Categoria: Ciência e Tecnologia

  • ‘Governo arruinou a Petrobras; Brasil já perdeu janela aberta pelo Pré-Sal pra se alavancar’

    ‘Governo arruinou a Petrobras; Brasil já perdeu janela aberta pelo Pré-Sal pra se alavancar’

    PetrobrasO Brasil continua paralisado em meio à briga de clãs que disputam o poder central. Um show de retóricas, seja à esquerda ou à direita do espectro político, na defesa de pontos de vista cujas grandes diferenças jamais ficam claras. A questão do petróleo e em especial do Pré-Sal não escapa à lógica, mas será que os projetos governistas e oposicionistas sobre sua exploração econômica são tão diferentes? Foi sobre isso que conversamos com o cientista político e consultor em economia Pergentino Mendes de Almeida.

    “Tivemos uma janela de, teoricamente, usar o Pré-Sal para alavancar (desculpem o palavrão!) este país e lançá-lo para uma posição firme, independente, com indústria própria, agricultura robusta e diminuição da desigualdade social. Teria de ter sido um empreendimento iniciado rapidamente, com união nacional, entusiasmo e exaltação da confiança pública no país. Não foi”, criticou Pergentino. Mediante as atuais circunstâncias do país e também da Petrobras, o consultor considera apropriado o PLS 131 do senador tucano José Serra, que basicamente significa acelerar a venda do petróleo, mesmo em meio à baixa de seu preço.

    A seguir, o entrevistado deixa claro que considera o gerenciamento dessa riqueza uma repetição da lógica colonial, a exemplo da era açucareira do Nordeste, e que no fim das contas tudo dependerá de como se resolverão as contendas do momento. “Precisamos desenvolver a tecnologia adequada, e isso a Petrobrás pode fazer: ela tem engenheiros competentes e capazes. Mas aí entra a política. Onde está o dinheiro? E mais: seria possível desenvolver tecnologias inovadoras num ramo isolado como o petróleo, sem uma política industrial e megaeconômica, diversificada, de longo prazo? Corremos o risco, se fôssemos nos basear na economia do petróleo e do Pré-Sal apenas, de termos de pagar para produzir e exportar petróleo”.

    Pergentino considera ainda ilusória a promessa de financiamento da educação a partir da renda do pré-sal. “As coisas ficam mais bonitinhas de se olhar, mas o contingenciamento de verbas e a margem para pagamento dos juros aos bancos e para a manutenção das nossas reservas cambiais são esquecidos. E é precisamente aí que estão as prioridades escolhidas pelo governo brasileiro. Ou melhor, pela banca internacional, já que são eles que mandam aqui. O Brasil vem depois, colhe as sobras, que sempre são poucas para as necessidades. O dinheiro do Pré-Sal, se houvesse, vai sumir nesse sorvedouro. A prioridade são os juros bancários. Afinal, isto é o Capitalismo Financeiro”.

    A entrevista completa com Pergentino Mendes de Almeida pode ser lida a seguir.

    Correio da Cidadania: Em primeiro lugar, como enxerga a aprovação no Senado do PLS 131, de iniciativa de José Serra, que visa desobrigar a participação de ao menos 30% da Petrobrás em todos os consórcios de blocos do Pré-Sal?

    Pergentino Mendes de Almeida: Se é para se explorarem as reservas do Pré-Sal, a justificativa apresentada pelo Senador José Serra ao seu PLS 131 parece-me oportuna. Por que deixar essa riqueza enterrada? Não faz sentido, o Capital vai nos asfixiar em CO2 se puder. O PL 131 é a última chance de conseguir alguma vantagem para o Brasil. Quero deixar claro logo de início que tenho pontos de vistas mais ou menos divergentes dos que norteiam o centro, a direita e a nossa pseudo-esquerda, populista e fascistóide. Para simplificar: a pergunta é de simples resposta, se vale a pena aproveitar recursos que temos (claro que sim!), mas a resposta contém detalhes onde reside o diabo.

    Tivemos uma janela de, teoricamente, usar o Pré-Sal para alavancar (desculpem o palavrão!) este país e lançá-lo para uma posição firme, independente, com indústria própria, agricultura robusta e diminuição da desigualdade social. Teria de ter sido um empreendimento iniciado rapidamente, com união nacional, entusiasmo e exaltação da confiança pública no país. Não foi. O resto do mundo está trabalhando para a implantação inevitável de tecnologias alternativas mais sofisticadas, a fim de reduzir as emissões de CO2, com a inevitável e paulatina perda da importância do petróleo. Agora está ficando tarde, temo.

    É hora de recuperarmos a Economia e a Petrobras para que esta tenha capacidade de atuar com eficácia. O problema é que eles podem ir adiante, antes de resolvermos os problemas legais da regulamentação do Pré-Sal e de recebermos as sondas e plataformas encomendadas e por encomendar. No mundo todo, para todos os países, os atrasos na entrega desses equipamentos são normais, de cinco a oito anos, às vezes mais de dez anos. O pré-sal, conforme as previsões iniciais, poderia constituir uma alavancagem para o desenvolvimento nacional e as finanças públicas. Mas a coisas me parecem mais complicadas do que vemos, hoje, a partir de nossa perspectiva míope.

    A era do petróleo atingiu seu pico. De hoje em diante, a longo prazo, tende a decair. Quando jovem, participei da campanha “O Petróleo é nosso”. Isso quer dizer monopólio da Petrobrás. Getúlio Vargas foi suicidado por causa disso e da Vale do Rio Doce. O que aconteceu desde então, em que pé estamos depois de vários mandatos de um partido que se diz de esquerda, mas que não passa de um populista a serviço da banca? A Petrobrás está arruinada. A Vale só deu lucro depois de entregue à iniciativa privada e o governo contribuiu para isso. O resgate do Pré-Sal exige mais dinheiro do que tem a Petrobrás e uma política macroeconômica mais bem azeitada, a longo prazo. A Petrobrás está arruinada. Ela publica que está “vendendo ativos para poder investir”. Para mim, isso quer dizer que ela está desinvestindo, em vez de investir.

    Mas o tema tem sido tratado de uma maneira tão ufanista que me faz duvidar do muito que se disse a respeito. A questão virou um tema político, no sentido mais rasteiro do termo, e isso me deixa meio cético com relação a todas as expectativas oficiais. O mais sensato diagnóstico a respeito, durante as discussões no Senado, enquanto os governadores e prefeitos se reuniam para pressionar a seu favor a distribuição e o adiantamento dos royalties, foi uma tirada do Lula: “a pescaria nem começou, mas a turma já tá brigando pelo pirão”.

    Correio da Cidadania: O que pensa dos argumentos favoráveis ao projeto, levando em conta o atual momento de baixa internacional dos preços do petróleo?

    Pergentino Mendes de Almeida: O mercado é volátil, ele sobe e desce. Parece que a coisa tende a ficar inviável para nós. Eis uma situação que me deixa confuso: já li, em fontes diversas, citações (rumores?), de que o preço mínimo do barril de petróleo para viabilizar o Pré-Sal seria de 80 dólares (quando estava a 120), ou 60, ou 40 dólares, como agora. O preço do barril no mercado atingiu a casa dos 30 dólares. É previsível que haverá períodos de baixa (prejuízo) e alta (lucros), mas onde fica o nosso ponto de equilíbrio?

    Lembremo-nos de que estamos falando em águas profundas, mais profundas do que as empresas de petróleo estão habituadas a explorar, e a distâncias maiores da costa, maiores distâncias do que os poços do Caribe ou do Alaska, exemplos de catástrofes ambientais nas mãos de respeitabilíssimas megaempresas do ramo, Exxon e BP. Isso significa maiores custos, seguros muito mais caros, recursos provavelmente mais caros, em termos de equipamento e logística – e mais tempo.

    Precisamos desenvolver a tecnologia adequada, e isso a Petrobrás pode fazer: ela tem engenheiros competentes e capazes. Mas aí entra a política. Onde está o dinheiro? E mais: seria possível desenvolver tecnologias inovadoras num ramo isolado como o petróleo, sem uma política industrial e megaeconômica, diversificada, de longo prazo, adequada ao crescimento harmônico de toda a economia? O que os governos do PT fizeram até agora foi distribuir recursos públicos para os pobres comerem, e isso pode ser louvável; porém, o mais importante seria estimular a produção e o investimento – ou seja, o emprego e a diversificação e fortalecimento de nossa economia. Comida você come e descarrega o que sobrou dela. Emprego é um pouco melhor. Pelo menos você conta com algum rendimento do mês seguinte, depois de gastar o salário deste mês.

    O PT fez o contrário. Tornou o dólar atrativo para especular e comprar empresas nacionais, alienou nossa indústria e concedeu créditos e isenções fiscais aos bancos e à indústria automobilística, para facilitar a remessa de lucros destinados a aliviar os coitados dos países ricos, quando entraram em recessão. Estamos cada vez mais especializados em exportar commodities e destruir o meio ambiente. Enquanto isso, nossa indústria está se desmoronando. Caminhamos para a mesma situação do Brasil-Colônia, nos tempos da cana-de-açúcar do Nordeste.

    Naquela época, os brasileiros (brancos lusos) eram o povo mais rico da Terra em termos de patrimônio per capita. Os escravos e índios eram parte de seu ativo, não eram gente. Corremos o risco, a longo prazo, se fôssemos nos basear na economia do petróleo e do Pré-Sal apenas, de termos de pagar para produzir e exportar petróleo. O que, aliás, já ocorre quando vendemos gasolina abaixo do preço do mercado e do barril de petróleo bruto. A doença venezuelo-holandesa já começou antes da pescaria.

    Correio da Cidadania: E o que pensa dos argumentos que dizem se tratar de um crime contra o futuro do financiamento da educação, afirmando que se trata de uma perda de 25 bilhões de reais/ano?

    Pergentino Mendes de Almeida: Considerando tudo o que eu disse antes, você pode imaginar a importância que atribuo à Educação. Dez vezes mais do que hoje atribuímos à superior, dez vezes o valor da superior para o médio e dez vezes mais para o ensino básico. É uma pirâmide de carências proporcional à pirâmide de distribuição de renda. Diz-se que o rendimento do Pré-Sal seria destinado à Educação. Isso não me comove. O sistema das finanças públicas tem por valor absoluto a ideia de que todo o dinheiro do Estado fica unificado no Tesouro, afinal, é tudo dinheiro do governo. Juntando tudo num só cofre, nas mãos dos nossos políticos, eles vão falar de superávit primário, não do nominal.

    As coisas ficam mais bonitinhas de se olhar, mas o contingenciamento de verbas e a margem para pagamento dos juros aos bancos e para a manutenção das nossas reservas cambiais são esquecidos. E é precisamente aí, nos juros, nos interesses dos bancos e dos especuladores que estão as prioridades escolhidas pelo governo brasileiro. Ou melhor, pela banca internacional, já que são eles que mandam aqui. O Brasil vem depois, colhe as sobras, que sempre são poucas para as necessidades.

    Por que cada parcela do orçamento, reservada para uma finalidade social considerada importante, não compõe um fundo específico que deve gerar dividendos e prestar contas, por exemplo, aos trabalhadores, no caso do FGTS, às escolas e professores nos fundos para Educação e assim por diante? Eu sei que estou falando besteira, não sou economista nem contador, portanto, tenho o direito de dizê-las. Mas mesmo que eu tivesse, ou tenha razão, os políticos e os tecnocratas rejeitariam a proposta. O dinheiro do Pré-Sal, se houvesse, vai sumir nesse sorvedouro. A prioridade são os juros bancários. Afinal, isto é o Capitalismo Financeiro.

    Correio da Cidadania: A propósito, como enxerga a atual crise financeira da Petrobrás, permeada por casos de corrupção de grande monta em diversas diretorias e setores da empresa? Nesse sentido, a empresa teria perdido de fato a capacidade de exploração do petróleo, como, por exemplo, na própria camada do Pré-Sal, justificando um projeto como o do senador Serra?

    Pergentino Mendes de Almeida: Catastrófica. Há século e meio um ditado do bom senso nunca foi desmentido: o primeiro melhor negócio do mundo é uma empresa de petróleo bem administrada; o segundo melhor negócio é uma empresa de petróleo mal administrada. Pois o PT conseguiu desmontar a nossa maior empresa e desmentir a sabedoria secular desse ditado. É uma proeza e tanto! É claro que, nesta altura dos acontecimentos, tanto faz. A situação até que justifica o PLS 131 do senador José Serra. A Petrobras precisa se recuperar e deixar de ser um peso morto na exploração do Pré-Sal, pois não tem substância financeira para arcar com 30% de todos os investimentos necessários.

    Além disso, ela tem, a meu ver, outras prioridades a atender. Como é que ela se pode propor, na sua propaganda institucional, a ser uma empresa de energia, quando não tem alcance para salvar sequer o petróleo que já tem e as refinarias que já comprou? De quais energias estamos falando? Eu acredito no corpo técnico da Petrobras, mas não na sua administração.

    Correio da Cidadania: Qual é a seu ver o sentido maior, hoje, de exploração do Pré-Sal, considerando a conjuntura atual nacional e também a internacional?

    Pergentino Mendes de Almeida: É ganhar uns trocados ou uma pequena fortuna – se tudo correr bem. Mas já sabemos que nem tudo está correndo bem para nós aqui e para o mundo em geral. E nem uma pequena fortuna, com as atuais políticas, iria melhorar as condições sociais do povo brasileiro. Poderia valer a pena se tudo tivesse sido planejado a longo prazo, dentro de um pensamento holístico, e começado há uns dez anos. Agora passou a janela. Mais uma vez.

    A Era do Petróleo e da produção abundante de CO2 para gerar energia chegou ao pico e tende a retrair-se. Não acho que a extração de petróleo vai acabar de vez, ele ainda será necessário para as indústrias de corantes, plásticos, cosméticos, perfumaria e medicamentos. Mas deverá ser suplantada por um conjunto de fontes alternativas de energia para transporte, iluminação, comunicações etc. Quem não ficou rico com o petróleo até agora não fica mais, principalmente com a complexidade e custos crescentes da tecnologia necessária. Uma coisa é certa e aceita, ainda que entre quatro paredes, pelas empresas exploradoras do petróleo: o futuro exige a redução de emissões de CO2 , custe o que custar. E ponto. O que elas podem fazer é ganhar um tempinho.

    As grandes multinacionais do petróleo sabem disso e preparam-se para uma nova fase de geração de energia. A Shell, os Emirados, a Arábia Saudita investem pesado em pesquisa de fontes alternativas. Talvez a Shell seja a organização com resultados mais avançados – no nível experimental. Ok, suponha então que você é a Shell e dispõe do conhecimento e da tecnologia necessários para mudar tudo. Agora pense: por que lançar uma inovação tecnológica neste momento, solução que está pronta e segura na sua prateleira (onde entram as leis de patentes, a batalha crítica na ONU e OMC!), quando ela irá desmantelar todo o seu sistema altamente lucrativo, que funciona de modo eficiente há mais de um século? Por que desperdiçar a rede de distribuição, caminhões-tanque, torres de petróleo, tanques de armazenamento, gasodutos, contratos com distribuidores e fornecedores, valor da marca, além das relações com os produtores, que custaram guerras históricas e invasões para se consolidarem, enquanto todo esse aparato continua rendendo lucros?

    Note, o investimento feito desde o século 19 pela Shell, Exxon, BP e todas as outras já foi amortizado há muitas décadas, agora é só usufruir. Nenhum investidor é suicida (isto é, do ponto de vista da economia capitalista) para abandonar o jogo enquanto está ganhando.

    Ou seja, o Brasil não apenas deixou sua maior empresa ser engolida por interesses particulares, como ainda perde o bonde da inovação tecnológica em que a própria Petrobrás poderia ser líder.

    Agora surgem ameaças de cantos inesperados, que não faziam parte do jogo. Carros sem motorista, movidos a energia elétrica: o Modelo Google já funciona em algumas cidades nos Estados Unidos. A Ford negocia um acordo com o Google para eventual produção em massa. A GM se adiantou e acabou de lançar um modelo inteiramente elétrico, possante e com autonomia de 300 km com uma só carga elétrica. A Toyota já vende o seu híbrido elétrico no mercado. A Nissan começou agora.

    As novas gerações não estão mais dando o mesmo valor à posse de um reluzente carro como nós sempre demos. Por que não alugar um veículo elétrico apropriado à sua viagem, pagando só pelas horas de utilização, como você hoje faz com as bicicletas do Itaú? Na França e nos Estados Unidos (se não me engano, também no Japão) a experiência está em curso. E está dando certo.

    Por falar em energia atômica, ninguém sabe que os Estados Unidos estão desenvolvendo usinas atômicas de IV Geração, capazes de superar em custos, benefícios, eficiência, facilidade de instalação, mobilidade (sim, mobilidade!) tudo o que chamamos hoje de usinas nucleares. De acordo com um depoimento do Departamento de Energia ao Senado norte-americano, o que se procura é criar um sistema tal que torne obsoletas todas as demais formas de obtenção de energia por meio de uma nova tecnologia nuclear avançada.

    Essa nova tecnologia oferece a segurança que as atuais usinas não oferecem, são menores e fáceis de transportar e montar, e produzirão energia mais barata in loco. Mas serão de domínio norte-americano. O objetivo declarado nesse depoimento é transformar os Estados Unidos num monopólio mundial de energia. Isso introduz uma outra variável geopolítica importante: a esfera jurídica e a tendência à globalização, com poucas, enormes e diversificadas corporações ditando suas políticas internacionais em todas as áreas de atividade, na indústria, no comércio, nos serviços, nas políticas nacionais subordinadas a elas.

    Daqui a vinte, trinta anos, o mundo não será o mesmo. Que fique claro: quase todas as alternativas de geração de energia mencionadas acima têm seus problemas, inclusive ambientais, mas estes são solucionáveis pela tecnologia. Juntas, darão conta do recado. Existe um potencial nelas que não é abertamente reconhecido. Alguns cientistas acreditam que a energia eólica, a solar e a das marés poderiam eventualmente satisfazer, conjuntamente, todas as necessidades globais de energia. Nem todos concordam, mas o ponto que quero salientar é que nesse campo existem mais coisas entre o céu e a terra do que as grandes corporações deixam entrever.

    O ponto a salientar é que pouco provavelmente uma só delas venha a substituir o petróleo ou o gás natural, próximo protagonista de nossa história. O que podemos esperar é a adoção de um mix de tecnologias de produção de energia, do qual o petróleo ainda participará, em proporções decrescentes. A única “surpresa” que pode salvar o planeta em um cenário diferente é a invenção de uma tecnologia que permita controlar a fusão nuclear. Pode acontecer amanhã, na semana que vem ou daqui a dez anos, ou nunca. Mas existem investimentos não desprezíveis tentando descobrir a fonte praticamente infinita e limpa de energia.

    Em qualquer caso, o problema de transmissão tornar-se-á numa questão estratégica de repercussões mundiais. Acho que aqui também deverá ocorrer uma verdadeira revolução tecnológica. Compondo esse problema logístico já existe um outro ainda pior. O volume de CO2 na atmosfera hoje já é suficiente para gerar enormes desafios e perigos futuros. Não há mais como evitá-los. Agora é tarde. Teremos de desenvolver sistemas viáveis de sequestro e captura de carbono do ar.

    Correio da Cidadania: O que pensa, nesse sentido, dos argumentos mais radicados no ambientalismo, que condenam de lado a lado as fórmulas propostas para a extração do óleo?

    Pergentino Mendes de Almeida: Não os conheço todos, mas não vejo como estancar, neste século, a extração de petróleo. Quero dizer, na prática.

    Correio da Cidadania: E o que comenta sobre os argumentos de corte geopolítico que condenam o projeto?

    Pergentino Mendes de Almeida: Também não os conheço bem. Não sei que alternativas são propostas. Mas qualquer alternativa deverá ser realista: vivemos no mundo da especulação do capitalismo financeiro, que é uma espécie de “socialismo” a favor do capital. Nenhum país rico, nenhuma economia evoluída na Europa, América, Ásia, foi capaz de desenvolver o seu sistema capitalista sem forte e constante apoio dos governos. Isso vale para todas as potências ditas liberais, inclusive os Estados Unidos. O que desejo salientar é que o problema é muito mais complexo sob todos os ângulos: geopolítico, econômico, financeiro, técnico etc. Não se pode buscar uma resposta simples.

    Acredito que o problema reside exatamente aí: há uma falta de visão de conjunto a longo prazo, para beneficio de toda a sociedade e para a modernização, diversificação e ampliação de nossa indústria, que, infelizmente, está sendo sucateada e vendida ao capital estrangeiro. Não é à toa que nem se menciona mais o termo clássico da Economia, “Produto Nacional Bruto”; fala-se em “Produto Interno Bruto”. As vendas de Volkswagen no Brasil contam como nosso produto interno, mas são produto nacional da Alemanha. A Toyota do Brasil é um ativo do Japão, não do Brasil, e daí por diante.

    Correio da Cidadania: Qual deveria ser, em sua visão, a relação do Brasil e seus governos com essa riqueza finita? Qual seria o modelo ideal de gestão do petróleo?

    Pergentino Mendes de Almeida: Primeiro, quero dizer que não considero, na prática, o petróleo uma riqueza finita. Sempre que aumenta o preço do barril de petróleo, o volume das reservas mundiais certificadas aumenta também. Estão sempre um pouco acima da curva de consumo. O que vai limitar a indústria do petróleo é a necessidade de reduzir o volume de CO2 na atmosfera, além do fato de que as fontes alternativas de energia em desenvolvimento hoje podem ser mais eficientes do que o petróleo.

    A vantagem do petróleo é que ele sempre foi barato; antes da crise dos anos 1970, da organização da OPEP, o preço do barril variava pouco acima de um dólar – o mesmo barril que hoje está perto dos 30 dólares e que deveria subir para 100 dólares a fim de compensar o Pré-Sal e várias outras fontes alternativas de energia. Por outro lado, considere que estamos falando numa economia fortemente sustentada. Mas estamos falando de uma economia sobre quatro rodas, com motor a explosão, movido a combustível fóssil. Isso é uma tecnologia relativamente rudimentar. Um motor a combustão interna com gasolina utiliza pouco mais de 10%, 15% da energia contida na gasolina queimada. O que significa que quase 80% do consumo de gasolina é um subproduto indesejável: calor (que precisa ser arrefecido no radiador) e poluição. No futuro isso deve mudar contra o petróleo, como aconteceu com as fontes de energia, ainda existentes, mas já superadas: a lenha e depois o carvão.

    Quanto a um modelo ideal de gestão do petróleo, não podemos considerá-lo isoladamente de todo o resto que mencionei aqui. Temos de pensar a longo prazo. Um século é pouco para planejarmos e as incertezas são inúmeras. O Brasil deveria explorar todos os seus recursos para gerar uma economia autônoma e diversificada. Deveria usar tudo o que tem para incrementar a indústria de base, a indústria pesada, os portos, as estradas, os estaleiros, o saneamento, a criação de empregos úteis. E isso num tempo em que tudo é robotizado e a mão de obra participa cada vez menos do produto gerado.

    Temos de gerar empregos e adotar métodos modernos de produção, o que parece contraditório. Alguns países conseguiram isso. Ou melhor, praticamente todos os países ditos desenvolvidos passaram por esse teste, mas só conseguiram superá-lo pela presença ativa do Estado. É o que chamo de “socialismo” a favor do Capital, principalmente o financeiro. Como fazê-lo de modo decente é o nosso problema. O Pré-Sal pode ajudar ou não (espero que sim).

    Meu ideal seria o governo investir pesadamente na criação de polos de excelência onde ainda podem existir bolsões de oportunidade para atender as necessidades do futuro, que serão diferentes das da nossa história. Seria necessário concatenar e concentrar nossos recursos, esses sim, finitos demais, para investir no aproveitamento de oportunidades que arrastassem consigo os setores industrial, agrícola, comercial. Ainda que, a exemplo dos países liberais, tivéssemos de passar por um período protecionista – digamos, para que não me apedrejem, protecionista “contido”, racional, consentido e planejado. Mas não para beneficiar os amigos do Rei.

    Correio da Cidadania: Considera que ao tentar acelerar a venda do petróleo o Brasil também perde no sentido de se preparar para promover e financiar outras formas de geração de energia, limpas e renováveis?

    Pergentino Mendes de Almeida: Acho que sim, e essa é a arapuca em que costumamos sempre cair. Foi assim no tempo do Brasil-Colônia, com o açúcar; e depois o café e o algodão, até o Juscelino fatiar o que o Getúlio havia preparado, para entregar ao capital estrangeiro. Quem sabe é exatamente nessa área, a das energias limpas e renováveis, que reside uma dessas oportunidades de darmos um salto para a frente – que os norte-americanos chamariam de “leapfrog”. Temos de ser ambiciosos e acreditar, é necessária uma revolução cultural aqui, no bom sentido.

    Tome a energia eólica. O Norte e o Nordeste do Brasil estão na faixa mundial das monções – ou seja, uma energia constante, inesgotável e infalível, enquanto o planeta girar. Podemos exportar energia para outros continentes, como se considera hoje um projeto de exploração da energia solar do Saara para o Norte da África e toda a bacia das nações mediterrâneas e centrais da Europa. E o Sol, que castiga o nosso sertão? E as possíveis oportunidades tecnológicas que podem ser criadas a partir daí?

    Hoje exportamos doutores para as grandes universidades mundiais, que podem se dar ao luxo de escolher os melhores para retê-los, em benefício dos seus países. Depois nos vendem suas conquistas. E a Educação? E a Saúde? Os desafios são enormes, na proporção do nosso atraso, mas não custariam mais do que nos custam a inércia histórica, a burocracia, a dívida nacional subordinada ao Capital Financeiro e a corrupção, combinadas.

    Correio da Cidadania: O que a aprovação do PLS 131 significa frente ao atual momento político, econômico, social e ambiental do país, de modo mais geral?

    Pergentino Mendes de Almeida: Não sei. Depende do que se pode fazer com ele. Seria muito mais proveitoso, como sugeri acima, numa gestão eficiente a longo prazo, que tivesse atuado com agilidade há dez anos. Mas isso não aconteceu e não vejo qual a eficiência com que podemos contar dos nossos políticos e governo atuais. Se der uns trocados, como mencionei acima, nas mãos de quem ficariam e para quê? A bola de cristal agora precisa ser sintonizada na política, assim rasteira, e na Política, com P maiúsculo.

    Fonte: Correio da Cidadania, quarta-feira, 30/03/2016

  • Energia eólica e os desafios socioambientais

    Energia eólica e os desafios socioambientais

    Heitor Scalambrini Costa
    Heitor Scalambrini Costa

    A partir de 2007, ano a ano, o crescimento da geração eólica no país chama a atenção.  Se há nove anos a potencia instalada era de 667 MW, em 2015 chegou a 8.120 MW, ou seja, um aumento de 12 vezes. Verifica-se também que vários municípios brasileiros sofreram mudanças radicais com alterações bruscas em suas paisagens e no modo de vida de suas populações. Essas mudanças representam o início de um novo ciclo de exploração econômica, o chamado “negócio dos ventos”.

    Várias são as razões que tem atraído estes empreendimentos a nosso país. Além da crise econômica mundial de 2008 que provocou uma capacidade ociosa na Europa, e assim equipamentos chegaram até nós com preço vantajosos; sem dúvida a “qualidade dos ventos”, em particular na região Nordeste é outro grande atrativo. E é neste território, onde hoje se concentra 75% de toda potencia eólica instalada no país.

    Determinados Estados criaram políticas próprias de incentivo à energia eólica, com Isenções fiscais e tributárias, concessão de subsídios, flexibilização da legislação ambiental (p. ex. Pernambuco aboliu os estudos ambientais  EIA/RIMA). Associados aos financiamentos de longo prazo do BNDES (e mais recentemente da Caixa Econômica Federal), e ao preço irrisório da terra, estas tem sido as razões principais para atrair os empreendedores. É o resultado da combinação destes fatores que possibilita que a energia eólica ofereça preços imbatíveis nos leilões realizados pela Aneel. Tornando assim à segunda fonte energética mais barata. Esta situação esconde o fato dos custos ambientais e sociais decorrentes da implantação dos complexos eólicos serem altos, embora não sejam contabilizados nos “custos” da geração, pois não são pagos pelos empreendedores, e, sim, por toda a sociedade.

    Ao mesmo tempo em que esta atividade econômica teve uma rápida expansão, gerou impactos, conflitos e injustiças socioambientais. São visíveis os impactos provocados por esta fonte renovável, chamada por muitos de energia limpa. Define-se por energia limpa aquela que não libera, durante seu processo de produção, resíduos ou gases poluentes geradores do efeito estufa e do aquecimento global. Ou ainda, que apresenta um impacto menor sobre o ambiente do que as fontes convencionais, como aquelas geradas pelos combustíveis.

    Todavia nas “definições” de energia limpa não são levadas em conta as questões sociais e mesmo ambientais causados pela produção industrial da eletricidade eólica que necessita de grandes áreas, e um volume considerável de água, devido ao alto consumo de concreto para a construção das bases de sustentação das turbinas. Impactos sobre o uso de terras é quantificado pela área ocupada, sendo que em geral, as turbinas eólicas ocupam 6 a 8 ha/MW, a um custo médio de R$ 4,5 milhões/MW. Sem duvida, poderia ser argumentado que estas áreas sejam compartilhadas, como ocorrem em outras partes do planeta, ou seja, utilizada concomitantemente para outros propósitos, como agricultura, criação de pequenos animais, …. Mas isto não vem acontecendo.

    Logo, o modelo adotado de implantação dessa atividade econômica no Brasil é em si, causador de inúmeros problemas ao meio ambiente e as pessoas. Os parques eólicos têm deixado profundos rastros de destruição na vida das comunidades atingidas (exemplos não faltam).  Não somente com a instalação dos aerogeradores, mas desde a obtenção do terreno (pela compra, ou pelo arrendamento), sua preparação (desmatamento, terraplanagem, compactação, abertura de estradas de acesso dos equipamentos), a construção das linhas de transmissão. Destrói territórios, desconstitui atividades produtivas e desestrutura modos de vida de subsistência.

    Tem agravado a situação a velocidade em que os parques eólicos estão sendo instalados, sem o devido acompanhamento e fiscalização, sem que requisitos socioambientais sejam atendidos e cumpridos.

    Na questão da terra necessária para produzir energia em larga escala, os empreendedores vão comprando, ou arrendando as terras da população local. São na verdade desapropriações feitas pela iniciativa privada como parte de estratégias agressivas para implantação dos complexos eólicos, que acabam inviabilizando a sobrevivências de outras atividades econômicas locais, como a pesca artesanal, a cata de mariscos, a agricultura familiar, a criação de animais, ….  Assim comunidades inteiras são afetadas na sua relação com o território e muito pouco, ou quase nada recebem em troca.

    Várias situações marcaram e ainda marcam a presença de empresas eólicas. O discurso do ambientalmente correto esconde práticas socialmente injustas das empresas do grande capital, evidenciadas cada vez mais com o passar do tempo. Para implantação dos parques e complexos as empresas utilizam de diferentes expedientes como a celebração de contratos draconianos com proprietários e posseiros, a compra de grandes extensões de terras, a apropriação indevida de áreas com características de terras devolutas e de uso coletivo.

    Os contratos celebrados põem em dúvida os princípios de lisura e transparência da parte das empresas. Os trabalhadores se sentem pressionados a assinarem os contratos sendo proibidos de analisarem o conteúdo de maneira independente, sempre induzidos por algum funcionário das empresas.

    Quem continua a viver nessas regiões quase sempre enfrenta a impossibilidade de continuar a produção local, de manter seu modo de subsistência. A atividade eólica, tanto costeira ou interiorizada acaba com as condições de sobrevivência no lugar e em seu entorno, gerando poucos empregos de qualidade para os moradores da região, e deixando lucros bem limitados. Tudo isso depois da euforia da etapa de instalação dos equipamentos, com as obras civis, que acabam atraindo por tempo determinado, trabalhadores locais e de outras regiões. Depois das obras concluídas vem à rebordosa, com as demissões. Assim tem acontecido. Cria-se a ilusão de prosperidade com o apoio da propaganda enganosa. O discurso da geração de renda e emprego faz parte da estratégia.

    Com relação à agressão ambiental têm sido atingidas áreas costeiras com a destruição de manguezais, restingas, remoção de dunas, provocando efeitos devastadores para pescadores, marisqueiras, ribeirinhos. Tais situações tem  sido constatadas no Ceará e Rio Grande do Norte.

    Em estados como Bahia, Piauí e Pernambuco a exploração desta atividade ocorre no interior, em áreas montanhosas, de grande altitude, no ecossistema Caatinga e Mata Atlântica (ou o que sobrou dela). E também nos brejos de altitude, existente em Pernambuco e na Paraíba, verdadeiras ilhas de vegetação úmida em meio ao ecossistema seco da Caatinga, onde a vegetação existente são resquícios da Mata Atlântica primária, proliferando mananciais de água que formam os riachos abastecedores de bacias hidrográficas. Portanto são áreas onde se deveriam incentivar a conservação, preservação e a recuperação destes ecossistemas naturais, dos seus mananciais  e cursos de água.

    Todavia, o movimento das administrações municipais, estaduais e federal caminha em sentido contrário ao de proteger estes santuários da vida. Além da omissão e conivência incentivam e promovem o desmatamento de áreas de proteção permanente em nome do “desenvolvimento econômico”, da geração de emprego e renda, justificando a destruição ambiental e a vida das populações nativas em nome do interesse público (?).

    A produção de energia elétrica a partir dos ventos hoje é uma atividade econômica, cujo modelo de exploração implantado, causa inúmeros problemas afetando diretamente a qualidade de vida das pessoas. Contribuindo mais e mais para ampliar um fenômeno que já atinge uma parte importante do território nordestino a desertificação. A produção de energia eólica é necessária, desde que preserve as funções e os serviços dos complexos sistemas naturais que combatem as consequências previstas pelo aquecimento global. Mas também se preserve as populações locais e seus modos de vida.

    Afinal a quem serve este modelo de implantação em que o estado cooptado se omite e não fiscaliza? O que se constata são aspectos negativos que poderiam ser evitados, desde que houvesse o interesse e uma maior preocupação dos governantes quanto aos métodos e procedimentos, uma avaliação mais rigorosa dos licenciamentos que levasse em conta a análise de alternativas locacionais e tecnológicas, assim minimizando os impactos desta fonte energética.

    Logo, não se pode considerar, levando em conta como estão sendo implantados os atuais projetos eólicos, nem que sejam socialmente responsávei, nem que sejam ambientalmente sustentáveis. Longe disso.

    Heitor Scalambrini Costa é professor da Universidade Federal de Pernambuco

  • ‘Belo Monte é muito criminoso, chocante e indignante’

    ‘Belo Monte é muito criminoso, chocante e indignante’

    Antonia Melo
    Antonia Melo

    A usina de Belo Monte, ainda em processo de construção, já gerou enormes impactos em Altamira e certamente é um dos grandes símbolos do desenvolvimentismo lulista, que agora agoniza pelos quatro costados. No entanto, seu rastro de destruição e atropelos deixará marcas eternas na pele dos afetados, que desde os anos 80 resistem ao megaprojeto hidrelétrico. Antônia Melo, militante de longa data contra Belo Monte, acabou de perder sua casa para a truculência do “Consórcio Construtor Lava Jato” e concedeu uma entrevista carregada de emoção ao Correio da Cidadania.

    “Praticamente não podemos sair na rua à noite, a criminalidade e a violência estão muito altas, mais de 100 mil pessoas chegaram à cidade por causa do empreendimento, de maneira que a cidade está inchada, os serviços públicos não dão conta da demanda, não foram criadas estruturas pra receber a grande população que veio. Os órgãos de segurança, justiça, educação pioraram, há muita evasão escolar, já que muitas crianças tiveram de mudar pra assentamentos distantes da cidade e ficaram sem escola, posto de saúde…”, enumerou, numa lista de prejuízos que, dado o histórico, é de se duvidar que sejam reparados

    Para além das mazelas já verificáveis, Antônia atacou toda a teia de corrupção público-privada, grande assunto nacional de 2015, e reiterou todo o jogo que passa ao largo dos interesses da população e diz muito mais respeito a projetos de poder. Além disso, criticou a falta de consciência ambiental dos que argumentam em favor da obra, exatamente quando governos do mundo inteiro se reúnem em Paris para mais uma tentativa de contenção das sequelas de um modelo econômico sabidamente predatório ao meio ambiente.

    “A energia não vai servir a nós. Essa usina só nos destrói e arranca nosso couro. É um projeto à base de propina e garantia de vitórias eleitorais desses governos, de PT, PMDB, PSDB, o diabo que seja. Pra isso que servem. Entregam nossa vida, nossos recursos naturais, acabam com tudo pra ganharem dinheiro dessas empresas em suas campanhas, ainda por cima por meio de BNDES e do Tesouro, e se manterem no poder. Não é nada pro povo. E a população tem de saber, especialmente do Sul e Sudeste, que já estamos no Século 21, no qual o grande assunto é o meio ambiente”, afirmou.

    Por fim, mas não menos marcante, fez um implacável ataque ao que se tornou o Partido dos Trabalhadores, o qual ela própria ajudou a fundar na cidade, inclusive sendo candidata em tempos tão longínquos quanto mais esperançosos. Agora, resta a decepção, a destruição e uma vida a ser reorganizada. Ainda assim, destacou que a luta contra a usina continua.

    “Entraram no poder pra fazer igual ou pior que todos. O que dizer? Belo Monte é um total desrespeito conosco, fomos tratados como meros objetos descartáveis. O PT teve tudo pra fazer a diferença, mas não fez. Foi tudo ao contrário. E agora temos um país em crise, com uma situação de dívidas e tudo mais. Taparam o sol com a peneira pra aproveitar o poder, pegar dinheiro que não era deles… Não tem perdão, não tem perdão”, desabafou a líder do Movimento Xingu Vivo Para Sempre.

    A entrevista completa com Antônia Melo, gravada nos estúdios da webrádio Central3, pode ser lida na íntegra a seguir.

    Correio da Cidadania: Primeiramente, o que você pode nos contar do episódio que marcou a perda da sua casa?

    Antônia Melo: É uma situação que já vinha mexendo com minha vida há muito tempo, até que fui expulsa de casa. Mas precisamos nos manter firmes pra enfrentar todo o processo comandado pela Norte Energia. Morava num bairro que as empresas consideram periférico, mas na verdade é perto de tudo no centro da cidade de Altamira, perto de todos os serviços necessários. Não precisava pagar transporte para me locomover a bancos, igreja, escola, hospital, comércio, enfim, sempre tive tudo perto da casa onde morei mais de 30 anos.

    Porém, a área é considerada de risco pela hidrelétrica, passível de alagamento. Mas pode não ser. O empreendimento de Belo Monte é muito obscuro e acima de tudo muito criminoso. A sociedade não teve informações corretas, quando se procuravam os funcionários só nos diziam que o chefe que sabia… A negação de informações à população foi das coisas mais criminosas, ainda mais por eu estar à frente do Movimento Xingu Vivo Para Sempre, que tem uma história de 30 anos de lutas ao lado de movimentos da região contra tais tipos de empreendimentos, desde os anos 80, quando se chamaria Usina Kararaô.

    É um projeto que vem da ditadura militar e hoje é imposto, conduzido e implantado com resquícios de ditadura: as pessoas não têm direito de falar, não têm voz nem vez. Isso dentro de uma mascarada democracia. As pessoas falam, falam, mas não são escutadas. Servem apenas pra cumprir cronogramas do governo.

    É um processo muito grave, triste e criminoso contra os modos de vida, os direitos humanos e ambientais das pessoas que habitavam a região, sendo todos obrigados a sair. Agora constroem pontes, aterros, parques… Pra quem? Não vai alagar? Se não vai, por que nos tiraram? Um funcionário da obra questionou uma vizinha:

    – Por que não saiu daqui?

    – Porque disseram que não preciso sair.

    – Mas precisamos limpar aqui.

    Ou seja, fomos tratados como lixo. É uma limpeza social. Se não vai alagar a área, só nos tiraram com a finalidade de limpá-la. É tudo muito criminoso, chocante e indignante.

    Correio da Cidadania: O que é a vida em Altamira nos últimos anos, após a chegada da obra? O que você imagina para o futuro da cidade?

    Antônia Melo: Temos tentado explicar à população através de realidades de outas barragens, como Tucuruí, que fica aqui na nossa porta, na região transamazônica. Já há muito tempo erguemos a bandeira de combate à usina. Hoje dizem pra nós: “eu era feliz e não sabia”.

    Somos o polo de uma região de 11 municípios em volta da BR-230 Transamazônica, sempre com movimento social forte e unido em diversas questões, a exemplo de moradia, escola, saúde, transporte, crédito pra agricultores, criação de universidades… Se temos tudo isso em Altamira foi pela enorme luta do movimento social, com trabalhadores e trabalhadores brigando juntos. As melhorias em saúde, educação, segurança, sistema de justiça se deram pela nossa luta. E sempre tendo nosso rio, nossos peixes, a coisa linda que era o Xingu, rodeado de ilhas, sem degradação, tudo bem cuidado. Os indígenas viviam em suas aldeias, cuidavam de sua cultura e de toda essa vida.

    Agora chegou o empreendimento, com grande propaganda do governo federal, que sabia dos 30 anos de luta. As empresas, e também o governo, fizeram um lobby muito bem feito, de seduzir e enganar o comércio, empresários da região… Tudo mentira, mas as pessoas se iludiram com propaganda, dinheiro etc. Foi um cala-boca, que chegou a gerar uma divisão muito grande entre povos indígenas e movimentos sociais, porque parte desses movimentos é do PT e foi obrigada a ficar calada e aceitar o projeto, sem se juntar à oposição.

    É um crime lesa-pátria e lesa-consciência. Tínhamos nossa produção, somos uma região muito rica em peixes, cacau e também madeira, que vive sendo roubada, além de outros produtos florestais. Infelizmente, a pecuária também é grande aqui e já causou muito desmatamento. Mas nós, os índios, os ribeirinhos e a população da cidade tínhamos uma vida de paz em relação a hoje.

    Agora, praticamente não podemos sair na rua à noite, a criminalidade e a violência estão muito altas, mais de 100 mil pessoas chegaram à cidade por causa do empreendimento, de maneira que a cidade está inchada, os serviços públicos não dão conta da demanda, não foram criadas estruturas pra receber a grande demanda de população que veio. Os órgãos de segurança, justiça, educação pioraram, há muita evasão escolar, já que muitas crianças tiveram de mudar pra assentamentos distantes da cidade e ficaram sem escola, posto de saúde…

    As famílias foram jogadas para lugares onde quase não existem serviços. Agora temos a criminalidade, prostituição infantil, violência contra as mulheres e a destruição sem precedente do nosso rio, deixando nossos pescadores sem peixes. E muitas categorias, como pescadores e barqueiros, não têm sido reconhecidas pela empresa como impactadas. As pessoas perdem sua vida e sobrevivência, que girava em torno do rio, são jogadas fora sem direito a nada e têm suas casas queimadas.

    O MP e Ibama mandaram a empresa suspender a retirada de famílias ribeirinhas, e mesmo assim a Norte Energia não obedeceu, tirou as famílias sem pagar quase nada e queimou casas.

    A cidade está desfigurada, estão aterrando a beira do rio e suas praias, tudo sem consultar a população, que não pode dizer nada, ser ouvida, vista e, acima de tudo, respeitada em seu dia a dia. Com Belo Monte e tais empreendimentos a lei do país não tem nenhum valor. O governo empodera as empresas, que tomam conta de tudo na nossa vida, e ainda temos a infelicidade de o sistema judiciário do Brasil estar a favor e ao lado desses crimes, concedendo liminares para que o projeto continue.

    Correio da Cidadania: Como recebeu a notícia da negação da Licença de Operação da usina? Muda alguma coisa a essa altura?

    Antônia Melo: Não damos mais nenhuma credibilidade ao governo e ao Ibama, que se tornou um órgão que meramente assina liminares criminosas contra os direitos da população e a lei de licenças ambientais do país. A notícia pode ser boa, nos deixou contentes, no sentido de que não fizeram nada mais que a obrigação para limparem um pouco a própria barra com a população daqui. Porque a omissão, negligência e conivência do Ibama com tudo que vimos aqui são imensuráveis.

    Foi o mínimo de obrigação do órgão licenciador e acima de tudo fiscalizador – coisa inexistente nos últimos anos. E só porque viram que existe muita pressão. Nós dos movimentos sociais, do MP Federal e outras organizações, como a Corte Interamericana e a Comissão de Direitos Humanos da ONU, temos ações e denúncias de irregularidades e violações de direitos humanos.

    Belo Monte é tão perverso que vimos aqui na região deputados eleitos virarem as costas pra gente e apoiar o governo e esses crimes. Ficamos sem representação política, porque ninguém queria contrariar Belo Monte e desagradar governo e empresas. Só um deputado estadual do Pará, na Comissão da Amazônia, tentou fazer alguma coisa, mas sozinho. Ele promoveu uma audiência com as autoridades na câmara federal no mês de agosto, na qual estavam Ibama, autoridades, empresas, e causou bastante impacto.

    Tivemos reuniões com a presidência do Ibama em Brasília e Belém, na qual participamos e entregamos um calhamaço de denúncias sobre o que ocorre aqui. Portanto, seria muita cara de pau que a presidente do Ibama assinasse a Licença de Operação com tamanha quantidade de denúncias que recebeu. Depois, o Ibama estabeleceu 12 pontos condicionantes para o consórcio regularizar, coisa que não dá pra fazer em um ano, que versam, por exemplo, sobre a situação precária dos indígenas que têm terras invadidas.

    Mas sabemos que a qualquer hora vão assinar a licença, porque a Dilma vai mandar, porque o governo tem compromisso com as empresas, que pagaram todas as conhecidas propinas de campanha. O consórcio construtor, de quem ninguém fala e tem o nome muito acobertado, é conformado também por órgãos do governo, como a Eletrobrás, e financiado pelo BNDES, ou seja, pelo nosso dinheiro. E as empresas privadas que fazem parte são todas denunciadas pela Operação Lava Jato e já tiveram diretores presos.

    Assim, dá pra ver bem que projeto é esse, o que tem por trás, por todos os lados, em relação a Belo Monte. Nossa vida mudou pra muito pior, é uma desilusão muito grande. Mesmo assim seguimos lutando, porque o modelo implantado por governo e empresas pra Amazônia é uma desgraça. E se a população do Sul e Sudeste não abrir os olhos e se voltar ao que acontece aqui na Amazônia vamos todos pagar um preço muito alto e ser responsabilizados pelas futuras gerações, como destruidores irresponsáveis.

    Vamos escrever um livro pra gravar na memória das futuras gerações quem destruiu o Xingu e a Amazônia, com nome e endereço de cada um.

    (Nota da Redação: em 25 de novembro, após a realização desta entrevista, o Ibama assinou a Licença de Operação, que permite ao consórcio começar a encher de água o reservatório da usina).

    Correio da Cidadania: Já que você menciona os habitantes do Sul e Sudeste, o que pensa da argumentação de que a energia a ser gerada pela usina é indispensável para o abastecimento energético do país?

    Antônia Melo: Temos orientação de especialistas da área energética e da universidade, e eles dizem ser um horror, uma grande mentira. O Brasil não precisa de Belo Monte. Quem se debruça sobre o projeto já vê o que governo diz às empresas: é uma das maiores usinas do mundo, que vai gerar 11.000 megawatts (MW) de energia. Mas isso é o lobby. Ao mesmo tempo, diz que vai gerar 4.000 MW de energia firme. Pra um empreendimento que custa mais de 30 bilhões de reais de dinheiro público, entre Tesouro e BNDES, gerar só isso de energia firme é inviável.

    No entanto, é um projeto pessoal do Lula, que sempre disse que ninguém nunca teve coragem de levar a ideia adiante, enfrentar os índios e oposições, e a usina seria feita de qualquer jeito. É o que está acontecendo. O Brasil não precisa de Belo Monte, tem energia de sobra. Especialistas dizem que 15% da energia gerada é desperdiçada na distribuição, cujas estruturas são obsoletas e arcaicas.

    Além de tudo, para nós do estado do Pará, e Altamira especificamente, estamos pagando a energia mais cara do país, e de péssima qualidade. Portanto, a energia não vai servir a nós. Essa usina só nos destrói e arranca nosso couro. Deixamos de comer pra pagar energia. É um projeto à base de propina e garantia de vitórias eleitorais desses governos, de PT, PMDB, PSDB, o diabo que seja. Pra isso que servem.

    Entregam nossa vida, nossos recursos naturais, acabam com tudo pra ganharem dinheiro dessas empresas em suas campanhas, ainda por cima por meio de BNDES e do Tesouro, e se manterem no poder. Não é nada pro povo. E a população tem de saber, especialmente do Sul e Sudeste, que já estamos no século 21, no qual o grande assunto é o meio ambiente. Temos a Conferência de Paris, todos pensam e clamam pela melhoria das condições ambientais, e vemos os governos fazendo todas as tramoias apenas pra se manterem no poder.

    Sem falar de outras fontes de energia, como a solar. Na região Norte, é uma coisa tremenda o sol, a situação climática está muito ruim, o calor está imenso. São os resultados de Belo Monte aparecendo. Já tivemos muitas queimadas de árvores e ilhas do Xingu, e o governo, questionado pela BBC, vem afirmar que Belo Monte tem suas falhas, mas não vai abrir mão das hidrelétricas na Amazônia.

    Assim, se os povos de tais regiões não pararem de consumir, consumir e consumir, como uma doença, sem se dar conta de que por trás disso tem muito suor, sangue e morte, nosso futuro fica mais obscuro, tanto do Brasil quanto de toda a humanidade.

    Correio da Cidadania: Você fundou o PT em Altamira. Como enxerga o partido hoje em dia, em especial diante da atual crise que praticamente deixa o governo Dilma de mãos atadas? Que balanço você faz dos 13 anos de governos petistas e do processo político conhecido pelo nome de lulismo?

    Antônia Melo: De fato, participei da fundação do PT em Altamira, fui filiada, candidata pelo partido três vezes, sem dinheiro nenhum, apenas pra ajudá-lo a crescer. Por assim dizer, me lasquei, com todo esse sofrimento, acreditando ser uma saída para a melhoria ao país, com mais respeito pelas pessoas. Conseguimos construir o partido, eleger vários deputados, realmente houve um grande crescimento. Pra depois chegarem no poder e praticarem toda essa covardia. E agora convivemos com as denúncias da Operação Lava Jato… Quer dizer, entraram no poder pra fazer igual ou pior que todos. O que dizer?

    Foi uma grande traição, não suporto mais, não acredito mais no partido de maneira nenhuma. Sou veementemente contra o PT, exatamente porque fui enganada, traída e não tolero mais. Por isso me desfiliei e critico bastante mesmo tudo que vejo de errado. Belo Monte é um total desrespeito conosco, fomos tratados como meros objetos descartáveis.

    O PT teve tudo pra fazer a diferença, mas não fez. Foi tudo ao contrário. E agora temos um país em crise, com uma situação de dívidas e tudo mais. Taparam o sol com a peneira pra aproveitar o poder, pegar dinheiro que não era deles… Não tem perdão, não tem perdão.

    Gabriel Brito e Paulo Silva Junior são jornalistas

    Fonte: Correio da Cidadania, sábado, 19 de dezembro de 2015

  • Proposta do Brasil para COP21 poderia ser melhor, diz Observatório do Clima

    Proposta do Brasil para COP21 poderia ser melhor, diz Observatório do Clima

    Represa-cantareiraO Brasil apresentou a meta de diminuir as emissões de gases de efeito estufa em 37% até 2025 e em 43% até 2030, tendo 2005 como ano-base. Para o secretário-executivo do Observatório do Clima, Carlos Rittl, no entanto, o país tem capacidade para fazer muito mais e o governo brasileiro terá oportunidade de melhorar sua contribuição contra o aquecimento global na 21ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP21), que começou hoje (30) e segue até o dia 11 de dezembro, em Paris.

    A contribuição brasileira levada à COP, chamada Contribuição Nacionalmente Determinada Pretendida (INDC, na sigla em inglês), contém ainda ações como o fim do desmatamento ilegal na Amazônia, a restauração e reflorestamento de 12 milhões de hectares, a recuperação de 15 milhões de hectares de pastagens degradadas e o alcance de 45% na participação de energias renováveis na composição da matriz energética.

    As contribuições apresentadas pelo Brasil e pelos países da convenção das Nações Unidas para a COP21 tem o objetivo de limitar o aumento da temperatura média da Terra a 2 graus Celsius (ºC) até 2100, em relação aos níveis pré-Revolução Industrial. Ultrapassar esse limite provocaria mudanças climáticas severas.

    Segundo Rittl, é possível limitar as emissões brasileiras em 1 bilhão de toneladas de gases de efeito estufa até 2030, com ganhos econômicos. “O Brasil apresentou um meta de redução de emissões com uma direção interessante, uma natureza interessante, porque trata-se de uma meta que inclui redução absoluta de redução de gases de efeito estufa, mas o nível de redução de emissão insuficiente”, disse, contando que hoje o país emite em torno de 1,5 bilhão de toneladas de gases.

    Em entrevista à Agência Brasil, ele diz que, com a atual meta brasileira “estamos em uma trajetória de aumento superior a 2ºC”. “Então, temos certeza que o governo brasileiro tem uma margem de manobra interessante para aumentar seu nível de ambição”, disse.

    O Observatório é uma rede brasileira de articulação sobre mudanças climáticas globais e conta com 38 instituições, entre membros e observadores.

    Agência Brasil: Qual sua avaliação sobre as contribuições dos principais atores na negociação climática?

    Carlos Rittl: A análise da própria Nações Unidas indica que, mesmo com esses esforços, com essa mobilização, com esse engajamento dos países, nós ainda estaríamos, em 2030, em uma trajetória de aumento de emissões globais, em uma taxa menor do que ocorre hoje, mas em ascensão, o que é muito preocupante. Outro relatório produzido pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente mostra que ainda existe uma grande lacuna entre aquilo que os países estão se comprometendo a fazer e aquela que seria uma trajetória de segurança climática, aquela que nos daria maiores chances de limitar o aquecimento global no limite de 2ºC. Outras análises mostram que, entre os grandes emissores, que inclui Estados Unidos, União Europeia, China, Índia, Brasil, África do Sul, México, Japão, Rússia, Canadá, nenhum deles está fazendo o suficiente, todos estão fazendo menos que o proporcional à sua responsabilidade e sua capacidade de redução de emissões. Então é necessário fazer muito mais e isso inclui o Brasil.

    Agência Brasil: Durante a COP21 poderemos alcançar um consenso mais positivo?

    Carlos Rittl: A COP é uma oportunidade para que os países apresentem um maior nível de ambição, isso pode acontecer. Acreditamos que todos colocaram na mesa seus níveis de ambição inicial e estão preparados para assumir compromissos maiores, em Paris e no pós-Paris. Com uma meta indicativa conseguimos, sistematicamente, fazer a análise do impacto agregado das reduções de emissões de todos os países para identificar qual a lacuna dessas metas, em relação ao que a ciência recomenda. Então, a negociação de Paris não é só importante para o nível de ambição que sai de lá, mas para elevar esse nível ao longo do tempo.

    Agência Brasil: O que pode melhorar na meta brasileira?

    Carlos Rittl: Temos capacidade de fazer muito mais. A própria lista de ações que estão informadas na proposta de compromissos do Brasil demonstra isso. Estamos discutindo a eliminação do desmatamento ilegal só na Amazônia e só em 2030. Mas sabemos que, desde 2008 temos um Plano Nacional de Mudanças Climáticas que estabelece a meta de chegarmos em 2015 com um desmatamento líquido zero em todas regiões do país. Então não é possível que em 2030 estejamos almejando algo inferior ao que estabelecemos como compromisso sete anos atrás.

    Sobre o aumento da participação de fontes renováveis de energia, podemos ter um impulso muito maior com energia solar, eólica e biomassa. Depois do anúncio de compromissos do país para a COP, foi colocado em consulta pública um plano para expansão da geração de energia no Brasil que inclui o aumento dos investimento em combustíveis fósseis. Setenta e um por cento dos investimentos projetados para os próximos dez anos vão para petróleo, gás natural e carvão mineral. Isso está em descompasso como essa urgência de reduzir emissões. O Brasil é um país muito vulnerável. Neste ano, mais de 25% dos municípios brasileiros decretaram situação de emergência ou calamidade pública em função de desastres naturais ligados ao clima extremo e sabemos que isso está se agravando, então deve ser do nosso interesse não só reduzir as emissões para diminuir a nossa vulnerabilidade, mas para aproveitar o potencial que nós temos.

    Agência Brasil: Sobre o financiamento, qual seria o modelo ideal para o Fundo Verde do Clima?

    Carlos Rittl: Financiamento é de fato um tema-chave para o sucesso da negociação. Os países desenvolvidos assumiram, em 2009, o compromisso de chegar até 2020 com US$ 100 bilhões em recursos para apoiar ações de redução de emissões e de adaptação de mudanças climáticas em países em desenvolvimento, especialmente países mais pobres. Foi estabelecido o Fundo Verde do Clima, mas é um grande fundo ainda sem muitos recursos. Ele precisa ser alimentado com o aumento do compromisso de apoio por parte de países desenvolvidos, através da criação de mecanismos inovadores. Por exemplo, está na mesa de negociação uma proposta de taxação de emissões de transporte aéreo e marítimo internacional. As emissões de um avião que sai do Brasil para Paris não são atribuídas a nenhum desses países. As emissões do transporte de carga, de exportação de soja ou carne do Brasil para China, também não são atribuídas nem ao Brasil nem à China. A taxação das emissões desse transporte, por um lado, ajudaria a regular as emissões e promover a eficiência desses sistemas de transporte e, por outro lado, ajudaria a arrecadar fundos que poderiam alimentar o fundo e aumentar o aporte internacional de recursos.

    Agência Brasil: Qual deverá ser a contribuição internacional do Brasil?

    Carlos Rittl: O Brasil tem um papel muito importante na cooperação sul-sul, já que o Brasil é uma grande economia em desenvolvimento e tem um arcabouço de políticas de ações e um arcabouço institucional que é mais forte do que muitos países, por exemplo, o continente africano. Nós podemos intensificar nossa cooperação sul-sul compartilhando o conhecimento que nós temos, seja em monitoramento de floresta, seja em uma produção mais limpa. Ao longo do tempo, vencendo os desafios de crescimento e desenvolvimento do país, podemos considerar aportar recursos ao longo das próximas décadas para manter o Fundo Verde do Clima e manter o apoio a esses países menos desenvolvidos, que são aqueles que não têm nenhuma responsabilidade sobre o problema e que pagam um preço muito alto porque não conseguem lidar com os eventos extremos que já os assolam, como secas e tempestades e o risco de elevação do nível do mar.

    Agência Brasil: O que representa essa elevação de 2ºC?

    Carlos Rittl: Dois graus é o limite considerado seguro, que ainda permite gerenciar os impactos sem consequências muito graves. Dados da Universidade Federal de Santa Catarina, do período de 1991 a 2012, mostram que 127 milhões de brasileiros estiveram em regiões que foram atingidas por eventos climáticos extremos ou situação de emergência ou calamidade pública, nesse período de 22 anos. De 2001 a 2012, a intensidade média de eventos foi 40% superior do que da primeira metade do período. Ou seja, já estamos sujeitos ao aumento da frequência de desastres e risco maiores.

    Com 2ºC, teríamos consequências severas não só para a biodiversidade mas para a população que depende de um ambiente natural bem conservado para sua subsistência, seja pela questão da água, seja pela questão dos alimentos obtidos da natureza.

    Com 2ºC, se vivemos hoje uma situação de estresse e de crise hídrica no Brasil, no Sudeste e no Nordeste, a tendência é que as consequências sejam piores. Estamos falando de risco crescente para vida, para qualidade de vida, para a economia e para o ambiente como um todo. Temos que cobrar de todos que estão em Paris que façam aquilo que é necessário e eles sabem o que é preciso fazer.

    Brasília, 30/11/2015 (Agência Brasil)

    Andreia Verdélio é repórter da Agência Brasil

    Conferência com 195 países em Paris tenta chegar a novo acordo climático

    O mundo já sente os efeitos das mudanças climáticas que podem piorar ao longo deste século se não forem tomadas medidas para combatê-las. Secas severas e prolongadas em alguns locais e chuvas torrenciais que causam alagamentos e resultam em perdas humanas e econômicas podem ser cada vez mais intensas.

    Na tentativa de reverter esse quadro, 195 países e a União Europeia, membros da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC na sigla em inglês), estão comprometidos a fechar um novo acordo global climático na 21ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima (COP21), entre 30 de novembro e 11 de dezembro, em Paris, para reduzir a emissão de gases de efeito estufa, que causam o aquecimento global.

    O principal objetivo é conter o aumento da temperatura média da Terra em 2 graus Celsius (ºC) até 2100, em relação aos níveis pré-Revolução Industrial. A meta de 2 ºC, acordada na COP de Copenhague, em 2009, é considerada razoável para evitar catástrofes climáticas.

    Para o secretário executivo do Observatório do Clima, Carlos Rittl, se o aumento da temperatura não ficar no limite de 2ºC, as consequências serão muito severas. “Com menos de 1ºC de aquecimento já temos, toda semana, uma má notícia em algum lugar do mundo, inclusive no Brasil, de acidentes ligados a climas mais extremos, chuvas fortes, secas que se intensificam, tornados, deslizamentos de terra. Isso vem acontecendo com frequência e intensidade maior nos últimos anos e tende a se agravar, mesmo dentro do limite dos 2ºC”, disse.

    Estudo do Instituto Meteorológico britânico (Met Office) apontou que as temperaturas médias globais na superfície terrestre em 2015 vão superar, pela primeira vez, em 1°C os níveis verificados na era pré-industrial.

    O Acordo de Paris deve entrar em vigor em 2020 em substituição ao Protocolo de Quioto. Válido desde 2005, Quioto prevê metas de redução de gases que provocam o aquecimento global para 37 países desenvolvidos.

    Países desenvolvidos e em desenvolvimento apresentaram este ano as Contribuições Nacionalmente Determinadas Pretendidas (INDCs na sigla em inglês), um conjunto de metas de redução de gases de efeito estufa.

    A Organização das Nações Unidas, entretanto, considerou os compromissos voluntários apresentados pelos países insuficientes para evitar a alta da temperatura.

    A organização analisou 146 INDCs e concluiu que, mesmo que os países implementem totalmente as medidas que aprovaram, a elevação das temperaturas atingirá 2,7 ºC.

    “Todo mundo sabe de antemão que vai ter um gap [brecha]. Politicamente você entra na questão de como é que vai preencher esse espaço, esse vácuo entre o que vai ser feito e o que é necessário que seja feito, quando você compara com os cenários propostos pelo IPCC [Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas]”.

    Para o Observatório do Clima, é importante que a COP de Paris abra um processo de revisão, já que as metas apresentadas serão cobradas a partir de 1º de janeiro de 2021. “Que ela prepare um processo para que essa ambição que falta hoje seja adicionada ao longo do tempo, já que existe a proposta de revisão de metas até 2020, daquilo que se tornar compromisso de fato, e de revisões sistemáticas ao longo do tempo”, disse Carlos Rittl.

    Veja as metas de redução de gases de efeito estufa estabelecidas por Brasil, pelos Estados Unidos, pela China, União Europeia e Índia:

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    Brasília, 28/11/2015 (Agência Brasil)

    Ana Cristina Campos e Andreia Verdelio são repórteres da Agência Brasil

  • ‘Governos de PT e PSDB são igualmente responsáveis pelo rompimento da barragem’

    ‘Governos de PT e PSDB são igualmente responsáveis pelo rompimento da barragem’

    SamarcoO Brasil ainda passará muito tempo fazendo o inventário da tragédia do rompimento da barragem de resíduos de minério de ferro, da Samarco, empresa da Vale e BHP Billiton, no distrito de Bento Rodrigues, localizado na cidade Mariana (MG). E para tentar dimensionar os prejuízos, falamos com Makely Ka, ex-funcionário da Vale do Rio Doce, ou seja, testemunha do projeto de privatização da empresa, até hoje muito controvertido.

    “Além de conivente, o governo é irresponsável. É uma tragédia ambiental sem precedente no país. E parece que o governo quer amenizar. A própria ministra do Meio Ambiente participou de um encontro em Mariana, e quando um padre lhe fez um questionamento disse que ‘tinha um compromisso’”, falou.

    Na conversa, Makely lembrou de outros acidentes nos últimos anos, ignorados pelo noticiário midiático, a seu ver outro ente irresponsável diante da situação. Além disso, critica fortemente a relação entre governos e empresa, que chega ao cúmulo de a última cuidar por si mesma da “cena do crime”, e afirma algo que deveria soar óbvio a respeito do amparo às vítimas.

    “Pela legislação brasileira, aquilo foi crime ambiental, os responsáveis deveriam estar presos e os documentos e computadores da empresa apreendidos para laudo e perícia. A multa deveria ser aplicada e a Samarco, mineradora das mais lucrativas, deveria estar pagando todos os custos dos prejuízos que gera desde o acidente”, resumiu.

    Agora, fica o enorme passivo ambiental no trecho percorrido pela lama tóxica, que já se estende pelo litoral brasileiro. Sem esquecer de projetos como a flexibilização do Código de Mineração nas gavetas parlamentares. A entrevista completa, gravada em parceria com a webrádio Central3, pode ser lida a seguir.

    Correio da Cidadania: O que pode contar da sua experiência como funcionário da mineradora que pertence às gigantes transnacionais Vale e BHP Billiton, em sua transição para a privatização? Já havia desconfianças quanto às questões de segurança nos empreendimentos da empresa?

    Makely Ka: Entrei na Vale como estagiário, na área de automação, pois fiz curso de eletrônica. Trabalhava na manutenção dos tanques de flotação, para onde se envia o minério depois que vem do britador – o minério passa por três britadores antes de entrar no tanque de flotação que separa os rejeitos, que por sua vez vão para a barragem dos metais descartados. Depois, fui funcionário de uma empreiteira que prestava serviço para a Vale, pois ela não contratava mais, já que estava no processo de privatização.

    Naquele momento, não tinha rede social, não tinha esse movimento todo nas comunicações, de modo que tudo corria pela imprensa tradicional ou pelo sindicato, que divulgava algumas coisas. Mas presenciei três acidentes, que não foram divulgados. Foram abafados.

    Um deles foi um choque entre duas locomotivas em cima do pontilhão. Elas caíram e os dois maquinistas morreram. Nesse caso saiu matéria no jornal do sindicato porque alguém conseguiu fotografar. Outro caso foi de um trabalhador que caiu dentro do britador e virou minério. Nunca se achou nenhum vestígio dele. E outro caso foi de um caminhão haulpak, daqueles que carregam até 50 toneladas: passou em cima de um carro dentro da mina, que virou papel, claro, já que os pneus são da altura de uma casa de dois andares. Enfim, os acidentes aconteciam e viravam estatística dentro da empresa, não saíam na mídia.

    Existia uma pressão muito grande. No meu departamento, por exemplo, de automação industrial, quando estragava alguma coisa que fazia a mina parar, ocorria uma pressão gigante sobre os funcionários, tanto que os mais velhos, que tinham mais tempo de empresa, tomavam algum tipo de remédio tarja preta. Era f…

    Correio da Cidadania: O que pensa das reações do governo mineiro e também da empresa e suas respectivas respostas oferecidas até aqui, tanto para a sociedade como para os afetados diretamente pela tragédia?

    Makely Ka: Vejo que praticamente todos, desde prefeito e governador até ministros de Meio Ambiente e Desenvolvimento e presidência da República (que demorou, mas anunciou uma multa), estão numa relação de conivência, rabo preso. O governador deu entrevista dentro da sede da Samarco. O que simboliza dar uma entrevista nesse contexto e afirmar que a empresa fez tudo que podia fazer?

    O governo tem soltado comunicados com as alegações da Samarco, como se sua alegação pudesse ser considerada um fato apurado e a lama comprovadamente não fosse tóxica. Além de conivente, o governo é irresponsável, pois vários especialistas já testaram a lama e se pronunciaram no sentido de dizer que é extremamente tóxica, tem metais pesados e vários indícios de ser prejudicial à saúde.

    Ainda que não fosse prejudicial à saúde, uma inundação de 62 bilhões de litros de lama, mesmo que fosse medicinal, causou mortes, inviabilizou um município inteiro e a captação de água em várias cidades no trajeto do rio Doce, que virou um mar de lama e está sendo cimentado, acabando com os peixes.

    É uma tragédia ambiental sem precedente no país. E parece que o governo quer amenizar. A própria ministra do Meio Ambiente participou de um encontro em Mariana, e quando um padre lhe fez um questionamento disse que “tinha um compromisso”. Que compromisso pode ser maior para um ministro do Meio Ambiente do que o maior crime ambiental de que se tem notícia nos últimos tempos?

    Correio da Cidadania: Falando em responsabilidade com as informações, o que pensa da abordagem midiática, que não poucas vezes bate na tecla do acidente, como se a maior causa da tragédia fosse alguma espécie de azar do destino?

    Makely Ka: Acho vergonhosa a cobertura midiática. Vai virar tese acadêmica, exemplo de como foi conivente. Sabemos que o posicionamento dos governos está evidentemente ligado às doações de campanha, que por sua vez são investimentos. As empresas querem receber o dela depois. E a mídia que se coloca como isenta e independente faz esse jogo. A cobertura tem sido vergonhosa nos principais canais de TV e jornais.

    Até se tentou passar a ideia de que o abalo, de acordo com alguns observatórios, de 2,5 pontos na escala Richter pode ter sido causador do desastre. Um abalo de 2,5 na escala Richter não derruba nem um castelo de cartas! Falar nisso é uma piada mórbida, chega a ser brincadeira com quem perdeu familiares e com seus sentimentos. Absurdo.

    Pra se ter ideia, todo dia tem explosão de dinamite em mina de lavra aberta. É necessário deslocar rochas e abrir crateras, pois a mineração de lavra aberta broca o chão e, para isso, se usa dinamite. Todo dia temos impactos de pelo menos 3 pontos na escala Richter, por conta do próprio procedimento de escavação.

    Portanto, se a barragem não suporta um abalo de 2,5 pontos, que nem é sentido pelos humanos e só os sensores detectam, é porque houve negligência. É importante ainda entender que a escala Richter não é linear. Quatro pontos não são o dobro de dois. A progressão é aritmética. Um abalo de 2 graus não derruba nem casa de pau a pique, tanto que não existe rachadura nas casas de Ouro Preto, devido aos abalos sísmicos de Mariana.

    Se um tremor de terra pode derrubar uma barragem, era pra estar tudo em Estado de Emergência. É uma completa canalhice a imprensa divulgar notícias como essas. E acho que ela se compromete e desmascara cada vez mais, porque as notícias circulam nas redes, as pessoas divulgam outras informações e a verdade, mesmo aos poucos, surge.

    Correio da Cidadania: que pensa da política de mineração brasileira de modo geral, tendo a própria Vale como grande símbolo de prosperidade e geração de divisas para o país?

    Makely Ka: Acho que o valor pelo qual venderam a Cia Vale do Rio Doce foi um crime. Equivaleu ao lucro de apenas um ano. Caberia inclusive um questionamento judicial sobre a forma como foi feita a privatização da empresa e o que acarretou para o país. Não acho que teria sido diferente se tivesse continuado como empresa estatal de capital nacional, mas o procedimento foi errado. Não quero isentar nenhum governo. O atual, que não propôs mudanças mesmo em 12 anos, foi tão conivente quanto o anterior, que a vendeu a preço de banana. Ambos são responsáveis pela tragédia. Pela venda, pela conivência com as licenças ambientais etc.

    Pra se ter ideia, há algumas semanas o governador petista Fernando Pimentel apresentou projeto de lei na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALEMG) no sentido de agilizar e facilitar licenças ambientais, uma demanda das mineradoras, que sempre questionaram e acusaram de burocrático e moroso o processo.

    Se eles são patrocinados em suas campanhas pelas mineradoras, vão fazer o quê? A campanha do Pimentel foi uma das mais caras do país em 2014 e muito do dinheiro que teve veio das mineradoras. Claro que elas vão cobrar seu investimento. E, por ironia do destino, na semana anterior à tragédia ele entrou com tal projeto, em caráter de “urgência”.

    Além disso, existe no Congresso Nacional a proposta de rever o Código de Mineração do país. Outro acinte, outro capitulo vergonhoso. Tanto na ALEMG quanto no Congresso, grande parte dos deputados envolvidos nas comissões que discutem a reforma das legislações mineradoras é patrocinada pelas mineradoras. Vão defender o interesse de quem?

    Correio da Cidadania: Qual a dimensão que você atribui a este episódio na história das tragédias ambientais? Equipare-se a outras de repercussão mundial na humanidade?

    Makely Ka: Vi algumas comparações, como o crime ambiental da Exxon no Golfo do México, entre outras. São realidades diferentes. Ainda não temos nem dimensão do que aconteceu a respeito da lama da Samarco. Há poucos dias, surgiu a gravíssima informação de que a Samarco estaria removendo corpos, retirando-os do local com ambulâncias do IML e helicópteros, de modo a minimizar o impacto, já que poderia ser diminuída a contabilidade dos mortos. Algo mórbido, pra não dizer outra coisa.

    O impacto não é só em Bento Rodrigues, completamente destruída, Mariana e municípios vizinhos, mas se estende por mais de 500 km. O rio Doce está morto, vai levar no mínimo 10 anos pra se recuperar. A lama já chegou no mar. As cidades que captam água do Rio Doce vivem situação desesperadora.

    Governador Valadares vive quase uma guerra civil. Tem saques aos caminhões pipa, aos supermercados que têm água… Os moradores chegaram a fechar os trilhos da estrada de ferro para impedir a passagem dos trens da Vale, que vão para o porto de Tubarão (SC) embarcar o minério para a China.

    Não temos sequer dimensão do impacto, nem sabemos exatamente quantas pessoas morreram. Quem cuida da cena do crime é a própria Samarco, coisa absurda. É kafkiano: “eu cometo crime, mas pode deixar que eu cuido da cena, vejo qual foi minha motivação…” E o governo é conivente.

    Pela legislação brasileira, aquilo foi crime ambiental, os responsáveis deveriam estar presos e os documentos e computadores da empresa apreendidos para laudo e perícia. A multa deveria ser aplicada e a Samarco, mineradora das mais lucrativas, deveria estar pagando todos os custos dos prejuízos que gera desde o acidente.

    Sabemos que a mineração do país é atividade predatória. Exploramos matéria-prima, bruta, vendendo-a a preço de banana, para depois comprar computadores, celulares e eletrodomésticos a preço de ouro. Se ao menos houvesse uma fábrica de transformação do lado da mina, podíamos pensar em benefícios, porque o minério sairia dali, já entraria na fábrica e teríamos computadores a preço de custo, permitindo, por exemplo, que todos os alunos de escola tivessem um. Mas não. Vendemos matéria-prima que se esgotará. Não existem reservas infinitas de minério. Vai acabar. E o preço inclusive caiu no mercado mundial. Mas continuamos cavando buraco, destruindo regiões…

    No ano passado, foi criado o Parque Nacional da Serra do Gandarela, que fica numa região considerada a caixa d’água da região metropolitana e atende 5 milhões de pessoas. Foi criado já com lobby da Vale, no sentido de picotar sua área. Assim, todas as áreas de interesse da Vale, que incluem nascentes e outras que não podem ser mineradas, ficaram fora do parque. Quando a Dilma divulgou o decreto de criação do Parque Nacional, fomos surpreendidos com o “desaparecimento” de 10 mil hectares.

    Quer dizer, só o lucro interessa, não a vida das pessoas. São atividades predatórias e criminosas. Outros crimes, desastres e tragédias como essa virão. Eles não vão parar se não nos posicionarmos. Há alguns dias, teve um protesto em Iracema, cidade pequena próxima de BH, porque tem um projeto de construção de uma barragem três vezes maior que a de Bento Rodrigues. Compromete inclusive o rio das Velhas, um dos principais afluentes do São Francisco.

    Vemos pessoas comuns e famílias saqueando água em Valadares, já que o Rio Doce era a única fonte de captação de água e não sabemos por quanto tempo continuará inviável. Enfim, está muito complicado, as pessoas têm de se dar conta.

    Fonte: Correio da Cidadania, sábado, 28 de novembro de 2015

    Gabriel Brito e Paulo Silva Junior são jornalistas 

  • Tragédia da mineradora em MG: a promiscuidade entre poderes político e econômico no Brasil

    Tragédia da mineradora em MG: a promiscuidade entre poderes político e econômico no Brasil

    Lama da SAMARCO
    Lama da SAMARCO

    Acabamos de testemunhar aquele que talvez seja o maior desastre ambiental da história do Brasil. A população de Bento Rodrigues e Mariana (centro do estado das sugestivas Minas Gerais) está sem água e boa parte desabrigada. Isso sem contar os danos ambientais, calculados em mais um século em termos de recuperação do ecossistema do Rio Doce. Para oferecer uma visão técnica e amplificada da desgraça, entrevistamos a coordenadora do Laboratório de Química Analítica e Ambiental da Universidade Federal do Pará, Simone Pereira.

    “Tenho quase que plena certeza que esse evento não foi natural. O próprio Ministério Público de Minas Gerais está dizendo que não foi um acidente, mas negligência. Havia, sim, indícios de que esse desastre poderia acontecer. E a empresa não tomou as providências”, afirmou.

    Para ela, dois fatos foram cruciais no desenrolar da tragédia: a falta de monitoramento das bacias de rejeitos, o que inclui a falta de tratamento adequado aos rejeitos não inertes e tóxicos, e a não existência de mecanismos de monitoramento autônomos em relação à empresa, fruto da histórica relação de promiscuidade entre poder público e poder econômico no Brasil.

    “Será que abrir para o mercado privado a exploração minerária influi no aumento da produção e diminuição do cuidado ambiental? Devido à questão do lucro isso pode acontecer. A empresa não quer gastar muito dinheiro com questões ambientais. Para o capital, a questão ambiental é secundária. o problema vem, basicamente, de dois fatores: falta de monitoramento e falta de fiscalização. Se houvesse abertura para o monitoramento dos rejeitos tóxicos, além do que a própria empresa faz, e se as SEMAs por todo o Brasil fizessem de fato a fiscalização que deveriam, nada disso teria acontecido”, criticou.

    Para a especialista, é importante que empreendimentos do porte da Vale, da Samarco e também da Belo Sun (ao lado da hidrelétrica de Belo Monte) precisam ser discutidos com a sociedade antes de postos em prática. Ela defende que a comunidade afetada deve decidir a presença, ou não, de empreendimentos como este. Aliás, sua descrição do que acontece na mineração de ouro em Belo Monte já nos obriga a atentar para futuros e similares desastres.

    “Aqui, é o paraíso para quem não quer cumprir a lei. Temos muitas leis e elas são muito avançadas. O problema é como elas são aplicadas e muitas vezes ignoradas, por conta dessa influência do poder econômico no poder público”.

    A entrevista completa com Simone Pereira pode ser lida na íntegra a seguir.

    Correio da Cidadania: Como você mesma defende, existe uma relação entre a mineração e as bacias onde depositam seus rejeitos com os desastres da barragem de Mariana (MG) que inundou com lama tóxica uma série de cidades próximas do curso do Rio Doce. Pode nos explicar, em linhas gerais, como se dá esse processo, do que é formada essa lama tóxica e se há alguma relação também com a mineração no Rio Xingu, tema abordado por você?

    Simone Pereira: Eu me referi à implantação dessas bacias na Volta Grande do rio Xingu, que é o empreendimento chamado Belo Sun, no qual uma mineradora canadense vai usar cianeto na exploração do ouro na região. Há a possibilidade de um desastre similar acontecer lá também. No estado do Pará, em todo o seu território, há uma intensa atividade de mineração. É o segundo em exploração mineral do país, atrás apenas de Minas Gerais. Temos aqui a maior mina de ferro do mundo, a de Carajás, onde existem várias barragens como esta que rompeu em Mariana. É uma preocupação constante.

    A política de depositar os resíduos em bacias já está estabelecida no mundo inteiro e não é um privilégio do Brasil. A prática está difundida no mundo todo por ser a forma mais simples e barata de as empresas disporem dos rejeitos que produzem na atividade minerária. Qual é o problema? O problema é que, quando se processa o minério com explosões, trituração, aplicação de processos físicos e químicos, acabam liberadas no ambiente as substâncias ligadas à rocha, como por exemplo os metais tóxicos e outros elementos que acabam por ser perigosos para os seres vivos e meio ambiente. Não vemos as Secretarias Estaduais de Meio Ambiente (SEMAs) fazerem um monitoramento adequado da parte estrutural das bacias e muito menos um efetivo controle do que se produz em termos de rejeitos tóxicos. Se exige, quando muito, é automonitoramento das empresas.

    Hoje, o que as pessoas mais perguntam é: qual a composição da lama que desceu como um tsunami pelo vale e acabou chegando ao Rio Doce, invadiu cidades e destruiu tudo? A resposta é: não sabemos. As mineradoras não permitem que os institutos, as universidades ou qualquer outro tipo de entidade façam um monitoramento à parte ao que ela própria é obrigada a apresentar para as SEMAs. Sabemos, por notícias vinculadas, que a análise do rio está apresentando resultados elevados para elementos tóxicos, como cádmio, chumbo, mercúrio etc.

    Geralmente, as SEMAs não cobram o efetivo cumprimento da lei, que garante que as substâncias tóxicas não cheguem aos rios em valores acima do permitido pela legislação e fiquem retidas nas bacias. Nenhuma bacia comporta o volume de chuvas, principalmente na época do inverno, e tais produtos acabam descartados no rio mais próximo. Somado a isso, as empresas não dão informações sobre o tratamento que o material recebe.

    Aqui e ali vejo tratamentos para controlar níveis de pH ou para diminuir a turbidez, mas desconheço no Brasil qualquer mineradora que faça tratamento nos afluentes para a retirada dos produtos tóxicos. Já visitei algumas empresas que lidam com tal tipo de atividade e não encontrei em nenhuma delas laboratórios químico-ambientais para fazer tais análises. Geralmente, contratam algum laboratório de fora para fazer o automonitoramento, que é uma prerrogativa da lei. A própria empresa pode contratar outra empresa para fazer o controle. Na minha opinião é um erro, mas é a lei e eles podem fazer assim.

    Portanto, o problema vem, basicamente, de dois fatores: falta de monitoramento e falta de fiscalização. Se houvesse abertura para o monitoramento dos rejeitos tóxicos, além do que a própria empresa faz, e se as SEMAs por todo o Brasil fizessem de fato a fiscalização que deveriam, nada disso teria acontecido.

    Correio da Cidadania: Como enxergou, estruturalmente, a tragédia do rompimento da barragem que armazenava rejeitos oriundos da exploração de minério de ferro pela empresa Samarco, na cidade de Mariana (MG)?

    Simone Pereira: As barragens nada mais são do que uma grande vala cavada no solo, não muito fundo por conta do lençol freático, e que aos poucos se acrescentam nas laterais até atingirem um máximo de altura de talude. As barragens têm, aqui no estado do Pará, em torno de 2 e 3 metros de profundidade. Algumas empresas, que produzem rejeitos tóxicos, fazem o revestimento destas bacias porque se não os efluente com produtos perigosos podem infiltrar no solo e chegar ao lençol freático. Pelo que vi em Bento Rodrigues, não houve qualquer tipo de impermeabilização de bacia e o rejeito foi depositado diretamente no solo.

    O que temos em Mariana e em outros locais é uma barragem feita com o próprio material geológico, como rochas e britas. Não é uma construção de alvenaria. É uma barragem para cima. O talude é a altura da barragem. Assim, quando a barragem começa a saturar, eles aumentam o talude, e são feitas emendas à barragem original. O problema é que a cada tonelada de minério processado, são produzidas outras toneladas de rejeitos. Esse material não é de interesse para a empresa e fica depositado na bacia. Podemos imaginar que são necessárias bacias e mais bacias para que seja possível continuar o processamento do minério.

    Quando uma bacia se esgota e não pode mais receber rejeitos, eles simplesmente cessam a operação naquela bacia, colocam solo por cima, revegetam e partem para outra bacia. Mas os produtos tóxicos ficam ali para sempre. É preciso entender que o minério quando está no solo, na crosta terrestre, está imóvel. Costumamos dizer que está imobilizado e não representa risco, porque está geralmente protegido pelos óxidos e hidróxidos, que são ligações fortes que não deixam esse metal sair das proteções e se tornar disponível para o ambiente.

    Quando se começa a trabalhar o minério, a primeira coisa que acontece são explosões. Em outras palavras, para retirar o minério da crosta colocam-se dinamites e explodem. Esse material particulado gerado pelas explosões – pode ser inalado por uma pessoa – contém elementos tóxicos. E muitas vezes acontecem processos de intoxicação por inalação nas comunidades próximas à mina.

    À medida que você explode a rocha e começa a abrir a mina, que geralmente tem quilômetros de profundidade, e vai sendo aberta em níveis diferentes até o fundo, de onde é extraído o minério, a rocha é exposta às intempéries, como a chuva que produz a descarga ácida de minas (DAM), que contém ácidos fortes e solubiliza os elementos antes imóveis na rocha. Este minério, quando transportado do fundo da mina para o processador, onde será britado, lavado, centrifugado, vai sofrer processos de aquecimento, às vezes processos químicos etc. Produz rejeitos sólidos e efluentes ricos em elementos tóxicos que ficarão como uma herança maldita.

    O ferro produzido, por exemplo, não sai da mina na forma como é exportado. Uma mina de ferro para ser viável precisa ter um minério com teor acima de 60% de ferro. Mas e os outros 40%? São rejeitos, argila, escória e todo esse material que vemos por aí, além de uma pequena percentagem de elementos tóxicos que em pequenas quantidades podem causar problemas de saúde sérios na população e danos ao meio ambiente. Se uma empresa, ao liberar efluente de bacia de rejeito contendo, por exemplo, chumbo, arsênio, cádmio e mercúrio (esses dois últimos se bioacumulam), no rio e as pessoas consumirem essa água, em 30 anos aquela pequena quantidade de metais acaba bioacumulando-se no corpo e causa problema de intoxicação.

    À medida que todo o rejeito não é utilizado pela mineradora, logo é descartado. Há dois tipos de materiais classificado nos rejeitos: um se chama pilha de estéril, composta de material inerte, onde não tem produção de material tóxico na parcela do que é descartado; a outra parcela é a pilha de rejeitos, que, no caso de Bento Rodrigues, foi classificada como classe 2, ou seja, é um material considerado não perigoso, porém não inerte. Isso significa que o material continua reagindo, se combinando, formando novos compostos e podendo ser perigoso para a população e ao meio ambiente, em algum nível, caso venha a ser liberado, como aconteceu.

    Eu não conheço e nunca analisei o material de Minas Gerais, são informações da própria mineradora e de artigos que tenho lido depois da tragédia em Mariana, onde dizem que aquele material é classificado como classe 2, de resíduos não inertes. Isso já basta para eu afirmar que podem apresentar riscos.

    Se não bastasse, a presença da lama, a própria argila, constituída de materiais comuns como os silicatos, seria suficiente para mudar completamente a qualidade dos ecossistemas locais. Minha pergunta é: a empresa vai remediar todos os ecossistemas atingidos pelo rejeito? É preciso retirar a lama e recuperar o ambiente. Mas será que de fato vai acontecer? No Brasil, não vejo acontecer.

    Temos problemas semelhantes aqui no Pará, houve em 2007, no município de Barcarena, o rompimento de uma barragem de rejeitos que deixou o Rio Pará branco, com rejeito ácido de caulim de uma empresa produtora de pigmentos. Até hoje o fundo do rio continua cheio de rejeito. Será mesmo que vão limpar a sujeira de Minas Gerais? Ainda mais agora que a lama está chegando no Espírito Santo? Como é que vão recuperar tudo? E o rio? E as pessoas que estão perdendo seu modo de vida e sua saúde?

    Correio da Cidadania: Agora vemos que as consequências adquirem amplitude quase inimaginável, com os rejeitos e a lama tóxica, como dito, chegando ao litoral e podendo se estender por uma vasta parte da costa brasileira. O que dizer diante disso? O acidente da barragem da Samarco se equipara, como alguns já dizem, a acontecimentos como o vazamento de petróleo no golfo do México ou o vazamento dos rejeitos nucleares da usina japonesa de Fukushima, entre outros episódios?

    Simone Pereira: Eu não compararia isto a Chernobyl ou Fukushima, por não se tratar de um evento envolvendo produtos radioativos. Nós temos visto a natureza sendo agredida por diversas vezes, como na Hungria, onde houve também um rompimento de uma barragem de lama vermelha – lá, eles estão conseguindo recuperar. A empresa foi autuada para fazer a recuperação e aos poucos vai se fazendo. Acontece que a dimensão de Mariana é algo muito maior do que na Hungria. Mesmo com a lama vermelha da Hungria sendo composta de um material ainda mais perigoso que a de Mariana, as dimensões do desastre foram menores. De toda forma, eu não faria tais analogias, que muita gente vem fazendo. O importante é sabermos que em Mariana houve um grande evento.

    No Brasil, é o maior acidente ambiental do qual já tive notícia. Já tivemos acidentes muito graves de derramamento de óleo, a exemplo da Repar no Paraná, quando houve um derramamento de óleo no rio. Foi um grande evento, até atingiu outros estados, e a Petrobrás chegou a ser multada em 200 milhões quando isso aconteceu – foi a maior multa ambiental, até então, da história do Brasil. No entanto, tais eventos ajudaram a trazer novas tecnologias de tratamento de solo e a própria Petrobrás esteve desenvolvendo técnicas para recuperar o meio ambiente.

    Eu não sei se em Mariana vamos ter uma ação igual. Já vemos o prefeito dizer que o Ministério Público não pode fechar a mineradora, porque a economia da cidade depende disso, ou seja, dos royalties e do que arrecada em torno da atividade da mineradora. A medida que a mineradora não é acionada ou o acontecimento for passando despercebido da opinião pública, ela continua agindo da mesma forma com a qual agia até então, e é lógico que os problemas poderão ocorrer novamente. E não é só a barragem de Bento Rodrigues que está nessa situação. Temos lido notícias que falam de outras barragens que correm o mesmo risco.

    Portanto, acho que agora a produção tem de ser interrompida. Não tem como eles continuarem a colocar material dentro de uma barragem que já corre risco de se romper, seria uma irresponsabilidade. O Ministério Público agiu certo em interromper a produção, mas a gente tem a consciência de que a mineradora não vai acabar, não vai mudar suas práticas e as coisas continuam sempre do jeito que já conhecemos. Essa é a situação de Mariana e todas as cidades onde funcionam mineradoras que operam com barragens na região.

    As barragens não são de fato monitoradas como deveriam e, outra coisa, não se ouviu falar em Mariana em plano de contingência. Bento Rodrigues foi massacrada e sequer teve o tempo de correr. As pessoas foram pegas na sua rotina, no seu lazer, e não havia uma sirene sequer para avisar. Nunca se treinou a cidade para um evento como esse. Simplesmente não havia um plano de contingência para que as pessoas pudessem sair rapidamente de suas casas e evitar que as mortes ocorressem.

    Correio da Cidadania: As privatizações e aberturas ao mercado, no sentido de se explorar riquezas minerais diversas sem grandes fiscalizações, têm qual grau de influência na tragédia?

    Simone Pereira: Não acredito que as privatizações tenham influenciado de alguma forma na prática, que considero delituosa, de se colocar rejeito sem qualquer cuidado e monitoramento. Essa prática acontece há décadas. Temos exemplos antigos no Amapá, temos outras explorações minerárias aqui no estado do Pará, assim como em Minas Gerais, que já vêm de muito tempo. Não foi o fato de privatizar uma empresa que acabou por mudar a prática que já era consolidada no Brasil e no mundo inteiro. Não vejo qualquer relação entre a privatização e a prática de depositar rejeitos em bacias.

    Mas entra outra questão: será que abrir para o mercado privado a exploração minerária influencia no aumento da produção e diminuição do cuidado ambiental? Devido à questão do lucro, isso pode acontecer. A empresa, quando se instala, não quer gastar muito dinheiro com questões ambientais. Para o capital, a questão ambiental é secundária. O importante é o lucro. Se a empresa tem o lucro estabelecido, tudo bem. Se por ano a empresa consegue um lucro líquido de 200 milhões de reais, por que não reserva uma parcela para aplicar em tecnologia, preservação ambiental e desenvolvimento de pesquisas no tratamento dos rejeitos, na recuperação da água? Pois se gasta água demais neste tipo de operação e hoje em dia é essencial reutilizar aquilo que se gasta muito. Se a mineradora não vê e não tem o interesse de anexar ao seu produto um selo verde de exploração sustentável, ela simplesmente vira as costas para tudo e só pensa no lucro. O lucro é o principal.

    O fato de a exploração mineral ser aberta para qualquer empresa do Brasil e do mundo demonstra ser necessário um diálogo e uma participação da população da região no processo. É preciso consultar as pessoas sobre a instalação de bacias de rejeitos. Há um atropelo nas audiências públicas, não há uma discussão aprofundada com a mídia como estamos fazendo agora, é preciso chamar os técnicos e os analistas e explicar os fatos: desde a composição química dos rejeitos, até as medidas que a empresa vai tomar para tratar o rejeito e retirar os elementos tóxicos. Não existe isso porque a empresa só visa lucro.

    Aplicar em práticas sustentáveis significa gastar dinheiro, e gastar dinheiro não representa um atrativo para as empresas no sentido de resolver problemas graves que temos aqui – e tais práticas vêm de décadas. Por que não se trata o rejeito, não se retiram produtos que às vezes nem se sabe que estão lá?

    Há produtos que talvez possam até ser comercializados. O que para nós é rejeito, na China pode ser um minério importante. Há nos rejeitos produtos altamente valorizados no mercado exterior. A geoquímica brasileira é riquíssima. Temos, por exemplo, o disprósio, que é jogado fora como rejeito. O disprósio é um minério supervalorizado no exterior, é dele que fazem foguetes, satélites, e aqui é jogado no lixo. Não temos nem a tecnologia para fazer sua extração. É preciso uma mudança de paradigma.

    Existem empresas estrangeiras que em seu país de origem seguem todas as normas ambientais, porque senão pagam multas astronômicas e podem até fechar. Mas quando chegam aqui no Brasil não mostram a mesma conduta. Elas sabem que aqui as leis não são cumpridas. Sabem que aqui o poder político anda de mão dada com o poder econômico. É comum vermos falas como a do prefeito de Mariana, que estava desesperado pelo fato de o município ficar sem verba, e ele não está errado. A cidade precisa de renda.

    O fato de a empresa pagar os royalties para a cidade, a meu ver, pode ser uma maneira de afrouxar a fiscalização. O poder político acaba sendo cooptado a fazer coisas erradas junto com as mineradoras e não vê que pode acabar prejudicando a população, que a prática pode causar danos ambientais etc. Na medida em que o poder político e o poder econômico vão se associando, quem vai sofrer é o meio ambiente e a população. Há um relaxamento da lei, da fiscalização e o caos pode ser instalado no país inteiro devido ao descaso.

    Aqui, é o paraíso para quem não quer cumprir a lei. Temos muitas leis e elas são muito avançadas. O problema é como elas são aplicadas, e em alguns casos ignoradas, por conta da influência do poder econômico no poder público.

    Correio da Cidadania: Como você avalia a abordagem que fala em “acidente”, “desastre natural”?

    Simone Pereira: Tenho quase a plena certeza de que o evento não foi natural. Eles estão alegando que houve tremores antes, o que poderia ter causado o rompimento da barragem. O Ministério Público de Minas Gerais já havia acionado a empresa para fazer a recuperação da barragem, que estava com problemas muito antes de tudo acontecer. Assim, já havia um procedimento do MP, anterior a qualquer coisa, que obrigava a empresa a fazer a recuperação da bacia. O fato de não terem tomado a medida correta para parar a produção e tomar as medidas exigidas pelo Ministério Público leva a crer que simplesmente ignoraram o procedimento. E aconteceu o que aconteceu.

    O próprio MP está dizendo que não foi acidente, mas negligência. Agora, a minha opinião: eu não estava lá, não fiz vistoria e não sei o que de fato aconteceu, de modo que não posso afirmar “sim” ou “não”, estou dizendo apenas pelo que tenho lido e o Ministério Público divulgado sobre o fato de acionar a empresa para resolver o problema. Havia, sim, indícios de que o desastre poderia acontecer. E a empresa não tomou as providências.

    Correio da Cidadania: Há denúncias de acobertamento de responsabilidade da Samarco. Você vê um movimento nesse sentido, inclusive da parte da imprensa?

    Simone Pereira: Antes da internet e das redes sociais, as pessoas acreditavam no que a imprensa divulgava. Era muito comum sermos influenciados por grandes meios de comunicações, grandes redes de televisão, jornais e revistas, porque aquilo era dado como verdadeiro. Com o passar dos anos e com as redes sociais no mundo, a informação verdadeira passou a ser pública. Há uma parte da mídia que serve aos poderes econômicos e políticos. Isso nós sabemos, não sei se é o caso de Mariana. Não tenho dados para te fazer tal afirmativa.

    A minha interpretação é de que a grande imprensa brasileira não é isenta. Aqui ou ali, a imprensa acaba se influenciando por questões políticas, econômicas e tem certa tendenciosidade ou a acobertar ou a omitir ou a minimizar certos acontecimentos, que para a população são graves, mas no final acabam minimizados. Após passar um ou dois dias na mídia, o interesse de publicar determinado assunto cai, sai de pauta, vai para o esquecimento. Estamos vendo isso em relação à Mariana. Já não se fala tanto sobre o assunto como nos primeiros dias após o rompimento das barragens, daqui a alguns dias não se falará mais nada sobre o assunto e a população vai ficar lá, sem apoio, com o meio ambiente irremediavelmente destruído e sem solução.

    Esse é o grande problema. A mídia quando se interessa por um assunto, é por muito pouco tempo. Ela não vai a fundo, não divulga, por exemplo, os nomes de quem de fato são os responsáveis. A gente não sabe como funcionam os processos. Para onde foi o processo? Quantas pessoas foram presas? Não vemos nada na mídia. Você já viu o diretor de alguma indústria protagonista de desastre ambiental ir para a cadeia? Esses processos simplesmente não andam. Não seguem até o final, quando muito se faz um TAC (termo de ajustamento de conduta).

    Seria interessante se a mídia cobrasse de fato as devidas responsabilidades, se ficasse em cima, fosse a fundo, mostrasse realmente o drama das pessoas, porque as vidas dessas pessoas mudaram da noite para o dia. A mídia simplesmente tira do ar e não fala mais. Como se aquele evento acontecesse durante uma semana e depois estivesse resolvido. Tivemos aqui no Pará o afundamento de um barco com 5 mil bois no início do mês de outubro e os bois continuam lá dentro do navio, ninguém tirou. Ainda existem milhares de litros de óleo dentro do barco, que também podem vazar a qualquer momento e ninguém fala mais. Esse é o problema da mídia. Para a população afetada, ela não está sendo útil como as redes sociais.

    Correio da Cidadania: De tempos em tempos, vemos a reforma do Código da Mineração aparecer nos corredores políticos. No atual contexto, o que pensa de tal possibilidade?

    Simone Pereira: Quanto a esse assunto não posso te dar informação, porque não é uma área na qual eu seja especialista. Tais questões políticas sempre vão acontecer. Sempre existirão grupos dentro do Congresso que tentarão formar lobbies para que as práticas nocivas ao meio ambiente sejam favorecidas. Em qualquer área: mineradoras, indústrias, agronegócio, enfim, sempre haverá pessoas querendo mudar leis e códigos já estabelecidos para se beneficiarem.

    Correio da Cidadania: Como está o Brasil no aspecto da proteção legislativa e também da apropriação da renda auferida na mineração?

    Simone Pereira: Aqui no Brasil, alguns municípios recebem royalties da mineração. Parauapebas, o município que recebe os royalties da mineração de ferro no Pará, é a cidade com a segunda arrecadação no estado, só perde para a capital Belém. Imagina um município que recebe 600 milhões de reais por ano. Esse dinheiro deveria ser aplicado no próprio município, correto? Você chega lá na cidade de Parauapebas e não vê esgoto na cidade, não tem tratamento. As escolas também não são lá essas coisas. E pra onde vai o dinheiro todo? Eis a pergunta. Há outros exemplos de municípios que recebem royalties ou impostos e continuam muito pobres.

    Se as empresas pagam tal quantia ao município, porque não vemos o dinheiro aplicado por lá? Para onde vai? Portanto, o município arca com todos os problemas ambientais e sociais que a exploração traz e no final não recebe muita coisa em troca. Ou seja, os lucros não são revertidos para a população na forma de melhorias da saúde, educação, saneamento básico e assim por diante. O poder político acaba dando diversos benefícios para as mineradoras e indústrias e não os vemos voltarem para a população e nem o meio ambiente. Vai beneficiar a quem?

    Sempre dão como desculpa a geração de empregos. Veja bem: a empresa se instala em uma região pobre, com índices de IDH baixos. Não há uma população especializada para trabalhar nas empresas que pretendem se instalar. O que deveriam fazer? Antes da implantação, deviam colocar escolas técnicas, formar pessoal, fazer parcerias com as universidades para ter gente de nível superior trabalhando na indústria. Mas não. Isso custa dinheiro, leva tempo. E o que fazem? Contratam pessoal de fora, já pronto, porque assim não gastam recursos com a formação. A grande parte dos diretores, supervisores, gerentes, pessoal de nível superior, técnicos especializados etc. é de fora, não são moradores dos locais onde se dão as explorações dos recursos.

    Não há um trabalho de base, uma prévia instalação, nem um preparativo para o lugar suportar o impacto do empreendimento. Não há nada. Olhe para Bento Rodrigues. Era uma comunidade rural. De repente chega uma mineradora daquele porte e se instala. Será que a maioria dos moradores locais largou suas vidas simples e foi trabalhar na mineradora ou continuou com sua vida do campo? O que será que mudou na vida da população local com a implantação da mineradora ali? Quais benefícios a mineradora trouxe? Por que não perguntam para a população se ela queria a mineradora ali?

    O problema é a população não ser ouvida. As audiências públicas, quando ocorrem, são feitas de maneira velada, sem publicidade. Poucas pessoas vão e as que vão já estão cooptadas a responderem aquilo que eles querem ouvir. Já vi acontecer muitas vezes. Eu espero que o que aconteceu em Bento Rodrigues seja tomado como exemplo para o país inteiro, que as práticas sejam mudadas e que desastres como estes não venham mais a acontecer no Brasil.

    Correio da Cidadania: Finalmente, aproveitamos para falar de um empreendimento citado no início e localizado no estado em que você trabalha e vive. Na Volta Grande do Xingu, como você avalia os impactos dos grandes empreendimentos da região: a hidrelétrica Belo Monte, já em operação, e a mineradora de ouro da empresa canadense Belo Sun, em vias de implantação? Podem apresentar problemas semelhantes ao que pudemos observar em Minas Gerais?

    Simone Pereira: Eu posso falar da Belo Sun. A hidrelétrica de Belo Monte é um empreendimento que já está em andamento e tem um aspecto bem diferente daquele da exploração de ouro. Logicamente, todo empreendimento tem fases e nós participamos de várias discussões sobre Belo Monte. Não somos contra a hidrelétrica. Particularmente, acho que o Brasil necessita das hidrelétricas. A região amazônica tem vocação para uso da hidroeletricidade. O problema é que deve ser feito com o mínimo de impacto possível e cumprindo-se as condicionantes estabelecidas para poder beneficiar a população e impactar o menos possível o meio ambiente. Mas, de fato, quando as empresas começam a não cumprir aquilo que prometem a coisa fica difícil.

    Outro aspecto é que a hidrelétrica implantada na região amazônica deveria trazer de alguma forma benefícios para a população. Se nós, amazônidas, arcamos com a implantação da hidrelétrica e os seus impactos ambientais e socioeconômicos, esperamos que ela seja bem vinda. Mas quais os benefícios que a população daqui da Amazônia vai ter com a implantação de uma hidrelétrica? A nossa conta de energia é a maior do país. Se nós produzimos energia elétrica aqui na Amazônia, por que nossa conta é a mais alta do país? Por que não se faz uma reforma tributária para aquela energia exportada a outros estados voltar como isenção de impostos? Nós pagamos mais de 30% de impostos – só impostos estaduais. Portanto, ainda podemos entrar no assunto de “bandeira tarifaria”, pois quando o sul está passando por seca, somos nós que pagamos pelo acionamento das termelétricas.

    Quanto a Belo Sun, é um problema que está nas mãos do Ministério Público Federal. O órgão já foi acionado, já foi feita a denúncia, já se embargou em parte a liberação da licença para o início da operação das mineradoras, mas também já conseguiram derrubar a liminar do MP Federal e está em curso a implantação da mineradora.

    O problema da Volta Grande é que eles vão usar cianetação para poder processar o ouro. Esse processo de cianetação é usado em várias mineradoras, mas por ter registrado vários acidentes ambientais ao redor do mundo está sendo banido. O cianeto está sendo substituído por outras substâncias na exploração do ouro. Existe um movimento para poder banir o cianeto da exploração do ouro. O problema é que até agora não foi encontrado um outro produto que o substitua tão bem, e ele será usado nas bacias de rejeitos da Belo Sun na Volta Grande do Rio Xingu.

    O cianeto vai ser controlado, a menos que haja problemas em alguma válvula que porventura ocasione o seu derramamento no rio, mas o grande problema, e não falado, é o que vão fazer com os elementos tóxicos que estão no solo junto com o ouro e estarão em contato com o ambiente – assim como eu expliquei no início da entrevista a partir da mineração do ferro.

    Acontece que a mineração do ouro ainda contém arsênio, que é ligado ao ouro geoquimicamente, e teremos mercúrio, chumbo, cádmio e assim por diante. E em todo o projeto, que eu tive a oportunidade de ler da primeira à última página, não há qualquer referência acerca do tratamento desses metais tóxicos.

    Continua a mesma prática. Ou seja, vão pegar o minério, explodir, triturar, tratar quimicamente com cianeto, complexificar os elementos químicos, separar o lodo e o que sobrar vai ser colocado em bacias de sedimentação. Logicamente, o efluente gerado por tal prática acaba sendo rico em cianeto e metais tóxicos. O problema é que o tratamento do afluente dará conta apenas do cianeto. Vão tratar o cianeto com ácido que, ao reagir, quebra-o e produz nitrogênio e gás carbônico. Portanto, à medida que você usa esse ácido torna o rejeito mais ácido, o que biodisponibiliza os elementos tóxicos de uma maneira ainda mais eficiente para o ambiente. É preocupante, já que não dizem como vão tratar esses metais.

    O que mais preocupa é que vão tirá-los dos efluentes, mas existe a possibilidade de jogarem no Rio Xingu. Isso está cantado, com todas as letras. Não se fala no texto do projeto sobre proteção ao Rio Xingu e as comunidades indígenas que vivem próximas do empreendimento e utilizam a água do rio para o seu consumo cotidiano. Elas não têm água tratada, nem mineral, e usam a água do rio. Assim, se os metais pesados forem jogados, logicamente vão afetar as comunidades indígenas. E não só elas, mas também diversas cidades ao longo do curso do rio.

    Correio da Cidadania: Em suma, continua tudo armado para novas tragédias ambientais no Brasil.

    Simone Pereira: Minha análise é baseada no próprio projeto, que eles disponibilizaram na página da Secretaria de Meio Ambiente. Não há qualquer referência ao tratamento dos metais pesados, assim como em Minas Gerais e em outros empreendimentos daqui do Pará.

    Existe uma legislação que obriga as indústrias e as empresas a fazerem controles de efluentes. Não pode jogar metal tóxico no rio, há um limite máximo permitido. Só que como não é feita a fiscalização, não há a exigência do controle de todos aqueles metais. As SEMAs acabam fazendo exigências de coisas que não têm nada a ver, como pH e turbidez. E os metais continuam sendo jogados no rio. Lá tem essa particularidade. Eu fiz análise do Rio Xingu naquela área e já há um aumento de arsênio, até seis vezes maior do que o limite permitido. Isso ocorre porque ali já existe uma exploração de ouro feita artesanalmente por pequenos garimpeiros, que usam mercúrio na atividade de extração do ouro.

    Se com a atividade artesanal já há um aumento do arsênio, imagina como este componente vai aumentar quando vier a mineradora em esquema industrial. Com a previsão de várias toneladas de ouro por ano a serem produzidas, teremos também muitas toneladas de arsênio no meio ambiente. E não há qualquer tipo de referência ao tratamento deste material no projeto da Belo Sun.

    Raphael Sanz e Gabriel Brito são jornalistas do Correio da Cidadania

    Fonte: Correio da Cidadania, terça-feira, 17 de novembro de 2015

  • O preço da água

    O preço da água

    No sudeste do Pará, a concessão do abastecimento para a Odebrecht Ambiental veio acompanhada de tarifas altas; os moradores de rendimentos baixos têm de decidir entre pagar a conta ou garantir a alimentação das suas crianças.

    A água, tão central na cultura amazônica, tem-se transformado num bem caro e até mesmo perigoso em São João do Araguaia, São Geraldo do Araguaia e Xinguara, no sudeste do Pará. O líquido que chega às torneiras das casas está sob a responsabilidade da Odebrecht Ambiental, que detém as concessões do serviço de abastecimento nas três cidades e em outros sete municípios paraenses. Moradores de baixos rendimentos, que precisam do apoio Bolsa Família para sobreviver, têm sentido dificuldade em pagar as contas todos os meses. Também existem reclamações de que a empresa usa cloro em excesso no tratamento, o que traz mal-estar às crianças.

    Alguns pais enfrentam o dilema entre deixar as contas em dia ou manter a família, o que pode resultar em cortes até na alimentação. Há moradores que viram a fatura alcançar metade do orçamento, chegando a valores próximos de 200 reais [cerca de 50€]. Nos três municípios, 4.107 pessoas vivem com até um quarto do salário mínimo por mês (o equivalente a 197 reais), segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A saída é gerir a economia doméstica, numa eterna corda bamba, que onera sobretudo as crianças.

    Muitos recorrem a fontes alternativas de água, como poços artesanais e rios da região, que podem estar contaminados. Isso expõe as crianças ao risco de diarreia e doenças como febre tifóide, hepatite A e parasitas. “A conta da água aperta demasiado o orçamento. Muitas vezes tive que deixar de comprar coisas para as meninas, como comida ou material de escola. Houve meses em que tive que pedir dinheiro à minha sogra para por comida na mesa”, afirma a dona de casa Ana Carolina Dias Palone, de Xinguara, que tem duas filhas, de 5 e 7 anos. “Muitas vezes tenho que deixar uma conta pendente para o próximo mês, para dar tempo de sobrar um dinheirinho e conseguir comprar o que elas precisam de comer.”

    Os valores das contas de água foram definidos pelas prefeituras e pelas empresas nos contratos de concessão. Os moradores, principais afetados pela mudança, tiveram oportunidades restritas de participar da definição dos preços. “Não há no Pará uma agência reguladora que discuta com a prefeitura e com a população os valores. Eu, daqui, tenho que garantir que minha empresa continue funcionando. Somos uma companhia privada e visamos ao lucro. Não adianta ser hipócrita”, diz uma das engenheiras da empresa, que falou sob anonimato.

    Cada município atendido pela Odebrecht Ambiental possui obrigações específicas, descritas no respectivo plano de água e esgoto. “A região amazônica tem minério, terra, água. Tudo isso. As empresas vêm com a intenção de se apropriar da água e do bem público. A lógica da Odebrecht é mercantilizar a água, torná-la mercadoria”, afirma Cristiano Medina, integrante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). A empresa ressaltou, via assessoria de imprensa, que, pelo modelo de concessão adotado nos municípios paraenses, assume a operação sob supervisão da prefeitura e deve assegurar investimentos e prestação de serviços. Após 30 anos, os benefícios implantados ficarão para os municípios.

    Empresas públicas e privadas de saneamento têm as mesmas obrigações, previstas nos planos diretores das cidades onde atuam. “A diferença principal é que as empresas privadas veem na água uma forma de obter lucro, enquanto as estatais têm o objetivo de desenvolver a região e prestar um serviço de saúde. Assim, uma empresa estatal pode reduzir as tarifas ou subsidiar regiões pobres sem aumentar os preços para as outras pessoas. Já a empresa privada terá que cobrar mais caro de alguém para garantir seu lucro”, exemplifica o diretor regional do Sindicato dos Urbanitários do Pará, Otávio Barbosa.

    ‘Compro comida ou pago água?’

    A notícia da chegada de duas pessoas de São Paulo correu depressa na zona rural do pequeno município de São João do Araguaia. Famílias inteiras saíam das suas casas de madeira, ultrapassaram o quintal de terra batida e esperaram junto às cercas de madeira ou arame farpado, num modelo de construção quase padronizado no local. Nas mãos, tinham as contas de água dos últimos meses, anexas aos avisos de corte do abastecimento. No rosto, uma clara esperança de resolver o problema que tira o sono – e sustento – de crianças e adultos da cidade: o valor a ser pago pela água.

    “Não… Nós não somos da Odebrecht. Eu sou repórter e ele é fotógrafo.” A apresentação decepcionava aqueles que aguardavam uma resposta para o problema. Nas pequenas residências com casas de banho inacabadas, repletas de crianças e com sustento vindo basicamente do Bolsa Família, os valores das contas de água atingem parte significativa do orçamento familiar. “Minha conta vem por volta de 18 reais [4,50€], porque nunca ultrapassei a primeira faixa de consumo. O valor pode parecer baixo, mas, para mim, que sustento a casa com 200 reais [50€], é muito. A gente acaba a ter que tirar dinheiro do Bolsa Família para pagar a água e esse era um dinheiro que deveria ser para a comida das crianças”, conta a dona de casa Ednalda Moreira Gomes, que vive com o marido e dois filhos, de 10 e 13 anos.

    Desempregado, o trabalhador rural José Reis recebeu em setembro uma conta de água de 48,03 reais [12,40€] para um consumo de 26 metros cúbicos. Mora numa casa de três divisões, sem casa de banho, com a esposa e mais três filhas. “Antes nós não pagávamos nada pela água. Agora, começámos a pagar e nem fomos consultados sobre o preço que pagaríamos. Ficou caro. Muitas vezes tiro dinheiro da merenda das minhas meninas para dar conta desse gasto”, lamenta. Ele aguarda uma vistoria da empresa para verificar a existência de vazamentos. “Está muito pesado para a gente que vive desempregada. Estou sem pagar, porque não tenho condições. O dinheiro que recebemos do Bolsa Família vai todo para comida e material escolar. Eu não posso mexer nisso.”

    “O dinheiro que recebemos do Bolsa Família vai todo para comida. Eu não posso mexer nisso”, lamenta o trabalhador rural desempregado, José Reis. Foto: Danilo Ramos/Agência Pública/Rede Brasil Atual
    “O dinheiro que recebemos do Bolsa Família vai todo para comida. Eu não posso mexer nisso”, lamenta o trabalhador rural desempregado, José Reis. Foto: Danilo Ramos/Agência Pública/Rede Brasil Atual

     

    A renda da família da dona de casa Marines Cardoso de Oliveira também vem do Bolsa Família, que paga 35 reais [8,60€] por criança, até o teto de 175 reais [43,30€] – 33 reais[8,20€] a menos que o valor da conta de água de junho, de 08,87 reais [51,70€], por 62 metros cúbicos. “Às vezes é preciso escolher: comprar comida para as crianças ou pagar a água”, explica. Ela vive em uma casa de uma divisão com uma casa de banho inacabada, com o marido e nove filhos, três deles com deficiência mental. “O Bolsa Família só dá para comprar comida para os meninos, e de uma vez ou outra algo para eles vestirem”, diz. Com a conta atrasada, o seu maior medo é ter o serviço cortado e precisar de recorrer à água de um pequeno lago próximo a sua casa, usado pelo gado de criadores da região. “Já me deram o aviso que, se eu não pagar, vão cortar a minha água. Como vou fazer?”, questiona.

    A história repete-se de casa em casa, entre pelo menos 100 pessoas que vivem no bairro Vila José Martins Ferreira, na zona rural de São João do Araguaia. Quem não consegue bancar o preço da água recorre a fontes alternativas, e pouco seguras, como os rios da bacia amazônica e poços artesanais – onde muitas vezes a água, mal armazenada e sem tratamento, oferece riscos pela presença de micro-organismos nocivos à saúde. As crianças acabam sendo as mais contaminadas por doenças bacterianas e vermes, como confirmam funcionários da saúde pública da região. Apesar da percepção dos trabalhadores do setor, a Secretaria Estadual de Saúde do Pará não contabiliza o número de crianças que apresentam os principais sintomas – diarreia e vômito – pois os problemas não são de notificação compulsória ao Ministério da Saúde.

    A auxiliar de escola Raimunda Carvalho dos Santos vive em três divisões com o marido e três filhos, com apenas um salário mínimo. “Tenho que tirar dos meninos, não tem outra forma”, diz. Na conta de julho, o valor era de 168 euros [41,50€] por 55 metros cúbicos. “A renda é pouca. Então, para pagar a água, nós temos que tirar da alimentação das crianças e do material da escola. Como vou eu pagar se não fizer assim?”, lamenta olhando para o chão, quase envergonhada. “Se cortarem, vou ter que ir buscar a água no poço do vizinho para dar às crianças. Mas ela não é boa. Fico entre a espada e a parede.”

    “A lógica da Odebrecht é mercantilizar a água”, diz Cristiano Medina, do MAB. Foto: Danilo Ramos/Agência Pública/Rede Brasil Atual
    “A lógica da Odebrecht é mercantilizar a água”, diz Cristiano Medina, do MAB. Foto: Danilo Ramos/Agência Pública/Rede Brasil Atual

    O valor da tarifa média por metro cúbico em São João do Araguaia é de 2,22 reais [0,55€]. Todo o lucro da Odebrecht Ambiental vem da tarifa cobrada aos utilizadores. A Agência Pública solicitou o valor médio recebido pela empresa por mês, porém a informação não foi fornecida. Em São João do Araguaia, São Geraldo do Araguaia e Xinguara, os contratos não preveem a tarifa social. Ela é aplicada por decisão da empresa. Podem ter acesso ao benefício clientes da categoria residencial, com casas enquadradas no padrão baixo de construção (área construída de até 100 metros quadrados, sem forro, apenas com uma casa de banho ou instalações precárias) e que tenham renda familiar igual ou inferior a um salário mínimo e meio. Apesar de muitos dos entrevistados se enquadrarem nesse perfil, nenhum deles era contemplado com o benefício.

    “Percebemos que muitas das contas vêm com um consumo muito alto de água. A empresa faz a verificação de fugas quando os moradores reclamam, mas não há um controle mais rigoroso sobre possíveis desperdícios. Mesmo nos casos de fugas e das famílias de baixa renda, não conseguimos negociar um valor menor para a conta”, afirma o vereador Benisvaldo Bento da Silva (PMDB), que tem organizado os moradores e conduzido reuniões com a Odebrecht Ambiental.

    Na mira da Lava Jato

    A empreiteira Odebrecht, membro do grupo da Odebrecht Ambiental, é uma das empresas investigadas na Operação Lava Jato. Em julho, comprovantes de depósitos bancários encaminhados pela Procuradoria da Suíça a integrantes da Força Tarefa da Polícia Federal comprovaram transferências entre contas pertencentes à Odebrecht e ex-diretores da Petrobras. No mesmo mês, o juiz Sérgio Moro, responsável pelos inquéritos, aceitou a denúncia do Ministério Público Federal contra o presidente da empresa, Marcelo Odebrecht, e mais quatro executivos. Ele tornou-se réu, sob acusação de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa e continua preso em Curitiba, desde 19 de junho.

    A 20 de outubro, a defesa do empresário entrou com novo pedido de habeas corpus no Supremo Tribunal Federal (STF), pelo qual ele pedia “socorro”, em tom inflamado. O ministro Teori Zavascki, relator dos processos da Operação Lava Jato no STF, negou o pedido de liberdade por entender que a prisão preventiva é necessária, uma vez que o executivo teria orientado supostas atividades criminosas de outros réus e que supostamente atuou para evitar o levantamento de provas. No dia 26 de outubro, advogados da empresa entraram com recurso no Tribunal Penal da Suíça para tentar evitar que extratos bancários em contas no país europeu sejam remetidos oficialmente ao Ministério Público do Brasil.

    Água para quem?

    A empresa tocantinense Hidro Forte Administração e Operação Ltda venceu a concorrência, seguindo o critério principal de oferecer o menor valor de tarifa. Três meses depois de assumir a concessão, a empresa foi comprada pela Odebrecht Ambiental, em setembro do ano passado. A possibilidade de mudar a empresa prestadora do serviço não estava prevista no edital, como manda a Lei de Licitações (8.666/93). “Neste caso, para ser legal, a possibilidade deve estar descrita no contrato de prestação de serviço”, explica Flávio Guberman, advogado especialista em direito administrativo e societário. Não foi possível obter o contrato, pois o secretário de Administração de São João do Araguaia, Emiliano Soares, não respondeu à reportagem.

    O prefeito afirmou que a administração municipal “possui toda a documentação”. “Nós optamos por ter uma água de qualidade, porque as águas estão muito poluídas. A Odebrecht tem conhecimento, tem mais recurso e uma trajetória em saneamento básico. Preferimos migrar”, disse. A empresa informou, pela assessoria de imprensa, que, desde que assumiu o serviço, reformou a Estação de Tratamento de Água e regularizou as redes de distribuição e as ligações domiciliares, além de eliminar ligações clandestinas e fazer a clorificação da água. O teor de cloro atinge o máximo permitido pela Portaria 2.914/11 do Ministério da Saúde, de 2 miligramas por litro.

    “De repente fomos surpreendidos pelos contratos com a Odebrecht. Não pudemos fazer audiência pública nem consultar a população sobre essa mudança. Quando o serviço era público, a prefeitura não cobrava e a água do rio era distribuída para a população por um sistema municipal. A Odebrecht não faz ainda o tratamento completo da água, mas já cobra caro”, reclama o vereador Benisvaldo.

    “Passaram-se três meses e a conta que chega nas casas das famílias fica entre 150 reais e 300 reais [37 e 74€]. Há pessoas que não têm renda nenhuma e têm que pagar isso”.

    A tarifa mínima cobrada em São João do Araguaia é de 18,28 reais [4,50€] para um consumo de 0 a 12 metros cúbicos, o equivalente a 1,52 reais [0,40€] por metro cúbico. O valor aumenta de acordo com o consumo, chegando a 5,73 reais [1,40€] por metro cúbico para as residências que usam mais de 50 metros cúbicos. Na cidade de São Paulo, por exemplo, o preço é de 20,62 reais [5,10€] para um consumo de 0 a 10 metros cúbicos, sendo que, pela opção da tarifa social, voltada para as famílias de baixa renda, o valor cai para 7 reais [1,70€] nessa faixa de consumo. No município paraense, é de 12 reais [3€]. Apesar disso, 30,41% das famílias de São João do Araguaia vivem com até um quarto do salário mínimo por mês, contra apenas 2,88% em São Paulo.

    O Pará – onde muitos municípios ainda mantêm sistemas públicos de distribuição de água – tem a segunda tarifa média mais barata do país: 1,64 reais [0.41€] por metro cúbico, atrás apenas do Maranhão (1,62 reais [0.40€]), segundo o Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgoto de 2013, do Ministério das Cidades. O estado com a tarifa mais alta é o Rio Grande do Sul (4,18 reais [1€]), seguido por Amazonas (3,75 reais [0,93€]) e pelo Distrito Federal (3,73 reais [0.92€]).

    Cidade alagada

    O projeto terá duas eclusas e um lago de 3.055 quilômetros quadrados. Serão inundados 1.115 quilômetros quadrados de terras de seis municípios do Pará (Marabá, São João do Araguaia, Bom Jesus do Tocantins, Brejo Grande do Araguaia, Nova Ipixuna, Palestina do Pará), três do Tocantins (Ananás, Esperantina e Araguatins) e dois no Maranhão (São Pedro da Água Branca e Santa Helena). A obra tem custo previsto de 12 bilhões de reais [2,97 mil milhões de euros] e terá capacidade de produção de 2.160 megawatts.

    A Odebrecht não respondeu aos questionamentos da reportagem sobre por que investir no saneamento em uma cidade que será alagada, por considerar uma informação estratégica para a empresa. “Por questões estratégicas a Odebrecht Ambiental não fornece esses dados”, disse a assessoria de imprensa.

    “Isso passa por controle do território, mercantilização dos recursos naturais e controle dos rios”, acredita Cristiano Medina, do MAB. “São as mesmas empresas que disputam e administram tudo aqui. A Amazônia tem uma reserva vantajosa mineral, energética e de água e as empresas chegam aqui para controlar esses recursos.”

    Água mineral

    Apesar de Xinguara ser a cidade mais desenvolvida entre as visitadas – a única com um Índice de Desenvolvimento Humano médio (0,659) –, o distrito de Rio Vermelho, popularmente conhecido como Gogó da Onça, é composto por algumas poucas casas de madeira, que se espalham na beira da estrada. “Mãe, mãe, o retratista pode tirar retrato de eu mais o papagaio?”, pergunta, muito alegre, a pequena Rafaela Dias Palone, de 7 anos, enquanto corre para dentro de casa. A mãe da menina, Ana Carolina Dias Palone estava atarefada, a cuidar da filha mais nova, de 5 anos, que há uma semana que sofria de fortes dores no estômago e nos rins. O motivo, segundo o diagnóstico médico, era o cloro na água. “O médico perguntou se eu dou água da rua para ela e, quando confirmei, ele disse que tinha certeza que era isso, porque já tinha outros casos. Desde então estamos comprando água mineral, mas é muito caro”, conta a dona de casa.

    Criança de 5 anos sofre com fortes dores no estômago e nos rins pelo cloro na água, segundo diagnóstico médico. Foto: Danilo Ramos/Agência Pública/Rede Brasil Atual
    Criança de 5 anos sofre com fortes dores no estômago e nos rins pelo cloro na água, segundo diagnóstico médico. Foto: Danilo Ramos/Agência Pública/Rede Brasil Atual

    Uma dosagem excessiva de cloro para consumo humano pode levar, por exemplo, à degradação da flora intestinal e a problemas estomacais, segundo o especialista em química ambiental e tratamento de água, Jorge Antonio Barros de Macedo. “Além disso, se a água não for filtrada antes de receber o cloro, o contato de alguns tipos da substância com matéria orgânica pode resultar na formação de substâncias cancerígenas, chamados trialometanos”, diz.

    Uma das enfermeiras que trabalham diariamente no posto de saúde do distrito – e que não se quis identificar – confirmou que muitas crianças adoecem devido ao cloro usado na água. Ela reconhece, contudo, que houve uma diminuição do problema desde o começo do ano. “As pessoas adoeciam mais, porque os níveis de cloro eram muito altos. Para ter uma ideia, a empregada nem estava a usar lixívia para lavar os lençóis do posto”, conta. “Depois de muita reclamação melhorou, mas as pessoas mais sensíveis, sobretudo as crianças, ainda sentem dores de estômago, diarreia e vómito. Algumas também chegam com irritações na pele, porque tomaram banho com água com cloro forte.”

    Nem a Secretaria de Saúde Estadual do Pará nem a de Xinguara contabilizam os casos de adoecimento em função da água ou do cloro, segundo a secretária adjunta de Saúde de Xinguara, Maria da Glória Barbosa. O levantamento fica por conta da observação dos funcionários da saúde. “Aqui temos pelo menos três casos de diarreia em crianças por semana. A maior parte é devido à contaminação por giárdia, que é um protozoário transmitido pela água que não é tratada adequadamente. Nós sabemos que muitos municípios do estado são carentes na questão do tratamento de água e enfrentamos esse desafio no nosso dia a dia”, conta a enfermeira-chefe de um dos postos de saúde do município, Ecilene Fera.

    De acordo com a secretária adjunta de Saúde de Xinguara, Maria da Glória Barbosa, o município não contabiliza os casos de adoecimento em função da água ou do cloro. Foto: Danilo Ramos/Agência Pública/Rede Brasil Atual
    De acordo com a secretária adjunta de Saúde de Xinguara, Maria da Glória Barbosa, o município não contabiliza os casos de adoecimento em função da água ou do cloro. Foto: Danilo Ramos/Agência Pública/Rede Brasil Atual

    A Odebrecht Ambiental disse que “obedece a todos os padrões de tratamento de água atendendo ao preconizado pelo Ministério da Saúde” e que realiza monitorizações constantes de qualidade da água por meio de exames laboratoriais. “O teor de cloro estabelecido pela legislação deve ficar entre 0,2 e 2 miligramas por litro, sendo que utilizamos o valor de 0,9 miligramas por litro”, informou.

    A prefeitura, no entanto, não tem realizado a sua análise da água para confirmar os dados recolhidos pela empresa. Esse acompanhamento deveria ser feito mensalmente, por meio de amostras colhidas em diferentes locais da cidade, enviadas depois para um laboratório central, no município de Conceição do Araguaia. “A última recolha foi realizada em maio e ainda não tivemos acesso aos resultados. Está parada por causa de uma licitação para compra de materiais”, explica o coordenador do sistema de monitoramento na prefeitura, Marconi Ribeiro.

    Devido ao cloro e ao valor elevado da conta (mínimo de 27,80 reais [6,88€] para quem consome de 0 a 10 metros cúbicos e uma média de 3,32 reais [0,82€] por metro cúbico, considerando todas as faixas tarifárias), algumas famílias voltaram a recorrer à água de poços. “A água que recolhemos tem coliformes fecais, sobretudo a dos poços, que em geral ficam perto das fossas. O saneamento básico e o esgoto são maus. Por isso, mesmo nas famílias de baixos rendimentos, as pessoas acabam por ter que consumir galões de água mineral”, diz Ribeiro.

    Em Xinguara, a água que chega às casas pelo sistema de distribuição operado pela Odebrecht Ambiental vem de uma barragem feita num pequeno riacho. Apenas 30% da população do município tem acesso à água tratada. A empresa está a investir na ampliação da barragem, que deve duplicar de tamanho e permitir uma captação de água três vezes maior que a atual, além de aumentar a rede de distribuição para a cidade. “Não temos mais atendimento porque o riacho é pequeno. No período de verão, a qualidade dessa água fica muito má, com matéria orgânica, escura e temos que usar muitos produtos químicos. Com um lago maior, de profundidade maior, a qualidade melhora”, disse uma engenheira da Odebrecht. “Trabalhamos com uma meta desafiadora, porque atendemos a um percentual muito pequeno. Até 2017 temos que atingir 70% de atendimento.”

    A água de qualidade também é um problema a 200 quilómetros dali, no município de São Geraldo do Araguaia, que, junto com Xinguara, capta água de superfície dos rios. Muitos moradores dizem que precisam de comprar água mineral para beber. Segundo eles, a água da rua tem má qualidade e também chega às casas com cheiro forte de cloro ou suja, ainda com resíduos de matéria orgânica. De acordo com a empresa, o teor de cloro utilizado na água do município também é de 0,9 miligramas por litro. A prefeitura de São Geraldo não realizou nenhuma avaliação da qualidade da água neste ano, por falta de equipamentos como o reagente ou o coletor, segundo a Secretaria de Saúde do município. De acordo com o órgão, o teor de cloro no município variou entre 0,2 e 2 miligramas por litro, mas já chegou a 5 miligramas por litro.

    Os moradores do município pagam uma das contas de água mais caras da região: 31,10 reais [7,70€] para quem consome entre 0 e 10 metros cúbicos e uma tarifa média de 3,73 reais [0,92€]. Segundo a Odebrecht Ambiental, as diferenças de valores nas tarifas dos municípios “devem-se às especificidades presentes no equilíbrio financeiro de cada uma destas concessões e obedecem a parâmetros presentes nos contratos de concessão com cada município”. Antes de a Odebrecht assumir a sistema de água no município, a responsável era uma empresa de capital misto chamada Companhia de Saneamento de São Geraldo do Araguaia (Cosanga). O primeiro contrato foi feito com uma empresa chamada Saneatins, que posteriormente foi adquirida pela Odebrecht Ambiental.
    Com o valor alto da conta da água em São Geraldo do Araguaia, a população continua a utilizar o rio para lavar louças e roupas. Foto de Danilo Ramos.

    Com o valor alto da conta de água em São Geraldo do Araguaia, população continua utilizando o rio para lavar louças e roupas. Foto: Danilo Ramos/Agência Pública/Rede Brasil Atual
    Com o valor alto da conta de água em São Geraldo do Araguaia, população continua utilizando o rio para lavar louças e roupas. Foto: Danilo Ramos/Agência Pública/Rede Brasil Atual

    Devido às recorrentes queixas sobre a qualidade e o preço da água no município, o promotor de Justiça de São Geraldo do Araguaia, Agenor de Andrade, organiza, desde agosto, quatro procedimentos jurídicos contra a Odebrecht Ambiental, de quatro diferentes regiões da cidade. Três deles vieram de abaixo-assinados que reuniram 160, 110 e 70 assinaturas de moradores, reclamando do cheiro a esgoto da água, da cor barrenta ou da interrupção constante da distribuição, sem aviso. “Várias pessoas estão a passar mal com diarreia, infecções por bactérias, vómitos e crises estomacais”, diz o enunciado de um dos abaixo-assinados.

    “Os moradores encaminharam-me uma garrafa com uma amostra da água que chega à casa deles e ela veio realmente muito suja e barrenta. Por isso, vou convocar, junto à Câmara Municipal, uma audiência pública, para ouvir os munícipes e cobrar respostas à empresa”, diz Andrade. “Colheremos informações e instauraremos procedimentos administrativos para subsidiar uma eventual ação civil pública contra a Odebrecht.”

    Uma das alternativas que a população encontra para contornar a tarifa e os problemas na qualidade da água é o rio, sem tratamento. Na pequena São Geraldo, com as suas casas de madeira e ruas de terra, onde além das pessoas circulam também galinhas e porcos, tudo acontece nas margens do Araguaia, entre a lavagem de roupa e a pesca. “A água da rua vem suja ou cheia de cloro. Para tudo o que preciso uso o rio”, reclama a pescadora Silva Moreira, que mora numa casa onde só há uma torneira e um vaso sanitário, sem autoclismo.

    “Uma vizinha contou que colocou a roupa de molho e no dia seguinte apareceu manchada, porque é muito cloro”, conta a dona de casa Rosa Maria, que tem uma filha de 10 anos e outra de 9 meses. “Às vezes a água vem muito suja, outras vezes com bastante cloro. Chega a arder para beber. Acabamos tendo que comprar água mineral para dar para a bebé, porque a da rua é muito forte para ela. Mas infelizmente não temos dinheiro para as duas. O que vamos fazer?”

    “Às vezes a água vem muito suja, outras com bastante cloro. Chega a arder para beber”, conta a dona de casa Rosa Maria. Foto: Danilo Ramos/Agência Pública/Instituto Alana
    “Às vezes a água vem muito suja, outras com bastante cloro. Chega a arder para beber”, conta a dona de casa Rosa Maria. Foto: Danilo Ramos/Agência Pública/Instituto Alana

    Este artigo é o resultado do concurso de microbolsas para reportagens de investigação sobre Crianças e Água promovido pela Agência Pública em parceria com o projeto Prioridade Absoluta do Instituto Alana.

    Fonte: Pública, 13/11/2015

    Veja a nota da Odebrecht Ambiental sobre o fornecimento de água no Pará

    Empresa enviou posicionamento depois da publicação da reportagem ‘O preço da água’, sobre a sua atuação em São João do Araguaia, São Geraldo do Araguaia e Xinguara, no Pará

    A Odebrecht Ambiental enviou à Agência Pública a nota a seguir, a respeito da reportagem O preço da água, publicada na sexta-feira (13):

    “Os municípios de São João do Araguaia, São Geraldo do Araguaia e Xinguara, no sudeste do Pará, citados na matéria da Agência Pública, sofrem há anos com a falta de infraestrutura que causa gravíssimos problemas para a saúde e qualidade de vida da população. No Pará, apenas 42% da população tem acesso a serviços de água tratada e menos de 3% do esgoto gerado no Estado é tratado. Em busca de uma alternativa, as cidades recorreram ao modelo que já mostra sucesso em diversas cidades brasileiras, no qual a iniciativa privada complementa os investimentos públicos para a universalização do saneamento. O Poder Público, portanto, tomou a decisão de concessionar – e não privatizar – os serviços de água e esgoto desses municípios. Por meio da concessão nestas e em outras sete cidades do Pará, a Odebrecht Ambiental irá investir nesta área que é fundamental para garantir a saúde da população.

    A concessionária aplica a tarifa social nos 10 municípios paraenses que atua, beneficiando cerca de 5 mil famílias, que pagam, em média, R$ 13,70 por mês. Se enquadram na tarifa social clientes cadastrados na categoria residencial, com residência classificada como de padrão baixo de construção (área construída de até 100m², sem forro, com apenas um banheiro ou instalações precárias) e que tenham renda familiar igual ou inferior a um salário mínimo e meio vigente. Aposentados, pensionistas e portadores de doenças crônicas são beneficiados se apresentarem renda familiar de até dois salários mínimos e meio. A tarifa social representa um desconto de 69% aplicado na tarifa básica da categoria residencial (faixa de consumo de 0 – 10m³). Todos os consumidores que se encontram dentro desses parâmetros podem requerer o serviço junto à concessionária.

    Quanto à questão do cloro abordada na matéria, a Odebrecht Ambiental mais uma vez esclarece que a adição deste elemento garante que a água esteja livre de agentes causadores de doenças e que obedece a todos os padrões de tratamento de água em atendimento ao preconizado pelo Ministério da Saúde. A concessionária informa ainda que realiza monitoramento constante de qualidade da água em seus diversos parâmetros com constantes exames laboratoriais.”

    16 de novembro de 2015

  • Por que a energia solar não deslancha no Brasil

    Por que a energia solar não deslancha no Brasil

    energia-solar

    A capacidade instalada no Brasil, levando em conta todos os tipos de usinas que produzem energia elétrica, é da ordem de 132 gigawatts (GW). Deste total menos de 0,0008% é produzida com sistemas solares fotovoltaicos (transformam diretamente a luz do Sol em energia elétrica). Só este dado nos faz refletir sobre as causas que levam nosso país a tão baixa utilização desta fonte energética tão abundante, e com características únicas.

    O Brasil é um dos poucos países no mundo, que recebe uma insolação (numero de horas de brilho do Sol) superior a 3000 horas por ano. E na região Nordeste conta com uma incidência média diária entre 4,5 a 6 kWh. Por si só estes números colocam o pais em destaque no que se refere ao potencial solar.

    Diante desta abundância, por que persistimos em negar tão grande potencial? Por dezenas de anos, os gestores do sistema elétrico (praticamente os mesmos) insistiram na tecla de que a fonte solar é cara, portanto inviável economicamente, quando comparadas com as tradicionais. Até a “Velhinha de Taubaté” (personagem do magistral Luis Fernando Veríssimo), que ficou conhecida nacionalmente por ser a última pessoa no Brasil que ainda acreditava no governo militar, sabe que o preço e a viabilidade de uma dada fonte energética dependem muito da implementação de políticas públicas, de incentivos, de crédito com baixos juros, de redução de impostos. Enfim, de vontade política para fazer acontecer.

    O que precisa ser dito claramente para entender o porquê da baixa utilização da energia solar fotovoltaica no país é que ela não tem apoio, estímulo nem neste, nem nos governos passados. A política energética na área da geração simplesmente relega esta fonte energética. Por isso, em pleno século XXI, a contribuição da eletricidade solar na matriz elétrica brasileira é pífia, praticamente inexiste.

    A realização recente de dois leilões exclusivos para esta fonte energética deixou claro que não basta simplesmente realizar o pregão é necessário que o preço final seja competitivo para garantir a viabilidade das instalações. O primeiro leilão realizado a nível nacional, em outubro de 2014, resultou na contratação de 890 MW, e o valor final atingiu R$ 215,12 / MWh. O segundo, realizado em agosto de 2015, terminou com a contratação de 833,80 MW, a um valor médio de R$ 301,79 / MWh. Ainda em 2015, em novembro próximo será realizado um terceiro leilão especifico para a fonte solar.

    Por outro lado, a geração descentralizada — aquela gerada pelos sistemas instalados nos telhados das residências — praticamente não recebe nenhum apoio e consideração governamental. Apesar do enorme interesse que desperta, segundo pesquisas de opinião realizadas.

    Em janeiro de 2013, a Norma Resolutiva 482/2012, da Agencia Nacional de Energia Elétrica (Aneel), estabeleceu regras para a micro (até 100 kW) e a mini geração (entre 100 kW e 1.000 kW). Permitiu, em tese, que consumidores possam gerar sua própria energia, e trocar o excedente por créditos, que dão desconto em futuras contas de luz. Mas não alavancou o uso desta fonte energética. Os dados estão ai.

    Segundo a própria Aneel, o numero de sistemas deste tipo implantados passou de 8 (de janeiro a março de 2013) para 725 (entre abril e junho de 2015). Deste total, 681 são sistemas fotovoltaicos, 4 biogás, 1 biomassa, 11 solar/eólica, 1 hidráulico e 27 eólicos. São números insignificantes quando comparados, por exemplo, com a Alemanha — que dispõe de mais de um milhão de sistemas instalados nos telhados das residências.

    Fica evidente que persistem obstáculos para uma maior participação da eletricidade solar na matriz elétrica. Para transpor os obstáculos, são necessárias políticas públicas voltadas ao incentivo da energia solar. Por exemplo: a criação, pelos bancos oficiais, de linhas de credito para financiamento com juros baixos; a redução de impostos tanto para os equipamentos como para a energia gerada; a possibilidade de utilizar o FGTS para a compra dos equipamentos e mais informação através de propaganda institucional sobre os benefícios e as vantagens da tecnologia solar.

    Mas o que também dificulta enormemente a geração descentralizada é a atitude das distribuidoras de energia — que administram todo o processo, desde a análise do projeto inicial de engenharia até a conexão à rede elétrica. Cabe a elas efetuarem a ligação na rede elétrica, depois de um burocrático e longo processo administrativo realizado pelo consumidor junto à companhia.

    E convenhamos, aquelas empresas que negociam com energia (compram das geradoras e revendem aos consumidores) não estão nada interessadas em promover um negócio que, mais cedo ou mais tarde, afetará seus lucros. Isto porque o grande sonho do consumidor brasileiro é ficar livre, não depender das distribuidoras com relação à energia que consome. O consumidor deseja é gerar sua própria energia.

    Aí está o “nó” do problema que o governo não quer enfrentar. O lobby das empresas concessionárias, 100% privadas, dificulta o processo através de uma burocracia infernal, que nem todos que querem instalar um sistema solar estão dispostos a enfrentar. Enquanto que em dois dias você instala os equipamentos na sua residência, tem que aguardar quatro meses para estar conectado na rede elétrica.

    O diagnóstico dos problemas encontrados é quase unânime. Só não “enxerga” quem não quer. E não “enxergando”, os obstáculos não serão suplantados. Assim o país continuará patinando, mergulhado em um discurso governamental completamente deslocado da realidade.

    Acordem “ilustres planejadores” da política energética, pois a sociedade não aceita mais pagar pelos erros cometidos por “vossas excelências”. Exige-se mais democracia, mais participação, mais transparência em um setor estratégico, que insiste em não discutir com a sociedade as decisões que toma.

    Heitor Scalambrini Costa é professor universitário

    Fonte: Outras Palavras, 03/09/2015

  • A sociedade do smartphone

    A sociedade do smartphone

    Assim como o automóvel definiu o século XX, o smartphone está remodelando como nós vivemos e trabalhamos hoje.

    Traduzido da Jacobin Magazine.

    Traduzido da Jacobin Magazine.

    O automóvel foi, em muitos aspectos, a mercadoria que definiu o século XX. Sua importância não decorre de virtuosismo tecnológico ou sofisticação da linha de montagem, mas sim de uma capacidade de refletir e modelar a sociedade. As formas como produzimos, consumimos, usamos e regulamos automóveis são uma janela para o capitalismo do século XX em si — um vislumbre de como o social, o político e o econômico cruzaram e colidiram.

    Hoje, num período caracterizado por financeirização e globalização, no qual a “informação” é rei, a ideia de qualquer mercadoria definir uma época pode parecer estranha. Mas mercadorias não são menos importantes hoje, e as relações das pessoas com elas continuam centrais para a compreensão da sociedade. Se o automóvel foi fundamental para captar o último século, o smartphone é a mercadoria que define a nossa era.

    As pessoas hoje gastam muito tempo em seus telefones. Elas os checam constantemente durante o dia e os mantêm perto dos seus corpos. Elas dormem perto deles, levam eles para o banheiro e olham para eles enquanto caminham, comem, estudam, trabalham, esperam e dirigem. 20% dos jovens adultos admitem até checar seus telefones durante o sexo.

    O que significa que as pessoas tenham um telefone em sua mão ou no seu bolso onde quer que vão, durante todo o dia? Para dar sentido à nossa pretensa dependência coletiva do telefone, nós devemos seguir o conselho de Harry Braverman e analisar “a máquina de um lado e as relações sociais de outro, e a maneira pela qual esses dois se juntam na sociedade”.

    Máquinas de mão

    Insiders da Apple se referem à cidade de montagem da Foxconn em Shenzhen como Mordor — o buraco do inferno da Terra Média de J. R. R. Tolkien. Como uma onda de suicídios em 2010 revelou tragicamente, o apelido é um exagero apenas leve para as fábricas nas quais jovens trabalhadores chineses montam iPhones. A cadeia de fornecimento da Apple liga colônias de engenheiros de software com centenas de fornecedores de componentes na América do Norte, na Europa e na Ásia Oriental — Gorilla Glass de Kentucky, coprocessadores de movimento da Holanda, chips de câmera de Taiwan e módulos transmissores da Costa Rica convergem em dezenas de fábricas de montagem na China.

    As tendências simultaneamente criativas e destrutivas do capitalismo estimulam mudanças constantes nas redes globais de produção, e dentro dessas redes, novas configurações de poder corporativo e estatal. Nos velhos tempos, cadeias de fornecimento orientadas pelo produtor, exemplificadas por indústrias como a do automóvel e a do aço, eram dominantes. Pessoas como Lee Iacocca e a lenda do Boeing, Bill Allen, decidiam o que fazer, onde fazer e por quanto vender.

    Porém, à medida que contradições econômicas e políticas do boom pós-guerra intensificaram nos anos 60 e 70, mais e mais países do sul global adotaram estratégias orientadas para a exportação para alcançar seus objetivos de desenvolvimento. Um novo tipo de cadeia de fornecimento emergiu (particularmente em indústrias leves como de roupas, brinquedos e eletrônicos) na qual os varejistas, em vez de os fabricantes, seguram as rédeas. Nesses modelos orientados pelo comprador, empresas como Nike, Liz Claiborne e Walmart projetam bens, definem seu preço para os fabricantes e muitas vezes possuem no modo de produção não muito mais do que suas marcas lucrativas.

    Poder e governança estão localizados em vários pontos na cadeia do smartphone, e produção e projeto estão profundamente integrados na escala global. Mas as novas configurações de poder tendem a reforçar as hierarquias de riqueza existentes: os países pobres e médios tentam desesperadamente passar a serem nós mais lucrativos através de desenvolvimento de infraestrutura e acordos comerciais, mas oportunidades de modernização são poucas e distantes entre si, e a natureza global da produção faz as lutas dos trabalhadores para melhorar condições e salários extremamente difícil.

    Os mineiros de coltan congoleses estão separados dos executivos da Nokia por mais do que um oceano — estão divididos pela história e pela política, pela relação dos seus países com as finanças, e por barreiras de desenvolvimento que têm décadas, muitas delas enraizadas no colonialismo.

    A cadeia de valor do smartphone é um mapa útil de exploração global, política de comércio, desenvolvimento desigual e proezas logísticas, mas o significado mais profundo do dispositivo está em outro lugar. Para descobrir as mudanças mais sutis na acumulação que são ilustradas e facilitadas pelo smartphone, nós devemos nos voltar do processo pelo qual as pessoas usam máquinas para criar telefones para o processo pelo qual nós usamos o próprio telefone como máquina.

    Considerar o telefone como máquina é, em alguns aspectos, imediatamente intuitivo. Com efeito, a palavra chinesa para celular é shouji, ou “máquina de mão”.  As pessoas frequentemente usam suas máquinas de mão como elas usariam qualquer outra ferramenta, particularmente no local de trabalho. As demandas neoliberais por trabalhadores flexíveis, móveis e conectados em rede tornam-nas essenciais.

    Smartphones estendem o local de trabalho em espaço e tempo. E-mails podem ser respondidos no café da manhã, fichas revistas no trem para casa e as reuniões do dia seguinte verificadas antes de apagar as luzes. A Internet se torna o local de trabalho, com o escritório apenas um ponto no vasto mapa de possíveis espaços de trabalho.

    A extensão da jornada de trabalho por meio de smartphones se tornou tão onipresente e perniciosa que grupos de trabalhadores estão lutando contra.  Na França, sindicatos e empresas de tecnologia assinaram um contrato em abril de 2014 reconhecendo a 250 mil trabalhadores de tecnologia o “direito de desconectar” depois de um dia de trabalho.  A Alemanha está atualmente contemplando uma legislação que visa proibir e-mails e telefonemas depois do trabalho.  A ministra do trabalho alemã Andrea Nahles disse a um jornal que é “indiscutível que há uma conexão entre disponibilidade permanente e doenças psicológicas”.

    Smartphones também facilitaram a criação de novos tipos de trabalho e novas formas de acessar os mercados de trabalho. No “mercado de trabalhos ocasionais”, empresas comoTaskRabbitPostmates construíram seus modelos de negócio tocando na “força de trabalho distribuída” através de smartphones.

    O TaskRabbit conecta as pessoas que preferem evitar o trabalho penoso de realizar seus afazeres domésticos com pessoas desesperadas o suficiente para fazerem por dinheiro.  Aqueles que querem tarefas feitas, como roupa lavada ou faxina depois da festa de aniversário dos seus filhos, se conectam com “taskers” usando o aplicativo móvel da TaskRabbit.

    Espera-se que os taskers monitorem continuamente seus telefones por trabalhos potenciais (o tempo de resposta determina quem pega um trabalho); consumidores podem pedir ou cancelar um tasker em trânsito; e depois de completar com sucesso a tarefa, o terceirizado pode ser pago diretamente através do telefone.

    Postmates — o queridinho da gig economy — está em ascensão no mundo dos negócios, especialmente depois que a Spark Capital colocou 16 milhões de dólares nele no início do ano. Postmates rastreia seus “mensageiros” em cidades como Boston, San Francisco e New York usando um aplicativo móvel nos seus iPhones enquanto eles se apressam para entregar tacos artesanais e lattes de baunilha sem açúcar em casas e escritórios. Quando um novo trabalho chega, o aplicativo o encaminha para o mensageiro mais próximo, que precisa responder imediatamente e completar a tarefa em uma hora para receber o pagamento.

    Os mensageiros, que não são empregados reconhecidos da Postmates, estão menos entusiasmados que a Spark.  Eles ganham US$ 3,75 e gorjeta, e como eles são classificados como terceirizados independentes, não são protegidos pelas leis de salário mínimo.

    Dessa forma, nossas máquinas de mão se encaixam perfeitamente no mundo moderno do trabalho. O smartphone facilita modelos de emprego contingente e autoexploração ao conectar trabalhadores a capitalistas sem os custos fixos e o investimento emocional das relações de emprego mais tradicionais.

    Mas smartphones são mais do que um pedaço de tecnologia para trabalho assalariado — eles tornaram-se uma parte da nossa identidade. Quando nós usamos nossos telefones para enviar mensagens de texto a nossos amigos e namorados, postamos comentários no Facebook ou percorremos nossos feeds no Twitter, nós não estamos trabalhando — estamos relaxando, estamos nos divertindo, estamos criando. No entanto, coletivamente, através desses pequenos atos, nós acabamos produzindo algo único e valioso: nossos eus.

    Eus a venda

    Erving Goffman, um influente sociólogo americano, era interessado no eu e em como os indivíduos produzem e moldam a si mesmos através da interação social. Como ele mesmo admitia, Goffman era um pouco shakeasperiano — para ele, “o mundo inteiro é um palco”.  Ele argumentou que as interações sociais podem ser pensadas como performances e que as performances das pessoas variam de acordo com a audiência.

    Nós encenamos essas performances para as pessoas — conhecidos, colegas de trabalho, parentes julgadores — que queremos impressionar.  As performances dão a aparência de que nossas ações “mantêm e incorporam certos padrões”.  Elas convencem a audiência que nós realmente somos quem nós dizemos que nós somos: seres humanos responsáveis, inteligentes e morais.

    Mas performances no palco podem ser volúveis e muitas vezes prejudicadas por erros — pessoas falam coisas estúpidas, não compreendem sinais sociais, têm um pedaço de espinafre preso nos seus dentes ou podem ser pegas mentindo. Goffman era fascinado pelo quanto nós trabalhamos duro para aperfeiçoar e manter nossas performances e pelo quão frequentemente nós falhamos.

    Smartphones são uma dádiva divina para os aspectos dramatúrgicos da vida.  Eles nos permitem gerenciar as impressões que nós fazemos nos outros com uma precisão de quem é obsessivo por controle.  Em vez de falar com os outros, nós podemos enviar mensagens de texto, preparar frases espirituosas e estratégias de evasão com antecedência. Nós podemos mostrar nosso gosto impecável no Pinterest, habilidades maternais no CafeMom e talentos artísticos florescentes no Instagram, tudo em tempo real.

    A revista New York recentemente lançou um artigo sobre as quatro pessoas mais desejáveis de New York de acordo com o OKCupid. Esses indivíduos criaram perfis de namoro tão atraentes que eles são socados por pedidos atenciosos e picantes — seus telefones tocam continuamente com mensagens de potenciais amantes. Tom, um dos quatro escolhidos, ajusta regularmente seu perfil, aparecendo em novas fotos e dando nova redação à sua autodescrição. Ele já até usou o MyBestFace, serviço de otimização de perfil do OKCupid.

    Tom diz que todo esse esforço é necessário na nossa atual “cultura das curtidas”. Ele considera que seu perfil no OKCupid é uma “extensão de si mesmo”: “Eu quero que ele pareça bom e limpo, então eu faço ele fazer flexões e o que for”.

    O alcance incrível dos meios de comunicação social e a adoção rápida das pessoas produzindo e executando a si mesmas estão gerando o surgimento de novos rituais de interação mediados tecnologicamente. Smartphones são agora centrais na forma como nós “geramos, mantemos, reparamos e renovamos, bem como… contestamos ou resistimos a relacionamentos”.

    Tome rituais de mensagens de texto, que, com todas suas regras complexas e não escritas, agora desempenham um papel dominante na dinâmica de relacionamento da maioria dos jovens adultos. Não se precisa lidar com nostalgia nociva para se admitir que rituais novos e mediados tecnologicamente estão deslocando ou alterando radicalmente convenções mais antigas.

    Manter, gerar e contestar relações digitalmente através de smartphones é um pouco diferente de usar telefones para completar tarefas associadas com o trabalho assalariado.  Os indivíduos não recebem salário pelo seu perfil no Tinder ou para fazer upload das fotos das suas aventuras do fim de semana no Snapchat, mas os eus e os rituais que eles produzem estão certamente à venda.  Independentemente da intenção, quando uma pessoa usa seu smartphone para se conectar com pessoas e com a comunidade digital imaginada, o resultado do seu trabalho de amor é provavelmente, e cada vez mais, vendido como mercadoria.

    Empresas como o Facebook são pioneiras no empacotamento e venda dos eus digitais. Em 2013, o Facebook teve 945 milhões de usuários que acessaram o site através dos seus smartphones. Ele fez 89% da sua receita naquele ano através de publicidade, metade disso veio de publicidade móvel. Toda a sua arquitetura é projetada para guiar a produção móvel de eus numa plataforma que torna esses eus negociáveis.

    É por isso que ele instituiu sua política de “nomes reais”: “fingir ser algo ou alguém não é permitido”. O Facebook precisa que os usuários usem seus nomes legais de forma que ele possa facilmente corresponder os eus corporais com os eus digitais, porque dados produzidos e ligados a um humano de verdade são mais rentáveis.

    Usuários do site de encontros OKCupid concordam com uma troca similar: “dados para um encontro” [data for a date]. Empresas de terceiros ficam no fundo do site, colhendo fotos, visões política e religiosas e até mesmo romances do David Foster Wallace que os usuários professam adorar. Os dados são então vendidos aos anunciantes, que criam anúncios direcionados e personalizados.

    A quantidade de pessoas que tem acesso aos dados do OKCupid é extraordinariamente grande — OKCupid, junto com outrtas empresas como Match e Tinder, é propriedade da IAC/InterActiveCorp, a sexta maior rede on-line do mundo. Construir um eu no OKCupid pode ou não render um amor, mas definitivamente rende lucros corporativos.

    A consciência de que nossos eus digitais são agora mercadorias está se espalhando. A professora da New School, Laurel Ptak publicou recentemente um manifesto chamado “Salários pelo Facebook” e em março de 2014, Paul Budnitz e Todd Berger criaram o Ello, uma alternativa transitoriamente popular ao Facebook.

    Ello proclama: “Nós acreditamos que uma rede social pode ser uma ferramenta para empoderamento. Não uma ferramenta para enganar, coagir e manipular — mas um lugar para se conectar, criar e celebrar a vida. Você não é um produto.” Ello promete não vender seus dados para terceiros, ao menos por enquanto. Ele reserva-se ao direito de fazer isso no futuro.

    Entretanto, as discussões sobre o tráfico de eus digitais por empresas de dados do mercado paralelo e os gigantes do Vale do Silício estão normalmente separadas de conversas sobre as condições de trabalho cada vez mais exploradoras ou o crescente mercado de trabalho precário e degradante. Mas esses não são fenômenos separados — eles estão intrinsecamente ligados, todos peças no quebra-cabeça do capitalismo moderno.

    iCommodify

    O capital precisa se reproduzir e gerar novas formas de lucro ao longo do tempo e do espaço. Ele precisa constantemente criar e reforçar a separação entre trabalhadores assalariados e proprietários do capital, aumentar o valor que extrai dos trabalhadores e colonizar novas esferas da vida social para criar mercadorias. O sistema e as relações que o compõe estão em constante movimento.

    A expansão e a reprodução do capital na vida cotidiana e a colonização de novas esferas da vida social pelo capital não são sempre óbvias. Pensar sobre o smartphone nos ajuda a juntar as peças porque o dispositivo em si mesmo facilita e sustenta novos modelos de acumulação.

    A evolução do trabalho ao longo das últimas três décadas tem sido caracterizada por uma série de tendências — o prolongamento da jornada de trabalho, o declínio de salários reais, a redução ou eliminação de proteções não-salariais a partir do mercado (como pensões fixas ou regulações de saúde e segurança), a proliferação do trabalho de tempo parcial e o declínio dos sindicatos.

    Ao mesmo tempo, normas relativas à organização do trabalho também tem mudado. Modelos de trabalho temporários e orientados a projeto estão se proliferando. Não é mais esperado que os empregadores forneçam segurança ou horas regulares no trabalho, e os empregados já não esperam essas coisas.

    Porém, a degradação do trabalho não está dada. O aumento da exploração e da pauperização são tendências, não resultados fixos ordenados pelas regras do capitalismo. Eles são o resultado de batalhas perdidas pelos trabalhadores e vencidas pelos capitalistas.

    O uso ubíquo dos smartphones para estender a jornada de trabalho e expandir o mercado para trabalhos de merda é um resultado da fraqueza tanto dos trabalhadores como dos movimentos da classe trabalhadora. A compulsão e a vontade de um número crescente de trabalhadores a se engajarem com seus empregadores através dos seus telefones normaliza e justifica o uso dos smartphones como uma ferramenta de exploração e solidifica a disponibilidade constante como um requerimento para receber um salário.

    A não ser na Grande Recessão, as taxas de lucro das empresas vêm subindo constantemente desde o final dos anos 80 e não só como um resultado do capital (e do Estado) revertendo os ganhos do movimento operário. O alcance dos mercados globais tem alargado e aprofundado, e o desenvolvimento de novas mercadorias tem crescido em ritmo acelerado.

    Expansão e reprodução do capital são dependentes do desenvolvimento dessas novas mercadorias, muitas das quais emergem do movimento incessante do capital de cercar novas esferas da vida social para lucrar, ou, como diz o economista político Massimo de Angelis, “colocar [essas esferas] para trabalhar para as prioridades e movimentos [do capital]”.

    O smartphone é central para esse processo. Ele fornece um mecanismo físico para permitir o acesso constante aos nossos eus digitais e abre uma fronteira quase inexplorada da mercantilização.

    Indivíduos não são pagos em salários para criarem e manterem eus digitais — eles são pagos em satisfação de participar de rituais e no controle proporcionado sobre eles nas suas interações sociais. São pagos na sensação de flutuar na vasta conectividade virtual, mesmo que suas máquinas de mão mediem os laços sociais, que ajuda pessoas a imaginarem coletividade enquanto as mantêm separadas como entidade produtivas distintas. A natureza voluntária desses novos rituais não os torna nem um pouco menos importantes ou menos rentáveis para o capital.

    Braverman disse que “o capitalista encontra no caráter infinitamente maleável do trabalho humano o recurso essencial para a expansão do seu capital”. Os últimos 30 anos de inovação demonstram a verdade dessa afirmação e o telefone tem emergido como um dos principais mecanismos para ativar, acessar e canalizar a maleabilidade do trabalho humano.

    Os smartphones garantem que nós estamos produzindo para mais e mais das nossas vidas despertas. Eles apagam a fronteira entre o trabalho e o lazer. Os empregadores agora têm acesso quase ilimitado a seus empregados e cada vez mais, fazendo até um trabalho mal pago e precário depender da capacidade de se estar sempre disponível e pronto para trabalhar. Ao mesmo tempo, os smartphones proporcionam às pessoas acesso móvel constante aos bens comuns digitais e ao transparente ethos da conectividade, mas apenas em troca pelos seus eus digitais.

    Os smartphones borram a linha entre a produção e o consumo, entre o social e o econômico, entre o pré-capitalista e o capitalista, garantindo que se alguém usa seu telefone seja para trabalho ou prazer, o resultado é cada vez mais o mesmo — lucro para os capitalistas.

    Será que a chegada do smartphone significa o momento debordiano no qual a mercadoria completou sua “colonização da vida social”? Não é verdade que não só nossa relação com as mercadorias é fácil de ver, mas que “mercadorias são agora tudo o que há para se ver”?

    Isso pode parecer um pouco pesado. O acesso a redes sociais e a conectividade digital através de telefones móveis têm, sem dúvidas, elementos liberatórios. Os smartphones podem ajudar a luta contra a anomia e promover um senso de conscientização ambiental, enquanto ao mesmo tempo torna mais fácil para as pessoas gerar e manter relações reais.

    Uma conexão compartilhada entre eus digitais pode também nutrir resistência à hierarquia de poder cujo mecanismos internos isolam e silenciam indivíduos. É impossível imaginar os protestos desencadeados por Ferguson e a brutalidade policial sem smartphones e mídia social. E, finalmente, a maioria das pessoas ainda não está compelida a usar smartphones para trabalhar e certamente não são obrigadas a executar seus eus através da tecnologia. A maioria poderia jogar seus telefones no mar amanhã, se quisesse.

    Mas não vai. As pessoas adoram suas máquinas de mão. Comunicar-se principalmente através de smartphones está rapidamente se tornando uma norma aceita e mais e mais rituais estão se tornando mediados tecnologicamente. A conexão constante às redes e informação que nós chamamos de ciberespaço está se tornando central para a identidade. Por que isso está acontecendo é uma especulação labiríntica.

    Será, como o especialista em mídia e tecnologia Ken Hillis sugere, que é simplesmente uma outra forma de “evitar o vazio e a falta de sentido da existência”? Ou, como a novelistaRoxane Gay recentemente ponderou, nossa capacidade de manipular nossos avatares digitais fornecem um bálsamo para o nosso profundo senso de impotência em face da injustiça e do ódio?

    Ou — como o guru da tecnologia Amber Case se pergunta — estamos todos nos transformando em ciborgues?

    Provavelmente não — mas isso depende de como você define ciborgue. Se um ciborgue é um humano que usa um pedaço de tecnologia ou uma máquina para restaurar funções perdidas ou melhorar suas capacidades e conhecimento, então as pessoas têm sido ciborgues por um bom tempo, e usar o smartphone não é diferente de usar um braço protético, conduzir um carro ou trabalhar numa linha de montagem.

    Se você define uma sociedade ciborgue como uma em que as relações humanas são mediadas e moldadas pela tecnologia, então nossa sociedade certamente parece cumprir esse critério e nossos telefones desempenham um papel protagonista. Mas nossas relações e rituais têm sido mediadas por um bom tempo pela tecnologia. A ascensão de grandes centros urbanos — cubos de conectividade e inovação — não teria sido possível sem ferrovias e carros.

    Máquinas, tecnologia, redes e informação não conduzem ou organizam a sociedade — as pessoas o fazem. Nós fazemos as coisas e usamos as coisas de acordo com a teia existente de relações sociais, econômicas e políticas e o equilíbrio de poder.

    O smartphone, e a forma como ele molda e reflete as relações sociais existentes, não é mais metafísico do que os Ford Rangers que uma vez saíram da linha de montagem em Edison, New Jersey. O smartphone é tanto uma máquina como uma mercadoria. Sua produção é um mapa de poder, logística e exploração globais. Seu uso molda e reflete o confronto perpétuo entre os movimentos totalizantes do capital e a resistência do resto de nós.

    No presente momento, a necessidade de capitalistas de explorar e mercantilizar é reforçada pelas formas pelas quais os smartphones são produzidos e consumidos, mas os ganhos do capital nunca são seguros e inatacáveis. Eles precisam ser renovados e defendidos a cada passo. Nós temos o poder de contestar e negar ganhos de capital, e devemos. Talvez nossos telefones venham a calhar ao longo do caminho.

    Nicole M. Aschoff é professora do Departamento de Sociologia da Universidade de Boston, editora da Jacobin Magazine e autora de “The New Prophets of Capital”.

    Fonte: Jacobin Magazine
    Tradução: Tiago Madeira