática para estabelecer o bem viver. Mas se deve lembrar que punir, vigiar e condenar é algo que o Estado mais faz e se dispõe fazer.

    Devemos querer do Estado a garantia a vida com vacina para todas as pessoas, renda básica, auxilio emergencial. Para além de discutir Estado de Direito, papel dos “poderes” legais e as variações da legalidade, devemos avançar contra a defesa das várias faces das ditaduras e as práticas que provocam a discriminação, os preconceitos e o autoritarismo mais cortante, que emana em uma sociedade na qual o racismo e o machismo possuem seus elos estruturais e institucionais. Superar essa ordem capitalista que nos é imposta é um grande desafio para a liberdade e para a vida que construímos na história do povo trabalhador. Para nós, fica o compromisso com a formação, organização, mobilização e ação para aprofundar a democratização em todos os níveis e dimensões humanas.

     

  • É HORA DE VIRAR O JOGO: UM FOLÊGO EM DEFESA DA VIDA . Por Francisvaldo Mendes

    É HORA DE VIRAR O JOGO: UM FOLÊGO EM DEFESA DA VIDA . Por Francisvaldo Mendes

    É HORA DE VIRAR O JOGO: UM FOLÊGO EM DEFESA DA VIDA

    Por Francisvaldo Mendes, presidente da FLCMF

    O debate sobre dívidas, orçamentos, gastos e investimentos é muito mais que um movimento institucional. Do ponto de vista político, inclusive, nos setores organizados, na sociedade civil e mesmo no Estado, precisam predominar os elementos que assumem e deixam óbvias as disputas para virar o jogo da desigualdade em nossa sociedade. O que está em questão é mesmo fazer com que a vida seja superior e mais importante que qualquer influência mórbida, entre os quais o poder do capital e a organização do lucro que predominam. Nós, brasileiras e brasileiros, trabalhadoras e trabalhadores, precisamos dar uma virada nos rumos do país. Significa ter a vida como elemento central na política e nas ações do Estado no lugar do “mercado”, que organiza o Estado, assim como governantes e a grande maioria de “representantes” parlamentares.

    Nesse sentido, a campanha É HORA DE VIRAR O JOGO é uma grande contribuição e acumula fôlego para que a vida predomine e a dignidade humana possa existir. A iniciativa da AUDITORIA CIDADÃ DA DIVIDA, tem por objetivo “mostrar a necessidade de mobilizar a sociedade para modificar o modelo econômico atual, o qual tem produzido escassez, miséria e atraso, que não combinam com a abundância que existe em nosso país”. Devemos superar os modelos de exploração, racismo, machismo e escravidão para tornar comum a coisa pública com acesso para todas as pessoas. A campanha chega para colaborar com as ações que precisamos construir e implementar para mudar o Brasil.

    A campanha tem como desafio enfrentar, com mobilização ampla na sociedade, a lamentável escolha do Estado e dos poderosos de privilegiar os bancos nacionais e internacionais. Assim a campanha contribui para enfrentar o que é imposto para a grande maioria das pessoas: o lucro acima da vida. E nesse momento que as pessoas padecem por uma política que não garante água, saneamento, saúde e cuidado de todas as pessoas, o vírus da COVID se alastra entre as pessoas, principalmente as mais exploradas e oprimidas.

    A chamada atual da campanha é contrária a PEC 32 que transforma o Estado em um espiral privado sem controle com formas de contratos precarizados. Por um lado, essa postura do Governo Central atua para enfraquecer as formas de organização dos trabalhadores no Estado, por outro lado, atua para precarizar as condições de viver, ou seja, gastar menos com qualquer coisa que seja a favor das pessoas. Essa PEC é um golpe duro na grande maioria das pessoas, que são as que mais precisam de Serviços do Estado, assim como um golpe duro nos trabalhadores também que padecem com a venda da força de trabalho para além da exploração. Não é possível que o Estado e o Governo Central apostem na morte dessa forma, ampliando o necrocapitalismo e a necropolítica em todos os aspectos. Agora com a porta aberta para a morte, com o vírus empurrando a vida ladeira abaixo, os organizadores do poder atuam para que diminua mesmo as pessoas que precisam do Estado e o Estado consolide cada vez mais seu vigor de investidor e organizador do lucro.

    O orçamento de 2019 já foi evidente sobre isso, com uma política que aposta em ampliar exploração, precarização, morte e controles dos corpos. Com um total de orçamento executado com o valor de 2,711 trilhões de reais, foram doados para os gastos com juros e amortização da dívida 1,3038 trilhões, ou seja, 38,27% de todo o orçamento. Políticas como taxar as grande riquezas, estabelecer a renda básica incondicional e universal, não passam nem longe das políticas que predominam no Estado. Mas, pior ainda, é necessário fazer movimentos, nas ruas e nas redes, para ter vacina seja garantida para todas as pessoas e assegurar o mínimo de dignidade com o básico para a sobrevivência.

    Esse orçamento executado no pré-covid, já demonstrava o conjunto das políticas comprometidas com o lucro, com o grande capital, com a privatização da coisa pública e com a morte. No mesmo momento que 38,71% são gastos com os bancos, o Estado investiu 0,32% em transporte; 0,12% em gestão ambiental; 0,23% em ciência e tecnologia; 0,02% em urbanismo; 0,03% em direitos e cidadania; 0,03% em cultura; 0,02% em saneamento. Nos percentuais dos números muito já é dito sobre a política que predomina no Estado, pois se trata de ações contra as a grande maioria das pessoas e da utilização do Estado para enriquecer estruturalmente ainda mais algumas famílias encasteladas na estrutura do poder e que se apropriaram do comun.

    Não haverá vida, não haverá democracia, sem o investimento no Bem Viver, na diminuição radical do abismo social na nossa sociedade. Nesse sentido, não se pode seguir como normal a existente de tais ações políticas, predominantes no tempo atual, que fazem da vida massacrada, desapropriada e condenada para fazer com que o lucro e as concentrações de riquezas se ampliarem.

    Não há dúvidas, precisamos virar esse jogo para o hoje e para que exista amanhã. Devermos, nas várias cidades brasileiras, gritar e atuar para a VIRADA. A campanha da AUDITORIA CIDADÃ DA DÍVIDA é mais um desse sopros que agregam ar para a democracia e para de defesa da vida e da dignidade humana. Todos esses sopros precisam ser apoiados, ampliados, fortalecidos em uma unidade que faça crescer a inteligência coletiva em favor da vida. É isso que está em questão no momento atual para suplantar o horizonte de lucro e o capitalismo, trata-se de um desafio que se colocada cada vez mais atual. Para avançar como vencedor, a multidão de explorados e exploradas precisa romper com todos os elos de dominação, virar e jogo e mostrar que nosso mundo deve se fazer com a vida acima de quaisquer moedas, qualquer poder, qualquer lucro, esteja onde estiver. O que queremos é viver e com dignidade plena. Portanto, avançar em direitos, democratização, participação, nas conquistas sociais que nos façam potentes.