Categoria: Comunicação Social

  • Síntese dos debates do Ciclo “Se a Cidade fosse Nossa”

    Síntese dos debates do Ciclo “Se a Cidade fosse Nossa”

         A fundação Lauro Campos, em parceria com diretórios estaduais e municipais do PSOL, realizou uma série de eventos buscando contribuir com a discussão programática do partido e ajudar na apresentação de propostas visando as eleições municipais de 2016.

         Foram dez atividades realizadas em oito cidades brasileiras, que contou com a participação de pesquisadores, estudiosos e militantes dos eixos temáticos escolhidos para o aprofundamento da discussão. Rio de Janeiro, Curitiba, Nova Iguaçu, Fortaleza, Salvador, Recife, Belém e São Paulo sediaram atividades.  

         Confira a síntese de cada discussão realizada pelo Ciclo “Se a Cidade fosse Nossa”:

     

     

     

    Cidades do negócio vs. cidades rebeldes

    Local: Rio de Janeiro – RJ

    Participantes: David Harvey (geógrafo), Juliano Medeiros (presidente da FLC) e Edmilson Rodrigues (deputado federal – PA)

         Tivemos a oportunidade de apoiar o diretório carioca do partido, recebendo o  professor David Harvey, figura destacada do pensamento marxista e mais importante  geógrafo da atualidade. Em duas conferências mais uma aula pública, mostrou como a cidade é o espaço privilegiado de reprodução ampliada do capital, e destacou como os movimentos sociais estão procurando outras formas de organização e articulação para enfrentar a cidade dos negócios.

         O capitalismo em crise tenta resolver seus problemas através do avanço sobre as cidades para transformá-las em ativos financeiros. É a lógica de que a cidade não deve servir para as pessoas, mas para os negócios.

         Há uma enorme irracionalidade do capitalismo e na política. Como lembrou, em tom de brincadeira:  “dizem que nós, marxistas, somos insanos. Insanos são os capitalistas, que defendem esse modelo de cidade feita para especular, e não um modelo decente para as pessoas morarem com dignidade”.

         E continuou: “a solução não é abandonar o processo político, mas reconstruir o sistema. Precisamos de uma revolução política. Nos dizem que a única solução para as nossas dificuldades é mais capitalismo. A verdadeira resposta é nada de capitalismo. Na esquerda, a base tem que ser popular e estar no centro do processo político.”

     

    Tema 1: Saúde

    Local: Curitiba – PR

    Participantes: Bernardo Pilotto (setorial de saúde do PSOL), Lidia Cardieri (socióloga) e Melissa Pereira (Fiocruz)

         A saúde é um dos principais problemas dos municípios e dos cidadãos. A constituição federal estabelece que é competência do município a atenção básica e os serviços locais (em parceria com o estado e a união), o estabelecimento de uma política municipal de saúde, que invista ao menos 15% do orçamento local, e os laboratórios de exames e hemocentros. É muita coisa e os recursos são poucos.

         As restrições financeiras e as imposições da lei de responsabilidade fiscal têm trazido dificuldades adicionais. As administrações em geral, independente da orientação ideológica do partido, tem apostado em formatos de terceirização de serviços e de gestão, precarizando as condições de trabalho e retirando o caráter público do serviço. Para o PSOL, a ideia é fortalecer o SUS e a saúde pública, gratuita e de qualidade, bem como apostar na valorização do profissional, sabendo que sua dedicação e competência podem fazer a diferença.

         Como ressaltou Bernardo Pilotto, “é muito importante que o PSOL construa programas de governo na área de saúde antenados com as lutas de nosso povo nessa área, defendendo a ampliação e desprivatização do SUS. Na gestão municipal, é possível fazer muitas políticas de prevenção e promoção da saúde e é nessa área que devemos ter foco.” A própria melhora das condições de vida da população, com investimentos em saneamento básico, melhorias no transporte público e mais opções de lazer podem ser encarados como política de prevenção.

         Além disso, destacamos um assunto dentro da atenção básica: a saúde mental (junto da política de drogas), onde o município tem papel proeminente. Trata-se de debate com crescente relevância da sociedade e que traz a discussão sobre cuidado e o acolhimento. Aqui, o PSOL reafirma seu compromisso com a luta antimanicomial e com as práticas de redução de danos enquanto diretrizes para nossas políticas locais, focando sua atenção no estabelecimento e qualificação dos CAPS.

    Propostas

    • Ampliar os serviços do SUS e combater a privatização da saúde buscando rever os contratos de serviços e gestão
    • Melhorar as condições de trabalho e salários dos servidores
    • Foco na saúde básica, com fortalecimento das equipes de saúde da família
    • Políticas de prevenção e de informação
    • Construção, ampliação e melhorias dos CAPSs
    • Políticas sobre drogas de inclusão social e redução de danos.

     

    Tema 2: Segurança e direitos humanos

    Local: Curitiba – PR

    Participantes: Juninho (presidente do PSOL-SP e membro do Círculo Palmarino) e Orlando Zaccone (delegado e membro da Leap – Law Enforcement Against Prohibition).

         O desafio para o PSOL é estabelecer uma política de governo baseada no mais amplo respeito aos direitos humanos e no combate à todas as formas de opressão. Essas questões, como apontado pelo Juninho, estão relacionadas à questões estruturais que marcam a sociedade brasileira: a profunda desigualdade social, a cidadania restrita e a violência como forma de controle: “a manutenção desses privilégios de acumulação de riqueza e essa cidadania restrita se mantém através da violência”.

         Essa formação social leva a uma atuação do estado  baseada no controle social, dentro da lógica do combate ao inimigo, do punitivismo penal, da gentrificação e da exclusão social. Ressaltou Orlando Zaccone: “então, a questão da cidadania que o Juninho trouxe mostra que a Declaração Universal dos Direitos Humanos não contemplou essa distinção entre cidadão humano e não cidadão inimigo. O inimigo hoje não é o cidadão, ele é construído dessa forma, pelo discurso: ´direitos humanos para humanos direitos´. E esse nosso cidadão é construído como inimigo, e diversas fatores vão ser contemplados nessa não cidadania, nessa construção de inimigo. E o tráfico de drogas hoje é a grande construção que se faz dessa figura mítica do inimigo que perde toda proteção do ambiente social”.

         A política de segurança do PSOL precisa encarar a discussão da segurança e da violência como produto da desigualdade social: “a violência não será combatida com mais aparato e com mais violência, mas sim a partir de uma dinâmica de desenvolvimento real, de distribuição de riqueza, de desenvolvimento social”, reforçou Juninho.

    Propostas:

    • Políticas de proteção aos direitos humanos e combate às opressões
    • Pelo fim do caráter atual “militarizado” das Guardas Civis Metropolitanas e reforço da atuação comunitária
    • Foco em políticas de revitalização dos espaços e de combate à desigualdade

     

    Tema 3: Poder local nas periferias e no interior

    Local: Nova Iguaçu – RJ

    Participantes: Carlos Vainer (urbanista), Sandra Quintela, Glauber Braga (deputado federal – RJ), José Cláudio Souza Alves (sociólogo/UFRRJ), Josemar Carvalho (geógrafo/São Gonçalo-RJ), Leci Carvalho (pedagoga e presidenta do PSOL-Nova Iguaçu,), Cid Benjamin (jornalista) e Álvaro Neiva (presidente do diretório estadual do Rio de Janeiro)

         As políticas públicas não podem se resumir às capitais. Mesmo quando pensamos nelas, é decisivo incorporar as regiões metropolitanas no debate, porque para as pessoas as fronteiras entre os municípios muitas vezes representam impedimentos e dificuldades. Para Carlos Vainer é preciso superar as divisões baseadas em municípios, muitas vezes incorporadas pelos próprios partidos que têm viés contra-hegemônico. “Sou a favor do comitê metropolitano. Nós queremos os impostos da Barra da Tijuca sendo aplicados em Nilópolis (…) O poder é a capacidade de articular escalas, sejam elas globais, nacionais ou locais”, afirmou Vainer.

         O programa do PSOL é construído em parceria com os movimentos sociais. Sandra Quintela, economista do PACS (Políticas Alternativa para o Cone Sul), lembrando seus vínculos com a Baixada, citou exemplos de embates como os comitês em Nova Iguaçu contra a ALCA, pescadores da Zona Oeste do Rio contra a TKCSA, Comitês Populares denunciando as políticas de exclusão relacionada à Copa e às Olimpíadas. Para Sandra, “o debate sobre poder local não pode abrir mão de fazer as disputas de classe, afinal, o capital é global”.

         Fechando a primeira parte do debate, o deputado federal Glauber Braga (PSOL/Nova Friburgo-RJ) falou sobre as relações entre institucionalidade e resistência nas ruas.  “Somos o partido que toda sexta-feira está em praça pública no Centro do Rio. Temos que construir os programas e prestar contas nas praças, não para negar o poder representativo que hoje existe, mas por entender que ele não dá conta de um projeto de ruptura”, afirmou Glauber.

       Na parte da tarde o debate contou com a participação dos professores José Cláudio Souza Alves (sociólogo/UFRRJ), Josemar Carvalho (geógrafo/São Gonçalo), e Leci Carvalho (pedagoga e presidenta do PSOL-Nova Iguaçu,); do jornalista Cid Benjamin.e do presidente estadual do PSOL-RJ, Álvaro Neiva. Em pauta, as particularidades da militância na Baixada e na periferia em geral, os problemas na segurança e no serviço público e os desafios da luta institucional, entre outros temas.

    Propostas:

    • Políticas integradas para Região Metropolitana – mobilidade urbana, segurança pública, saneamento básico, saúde etc
    • Criação de comitês metropolitanos e de laços entre os governos e os cidadãos dessas regiões

     

    Tema 4: Cidades Negras

    Local: Salvador-BA

    Participantes: Samuel Vida (UFBA), Linesh Ramos (professora) e Dennis Oliveira (USP)

         Para o PSOL o racismo é parte estrutural da formação social do país e da luta de classes. Como destacou o professor Dennis de Oliveira,  o “racismo é a ideologia que vai definir quem tem e quem não tem patrimônio e renda; o racismo que define quem é e quem não é cidadão e é o racismo que define quem é o autor e quem é a vítima da violência. Ele vai ser o elemento que vai justificar essa clivagem que acontece pela lógica do Estado brasileiro”.

         Do ponto de vista da gestão do Estado e das políticas públicas, enfrentar o tema do racismo institucional é decisivo para uma gestão que quer combater o racismo estrutural. Para Samuel Vida, “falar de racismo institucional é tentar entender como esses mecanismos operam de formas distintas e com várias roupagens, podendo ocorrer, inclusive, em espaços governados e administrados por pessoas negras”.

         Da mesma forma, destacamos a importância de abordar esse tema de forma intersetorial, com conexões com a questão das mulheres em especial: “o empoderamento das mulheres negras é fundamental à luta democrática. O racismo atua no sentido de manter a faxina ética. Não existe socialismo e liberdade se não tivermos o fim do racismo”, afirmou Linesh Ramos.

         Para o PSOL a temática do combate ao racismo não pode se resumir às ações de uma pasta específica, devendo estar presente em todas as ações institucionais e políticas públicas, além das políticas específicas.

    Propostas:

    • combate ao racismo institucional
    • combate à violência contra o jovem periférico
    • combate à violência contra a mulher negra

     

    Tema 5: Comunicação

    Local: Fortaleza-CE

    Participantes: Aldenor Jr. (ex secretário de comunicação de Belém), Roger Pires (coletivo Nigéria) e Helena Martins (coletivo Intervozes)

         Segundo a Unesco “todas as pessoas têm o direito de produzir, receber e fazer circular informações”. Essa concepção é mais do que garantir a liberdade de expressão, é pensar em formas e políticas que garantam a todas as pessoas o direito de acessar, produzir e difundir informações e cultura. Esse direito, no entanto, é negado pelo alto grau de concentração da propriedade dos meios de comunicação, inclusive em âmbito municipal (donos de rádios e jornais locais são ligados ao poder econômico).

         Junto dos movimentos sociais, é preciso pensar outras formas de comunicação e de identidade visual. Para Roger Pires, a comunicação no âmbito municipal reflete a segregação existente na própria cidade: a representação dos centros é hegemônica, enquanto que as periferias não se apresentam representadas nos grandes veículos: “qual é o Ceará que nós vemos na televisão?”, questionou.

         Mais do que as políticas específicas de comunicação, é preciso ter uma linha de atuação militante, que contribua para a organização popular e faça o enfrentamento com o pensamento e as forças hegemônicas, na direção da ampliação da participação popular. Assim, a comunicação precisa ser feita “a partir do olhar ‘dos de baixo’, como uma ferramenta para educar, para organizar e para politizar o povo”.

    Propostas:

    • wi fi livre e incentivo à produção popular
    • incentivo à distribuição e circulação da produção popular
    • incentivo à comunicação popular, jornais de bairro, rádios comunitárias, produção local
    • comunicação militante com engajamento social

     

    Tema 6: Meio ambiente

    Local: Fortaleza – CE

    Participantes: Márcio Astrini (Greenpeace) e Alexandre Araújo (PBMC – Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas)

         Pensar em outro modelo de desenvolvimento, sustentável e que respeite todas as formas de vida. O Ecossocialismo, ou qualquer outro nome que se queira dar para uma alternativa para além do capitalismo, precisa ser um projeto que supere o capital em dois aspectos: o da desigualdade social e o do colapso ambiental que promove.

          É importante romper com a dicotomia Homem versus Natureza, e compreender que a humanidade é parte integrante da natureza. O planeta Terra deve ser visto como um único organismo com um metabolismo próprio. Entretanto, a ação do homem no planeta, forçada pela atual forma de exploração devastadora, acaba por desequilibrar este metabolismo, comprometendo a sobrevivência de todas as espécies.

         A tarefa que cabe é a de adequar a exploração do planeta com as reais necessidades da humanidade, o que é incompatível com o atual sistema capitalista, uma vez que a superexploração dos recursos naturais, com o aumento da produção de dejetos, contaminação do meio-ambiente e destruição de biomas, se torna cada vez mais aceleradas na busca da produção de capital e sua consequente hiperconcentração. É mais do que urgente se buscar soluções de baixo custo e alta rentabilidade para o conjunto da sociedade, na construção de uma cadeia produtiva baseada na economia criativa e solidária.

    Propostas:

    • Eficiência no gerenciamento dos dejetos
    • Estímulo a soluções criativas de produção com baixo impacto ambiental e alto retorno social
    • Vigilância rigorosa do uso de agrotóxicos e fertilizantes químicos
    • Incentivo a nova matrizes energéticas, como o programa de instalação de placas solares em equipamentos públicos
    • Estímulo à criação de cadeias de produção e circulação de mercadorias, orientadas pela perspectiva da economia solidária

     

    Tema 7: Moradia e mobilidade

    Local: Recife-PE

    Participantes: Lucio Gregori (ex-secretário governo municipal de São Paulo, na gestão de Luiza Erundina), Socorro Leite (ONG Habitat), Leonardo Cisneros (Ocupe Estelita) e Vitor Guimarães (MTST)

         A cidade tem sido alvo do capital para se tornar espaço de valorização, produzindo desigualdades e exclusão social. O direito à cidade foi abordado em torno dos temas da moradia e da mobilidade urbana.

         Socorro Leite, diretora executiva da ONG Habitat para a Humanidade Brasil, destacou  que “o direito à moradia não está à frente da política pública”. Apresentou também uma série de propostas para a inversão das prioridades nesse tema, como a ocupação de imóveis ociosos, recursos locais para moradia, planejamento para a cidade, proteção nas ZEIS, regularização da posse, diversificação soluções habitacionais e, em especial, a participação popular.


         Já Vitor Guimarães, da coordenação nacional do MTST, destacou que “não existe programa habitacional, existe um projeto econômico, pois a crise urbana é um projeto político. Quem é dono da terra é dono da cidade. O Minha Casa Minha Vida não questiona a especulação imobiliária”. Concluiu chamando à luta e à organização popular, destacando que um programa de esquerda deve enfrentar a questão do valor da terra, ampliar e regulamentar o estatuto das cidades e estabelecer comitês democráticos de mediação de conflitos.


         Para falar de mobilidade, o engenheiro Lucio Gregori, que foi secretário de transporte da gestão Luiza Erundina na cidade de São Paulo, apontou que “a luta de classes é no chão das cidades, mais que nas fábricas”. Lembrando que a mobilidade é questão transversal, destacou também a participação popular e concluiu dizendo que “se a cidade fosse nossa a mobilidade seria de todos”.


        Por fim, Leonardo Cisneros, Professor UFRPE e ativista dos Direitos Urbanos – Recife e do Ocupe Estelita, lembrou que “mobilidade é problema político, cujas soluções expressam visões sobre o modelo de cidade. É a democracia direta do capital, que articula investimentos públicos com os interesses privados”. Assim, a questão da transparência e das prioridades é central, garantindo ao povo a capacidade de decidir e não apenas participar de conferências e consultas esvaziadas de poder.

    Propostas:

    • inversão das prioridades. Ocupação de imóveis ociosos, recursos locais para moradia, planejamento para a cidade, proteção nas ZEIS, regularização da posse, diversificação soluções habitacionais e, em especial, a participação popular.
    • enfrentar a questão do valor da terra, ampliar e regulamentar o estatuto das cidades e estabelecer comitês democráticos de mediação de conflitos.
    • transparência e das prioridades é central, garantindo ao povo a capacidade de decidir e não apenas participar de conferências e consultas esvaziadas de poder

     

    Tema 8: Participação popular

    Local: Belém-PA

    Participantes:  Edmilson Rodrigues (deputado federal-PA), Juliano Ximenes (urbanista) e Jurandir Novaes (urbanista)

         A radicalização da democracia, a participação da sociedade e a construção do poder popular são as principais marcas da proposta de governo do PSOL, ao lado da ideia de inversão de prioridades. Somente  com o povo tendo voz ativa nas decisões do governo é que seus interesses serão atendidos. A crise política e o governo golpista de Michel Temer reforçam essa importância, propondo um formato de governo totalmente oposto ao ministério de homens brancos e ricos de Temer.


         Juliano Ximenes falou sobre a importância de se instituir um ativismo comunitário no Brasil como uma medida para melhorar os mecanismos de controle político utilizados pela população. “Tais processos conferem força e diminuem os conflitos da população. O ativismo é um processo necessário e deve estar integrado às políticas para democratizá-las plenamente”, enfatizou. Já Jurandir Novaes complementou a contribuição do arquiteto, Juliano Ximenes, ao dizer que “a participação popular é uma decisão política, que serve para romper a lógica da dominação sobre o povo”.

         Edmilson Rodrigues finalizou o debate, destacando que a falta da participação popular é um dos fatores que contribuiu para o aprofundamento da crise vivida no Brasil e sofrida pela população. “A participação do povo na gestão é o instrumento que deve ser usado para que superemos as crises e para que possamos caminhar rumo a um futuro democrático, sem diferenças na sociedade e que tenha a população como foco”, concluiu.

    Propostas:

    • Ampliar e reforçar as formas de participação popular, através de conselhos, conferências e mecanismos de participação direta nas decisões, bem como reforçar mecanismos de controle social dos gastos e contratos.
    • Descentralizar o governo e estabelecer mecanismos de protagonismo local e popular.

     

    Tema 9: Educação.

    Local: São Paulo-SP

    Participantes: Luiz Araújo (professor UNB e presidente nacional do PSOL), Lisete Arelaro (professora da Faculdade de Educação da USP) e Sylvie Klein (pesquisadora), com comentários de Paula Coradi (professora)

         Para o PSOL, é central a defesa da educação pública, gratuita e de qualidade para todas e todos. A efetivação desse direito depende das prioridades e opções do governo. Luiz Araújo, professor da UNB e presidente nacional do PSOL, contou que no governo de Belém, quando foi secretário de Educação, “o Edmilson reuniu lá no palácio do governo a equipe que trabalhava comigo na secretaria e fez a seguinte pergunta: de tudo que vocês estão fazendo ou estão planejando fazer, o que a direita não faria?”.

         Para a esquerda socialista são três tarefas: a) garantir o acesso universal aos direitos sociais, o que envolve a inversão de prioridades e a “disputa do fundo público com outras prioridades”; b) fazer uma disputa de valores pela herança imaterial de concepções, o que implica em “empoderar a população”; e c) radicalizar a participação popular , “abrir os dados e discutir a sua composição e capacitar a população a discutir isso e decidir de forma inclusive diferente”.

         Já a professora Lisete Arelaro, professora da Faculdade de Educação da USP, começou lembrando que “nós estamos em tese numa democracia, e efetivamente a gestão democrática foi para as cucuias”. E que a preocupação com os números de matriculados precisa ser balizada pela qualidade. E como faz pra melhorar a qualidade? “Querido, se tiver uma jornada digna para o professor e ele ganhar um salário minimamente decente, surpresa, dá certo a escola, em geral”.

         Sobre a educação de jovens e adultos e a alfabetização no país, Lisete lembrou da enorme dívida social, do alto número de analfabetos e de adultos que não passaram do ensino fundamental ou médio: “ Porque ele pensa: eu trabalho nove horas, 14h eu estou aqui, duas horas para voltar, se eu ainda for estudar três horas e meia, quatro, tem que valer muito à pena”.

          Finalizando o debate, a pesquisadora Sylvie Klein falou sobre educação infantil, que é uma das responsabilidades dos municípios. Para ela, “a creche e a educação infantil, é um direito das crianças, é um direito que as crianças têm de estarem num espaço público, que as crianças têm de estarem num espaço coletivo, um espaço entre pares, que ela saia daquele núcleo que é caminhar, que é o espaço do privado, para estar nesse lugar”. Aqui, o desafio é o acesso com qualidade: “Se é direito das crianças, de todas as crianças, ela é um dever do estado, e aí o estado tem que se responsabilizar por esse atendimento. E o que a gente tem visto é uma desresponsabilização do estado via política de conveniamento”.

    Propostas:

    • Fim das matrículas da educação infantil nas entidades conveniadas e progressiva retomada da prefeitura
    • Limite de alunos por sala de aula definido por critérios pedagógicos
    • Ampliação dos programas de alfabetização de Jovens e Adultos
    • Valorização do professor e ampliação dos mecanismos de participação social nas escolas
  • Comunicação em debate: se a cidade fosse nossa

    Comunicação em debate: se a cidade fosse nossa

    por Rodolfo Vianna

       A etapa realizada do Ciclo de debates “Se a cidade fosse nossa” realizada em Fortaleza, Ceará, no dia 7 de maio teve duas mesas de discussão. Pela manhã, o Direito à Comunicação foi a pauta e, à tarde, discutiu-se Ecossocialismo. A atividade foi realizada no Espaço de Capacitação, Formação e Pesquisa Frei Humberto, e contou com o apoio do diretório Estadual do PSOL-CE (que transmitiu ao vivo o debate em sua página do Facebook – e o registro pode ser conferido AQUI).

       O deputado estadual Renato Roseno e o vereador de Fortaleza João Alfredo participaram das atividades, conjuntamente com filiados do PSOL e militantes da temática abordada de diversas cidades do interior do estado do Ceará.

       A primeira mesa de facilitadores da discussão contou com a participação de Helena Martins, do Coletivo Intervozes, Roger Pires, do Coletivo Nigéria e de Aldenor Jr., ex-secretário de comunicação da gestão de Edmilson Rodrigues da prefeitura de Belém do Pará.

       Ao iniciar, Helena Martins lembrou da formulação da Unesco que diz que “todas as pessoas têm o direito de produzir, receber e fazer circular informações. É mais do que o direito de liberdade de expressão, que já está consagrado em todas as cartas de Direitos Humanos”. Assim, a ideia de Direito à Comunicação é romper com o desnível existente dos fluxos comunicacionais e garantir de fato que as pessoas possam produzir informação e cultura, fazendo com que essas produções possam chegar até as demais.

      Sobre a legislação que trata da Comunicação no país, Helena acredita que a Constituição brasileira possui aspectos importantes na garantia ao Direito à comunicação, como a previsão da repartição do espectro entre entidades públicas, privadas e estatais de comunicação como também a proibição da formação de monopólios e oligopólios. Entretanto, ressalta a militante, estas restrições não são postas em prática, faltando a regulamentação dos dispositivos constitucionais que não foi realizada até hoje: “nós temos um princípio geral que é progressista mas que na prática não se revela como política”.

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       Roger Pires deu sequência à discussão, informando que o Coletivo Nigéria é uma produtora de audiovisual que, enquanto coletivo de comunicação, funciona como uma cooperativa de comunicadores e de realizadores de vídeos, já com seis anos de produção de conteúdo alternativo. Roger focou sua intervenção sobre como a comunicação no âmbito municipal reflete a segregação existente na própria cidade: a representação dos centros é hegemônica, enquanto que as periferias não se apresentam representadas nos grandes veículos: “qual é o Ceará que nós vemos na televisão?”, questionou, dizendo que sempre que se “vê” a cidade de Fortaleza se “vê” a região da orla da cidade, a Beira-Mar. Porém, para quem vive na cidade mas que não frequenta ou frequenta pouco a região nobre, qual é a significação que essa imagem possui? “Significa muita desigualdade e, apesar de não ser um discurso direto, é um discurso de imagens muito forte”.

       Outra distorção apontada por Roger Pires é a imagem existente da produção jornalística e seus profissionais envolvidos. Enquanto é raro ver negros ou índios frente às câmeras, a imagem dos jornalistas engravatados não representa as condições precárias de trabalho desse segmento profissional, de alta cobrança de produção e de baixos salários. A isso, soma-se a crise dos sindicatos dos profissionais que sofrem de baixa adesão, acarretando uma crise de representatividade e uma perda de força na disputa por melhores condições trabalhistas.

       Como medidas a serem encampadas pelos programas de governo, o militante ressaltou a bandeira da Banda Larga gratuita, que possibilitaria uma maior democratização da comunicação tanto na produção de conteúdo como na sua circulação: “para nós do Coletivo Nigéria, sem internet a gente não distribuiria os vídeos e filmes que a gente faz. A gente acredita muito no potencial da internet para libertar as pessoas seja da TV, seja do rádio ou desses tipos de modelos”.

       Último a oferecer a sua contribuição, Aldenor Jr. apresentou a sua experiência como Secretário de Comunicação da Prefeitura de Belém durante os dois mandatos do então prefeito Edmilson Rodrigues (1997-2005). Em consonância com o eixo da protagonismo popular que orientou a experiência do Executivo da qual participou, Aldenor Jr. lembrou que a comunicação não foi pensada “como uma empresa”, mas sim “a partir do olhar ‘dos de baixo’, como uma ferramenta para educar, para organizar e para politizar o povo” e emendou dizendo que tanto na campanha eleitoral quanto na gestão, a comunicação foi uma ferramenta decisiva como uma política contra-hegemônica na disputa de valores.

       “Um governo de esquerda sempre vai ser um governo sob cerco”, alertou o ex-secretário, narrando que a desconstrução da experiência protagonizada por Edmilson Rodrigues em Belém começou antes mesmo de ele assumir o mandato, partindo das forças contrárias às transformações propostas pelo seu programa de governo: “e, aliás, quando ele não é um governo sob cerco, é porque ele não é um governo de esquerda”, alertou.

       A primeira arma da “comunicação militante”, conceito basilar da proposta desenvolvida à frente da prefeitura de Belém, seria a presença física junto àqueles a quem se quer dirigir a mensagem. A intervenção urbana também é essencial, com a presença das marcas, mensagens, logotipos, etc. nas ruas, prédios e obras. Outra arma é o incentivo e a aposta na mídia espontânea, que foge da dinâmica convencional concentrada nos grandes veículos de comunicação; o que não implica descartar a mídia tradicional, que também precisa ser ocupada de forma inteligente. Sobre os mandamentos da “comunicação militante”, está o respeito ao povo e às suas tradições; manter a política sempre no comando e criar as comunidades reais, e não virtuais, já que estas são voláteis. “A comunicação como um chamado à ação: esta é a mensagem que a comunicação militante traz”, ressaltou Aldenor Jr.

       Encerrada as primeiras falas, o debate foi aberto aos participantes. Na parte da tarde houve a discussão com os presentes sobre Ecossocialismo, cujo relato se encontra em texto separado.

  • As 10 notícias mais censuradas 2014 – 2015

    Estas são as primeiras dez entre as 25 notícias mais censuradas pela grande imprensa dos Estados Unidos, que na prática molda a (des)informação mundial. A notícia foi divulgada a 6 de outubro no ranking 2014-2015 do Project Censored da Califórnia, que os sociólogos Peter Phillips, Mickey Hugg e Andy Lee Roth desenvolvem.

    Projeto Censurado: As notícias que não foram notícia

    Projeto Censurado: As notícias que não foram notícia

    O 1% mais rico possui metade da riqueza mundial, o fracking envenena as águas subterrâneas, 89% das vítimas paquistanesas assassinadas por drones norte-americanos nem sequer eram identificáveis como militantes islâmicos, aumentam os países que agora seguem o exemplo da Bolívia na luta pelo direito humano à água, aprofunda-se o desastre nuclear em Fukushima, cientistas opinam que o excesso de metano ameaça o Ártico e a muito curto prazo põe em risco a vida no planeta (20 anos) pelo aumento de 5 a 6 graus do aquecimento global, o medo da espionagem do governo “esfria” a liberdade de expressão dos escritores de todo mundo, a polícia dos EUA mata mais que qualquer outra do planeta… e com demasiada frequência, óbvio: os pobres recebem menos cobertura dos media que os seus donos multimilionários e, por último, a Costa Rica avança na energia renovável hidráulica… desde que não haja seca. (…)

    1.- O 1% mais rico possui metade da riqueza mundial

    Em 2016, o 1% da população mundial possuirá mais riqueza que os 99% restantes, segundo um relatório difundido em janeiro 2015 pela Oxfam, uma organização internacional sem fins lucrativos que tem como objetivo combater a pobreza. Para o estudo da Oxfam a desigualdade extrema não é inevitável, mas nos factos é o resultado de decisões políticas e económicas estabelecidas e mantidas pela elite global do poder, os indivíduos ricos cuja poderosa influência mantém o status quo manipulado a seu favor. A proporção da riqueza mundial que pertence ao 1 por cento aumentou de 44% em 2009 para 48% em 2014 e prevê-se que atinja os 50% em 2016.

    2.- O fracking envenena as águas subterrâneas

    Os aquíferos da Califórnia foram contaminados ilegalmente com cerca de 11 milhões de litros de águas residuais envenenadas desde que foram utilizadas no processo chamado fracking, ou fratura hidráulica do subsolo para extrair petróleo e gás, segundo documentos do Estado da Califórnia difundidos em finais de 2014 pelo Centro para a Diversidade Biológica. Segundo esta fonte, a fuga de contaminantes produziu-se em pelo menos nove poços utilizados pela indústria petrolífera para eliminar resíduos de águas contaminadas, prática que provavelmente se repete noutras latitudes onde também é utilizada a fratura hidráulica para extrair petróleo e gás.

    3.- 89% das vítimas paquistanesas de drones dos EUA nem sequer são apontadas como militantes islâmicos

    Desde que Barack Obama assumiu a presidência em 2009, calcula-se que os EUA provocaram a morte de 2.464 pessoas em bombardeamentos com aviões não tripulados enviados fora do que Washington declarou como “zonas de guerra”. O número foi divulgado em fevereiro de 2015 por Jack Serle e pela equipa do Gabinete de Jornalismo de Investigação, que mantém uma base de dados com todos os ataques conhecidos – baseando-se em trabalho de campo, relatórios dos media e fuga de documentos – que proporcionam uma imagem mais clara da escala e do impacto do programa de aviões não tripulados dos EUA, em comparação com a informação episódica proporcionada pelos grandes media corporativos de informação.

    4.- Muitos países seguem agora o exemplo da Bolívia na luta pelo direito à água

    No 15º aniversário dos protestos de Cochabamba, a resistência popular ao controle da água pelas grandes transnacionais continua a expandir-se em todo o mundo, abarcando a remunicipalização dos serviços públicos de água privatizados, a ação direta contra bloqueios injustos à água e à recolha de águas pluviais, enquanto o acesso ao vital elemento se entroniza como direito humano fundamental.

    Em janeiro de 2000, o povo de Cochabamba fechou a cidade em protesto contra a privatização do seu sistema municipal de água, que rapidamente duplicou e triplicou as faturas da água. Em fevereiro desse ano, o correspondente do Pacific News Service Jim Shultz divulgou a história na imprensa ocidental com os seus relatórios em primeira mão dos confrontos entre a polícia antimotim e os manifestantes na chamada “guerra pela água”, que hoje se prolonga entre os agricultores locais e os grandes fazendeiros, mas também implica novos “barões corporativos da água”, como o Goldman Sachs, o JPMorgan Chase, o Citigroup, o Grupo Carlyle e outros grandes grupos de investimento que estão a comprar direitos da água em todo mundo a um ritmo sem precedentes.

    5.- Aprofunda-se o desastre nuclear em Fukushima

    Continua por resolver a crise de 2011 do reator nuclear de Fukushima, Japão, apesar das garantias das autoridades governamentais e dos principais meios de comunicação de que a situação foi contida e, também, não obstante uma avaliação da Agência Internacional de Energia Atómica das Nações Unidas onde afirma que o Japão tem feito “progressos significativos” na limpeza do local. A verdade é que a descarga contínua no Oceano Pacífico da água de refrigeração extremamente radioativa da central nuclear destruída, já detetada ao longo da costa do Japão, tem o potencial de afetar grandes porções do Pacífico e a costa ocidental da América do Norte. Além do possível derrame de plutónio neste Oceano, a Tokyo Electric Power Company (TEPCO) admitiu recentemente que diariamente a central lança no mar grandes quantidades de água contaminada com trítio, césio e estrôncio.

    6.- O Ártico está em perigo pelo crescente impacto do metano no aquecimento global

    Os níveis de metano na atmosfera atingiram um máximo histórico nos últimos anos. Este gás de efeito de estufa é um dos principais contribuintes para o aquecimento global, bem mais destrutivo do que o dióxido de carbono. Num relatório para Truthout, o jornalista Dahr Jamail citou Paul Beckwith, professor de climatologia e meteorologia na Universidade de Ottawa: “Nas etapas iniciais, a alteração climática será abrupta para o nosso sistema climático, sem controle, conduzindo a um aumento de temperatura de 5 a 6 graus centígrados dentro de uma ou duas décadas”. Tais mudanças terão “efeitos sem precedentes” para a vida na Terra.

    O derretimento dos gelos árticos lançará o metano na atmosfera. “O que acontecer no Ártico não ficará no Ártico”, observou Beckwith. A perda de gelo ártico afeta a Terra como um todo. Por exemplo, ao diminuir a diferença de temperatura entre o Ártico e o equador aumentará a potência das correntes, que por sua vez acelerarão o derretimento do gelo ártico.

    7.- O medo da espionagem dos governos condiciona liberdade de expressão dos escritores

    A vigilância massiva lança a dúvida nos escritores de todo mundo de que os governos democráticos respeitem os seus direitos à intimidade e à liberdade de expressão, segundo um relatório de janeiro de 2015 do PEN America baseado nas respostas de 772 autores de cinquenta países. Uma reportagem de Lauren McCauley em Common Dreams além de difundir o PEN América Report deu a conhecer um relatório de julho de 2014 da União Americana das Liberdades Civis e da Human Rights Watch onde se dá conta que jornalistas e advogados dos EUA evitam cada vez mais trabalhar sobre temas potencialmente controversos devido ao medo da espionagem do governo.

    8.- A polícia dos EUA mata… e com demasiada frequência

    Em comparação com outros países capitalistas desenvolvidos, os EUA são sem dúvida diferentes quando se trata do nível de violência estatal dirigida contra as minorias, informou Richard Becker, do Liberation, em janeiro de 2015. Usando números de 2011, Becker escreveu que numa base per capita “a taxa de mortes pela polícia dos EUA foi aproximadamente 100 vezes maior do que a dos polícias ingleses em 2011”, 40 vezes mais letal que a taxa dos polícias alemães e 20 vezes mais mortífera que a dos seus colegas canadianos. Becker disse que provavelmente este não é o tipo de “excecionalismo [norte] americano” que o presidente Obama tinha em mente quando se dirigiu aos cadetes graduados de West Point em maio de 2014.

    9.- Pobres recebem menos cobertura dos media do que os multimilionários

    Em junho de 2014, a Equidade e Exatidão na Informação (FAIR, na sigla em inglês) publicou um estudo onde mostra que a ABC World News, a CBS Evening News e a NBC Nightly News dão mais cobertura mediática aos 482 multimilionários dos EUA do que aos 50 milhões de pessoas que hoje vivem na pobreza. Além disso, transmitem quase quatro vezes mais histórias que incluem o termo “multimilionário” do que notícias utilizando vocábulos como “pessoas sem casa” ou “bem-estar”.

    10.- A Costa Rica avança na energia renovável

    Em 75 dias consecutivos dos primeiros meses de 2015, a Costa Rica não queimou nenhum combustível fóssil para gerar eletricidade. Graças às fortes chuvas atribuídas às alterações climáticas, as centrais hidroelétricas geraram quase a totalidade da eletricidade do país, que juntamente com os recursos geotérmicos, o vento e as fontes de energia solar anulam a dependência de fontes fósseis como carvão e petróleo.

    Um relatório de Myles Gough em Science Alert indica que os primeiros setores da Costa Rica são o turismo e a agricultura, que requerem pouca energia, em comparação com extração mineira ou a indústria. A nação também tem características topográficas (incluindo vulcões) que facilitam a produção de energia renovável. O problema pode colocar-se perante eventuais secas originadas pelas alterações climáticas.

    Ernesto Carmona é jornalista, escritor chileno e jurado internacional do Project Censored

    Original: Proyecto Censurado

    Tradução de Carlos Santos para esquerda.net

  • O preço da novidade

    O preço da novidade

    mercado_de_notíciasA notícia como produto é o tema do documentário Mercado de Notícias, de Jorge Furtado. A marca do diretor está presente na inserção dos elementos históricos que constituem o jornalismo. Trechos da peça The staple of news de Ben Jonson, encenada em 1625 fazem o contraponto às entrevistas que um grupo de jornalistas concedeu individualmente ao documentarista. Os escolhidos são quase todos da grande imprensa: Bob Fernandes, Geneton Moraes, Cristiana Lobo, Jânio de Freitas, José Roberto de Toledo, Raimundo Pereira, Renata Lo Prete, Mino Carta, Luis Nassif e Maurício Dias. A seleção demonstra que Furtado pretendeu opor as mídias contra e à favor ao governo do PT. O expediente funcionou até certo ponto. Mas o que torna o filme realmente interessante é a evolução do conceito de notícia como mercadoria. O fato abordado, quase sempre filtrado pela posição da “fonte”, é refeito como notícia, elevado ao maior teor possível em sua capacidade de impacto. O resultado muitas vezes é falso e em alguns casos, ridículo. O filme destaca, entre outras, a matéria sobre a tela de Picasso numa parede do INSS. A óbvia reprodução é elevada a categoria de original de custo milionário em meia página da Folha de São Paulo. Erros desse calibre são o menor dos males que infestam o jornalismo capitalista. O viés ideológico é problema mais sério. Interesses ligados aos donos dos meios de comunicação estão acima de tudo o mais. O personagem principal da peça de Ben Jonson, encenada parcialmente no filme, chama-se Pecúnia e é representada por uma bela atriz. Irresistível, assim como na vida real.

    Flávio Braga é escritor

  • O castigo de Julian Assange: Condenado sem ter sido acusado

    O castigo de Julian Assange: Condenado sem ter sido acusado

    Julian Assange
    Julian Assange

    Há cerca de três anos que Julian Assange está preso na embaixada, sem sequer ter a possibilidade de ver a luz durante uma hora por dia, um direito de que goza a maioria dos prisioneiros.

    Escondido numa rua lateral de um dos mais refinados bairros londrinos, em frente do enorme edifício dos armazéns Harrods, ergue-se um edifício de apartamentos da época vitoriana onde se encontra a Embaixada do Equador. Julian Assange, o fundador e redator responsável da Wikileaks, o site que divulgou documentos secretos, entrou na embaixada a 19 de junho de 2012 e desde então não pôs um pé na rua.

    O Equador deu-lhe asilo político, mas o Reino Unido nega-se a conceder-lhe o visto para sair do país e quer extraditá-lo para a Suécia, onde teria de comparecer perante um promotor acusado de denúncias de abuso sexual, apesar de nunca terem sido apresentadas acusações formais contra ele. Há cerca de três anos que está preso na embaixada, sem sequer ter a possibilidade de ver a luz durante uma hora por dia, um direito de que goza a maioria dos prisioneiros. Durante os dois anos anteriores ao seu refúgio na embaixada, Assange esteve preso ou em prisão domiciliária na Inglaterra, tudo isto sem que tenha sido apresentada uma acusação contra ele. Quando esta semana viajei para Londres para o entrevistar na embaixada, Assange reafirmou-me a sua convicção de que esta fase prévia ao julgamento está a ser utilizada como castigo e também como elemento dissuasor. Além disso, sustentou que a Suécia está a atuar como substituta dos Estados Unidos, que deseja vê-lo atrás das grades para impedir o trabalho da Wikileaks.

    Não obstante, a Wikileaks continua a funcionar e a publicar informação sem precedentes sobre as condições possivelmente catastróficas em que se encontram os submarinos de armas nucleares da Grã-Bretanha, ou capítulos inteiros sobre o secreto e extremamente polémico Acordo Estratégico Transpacífico de Associação Económica (TPP, na sigla em inglês), entre outros. Foi a partir da embaixada do Equador em Londres que Assange ajudou o ex-contratado da Agência de Segurança Nacional Edward Snowden a escapar para Hong Kong, depois de ter publicado milhões de documentos em que se detalhavam os programas de vigilância do Governo dos Estados Unidos. Quando se dirigia de Hong Kong para a América Latina, onde solicitaria asilo político, Snowden ficou barrado no aeroporto de Moscovo, depois de os Estados Unidos terem anulado o seu passaporte, após o que a Rússia lhe deu asilo político temporário.

    Quando foram divulgadas as denúncias de abuso sexual contra Assange em finais de 2010, o fundador da Wikileaks ficou em Estocolmo para ser interrogado pelo promotor, que depois retiraria as acusações. Assange obteve autorização para sair da Suécia. Quando já estava no Reino Unido, uma segunda promotora, Marianne Ny, voltou a apresentar as acusações contra Assange. A promotora teve tempo de o interrogar nestes anos, quer pessoalmente em Londres ou mediante vídeo-conferência. No entanto, fez questão de que Assange fosse extraditado à força. Finalmente, um tribunal sueco instou-a a que viajasse a Londres. A promotora assinalou que se dirigiria lá para o interrogar, mas até ao momento não especificou quando.

    Julian Assange, os seus advogados e os seus apoiantes estão preocupados que, sendo extraditado, a Suécia o entregue aos Estados Unidos, onde tudo parece indicar que está em marcha uma investigação judicial secreta contra ele e contra a Wikileaks. “Julian já teria ido à Suécia há tempo se a Suécia lhe tivesse garantido que não o entregaria aos Estados Unidos para ser julgado por acusações de espionagem”, afirmou o advogado de Assange Michael Ratner, presidente emérito do Centro de Direitos Constitucionais. Ratner explicou: “A Suécia nunca esteve disposta a dar essa garantia, e sabemos que tem muito má reputação quanto a isso já que é um país conhecido por cumprir com os pedidos dos Estados Unidos, seja o de enviar pessoas da Suécia para o Egito, para serem torturadas, ou o de deportar pessoas com asilo político, rasgando o seu compromisso de não deportação”.

    O Vice-presidente dos Estados Unidos Joe Biden qualificou Assange de terrorista de alta tecnologia”, enquanto representantes eleitos e comentadores políticos de ambos os partidos têm expressado publicamente que Assange deveria ser assassinado. A este respeito Assange disse-me na embaixada: “A investigação dos Estados Unidos contra a Wikileaks por denúncias penais é considerada a maior investigação jamais realizada contra um meio de comunicação. É extraterritorial. Está a lançar novos precedentes sobre a capacidade do Governo dos Estados Unidos perseguir os diretores de qualquer meio de comunicação da Europa ou do resto do mundo e tentar julgá-los. Eles dizem que os delitos cometidos são conspiração, conspiração para cometer espionagem, violação da Lei de Abuso e Fraude Informática, pirataria informática, apropriação indevida e roubo de documentos do governo”. A serem confirmadas as acusações de espionagem poderiam levar Assange a ser condenado à pena de morte. A Suécia, assim como a maioria dos países europeus, não pode extraditar uma pessoa que considera que poderá ser condenada à pena capital.

    Todos os possíveis delitos pelos quais Assange é procurado na Suécia, exceto um, prescreverão em agosto. O Supremo Tribunal sueco negou-se a anular as ordens de detenção apresentadas contra ele no final de 2010, numa decisão de 4 votos a favor e um contra. O magistrado Svante Johansson, o juiz que votou contra, disse que a detenção “de facto” de Assange “viola o princípio da proporcionalidade”. Sentado à minha frente na sala de conferências da pequena embaixada que durante os últimos três anos tem sido o seu lar, o seu refúgio e o seu cárcere, Assange disse-me: “Como acusados não temos direitos uma vez que ainda não se abriu um processo formal. Não há acusação, não há julgamento, não há possibilidade de defesa, nem sequer o direito de aceder à documentação, porque não és nem sequer arguido”. O tom pálido da pele de Julian Assange depois de ter passado anos sem ver a luz do sol combina com a cor do seu cabelo, prematuramente branco. No entanto, a sua vontade permanece inquebrantável e os documentos secretos que inicialmente se propôs publicar quando fundou a Wikileaks, há quase dez anos, continuam a ser divulgados.

    Amy Goodman é co-fundadora da rádio Democracy Now, jornalista norte-americana e escritora

    Original: Democracy Now, 28 de maio de 2015
    Tradução para o espanhol: Mercedes Camps para Democracy Now
    Tradução para português: Carlos Santos para Esquerda.net

  • O exercício da comunicação

    O exercício da comunicação

    jornalismoJornalismo hoje é uma atividade ainda mais árdua que em outros tempos. Com o enxugamento das estruturas trabalhistas, o bom profissional agora precisa ser cinco especialistas em um só.

    Primeiramente deve se ser um repórter atento. Conseguir levantar dados, números, estatísticas, depoimentos, informações de toda a sorte, material para o tema de seu artigo, consultar fontes, saber entrevistar pessoas e checar a veracidade de fatos que podem ter muitas versões.

    Isto costumava ser feito por um profissional, que vivia pesadamente atarefado cheio de visitas a fazer, anotações, documentos para analisar e produção de relatórios. Então se passava para uma etapa mais elaborada: a redação, que hoje, é feita em sequência de trabalho.

    O redator deve pegar todos os ingredientes e construir um bom texto. Tem que ter capacidade de coesão e coerência. Deve ser uma pessoa que pratique a leitura e que busque desenvolver um estilo próprio. Deve ter cultura e talento não só para contemplar o assunto ou refletir sobre ele, mas conceituar diante da novidade e do fluxo temporal. Ah, e ter uma qualidade de escrita que nos encante.

    Tudo isto utilizando a ferramenta mais difícil que já foi inventada na História da humanidade: a linguagem! Foi-se o tempo dos gabaritados revisores de texto. Hoje o profissional tem que, ele mesmo, estar com a ortografia, a gramática e todo o sistema linguístico com seus recursos tinindo. O procedimento é custoso em alto grau. Além de estar sempre em transformação com reformas e com o próprio uso criativo.

    E é chegada a hora do fotógrafo, qual o quê? Saudades da dobradinha repórter-fotógrafo. Hoje o jornalista faz ele mesmo a documentação fotográfica e ai dele se não entender de enquadramentos, composição, closes, e da parafernália das máquinas fotográficas com seus flashes, zoons e detalhamentos técnicos.

    Parou por aí? Não, aí vem o grande desafio. O jornalista hoje deve ser também seu próprio editor. Ou seja, ele tem que ter um feeling para pautas, saber abordar o assunto com respeito ao público e fazer valer a máxima da atividade que é a liberdade de expressão. E, ai meu Deus! Tem que ser também um bom advogado e ter amplo respaldo institucional para se defender.

    Ora, mas será que estes profissionais encontram reconhecimento? Urge que sim. A massa sequer consegue dar uma contribuição para o processo de esclarecimento individual (e por conseguinte social).  Vide as redes sociais e o quanto elas revelam uma população mal formada, com opiniões obscuras, confusas e tendenciosas.

    Ser cinco profissionais em um só de forma alguma favoreceu estes formadores de mundo, estes produtores do que é mais valioso num mundo dominado pela máquina, que de modo algum cria conteúdo.  No entanto, sabendo-se que vivemos a Era do Conhecimento, o jornalista, e sua propriedade intelectual, deve ser reconhecido por seu patrimônio material e imaterial. Cabe à sociedade defendê-lo, não só com apoios, mas efetivamente com os altos valores que merecem os que se dedicam a esta atividade.

  • Marco Civil da Internet e o movimento pela democracia

    Marco Civil da Internet e o movimento pela democracia

    Marcello Barra
    Marcello Barra

    O Marco Civil da Internet é uma vitória da organização da sociedade na democratização da comunicação. Com participação social direta em mais de 2,3 mil contribuições, a aprovação da lei mostrou que a sociedade organizada pode fazer prevalecer o interesse comum em detrimento dos interesses paroquiais, o geral em relação ao particular.

    A neutralidade da rede é a maior conquista do movimento que pressionou o Congresso Nacional pela lei. O que é a neutralidade e por que é tão importante? A neutralidade é o princípio que permite uma ‘internet livre’, ou melhor dito, o acesso irrestrito aos conteúdos da rede. Assim os provedores não poderão cobrar diferentes tarifas para acesso a conteúdos diversos. É esse princípio que permite a inovação na internet, que faz com que continuamente surjam novidades e serviços úteis, como as redes sociais. A lei coloca o Brasil na vanguarda da internet mundial, como referência para outros países em legislação da rede. Isso foi ainda mais relevante dada a simultaneidade da aprovação do Marco Civil com o Encontro Multissetorial Global sobre o Futuro da Governança da Internet, sediado no Brasil.

    O que os estudos da ciência e tecnologia mostram é que nada está separado do seu contexto, o social precisa ser levado em conta. Que contexto é esse? O Marco Civil da Internet se tornou prioridade na agenda governamental após os vazamentos de informação do ex-técnico das agências de inteligência norte-americanas CIA e NSA Edward Joseph Snowden. As informações de Snowden mostraram a espionagem norte-americana sobre a chefa de Estado brasileira, o Ministério das Minas e Energias e a Petrobras.

    Essas revelações mereceram destaque na programação da Rede Globo, inclusive três programas Fantástico, como o grande fato político após as Jornadas de Junho. Antes, tais manifestações multitudinárias de 2013 colocaram os Poderes em crise no Brasil – inclusive a mídia como Poder. Diversos canais de TV tiveram veículos incendiados, prédios foram alvos de protestos, apresentadores e comentaristas publicamente mudaram de opinião sobre os protestos, a audiência das redes caiu. A divulgação da afronta à soberania brasileira podia reabilitar a mídia – e ainda mais especificamente a TV Globo, alvo principal das manifestações pelo caráter monopolista – junto à sociedade. A organização pela democratização da internet e das comunicações combinada com a força massiva do povo brasileiro mobilizado em Junho e a crise da mídia, além da coragem do servidor público mundial que é Snowden foram condições para a existência do Marco Civil da Internet.

    O avanço representado pela neutralidade não significa, no entanto, que esse princípio seja suficiente para lidar com todo o fenômeno da internet. Mas é a aprovação do marco que dá ânimo novo ao movimento. Asilo humanitário, político, comercial e estratégico a Snowden, hoje com visto provisório na Rússia, universalização do acesso à banda larga com a reestatização das telecomunicações no Brasil, exclusividade para o software livre no Estado brasileiro e privacidade total para os internautas com uma criptografia pública e gratuita são ações que avançam a democratização da rede. Portanto, o Marco é um ponto de chegada, mas que é também um ponto de partida.

    E dada a enorme concentração de TV e rádio no Brasil, é o movimentoda internet que pode inspirar e liderar a democratização das comunicações, vital para superar a crise do regime e a refundação da República.

  • Marco Civil: a polêmica explicada

    Marco Civil: a polêmica explicada

    Por que lei que garantiria liberdade na rede pode ser desfigurada? Que está em jogo, em relação à “neutralidade”? Como participar da mobilização?
    MarcoCivilO Marco Civil da Internet no Brasilnasceu de um processo de consulta pública muito rico e democrático como resposta a interesses de se criminalizar e restringir atividades na internet. Ele parte do princípio de que, antes de se criar legislação específica para crimes digitais, é preciso ter uma base legal para garantir direitos do cidadão e a liberdade da rede. Neste sentido ele foi vitorioso, as legislações de criminalização não saíram e, desde então, a votação do Marco Civil vem caminhando vagarosamente pelos corredores burocráticos do Congresso.

    Agora ele está prestes a ser votado. Porém, por pressões econômicas, sofreu alterações em seu texto – a internet continua sob ataque. A principal diz respeito a “neutralidade da rede”. E como começaram a circular campanhas na internet em defesa deste princípio, achei por bem fazer um post curto e explicativo para quem não é da área poder entender melhor, perceber a gravidade do tema, e se posicionar.

    O que é neutralidade da rede?

    É um princípio que defende que todas as informações que trafegam na internet devem ser tratadas da mesma forma, em especial pelas empresas que fornecem infra-estrutura para a rede – os provedores de internet (aqui no Brasil, empresas como NET, Claro, Vivo, etc.). Na prática, significa que esses provedores não podem fazer distinção entre os pacotes de dados trocados entre os internautas, privilegiando certo tipos de pacotes sobre outros, ou certas fontes de conteúdo sobre outras.

    Por exemplo, um provedor de internet não pode diferenciar a sua experiência de uso na internet deixando o acesso ao facebook privilegiado e rápido, enquanto limita a velocidade para assistir vídeos. Não pode também limitar a banda para serviços de Voz sobre IP ou downloads via BitTorrent. Não pode sequer  deixar o acesso ao site A mais rápido do que ao site B.

    Este princípio é um dos fundamentos da internet: a possibilidade de pessoas trocarem informações diretamente umas com as outras diretamente, sem interferências de intermediários.

    O que pode acontecer se não tivermos neutralidade? 

    Nesse cenário, os provedores de internet ganharão um universo enorme de “mercados” para explorar. Eles poderão, por exemplo, cobrar preços diferenciados dependendo do uso que você fizer da rede. Um plano para poder ter acesso a Voz sobre IP, outro para vídeos online, e assim por diante.

    É como se o nosso fornecedor de energia elétrica, de repente, resolvesse colocar limitações sobre quais tipos de aparelho podemos ligar na tomada e cobrar preços diferenciados por isso. Este vídeo bem humorado de 3 minutos ilustra bem o que nos espera:

    A verdade é que, por não termos uma legislação muito forte, os provedores de internetjá filtram o acesso dos internautas, deixando, por exemplo, o Youtube mais lento em horários de pico ou limitando a velocidade para downloads. Há também agora planos de celular que oferencem acesso a uma determinada rede social gratuitamente, ou seja, dão acesso a internet, mas não a toda a internet!

    E por isso é um problema (ou ‘isso não é um problema de direitos do consumidor’)

    Para além do simples problema que teremos como “consumidores”, onde as empresas terão um campo infinito para nos explorar ainda mais, temos que pensar a partir de um ponto de vista do que queremos para a futuro da internet (e consequentemente para o nosso futuro, já que ele será conectado!).

    A grande revolução da internet é permitir a comunicação irrestrita entre as pessoas. É dar voz e poder de mobilização para grupos historicamente excluídos e sem recursos. Este meu pequeno blog tem virtualmente o mesmo poder de alcance que o site da Rede Globo. Isso é revolucionário e aponta para uma nova era na comunicação – e na organização social – que já começou. A primavera árabe é apenas um exemplo disso.

    Com o fim da neutralidade da rede a internet passa a ser irrestritamente controlada por pequenos grupos empresariais. Todo o conteúdo da rede que hoje é produzido e acessível no mundo todo poderá ser filtrado e o tráfego de visitas direcionado para grandes provedores de conteúdo. “No plano básico você tem acesso irrestrito aos ‘principais jornais’ do mundo, se quiser acesso a blogs internacionais é preciso pegar outro plano”.

    Ou seja, como bem coloca Sergio Amadeu, transformariam a internet numa grande rede de TV a Cabo, com um número limitado de canais para você escolher. E se você quiser que o seu conteúdo seja privilegiado e acessado pelo mundo todo, deve ficar amigo dos donos da infra-estrutura – os provedores. Essa é exatamente a lógica excludente do modelo de comunicação do século XX, que todos pensávamos já estar superado com a chegada da internet.

    Outro ponto importantíssimo a se levantar é a respeito de novas tecnologias e protocolos. Na internet existem vários tipos de protocolos distintos que foram sendo criados ao longo do tempo: para páginas web, para emails, para mensagens instantâneas, para troca de arquivos p2p, etc. O que aconteceria, em um cenário sem neutralidade da rede, com novos protocolos que ainda não existem? Teriam que ter participação ou autorização dos provedores. A inovação, principal motor da internet e da sociedade em rede, ficaria perigosamente restringida.

    Não é uma questão técnica

    É preciso ter claro que não se trata de uma discussão técnica – o argumento das teles é que falta banda, e é preciso restringir para melhorar o serviço. Mas o fato é que a motivação real é o lucro, e não outra. Além disso precisamos ter em vista o quadro mais amplo, onde há uma agenda de ataques a liberdade na internet em várias frentes, sugiro a leitura do meu post de 2012 “a internet está sob ataque e você está no meio do tiroteio“.

    O que fazer

    Barulho! Compartilhe esse problema com amigos. O deputado que defende os interesses das teles é o Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Encha o saco dele! Acesse http://salveainternet.meurio.org.br/ para mandar uma mensagem para todos os deputados. Acesse o site do marco civil para ver o calendário de eventos e ações que vão acontecer esta semana.

    Vamos pra frente ou vamos enterrar a internet?

    Fonte: Controvérsia

  • A exaltação de um factoide

    A exaltação de um factoide

    Marcelo Freixo
    Marcelo Freixo

    Pela terceira vez em menos de uma semana, O GLOBO me cita em seus editoriais. As diferenças do texto publicado ontem em relação aos demais são o tom menos arrogante e o alvo. Após a péssima repercussão das tentativas de associar a morte do cinegrafista Santiago Andrade a mim, o jornal assume postura mais cuidadosa, até porque o objetivo é explicar a cobertura da tragédia aos seus leitores.

    Estranho é O GLOBO não demonstrar tamanho ímpeto editorial quando o assunto é, por exemplo, a comprovada ligação entre o ex-governador em exercício Sérgio Cabral e o empreiteiro Fernando Cavendish. Quantos editoriais foram dedicados ao fato de a empresa de advocacia da primeira-dama, Adriana Ancelmo, ter contratos com concessionárias estaduais? Quantos textos foram escritos sobre as relações entre o governador e Eike Batista?

    Vamos fazer uma rápida retrospectiva. No editorial do dia 12 de fevereiro, o jornal me trata como inimigo da democracia. Achei interessante o grupo tocar no assunto. Afinal, no próximo 1º de abril, o golpe militar completa 50 anos e a empresa deve ter histórias palpitantes para contar.

    Dois dias depois, o jornal afirma que meu gabinete tem comprovada proximidade com os black blocs. Comprovada proximidade? Creio que o manual de redação do grupo é mais criterioso do que levam a crer seus editoriais. A comoção provocada pela morte do cinegrafista Santiago Andrade não pode ser usada como instrumento de difamação.

    Depois de tanta ferocidade, O GLOBO tenta justificar a série de matérias produzidas, com grande destaque, sobre a minha suposta ligação com os responsáveis pelo assassinato de Santiago. Num tom professoral e oportunamente sóbrio, o editorial “O dever de um jornal”, publicado ontem, se arrisca em novos malabarismos.

    Primeiro, O GLOBO tenta justificar a manchete do dia 10 de fevereiro, que alardeia minha relação com os acusados, lembrando que a conversa telefônica entre o advogado Jonas Tadeu Nunes e a ativista Elisa Quadros foi registrada na 17ª DP (São Cristóvão). Logo, a existência do documento baseado num “disse me disse” seria suficiente para que uma denúncia grave como esta fosse divulgada. Tudo bem, se o argumento parece tão óbvio ululante e irrefutável para o grupo, por que os jornais “Folha de S.Paulo” e “O Dia”, por exemplo, não se comportaram da mesma forma e nada escreveram sobre o episódio? Então, a postura é, sim, controversa.

    O tal Termo de Declaração registrado na delegacia foi produzido de forma irresponsável por um advogado extremamente suspeito e divulgado com destaque, no mínimo, inconsequente. Vejam que estranho: a conversa que suscitou as acusações ocorreu entre Jonas Tadeu Nunes e Elisa Quadros, como o próprio advogado disse, mas o documento foi assinado pelo estagiário Marcelo Mattoso. Além disso, o delegado Maurício Luciano não teve acesso ao conteúdo da conversa. Por que ele não passou o telefone ao delegado? Por que não pôs a ligação no viva-voz? Ou seja, o Termo de Declaração, grande “prova” do GLOBO, é frágil por ter sido produzido sem qualquer cuidado.

    Até aquele momento, ainda não sabíamos que Jonas Tadeu Nunes já fora condenado por danos morais, enriquecimento sem justificativa, e danos morais e materiais em três processos distintos — não vi O GLOBO destacar isso durante a cobertura. Apesar disso, sua atitude, naquele dia 9 de fevereiro, é digna de estranheza. Jonas Tadeu Nunes não agiu como advogado nem como defensor dos interesses de seu cliente ao pegar o Termo de Declaração, imediatamente após o seu registro, e entregar nas mãos de uma repórter da TV Globo.

    Por que O GLOBO não se interessa tanto pela conduta tão controversa e suspeita do advogado, como o faz quando ele dirige acusações sem provas contra mim? Enquanto veículos e colunistas de outros jornais, como Jânio de Freitas, da “Folha de S.Paulo”, acham tudo muito estranho, Jonas Tadeu Nunes reina sob os holofotes globais e leiloa informações. Quando acusa, o advogado recebe mais destaque que o delegado, responsável pelo inquérito.

    O autor do editorial mente ao escrever que eu afirmei não saber de nada ao ser procurado por Artur, da equipe de produção da emissora, naquele mesmo dia. Em momento algum neguei ter falado com Elisa Quadros ao telefone. Ela me ligou exclusivamente para relatar que temia a possibilidade de Fábio Raposo ser torturado no presídio. Eu falei que isso não aconteceria e desliguei. Sou presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro e dezenas de pessoas me procuram para fazer denúncias.

    Também não criei obstáculos para dar entrevista. Pelo contrário, dar entrevistas é o que mais tenho feito nestes últimos dias. Só pedi que o tal documento me fosse encaminhado antes. Afinal, não posso falar sobre algo cujo conteúdo desconheço. O jornal cumpriu sua obrigação de me ouvir, mas foi leviano ao publicar uma manchete baseada em “provas” extremamente frágeis. No fim da chamada de capa, o fatal: “O parlamentar nega.”

    O GLOBO insiste em dizer que foi imparcial e comedido ao tratar do assunto durante a semana. Não foi. Basta ler os editoriais publicados e citados aqui. Como não havia provas e mais informações para me associar a esta tragédia, os ataques saíram dos espaços de notícia para os de Opinião. Não me acho acima do bem e do mal, como insinuou o jornal, numa tentativa de desqualificar minha indignação. Mas não vou titubear em defender minha trajetória ante acusações estapafúrdias.

    Agora, o jornal tenta se esconder sob o manto da “missão jornalística” para justificar o noticiário desmedido e leviano dirigido contra mim e o PSOL. O papel nobre que O GLOBO atribuiu a si mesmo ontem, numa linguagem tão prudente, é mais uma tentativa de subestimar a inteligência de seus leitores.

    Se não houvesse tanta indignação social e manifestações de solidariedade a mim — inclusive de jornalistas da própria Rede Globo —, essa autocrítica mambembe sequer teria sido feita. Pedir desculpas é um gesto que exige grandeza.

    19/02/2014

    Marcelo Freixo é deputado estadual do PSOL-RJ