Qual a importância da agroecologia dentro dos ambientes urbanos? Como podemos repensar a relação campo-cidade dentro de um horizonte ecossocialista?
É com enorme prazer que o Núcleo do Seteorial Ecossocialista do PSOL São Carlos, em parceria com o Setorial Estadual e a Fundação Lauro Campos, convida a todxs para um curso livre e gratuito sobre “Agroecologia e Ecossocialismo”, que buscará refletir coletivamente sobre essas e outras questões.
Será todo um dia de programação com debates sobre a questão agrária brasileira e sobre os desafios agroecológicos numa perspectiva anticapitalista. Além disso, faremos atividades práticas de cultivo da terra, assistiremos ao filme ‘Sem Clima’, e celebraremos em grande estilo!
O curso pretende criar um espaço de troca de saberes entre educadorxs, pesquisadorxs, comunicadorxs e ativistas, de dentro e de fora do PSOL. Esperamos que o encontro possa resultar em novas alianças e repertórios, capazes de fortalecer as atividades profissionais e militantes de cada umx. Por isso, valorizaremos muito os momentos de diálogo.
O curso possui 40 vagas. Todxs receberão um caderno de formação com textos selecionados pela organização.
Programação completa:
9h – 9h30: Recepção / café / credenciamento (Restaurante VivaVeg – R. Nove de Julho, 1704 – Centro – São Carlos)
9h30 – 10h: Falas de boas vindas:
10h – 12h30: Mesa “Agroecologia, Ecossocialismo e a Questão Agrária no Brasil”
Joana Ortega: Introdução a agroecologia, e apresentação das Comunidades que Sustentam a Agricultura (CSA)
Denise Vasquez: Ecossocialismo e o Setorial Ecossocialista do PSOL SP
Waldemir Soares: a questão agrária no Brasil e os atuais conflitos rurais
Junior e/ou Patrícia (MST Ribeirão): luta pela terra e luta pela vida, o papel da agroecologia nos movimentos sociais
12h30 – 14h: Almoço vegano no VivaVeg (Feijoada Vegana)
14h – 14h30: Ida para atividade prática (CSA São Carlos).
– Organização de carros na finalização da mesa da manhã. Caronas solidárias saindo do VivaVeg.
14h30 às 15h: conversa com Dina sobre sítio, CSA e agroecologia
15h – 17h30: Prática de manejo agrícola no Sítio Centenário
19h – 21h: Exibição e bate papo filme ‘Sem Clima’, com a presença de membro da equipe do “De Olho nos Ruralistas”, na Veracidade (Rua Dona Ana Prado, 501).
21h – 00h: Celebração na Veracidade (fazer xixi no mato, usar o banheiro seco, trazer caneca, e cuidar do espaço). Vamos passar chapéu. Vai ter chopp artesanal local. Open de guaca-mole: traga seu pão 😀
INSCRIÇÕES
As inscrições são gratuitas e serão confirmadas por ordem de envio. Então corra para fazer a sua! Teremos apenas 40 vagas, então caso você confirme sua participação NÃO DEIXE DE COMPARECER, ou estará tirando a vaga de outra pessoa interessada.
Se precisar de hospedagem na cidade, fale conosco!
Se quiser organizar um curso dessa na sua cidade, bora!
A fundação Lauro Campos, em parceria com diretórios estaduais e municipais do PSOL, realizou uma série de eventos buscando contribuir com a discussão programática do partido e ajudar na apresentação de propostas visando as eleições municipais de 2016.
Foram dez atividades realizadas em oito cidades brasileiras, que contou com a participação de pesquisadores, estudiosos e militantes dos eixos temáticos escolhidos para o aprofundamento da discussão. Rio de Janeiro, Curitiba, Nova Iguaçu, Fortaleza, Salvador, Recife, Belém e São Paulo sediaram atividades.
Confira a síntese de cada discussão realizada pelo Ciclo “Se a Cidade fosse Nossa”:
Cidades do negócio vs. cidades rebeldes
Local: Rio de Janeiro – RJ
Participantes: David Harvey (geógrafo), Juliano Medeiros (presidente da FLC) e Edmilson Rodrigues (deputado federal – PA)
Tivemos a oportunidade de apoiar o diretório carioca do partido, recebendo o professor David Harvey, figura destacada do pensamento marxista e mais importante geógrafo da atualidade. Em duas conferências mais uma aula pública, mostrou como a cidade é o espaço privilegiado de reprodução ampliada do capital, e destacou como os movimentos sociais estão procurando outras formas de organização e articulação para enfrentar a cidade dos negócios.
O capitalismo em crise tenta resolver seus problemas através do avanço sobre as cidades para transformá-las em ativos financeiros. É a lógica de que a cidade não deve servir para as pessoas, mas para os negócios.
Há uma enorme irracionalidade do capitalismo e na política. Como lembrou, em tom de brincadeira: “dizem que nós, marxistas, somos insanos. Insanos são os capitalistas, que defendem esse modelo de cidade feita para especular, e não um modelo decente para as pessoas morarem com dignidade”.
E continuou: “a solução não é abandonar o processo político, mas reconstruir o sistema. Precisamos de uma revolução política. Nos dizem que a única solução para as nossas dificuldades é mais capitalismo. A verdadeira resposta é nada de capitalismo. Na esquerda, a base tem que ser popular e estar no centro do processo político.”
Tema 1: Saúde
Local: Curitiba – PR
Participantes: Bernardo Pilotto (setorial de saúde do PSOL), Lidia Cardieri (socióloga) e Melissa Pereira (Fiocruz)
A saúde é um dos principais problemas dos municípios e dos cidadãos. A constituição federal estabelece que é competência do município a atenção básica e os serviços locais (em parceria com o estado e a união), o estabelecimento de uma política municipal de saúde, que invista ao menos 15% do orçamento local, e os laboratórios de exames e hemocentros. É muita coisa e os recursos são poucos.
As restrições financeiras e as imposições da lei de responsabilidade fiscal têm trazido dificuldades adicionais. As administrações em geral, independente da orientação ideológica do partido, tem apostado em formatos de terceirização de serviços e de gestão, precarizando as condições de trabalho e retirando o caráter público do serviço. Para o PSOL, a ideia é fortalecer o SUS e a saúde pública, gratuita e de qualidade, bem como apostar na valorização do profissional, sabendo que sua dedicação e competência podem fazer a diferença.
Como ressaltou Bernardo Pilotto, “é muito importante que o PSOL construa programas de governo na área de saúde antenados com as lutas de nosso povo nessa área, defendendo a ampliação e desprivatização do SUS. Na gestão municipal, é possível fazer muitas políticas de prevenção e promoção da saúde e é nessa área que devemos ter foco.” A própria melhora das condições de vida da população, com investimentos em saneamento básico, melhorias no transporte público e mais opções de lazer podem ser encarados como política de prevenção.
Além disso, destacamos um assunto dentro da atenção básica: a saúde mental (junto da política de drogas), onde o município tem papel proeminente. Trata-se de debate com crescente relevância da sociedade e que traz a discussão sobre cuidado e o acolhimento. Aqui, o PSOL reafirma seu compromisso com a luta antimanicomial e com as práticas de redução de danos enquanto diretrizes para nossas políticas locais, focando sua atenção no estabelecimento e qualificação dos CAPS.
Propostas
Ampliar os serviços do SUS e combater a privatização da saúde buscando rever os contratos de serviços e gestão
Melhorar as condições de trabalho e salários dos servidores
Foco na saúde básica, com fortalecimento das equipes de saúde da família
Políticas de prevenção e de informação
Construção, ampliação e melhorias dos CAPSs
Políticas sobre drogas de inclusão social e redução de danos.
Tema 2: Segurança e direitos humanos
Local: Curitiba – PR
Participantes: Juninho (presidente do PSOL-SP e membro do Círculo Palmarino) e Orlando Zaccone (delegado e membro da Leap – Law Enforcement Against Prohibition).
O desafio para o PSOL é estabelecer uma política de governo baseada no mais amplo respeito aos direitos humanos e no combate à todas as formas de opressão. Essas questões, como apontado pelo Juninho, estão relacionadas à questões estruturais que marcam a sociedade brasileira: a profunda desigualdade social, a cidadania restrita e a violência como forma de controle: “a manutenção desses privilégios de acumulação de riqueza e essa cidadania restrita se mantém através da violência”.
Essa formação social leva a uma atuação do estado baseada no controle social, dentro da lógica do combate ao inimigo, do punitivismo penal, da gentrificação e da exclusão social. Ressaltou Orlando Zaccone: “então, a questão da cidadania que o Juninho trouxe mostra que a Declaração Universal dos Direitos Humanos não contemplou essa distinção entre cidadão humano e não cidadão inimigo. O inimigo hoje não é o cidadão, ele é construído dessa forma, pelo discurso: ´direitos humanos para humanos direitos´. E esse nosso cidadão é construído como inimigo, e diversas fatores vão ser contemplados nessa não cidadania, nessa construção de inimigo. E o tráfico de drogas hoje é a grande construção que se faz dessa figura mítica do inimigo que perde toda proteção do ambiente social”.
A política de segurança do PSOL precisa encarar a discussão da segurança e da violência como produto da desigualdade social: “a violência não será combatida com mais aparato e com mais violência, mas sim a partir de uma dinâmica de desenvolvimento real, de distribuição de riqueza, de desenvolvimento social”, reforçou Juninho.
Propostas:
Políticas de proteção aos direitos humanos e combate às opressões
Pelo fim do caráter atual “militarizado” das Guardas Civis Metropolitanas e reforço da atuação comunitária
Foco em políticas de revitalização dos espaços e de combate à desigualdade
Tema 3: Poder local nas periferias e no interior
Local: Nova Iguaçu – RJ
Participantes: Carlos Vainer (urbanista), Sandra Quintela, Glauber Braga (deputado federal – RJ), José Cláudio Souza Alves (sociólogo/UFRRJ), Josemar Carvalho (geógrafo/São Gonçalo-RJ), Leci Carvalho (pedagoga e presidenta do PSOL-Nova Iguaçu,), Cid Benjamin (jornalista) e Álvaro Neiva (presidente do diretório estadual do Rio de Janeiro)
As políticas públicas não podem se resumir às capitais. Mesmo quando pensamos nelas, é decisivo incorporar as regiões metropolitanas no debate, porque para as pessoas as fronteiras entre os municípios muitas vezes representam impedimentos e dificuldades. Para Carlos Vainer é preciso superar as divisões baseadas em municípios, muitas vezes incorporadas pelos próprios partidos que têm viés contra-hegemônico. “Sou a favor do comitê metropolitano. Nós queremos os impostos da Barra da Tijuca sendo aplicados em Nilópolis (…) O poder é a capacidade de articular escalas, sejam elas globais, nacionais ou locais”, afirmou Vainer.
O programa do PSOL é construído em parceria com os movimentos sociais. Sandra Quintela, economista do PACS (Políticas Alternativa para o Cone Sul), lembrando seus vínculos com a Baixada, citou exemplos de embates como os comitês em Nova Iguaçu contra a ALCA, pescadores da Zona Oeste do Rio contra a TKCSA, Comitês Populares denunciando as políticas de exclusão relacionada à Copa e às Olimpíadas. Para Sandra, “o debate sobre poder local não pode abrir mão de fazer as disputas de classe, afinal, o capital é global”.
Fechando a primeira parte do debate, o deputado federal Glauber Braga (PSOL/Nova Friburgo-RJ) falou sobre as relações entre institucionalidade e resistência nas ruas. “Somos o partido que toda sexta-feira está em praça pública no Centro do Rio. Temos que construir os programas e prestar contas nas praças, não para negar o poder representativo que hoje existe, mas por entender que ele não dá conta de um projeto de ruptura”, afirmou Glauber.
Na parte da tarde o debate contou com a participação dos professores José Cláudio Souza Alves (sociólogo/UFRRJ), Josemar Carvalho (geógrafo/São Gonçalo), e Leci Carvalho (pedagoga e presidenta do PSOL-Nova Iguaçu,); do jornalista Cid Benjamin.e do presidente estadual do PSOL-RJ, Álvaro Neiva. Em pauta, as particularidades da militância na Baixada e na periferia em geral, os problemas na segurança e no serviço público e os desafios da luta institucional, entre outros temas.
Propostas:
Políticas integradas para Região Metropolitana – mobilidade urbana, segurança pública, saneamento básico, saúde etc
Criação de comitês metropolitanos e de laços entre os governos e os cidadãos dessas regiões
Tema 4: Cidades Negras
Local: Salvador-BA
Participantes: Samuel Vida (UFBA), Linesh Ramos (professora) e Dennis Oliveira (USP)
Para o PSOL o racismo é parte estrutural da formação social do país e da luta de classes. Como destacou o professor Dennis de Oliveira, o “racismo é a ideologia que vai definir quem tem e quem não tem patrimônio e renda; o racismo que define quem é e quem não é cidadão e é o racismo que define quem é o autor e quem é a vítima da violência. Ele vai ser o elemento que vai justificar essa clivagem que acontece pela lógica do Estado brasileiro”.
Do ponto de vista da gestão do Estado e das políticas públicas, enfrentar o tema do racismo institucional é decisivo para uma gestão que quer combater o racismo estrutural. Para Samuel Vida, “falar de racismo institucional é tentar entender como esses mecanismos operam de formas distintas e com várias roupagens, podendo ocorrer, inclusive, em espaços governados e administrados por pessoas negras”.
Da mesma forma, destacamos a importância de abordar esse tema de forma intersetorial, com conexões com a questão das mulheres em especial: “o empoderamento das mulheres negras é fundamental à luta democrática. O racismo atua no sentido de manter a faxina ética. Não existe socialismo e liberdade se não tivermos o fim do racismo”, afirmou Linesh Ramos.
Para o PSOL a temática do combate ao racismo não pode se resumir às ações de uma pasta específica, devendo estar presente em todas as ações institucionais e políticas públicas, além das políticas específicas.
Propostas:
combate ao racismo institucional
combate à violência contra o jovem periférico
combate à violência contra a mulher negra
Tema 5: Comunicação
Local: Fortaleza-CE
Participantes: Aldenor Jr. (ex secretário de comunicação de Belém), Roger Pires (coletivo Nigéria) e Helena Martins (coletivo Intervozes)
Segundo a Unesco “todas as pessoas têm o direito de produzir, receber e fazer circular informações”. Essa concepção é mais do que garantir a liberdade de expressão, é pensar em formas e políticas que garantam a todas as pessoas o direito de acessar, produzir e difundir informações e cultura. Esse direito, no entanto, é negado pelo alto grau de concentração da propriedade dos meios de comunicação, inclusive em âmbito municipal (donos de rádios e jornais locais são ligados ao poder econômico).
Junto dos movimentos sociais, é preciso pensar outras formas de comunicação e de identidade visual. Para Roger Pires, a comunicação no âmbito municipal reflete a segregação existente na própria cidade: a representação dos centros é hegemônica, enquanto que as periferias não se apresentam representadas nos grandes veículos: “qual é o Ceará que nós vemos na televisão?”, questionou.
Mais do que as políticas específicas de comunicação, é preciso ter uma linha de atuação militante, que contribua para a organização popular e faça o enfrentamento com o pensamento e as forças hegemônicas, na direção da ampliação da participação popular. Assim, a comunicação precisa ser feita “a partir do olhar ‘dos de baixo’, como uma ferramenta para educar, para organizar e para politizar o povo”.
Propostas:
wi fi livre e incentivo à produção popular
incentivo à distribuição e circulação da produção popular
incentivo à comunicação popular, jornais de bairro, rádios comunitárias, produção local
comunicação militante com engajamento social
Tema 6: Meio ambiente
Local: Fortaleza – CE
Participantes: Márcio Astrini (Greenpeace) e Alexandre Araújo (PBMC – Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas)
Pensar em outro modelo de desenvolvimento, sustentável e que respeite todas as formas de vida. O Ecossocialismo, ou qualquer outro nome que se queira dar para uma alternativa para além do capitalismo, precisa ser um projeto que supere o capital em dois aspectos: o da desigualdade social e o do colapso ambiental que promove.
É importante romper com a dicotomia Homem versus Natureza, e compreender que a humanidade é parte integrante da natureza. O planeta Terra deve ser visto como um único organismo com um metabolismo próprio. Entretanto, a ação do homem no planeta, forçada pela atual forma de exploração devastadora, acaba por desequilibrar este metabolismo, comprometendo a sobrevivência de todas as espécies.
A tarefa que cabe é a de adequar a exploração do planeta com as reais necessidades da humanidade, o que é incompatível com o atual sistema capitalista, uma vez que a superexploração dos recursos naturais, com o aumento da produção de dejetos, contaminação do meio-ambiente e destruição de biomas, se torna cada vez mais aceleradas na busca da produção de capital e sua consequente hiperconcentração. É mais do que urgente se buscar soluções de baixo custo e alta rentabilidade para o conjunto da sociedade, na construção de uma cadeia produtiva baseada na economia criativa e solidária.
Propostas:
Eficiência no gerenciamento dos dejetos
Estímulo a soluções criativas de produção com baixo impacto ambiental e alto retorno social
Vigilância rigorosa do uso de agrotóxicos e fertilizantes químicos
Incentivo a nova matrizes energéticas, como o programa de instalação de placas solares em equipamentos públicos
Estímulo à criação de cadeias de produção e circulação de mercadorias, orientadas pela perspectiva da economia solidária
Tema 7: Moradia e mobilidade
Local: Recife-PE
Participantes: Lucio Gregori (ex-secretário governo municipal de São Paulo, na gestão de Luiza Erundina), Socorro Leite (ONG Habitat), Leonardo Cisneros (Ocupe Estelita) e Vitor Guimarães (MTST)
A cidade tem sido alvo do capital para se tornar espaço de valorização, produzindo desigualdades e exclusão social. O direito à cidade foi abordado em torno dos temas da moradia e da mobilidade urbana.
Socorro Leite, diretora executiva da ONG Habitat para a Humanidade Brasil, destacou que “o direito à moradia não está à frente da política pública”. Apresentou também uma série de propostas para a inversão das prioridades nesse tema, como a ocupação de imóveis ociosos, recursos locais para moradia, planejamento para a cidade, proteção nas ZEIS, regularização da posse, diversificação soluções habitacionais e, em especial, a participação popular.
Já Vitor Guimarães, da coordenação nacional do MTST, destacou que “não existe programa habitacional, existe um projeto econômico, pois a crise urbana é um projeto político. Quem é dono da terra é dono da cidade. O Minha Casa Minha Vida não questiona a especulação imobiliária”. Concluiu chamando à luta e à organização popular, destacando que um programa de esquerda deve enfrentar a questão do valor da terra, ampliar e regulamentar o estatuto das cidades e estabelecer comitês democráticos de mediação de conflitos.
Para falar de mobilidade, o engenheiro Lucio Gregori, que foi secretário de transporte da gestão Luiza Erundina na cidade de São Paulo, apontou que “a luta de classes é no chão das cidades, mais que nas fábricas”. Lembrando que a mobilidade é questão transversal, destacou também a participação popular e concluiu dizendo que “se a cidade fosse nossa a mobilidade seria de todos”.
Por fim, Leonardo Cisneros, Professor UFRPE e ativista dos Direitos Urbanos – Recife e do Ocupe Estelita, lembrou que “mobilidade é problema político, cujas soluções expressam visões sobre o modelo de cidade. É a democracia direta do capital, que articula investimentos públicos com os interesses privados”. Assim, a questão da transparência e das prioridades é central, garantindo ao povo a capacidade de decidir e não apenas participar de conferências e consultas esvaziadas de poder.
Propostas:
inversão das prioridades. Ocupação de imóveis ociosos, recursos locais para moradia, planejamento para a cidade, proteção nas ZEIS, regularização da posse, diversificação soluções habitacionais e, em especial, a participação popular.
enfrentar a questão do valor da terra, ampliar e regulamentar o estatuto das cidades e estabelecer comitês democráticos de mediação de conflitos.
transparência e das prioridades é central, garantindo ao povo a capacidade de decidir e não apenas participar de conferências e consultas esvaziadas de poder
A radicalização da democracia, a participação da sociedade e a construção do poder popular são as principais marcas da proposta de governo do PSOL, ao lado da ideia de inversão de prioridades. Somente com o povo tendo voz ativa nas decisões do governo é que seus interesses serão atendidos. A crise política e o governo golpista de Michel Temer reforçam essa importância, propondo um formato de governo totalmente oposto ao ministério de homens brancos e ricos de Temer.
Juliano Ximenes falou sobre a importância de se instituir um ativismo comunitário no Brasil como uma medida para melhorar os mecanismos de controle político utilizados pela população. “Tais processos conferem força e diminuem os conflitos da população. O ativismo é um processo necessário e deve estar integrado às políticas para democratizá-las plenamente”, enfatizou. Já Jurandir Novaes complementou a contribuição do arquiteto, Juliano Ximenes, ao dizer que “a participação popular é uma decisão política, que serve para romper a lógica da dominação sobre o povo”.
Edmilson Rodrigues finalizou o debate, destacando que a falta da participação popular é um dos fatores que contribuiu para o aprofundamento da crise vivida no Brasil e sofrida pela população. “A participação do povo na gestão é o instrumento que deve ser usado para que superemos as crises e para que possamos caminhar rumo a um futuro democrático, sem diferenças na sociedade e que tenha a população como foco”, concluiu.
Propostas:
Ampliar e reforçar as formas de participação popular, através de conselhos, conferências e mecanismos de participação direta nas decisões, bem como reforçar mecanismos de controle social dos gastos e contratos.
Descentralizar o governo e estabelecer mecanismos de protagonismo local e popular.
Tema 9: Educação.
Local: São Paulo-SP
Participantes: Luiz Araújo (professor UNB e presidente nacional do PSOL), Lisete Arelaro (professora da Faculdade de Educação da USP) e Sylvie Klein (pesquisadora), com comentários de Paula Coradi (professora)
Para o PSOL, é central a defesa da educação pública, gratuita e de qualidade para todas e todos. A efetivação desse direito depende das prioridades e opções do governo. Luiz Araújo, professor da UNB e presidente nacional do PSOL, contou que no governo de Belém, quando foi secretário de Educação, “o Edmilson reuniu lá no palácio do governo a equipe que trabalhava comigo na secretaria e fez a seguinte pergunta: de tudo que vocês estão fazendo ou estão planejando fazer, o que a direita não faria?”.
Para a esquerda socialista são três tarefas: a) garantir o acesso universal aos direitos sociais, o que envolve a inversão de prioridades e a “disputa do fundo público com outras prioridades”; b) fazer uma disputa de valores pela herança imaterial de concepções, o que implica em “empoderar a população”; e c) radicalizar a participação popular , “abrir os dados e discutir a sua composição e capacitar a população a discutir isso e decidir de forma inclusive diferente”.
Já a professora Lisete Arelaro, professora da Faculdade de Educação da USP, começou lembrando que “nós estamos em tese numa democracia, e efetivamente a gestão democrática foi para as cucuias”. E que a preocupação com os números de matriculados precisa ser balizada pela qualidade. E como faz pra melhorar a qualidade? “Querido, se tiver uma jornada digna para o professor e ele ganhar um salário minimamente decente, surpresa, dá certo a escola, em geral”.
Sobre a educação de jovens e adultos e a alfabetização no país, Lisete lembrou da enorme dívida social, do alto número de analfabetos e de adultos que não passaram do ensino fundamental ou médio: “ Porque ele pensa: eu trabalho nove horas, 14h eu estou aqui, duas horas para voltar, se eu ainda for estudar três horas e meia, quatro, tem que valer muito à pena”.
Finalizando o debate, a pesquisadora Sylvie Klein falou sobre educação infantil, que é uma das responsabilidades dos municípios. Para ela, “a creche e a educação infantil, é um direito das crianças, é um direito que as crianças têm de estarem num espaço público, que as crianças têm de estarem num espaço coletivo, um espaço entre pares, que ela saia daquele núcleo que é caminhar, que é o espaço do privado, para estar nesse lugar”. Aqui, o desafio é o acesso com qualidade: “Se é direito das crianças, de todas as crianças, ela é um dever do estado, e aí o estado tem que se responsabilizar por esse atendimento. E o que a gente tem visto é uma desresponsabilização do estado via política de conveniamento”.
Propostas:
Fim das matrículas da educação infantil nas entidades conveniadas e progressiva retomada da prefeitura
Limite de alunos por sala de aula definido por critérios pedagógicos
Ampliação dos programas de alfabetização de Jovens e Adultos
Valorização do professor e ampliação dos mecanismos de participação social nas escolas
Retrato de um desastre ambiental brasileiro. Oceano já avança 24 quilômetros na calha do Rio São Francisco, exangue. Peixes de água doce perecem. Populações penam.
O ‘Velho Chico’ está cansado e não tem forças para caminhar até Atlântico. As águas salobras do mar já invadiram sua calha 24 quilômetros adentro, exatos 10% do trecho final com maior oferta de turismo sustentável e que tem colocado a região como o terceiro maior fluxo turístico de Alagoas. Há três anos a situação se complicou de vez, a estiagem e o desmatamento ao longo de se seus trechos mais altos no Sudeste reduziram drasticamente a vazão do rio.
A denúncia da agonia do baixo São Francisco surgiu no 1º Seminário Internacional de Turismo Caminhos de São Francisco, ocorrido no começo deste mês, e promovido pelo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento e Sustentabilidade (IABS), Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico e Turismo de Alagoas, Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento, na cidade de Piranhas, em Alagoas. E foi feita para a secretária estadual de desenvolvimento econômico e turismo, Jeanine Pires.
“A água do mar entrou e o rio está azulado, na foz em Piaçabuçu estamos com dificuldades para ter água doce. Já tem tubarão, tartaruga marinha e outras espécies que só tem no mar. O pilombeta que é um peixe comum neste trecho do rio está desaparecendo”, alertou o ambientalista e integrante da Associação Olha o Chico, de Piaçabuçu, Jasiel Martins.
O peixe símbolo, o surubim, que tem uma enorme escultura na praça central de Piranhas, está ameaçado de extinção e praticamente sumiu do rio. A situação era de conhecimento do governo de Alagoas, que tem investido pesadamente no projeto Caminhos do São Francisco, com a grande alternativa turística sustentável e modelo para o país.
Uma rede de empresários do segmento turístico tem buscado fazer sua parte, pois sabem que o Rio São Francisco é o grande maestro na regência deste novo momento para a economia regional. No hotel Pedra do Sino, em Piranhas, o proprietário Francisco de Assis Clemente, já fez tubulações independentes para captar a água dos quartos, inclusive do ar condicionado, para reaproveitamento. Também tem buscado saídas no uso de energia solar e na captação da água da chuva. “Temos que manter o foco na sustentabilidade”, afirmou.“ A questão da crise hídrica não é só o Estado eu irá resolver, os pescadores tem alertado para a questão do rio. Só vejo uma solução se for global, precisamos cumprir as metas estabelecidas em acordos internacionais tanto pelo governo federal como pelos Estados”, comentou Jeanine Pires.
A consciência preservacionista vai desde a conservação dos casarios históricos das 12 cidades do eixo do programa Caminhos do São Francisco até um processo de resistência cultural. O empresário Flávio Ferraz, dono da Pousada Trilha do Velho Chico, chegou como turismo do Recife e acabou ficando e empreendendo em Piranhas. E a pegada ambiental é hoje fundamental para a sobrevivência de seu negócio.
“Eu optei pelo turismo de esporte e de aventura. Os meus clientes tem essa consciência, usamos aqui reaproveitamento da água e energia solar, além da fossa verde. Seja na área dos quartos ou no espaço do camping. O que preocupa é ver o rio nesta condição, tem lugar que já temos que sair do caiaque e levar a embarcação no braço até outro ponto para continuar a navegação”, falava com ar sério, mesmo quando brincava com seu cão, de nome Chicão.
Júlio Ottoboni é jornalista diplomado, pós graduado em jornalismo científico. Tem 30 anos de profissão, atuou na AE, Estadão, GZM, JB entre outros veículos. Tem diversos cursos na área de meio ambiente, tema ao qual se dedica atualmente.
A partir de 2007, ano a ano, o crescimento da geração eólica no país chama a atenção. Se há nove anos a potencia instalada era de 667 MW, em 2015 chegou a 8.120 MW, ou seja, um aumento de 12 vezes. Verifica-se também que vários municípios brasileiros sofreram mudanças radicais com alterações bruscas em suas paisagens e no modo de vida de suas populações. Essas mudanças representam o início de um novo ciclo de exploração econômica, o chamado “negócio dos ventos”.
Várias são as razões que tem atraído estes empreendimentos a nosso país. Além da crise econômica mundial de 2008 que provocou uma capacidade ociosa na Europa, e assim equipamentos chegaram até nós com preço vantajosos; sem dúvida a “qualidade dos ventos”, em particular na região Nordeste é outro grande atrativo. E é neste território, onde hoje se concentra 75% de toda potencia eólica instalada no país.
Determinados Estados criaram políticas próprias de incentivo à energia eólica, com Isenções fiscais e tributárias, concessão de subsídios, flexibilização da legislação ambiental (p. ex. Pernambuco aboliu os estudos ambientais EIA/RIMA). Associados aos financiamentos de longo prazo do BNDES (e mais recentemente da Caixa Econômica Federal), e ao preço irrisório da terra, estas tem sido as razões principais para atrair os empreendedores. É o resultado da combinação destes fatores que possibilita que a energia eólica ofereça preços imbatíveis nos leilões realizados pela Aneel. Tornando assim à segunda fonte energética mais barata. Esta situação esconde o fato dos custos ambientais e sociais decorrentes da implantação dos complexos eólicos serem altos, embora não sejam contabilizados nos “custos” da geração, pois não são pagos pelos empreendedores, e, sim, por toda a sociedade.
Ao mesmo tempo em que esta atividade econômica teve uma rápida expansão, gerou impactos, conflitos e injustiças socioambientais. São visíveis os impactos provocados por esta fonte renovável, chamada por muitos de energia limpa. Define-se por energia limpa aquela que não libera, durante seu processo de produção, resíduos ou gases poluentes geradores do efeito estufa e do aquecimento global. Ou ainda, que apresenta um impacto menor sobre o ambiente do que as fontes convencionais, como aquelas geradas pelos combustíveis.
Todavia nas “definições” de energia limpa não são levadas em conta as questões sociais e mesmo ambientais causados pela produção industrial da eletricidade eólica que necessita de grandes áreas, e um volume considerável de água, devido ao alto consumo de concreto para a construção das bases de sustentação das turbinas. Impactos sobre o uso de terras é quantificado pela área ocupada, sendo que em geral, as turbinas eólicas ocupam 6 a 8 ha/MW, a um custo médio de R$ 4,5 milhões/MW. Sem duvida, poderia ser argumentado que estas áreas sejam compartilhadas, como ocorrem em outras partes do planeta, ou seja, utilizada concomitantemente para outros propósitos, como agricultura, criação de pequenos animais, …. Mas isto não vem acontecendo.
Logo, o modelo adotado de implantação dessa atividade econômica no Brasil é em si, causador de inúmeros problemas ao meio ambiente e as pessoas. Os parques eólicos têm deixado profundos rastros de destruição na vida das comunidades atingidas (exemplos não faltam). Não somente com a instalação dos aerogeradores, mas desde a obtenção do terreno (pela compra, ou pelo arrendamento), sua preparação (desmatamento, terraplanagem, compactação, abertura de estradas de acesso dos equipamentos), a construção das linhas de transmissão. Destrói territórios, desconstitui atividades produtivas e desestrutura modos de vida de subsistência.
Tem agravado a situação a velocidade em que os parques eólicos estão sendo instalados, sem o devido acompanhamento e fiscalização, sem que requisitos socioambientais sejam atendidos e cumpridos.
Na questão da terra necessária para produzir energia em larga escala, os empreendedores vão comprando, ou arrendando as terras da população local. São na verdade desapropriações feitas pela iniciativa privada como parte de estratégias agressivas para implantação dos complexos eólicos, que acabam inviabilizando a sobrevivências de outras atividades econômicas locais, como a pesca artesanal, a cata de mariscos, a agricultura familiar, a criação de animais, …. Assim comunidades inteiras são afetadas na sua relação com o território e muito pouco, ou quase nada recebem em troca.
Várias situações marcaram e ainda marcam a presença de empresas eólicas. O discurso do ambientalmente correto esconde práticas socialmente injustas das empresas do grande capital, evidenciadas cada vez mais com o passar do tempo. Para implantação dos parques e complexos as empresas utilizam de diferentes expedientes como a celebração de contratos draconianos com proprietários e posseiros, a compra de grandes extensões de terras, a apropriação indevida de áreas com características de terras devolutas e de uso coletivo.
Os contratos celebrados põem em dúvida os princípios de lisura e transparência da parte das empresas. Os trabalhadores se sentem pressionados a assinarem os contratos sendo proibidos de analisarem o conteúdo de maneira independente, sempre induzidos por algum funcionário das empresas.
Quem continua a viver nessas regiões quase sempre enfrenta a impossibilidade de continuar a produção local, de manter seu modo de subsistência. A atividade eólica, tanto costeira ou interiorizada acaba com as condições de sobrevivência no lugar e em seu entorno, gerando poucos empregos de qualidade para os moradores da região, e deixando lucros bem limitados. Tudo isso depois da euforia da etapa de instalação dos equipamentos, com as obras civis, que acabam atraindo por tempo determinado, trabalhadores locais e de outras regiões. Depois das obras concluídas vem à rebordosa, com as demissões. Assim tem acontecido. Cria-se a ilusão de prosperidade com o apoio da propaganda enganosa. O discurso da geração de renda e emprego faz parte da estratégia.
Com relação à agressão ambiental têm sido atingidas áreas costeiras com a destruição de manguezais, restingas, remoção de dunas, provocando efeitos devastadores para pescadores, marisqueiras, ribeirinhos. Tais situações tem sido constatadas no Ceará e Rio Grande do Norte.
Em estados como Bahia, Piauí e Pernambuco a exploração desta atividade ocorre no interior, em áreas montanhosas, de grande altitude, no ecossistema Caatinga e Mata Atlântica (ou o que sobrou dela). E também nos brejos de altitude, existente em Pernambuco e na Paraíba, verdadeiras ilhas de vegetação úmida em meio ao ecossistema seco da Caatinga, onde a vegetação existente são resquícios da Mata Atlântica primária, proliferando mananciais de água que formam os riachos abastecedores de bacias hidrográficas. Portanto são áreas onde se deveriam incentivar a conservação, preservação e a recuperação destes ecossistemas naturais, dos seus mananciais e cursos de água.
Todavia, o movimento das administrações municipais, estaduais e federal caminha em sentido contrário ao de proteger estes santuários da vida. Além da omissão e conivência incentivam e promovem o desmatamento de áreas de proteção permanente em nome do “desenvolvimento econômico”, da geração de emprego e renda, justificando a destruição ambiental e a vida das populações nativas em nome do interesse público (?).
A produção de energia elétrica a partir dos ventos hoje é uma atividade econômica, cujo modelo de exploração implantado, causa inúmeros problemas afetando diretamente a qualidade de vida das pessoas. Contribuindo mais e mais para ampliar um fenômeno que já atinge uma parte importante do território nordestino a desertificação. A produção de energia eólica é necessária, desde que preserve as funções e os serviços dos complexos sistemas naturais que combatem as consequências previstas pelo aquecimento global. Mas também se preserve as populações locais e seus modos de vida.
Afinal a quem serve este modelo de implantação em que o estado cooptado se omite e não fiscaliza? O que se constata são aspectos negativos que poderiam ser evitados, desde que houvesse o interesse e uma maior preocupação dos governantes quanto aos métodos e procedimentos, uma avaliação mais rigorosa dos licenciamentos que levasse em conta a análise de alternativas locacionais e tecnológicas, assim minimizando os impactos desta fonte energética.
Logo, não se pode considerar, levando em conta como estão sendo implantados os atuais projetos eólicos, nem que sejam socialmente responsávei, nem que sejam ambientalmente sustentáveis. Longe disso.
Heitor Scalambrini Costa é professor da Universidade Federal de Pernambuco
A usina de Belo Monte, ainda em processo de construção, já gerou enormes impactos em Altamira e certamente é um dos grandes símbolos do desenvolvimentismo lulista, que agora agoniza pelos quatro costados. No entanto, seu rastro de destruição e atropelos deixará marcas eternas na pele dos afetados, que desde os anos 80 resistem ao megaprojeto hidrelétrico. Antônia Melo, militante de longa data contra Belo Monte, acabou de perder sua casa para a truculência do “Consórcio Construtor Lava Jato” e concedeu uma entrevista carregada de emoção ao Correio da Cidadania.
“Praticamente não podemos sair na rua à noite, a criminalidade e a violência estão muito altas, mais de 100 mil pessoas chegaram à cidade por causa do empreendimento, de maneira que a cidade está inchada, os serviços públicos não dão conta da demanda, não foram criadas estruturas pra receber a grande população que veio. Os órgãos de segurança, justiça, educação pioraram, há muita evasão escolar, já que muitas crianças tiveram de mudar pra assentamentos distantes da cidade e ficaram sem escola, posto de saúde…”, enumerou, numa lista de prejuízos que, dado o histórico, é de se duvidar que sejam reparados
Para além das mazelas já verificáveis, Antônia atacou toda a teia de corrupção público-privada, grande assunto nacional de 2015, e reiterou todo o jogo que passa ao largo dos interesses da população e diz muito mais respeito a projetos de poder. Além disso, criticou a falta de consciência ambiental dos que argumentam em favor da obra, exatamente quando governos do mundo inteiro se reúnem em Paris para mais uma tentativa de contenção das sequelas de um modelo econômico sabidamente predatório ao meio ambiente.
“A energia não vai servir a nós. Essa usina só nos destrói e arranca nosso couro. É um projeto à base de propina e garantia de vitórias eleitorais desses governos, de PT, PMDB, PSDB, o diabo que seja. Pra isso que servem. Entregam nossa vida, nossos recursos naturais, acabam com tudo pra ganharem dinheiro dessas empresas em suas campanhas, ainda por cima por meio de BNDES e do Tesouro, e se manterem no poder. Não é nada pro povo. E a população tem de saber, especialmente do Sul e Sudeste, que já estamos no Século 21, no qual o grande assunto é o meio ambiente”, afirmou.
Por fim, mas não menos marcante, fez um implacável ataque ao que se tornou o Partido dos Trabalhadores, o qual ela própria ajudou a fundar na cidade, inclusive sendo candidata em tempos tão longínquos quanto mais esperançosos. Agora, resta a decepção, a destruição e uma vida a ser reorganizada. Ainda assim, destacou que a luta contra a usina continua.
“Entraram no poder pra fazer igual ou pior que todos. O que dizer? Belo Monte é um total desrespeito conosco, fomos tratados como meros objetos descartáveis. O PT teve tudo pra fazer a diferença, mas não fez. Foi tudo ao contrário. E agora temos um país em crise, com uma situação de dívidas e tudo mais. Taparam o sol com a peneira pra aproveitar o poder, pegar dinheiro que não era deles… Não tem perdão, não tem perdão”, desabafou a líder do Movimento Xingu Vivo Para Sempre.
A entrevista completa com Antônia Melo, gravada nos estúdios da webrádio Central3, pode ser lida na íntegra a seguir.
Correio da Cidadania: Primeiramente, o que você pode nos contar do episódio que marcou a perda da sua casa?
Antônia Melo: É uma situação que já vinha mexendo com minha vida há muito tempo, até que fui expulsa de casa. Mas precisamos nos manter firmes pra enfrentar todo o processo comandado pela Norte Energia. Morava num bairro que as empresas consideram periférico, mas na verdade é perto de tudo no centro da cidade de Altamira, perto de todos os serviços necessários. Não precisava pagar transporte para me locomover a bancos, igreja, escola, hospital, comércio, enfim, sempre tive tudo perto da casa onde morei mais de 30 anos.
Porém, a área é considerada de risco pela hidrelétrica, passível de alagamento. Mas pode não ser. O empreendimento de Belo Monte é muito obscuro e acima de tudo muito criminoso. A sociedade não teve informações corretas, quando se procuravam os funcionários só nos diziam que o chefe que sabia… A negação de informações à população foi das coisas mais criminosas, ainda mais por eu estar à frente do Movimento Xingu Vivo Para Sempre, que tem uma história de 30 anos de lutas ao lado de movimentos da região contra tais tipos de empreendimentos, desde os anos 80, quando se chamaria Usina Kararaô.
É um projeto que vem da ditadura militar e hoje é imposto, conduzido e implantado com resquícios de ditadura: as pessoas não têm direito de falar, não têm voz nem vez. Isso dentro de uma mascarada democracia. As pessoas falam, falam, mas não são escutadas. Servem apenas pra cumprir cronogramas do governo.
É um processo muito grave, triste e criminoso contra os modos de vida, os direitos humanos e ambientais das pessoas que habitavam a região, sendo todos obrigados a sair. Agora constroem pontes, aterros, parques… Pra quem? Não vai alagar? Se não vai, por que nos tiraram? Um funcionário da obra questionou uma vizinha:
– Por que não saiu daqui?
– Porque disseram que não preciso sair.
– Mas precisamos limpar aqui.
Ou seja, fomos tratados como lixo. É uma limpeza social. Se não vai alagar a área, só nos tiraram com a finalidade de limpá-la. É tudo muito criminoso, chocante e indignante.
Correio da Cidadania: O que é a vida em Altamira nos últimos anos, após a chegada da obra? O que você imagina para o futuro da cidade?
Antônia Melo: Temos tentado explicar à população através de realidades de outas barragens, como Tucuruí, que fica aqui na nossa porta, na região transamazônica. Já há muito tempo erguemos a bandeira de combate à usina. Hoje dizem pra nós: “eu era feliz e não sabia”.
Somos o polo de uma região de 11 municípios em volta da BR-230 Transamazônica, sempre com movimento social forte e unido em diversas questões, a exemplo de moradia, escola, saúde, transporte, crédito pra agricultores, criação de universidades… Se temos tudo isso em Altamira foi pela enorme luta do movimento social, com trabalhadores e trabalhadores brigando juntos. As melhorias em saúde, educação, segurança, sistema de justiça se deram pela nossa luta. E sempre tendo nosso rio, nossos peixes, a coisa linda que era o Xingu, rodeado de ilhas, sem degradação, tudo bem cuidado. Os indígenas viviam em suas aldeias, cuidavam de sua cultura e de toda essa vida.
Agora chegou o empreendimento, com grande propaganda do governo federal, que sabia dos 30 anos de luta. As empresas, e também o governo, fizeram um lobby muito bem feito, de seduzir e enganar o comércio, empresários da região… Tudo mentira, mas as pessoas se iludiram com propaganda, dinheiro etc. Foi um cala-boca, que chegou a gerar uma divisão muito grande entre povos indígenas e movimentos sociais, porque parte desses movimentos é do PT e foi obrigada a ficar calada e aceitar o projeto, sem se juntar à oposição.
É um crime lesa-pátria e lesa-consciência. Tínhamos nossa produção, somos uma região muito rica em peixes, cacau e também madeira, que vive sendo roubada, além de outros produtos florestais. Infelizmente, a pecuária também é grande aqui e já causou muito desmatamento. Mas nós, os índios, os ribeirinhos e a população da cidade tínhamos uma vida de paz em relação a hoje.
Agora, praticamente não podemos sair na rua à noite, a criminalidade e a violência estão muito altas, mais de 100 mil pessoas chegaram à cidade por causa do empreendimento, de maneira que a cidade está inchada, os serviços públicos não dão conta da demanda, não foram criadas estruturas pra receber a grande demanda de população que veio. Os órgãos de segurança, justiça, educação pioraram, há muita evasão escolar, já que muitas crianças tiveram de mudar pra assentamentos distantes da cidade e ficaram sem escola, posto de saúde…
As famílias foram jogadas para lugares onde quase não existem serviços. Agora temos a criminalidade, prostituição infantil, violência contra as mulheres e a destruição sem precedente do nosso rio, deixando nossos pescadores sem peixes. E muitas categorias, como pescadores e barqueiros, não têm sido reconhecidas pela empresa como impactadas. As pessoas perdem sua vida e sobrevivência, que girava em torno do rio, são jogadas fora sem direito a nada e têm suas casas queimadas.
O MP e Ibama mandaram a empresa suspender a retirada de famílias ribeirinhas, e mesmo assim a Norte Energia não obedeceu, tirou as famílias sem pagar quase nada e queimou casas.
A cidade está desfigurada, estão aterrando a beira do rio e suas praias, tudo sem consultar a população, que não pode dizer nada, ser ouvida, vista e, acima de tudo, respeitada em seu dia a dia. Com Belo Monte e tais empreendimentos a lei do país não tem nenhum valor. O governo empodera as empresas, que tomam conta de tudo na nossa vida, e ainda temos a infelicidade de o sistema judiciário do Brasil estar a favor e ao lado desses crimes, concedendo liminares para que o projeto continue.
Correio da Cidadania: Como recebeu a notícia da negação da Licença de Operação da usina? Muda alguma coisa a essa altura?
Antônia Melo: Não damos mais nenhuma credibilidade ao governo e ao Ibama, que se tornou um órgão que meramente assina liminares criminosas contra os direitos da população e a lei de licenças ambientais do país. A notícia pode ser boa, nos deixou contentes, no sentido de que não fizeram nada mais que a obrigação para limparem um pouco a própria barra com a população daqui. Porque a omissão, negligência e conivência do Ibama com tudo que vimos aqui são imensuráveis.
Foi o mínimo de obrigação do órgão licenciador e acima de tudo fiscalizador – coisa inexistente nos últimos anos. E só porque viram que existe muita pressão. Nós dos movimentos sociais, do MP Federal e outras organizações, como a Corte Interamericana e a Comissão de Direitos Humanos da ONU, temos ações e denúncias de irregularidades e violações de direitos humanos.
Belo Monte é tão perverso que vimos aqui na região deputados eleitos virarem as costas pra gente e apoiar o governo e esses crimes. Ficamos sem representação política, porque ninguém queria contrariar Belo Monte e desagradar governo e empresas. Só um deputado estadual do Pará, na Comissão da Amazônia, tentou fazer alguma coisa, mas sozinho. Ele promoveu uma audiência com as autoridades na câmara federal no mês de agosto, na qual estavam Ibama, autoridades, empresas, e causou bastante impacto.
Tivemos reuniões com a presidência do Ibama em Brasília e Belém, na qual participamos e entregamos um calhamaço de denúncias sobre o que ocorre aqui. Portanto, seria muita cara de pau que a presidente do Ibama assinasse a Licença de Operação com tamanha quantidade de denúncias que recebeu. Depois, o Ibama estabeleceu 12 pontos condicionantes para o consórcio regularizar, coisa que não dá pra fazer em um ano, que versam, por exemplo, sobre a situação precária dos indígenas que têm terras invadidas.
Mas sabemos que a qualquer hora vão assinar a licença, porque a Dilma vai mandar, porque o governo tem compromisso com as empresas, que pagaram todas as conhecidas propinas de campanha. O consórcio construtor, de quem ninguém fala e tem o nome muito acobertado, é conformado também por órgãos do governo, como a Eletrobrás, e financiado pelo BNDES, ou seja, pelo nosso dinheiro. E as empresas privadas que fazem parte são todas denunciadas pela Operação Lava Jato e já tiveram diretores presos.
Assim, dá pra ver bem que projeto é esse, o que tem por trás, por todos os lados, em relação a Belo Monte. Nossa vida mudou pra muito pior, é uma desilusão muito grande. Mesmo assim seguimos lutando, porque o modelo implantado por governo e empresas pra Amazônia é uma desgraça. E se a população do Sul e Sudeste não abrir os olhos e se voltar ao que acontece aqui na Amazônia vamos todos pagar um preço muito alto e ser responsabilizados pelas futuras gerações, como destruidores irresponsáveis.
Vamos escrever um livro pra gravar na memória das futuras gerações quem destruiu o Xingu e a Amazônia, com nome e endereço de cada um.
(Nota da Redação: em 25 de novembro, após a realização desta entrevista, o Ibama assinou a Licença de Operação, que permite ao consórcio começar a encher de água o reservatório da usina).
Correio da Cidadania: Já que você menciona os habitantes do Sul e Sudeste, o que pensa da argumentação de que a energia a ser gerada pela usina é indispensável para o abastecimento energético do país?
Antônia Melo: Temos orientação de especialistas da área energética e da universidade, e eles dizem ser um horror, uma grande mentira. O Brasil não precisa de Belo Monte. Quem se debruça sobre o projeto já vê o que governo diz às empresas: é uma das maiores usinas do mundo, que vai gerar 11.000 megawatts (MW) de energia. Mas isso é o lobby. Ao mesmo tempo, diz que vai gerar 4.000 MW de energia firme. Pra um empreendimento que custa mais de 30 bilhões de reais de dinheiro público, entre Tesouro e BNDES, gerar só isso de energia firme é inviável.
No entanto, é um projeto pessoal do Lula, que sempre disse que ninguém nunca teve coragem de levar a ideia adiante, enfrentar os índios e oposições, e a usina seria feita de qualquer jeito. É o que está acontecendo. O Brasil não precisa de Belo Monte, tem energia de sobra. Especialistas dizem que 15% da energia gerada é desperdiçada na distribuição, cujas estruturas são obsoletas e arcaicas.
Além de tudo, para nós do estado do Pará, e Altamira especificamente, estamos pagando a energia mais cara do país, e de péssima qualidade. Portanto, a energia não vai servir a nós. Essa usina só nos destrói e arranca nosso couro. Deixamos de comer pra pagar energia. É um projeto à base de propina e garantia de vitórias eleitorais desses governos, de PT, PMDB, PSDB, o diabo que seja. Pra isso que servem.
Entregam nossa vida, nossos recursos naturais, acabam com tudo pra ganharem dinheiro dessas empresas em suas campanhas, ainda por cima por meio de BNDES e do Tesouro, e se manterem no poder. Não é nada pro povo. E a população tem de saber, especialmente do Sul e Sudeste, que já estamos no século 21, no qual o grande assunto é o meio ambiente. Temos a Conferência de Paris, todos pensam e clamam pela melhoria das condições ambientais, e vemos os governos fazendo todas as tramoias apenas pra se manterem no poder.
Sem falar de outras fontes de energia, como a solar. Na região Norte, é uma coisa tremenda o sol, a situação climática está muito ruim, o calor está imenso. São os resultados de Belo Monte aparecendo. Já tivemos muitas queimadas de árvores e ilhas do Xingu, e o governo, questionado pela BBC, vem afirmar que Belo Monte tem suas falhas, mas não vai abrir mão das hidrelétricas na Amazônia.
Assim, se os povos de tais regiões não pararem de consumir, consumir e consumir, como uma doença, sem se dar conta de que por trás disso tem muito suor, sangue e morte, nosso futuro fica mais obscuro, tanto do Brasil quanto de toda a humanidade.
Correio da Cidadania: Você fundou o PT em Altamira. Como enxerga o partido hoje em dia, em especial diante da atual crise que praticamente deixa o governo Dilma de mãos atadas? Que balanço você faz dos 13 anos de governos petistas e do processo político conhecido pelo nome de lulismo?
Antônia Melo: De fato, participei da fundação do PT em Altamira, fui filiada, candidata pelo partido três vezes, sem dinheiro nenhum, apenas pra ajudá-lo a crescer. Por assim dizer, me lasquei, com todo esse sofrimento, acreditando ser uma saída para a melhoria ao país, com mais respeito pelas pessoas. Conseguimos construir o partido, eleger vários deputados, realmente houve um grande crescimento. Pra depois chegarem no poder e praticarem toda essa covardia. E agora convivemos com as denúncias da Operação Lava Jato… Quer dizer, entraram no poder pra fazer igual ou pior que todos. O que dizer?
Foi uma grande traição, não suporto mais, não acredito mais no partido de maneira nenhuma. Sou veementemente contra o PT, exatamente porque fui enganada, traída e não tolero mais. Por isso me desfiliei e critico bastante mesmo tudo que vejo de errado. Belo Monte é um total desrespeito conosco, fomos tratados como meros objetos descartáveis.
O PT teve tudo pra fazer a diferença, mas não fez. Foi tudo ao contrário. E agora temos um país em crise, com uma situação de dívidas e tudo mais. Taparam o sol com a peneira pra aproveitar o poder, pegar dinheiro que não era deles… Não tem perdão, não tem perdão.
Gabriel Brito e Paulo Silva Junior são jornalistas
O Brasil apresentou a meta de diminuir as emissões de gases de efeito estufa em 37% até 2025 e em 43% até 2030, tendo 2005 como ano-base. Para o secretário-executivo do Observatório do Clima, Carlos Rittl, no entanto, o país tem capacidade para fazer muito mais e o governo brasileiro terá oportunidade de melhorar sua contribuição contra o aquecimento global na 21ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP21), que começou hoje (30) e segue até o dia 11 de dezembro, em Paris.
A contribuição brasileira levada à COP, chamada Contribuição Nacionalmente Determinada Pretendida (INDC, na sigla em inglês), contém ainda ações como o fim do desmatamento ilegal na Amazônia, a restauração e reflorestamento de 12 milhões de hectares, a recuperação de 15 milhões de hectares de pastagens degradadas e o alcance de 45% na participação de energias renováveis na composição da matriz energética.
As contribuições apresentadas pelo Brasil e pelos países da convenção das Nações Unidas para a COP21 tem o objetivo de limitar o aumento da temperatura média da Terra a 2 graus Celsius (ºC) até 2100, em relação aos níveis pré-Revolução Industrial. Ultrapassar esse limite provocaria mudanças climáticas severas.
Segundo Rittl, é possível limitar as emissões brasileiras em 1 bilhão de toneladas de gases de efeito estufa até 2030, com ganhos econômicos. “O Brasil apresentou um meta de redução de emissões com uma direção interessante, uma natureza interessante, porque trata-se de uma meta que inclui redução absoluta de redução de gases de efeito estufa, mas o nível de redução de emissão insuficiente”, disse, contando que hoje o país emite em torno de 1,5 bilhão de toneladas de gases.
Em entrevista à Agência Brasil, ele diz que, com a atual meta brasileira “estamos em uma trajetória de aumento superior a 2ºC”. “Então, temos certeza que o governo brasileiro tem uma margem de manobra interessante para aumentar seu nível de ambição”, disse.
O Observatório é uma rede brasileira de articulação sobre mudanças climáticas globais e conta com 38 instituições, entre membros e observadores.
Agência Brasil: Qual sua avaliação sobre as contribuições dos principais atores na negociação climática?
Carlos Rittl: A análise da própria Nações Unidas indica que, mesmo com esses esforços, com essa mobilização, com esse engajamento dos países, nós ainda estaríamos, em 2030, em uma trajetória de aumento de emissões globais, em uma taxa menor do que ocorre hoje, mas em ascensão, o que é muito preocupante. Outro relatório produzido pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente mostra que ainda existe uma grande lacuna entre aquilo que os países estão se comprometendo a fazer e aquela que seria uma trajetória de segurança climática, aquela que nos daria maiores chances de limitar o aquecimento global no limite de 2ºC. Outras análises mostram que, entre os grandes emissores, que inclui Estados Unidos, União Europeia, China, Índia, Brasil, África do Sul, México, Japão, Rússia, Canadá, nenhum deles está fazendo o suficiente, todos estão fazendo menos que o proporcional à sua responsabilidade e sua capacidade de redução de emissões. Então é necessário fazer muito mais e isso inclui o Brasil.
Agência Brasil: Durante a COP21 poderemos alcançar um consenso mais positivo?
Carlos Rittl: A COP é uma oportunidade para que os países apresentem um maior nível de ambição, isso pode acontecer. Acreditamos que todos colocaram na mesa seus níveis de ambição inicial e estão preparados para assumir compromissos maiores, em Paris e no pós-Paris. Com uma meta indicativa conseguimos, sistematicamente, fazer a análise do impacto agregado das reduções de emissões de todos os países para identificar qual a lacuna dessas metas, em relação ao que a ciência recomenda. Então, a negociação de Paris não é só importante para o nível de ambição que sai de lá, mas para elevar esse nível ao longo do tempo.
Agência Brasil: O que pode melhorar na meta brasileira?
Carlos Rittl: Temos capacidade de fazer muito mais. A própria lista de ações que estão informadas na proposta de compromissos do Brasil demonstra isso. Estamos discutindo a eliminação do desmatamento ilegal só na Amazônia e só em 2030. Mas sabemos que, desde 2008 temos um Plano Nacional de Mudanças Climáticas que estabelece a meta de chegarmos em 2015 com um desmatamento líquido zero em todas regiões do país. Então não é possível que em 2030 estejamos almejando algo inferior ao que estabelecemos como compromisso sete anos atrás.
Sobre o aumento da participação de fontes renováveis de energia, podemos ter um impulso muito maior com energia solar, eólica e biomassa. Depois do anúncio de compromissos do país para a COP, foi colocado em consulta pública um plano para expansão da geração de energia no Brasil que inclui o aumento dos investimento em combustíveis fósseis. Setenta e um por cento dos investimentos projetados para os próximos dez anos vão para petróleo, gás natural e carvão mineral. Isso está em descompasso como essa urgência de reduzir emissões. O Brasil é um país muito vulnerável. Neste ano, mais de 25% dos municípios brasileiros decretaram situação de emergência ou calamidade pública em função de desastres naturais ligados ao clima extremo e sabemos que isso está se agravando, então deve ser do nosso interesse não só reduzir as emissões para diminuir a nossa vulnerabilidade, mas para aproveitar o potencial que nós temos.
Agência Brasil: Sobre o financiamento, qual seria o modelo ideal para o Fundo Verde do Clima?
Carlos Rittl: Financiamento é de fato um tema-chave para o sucesso da negociação. Os países desenvolvidos assumiram, em 2009, o compromisso de chegar até 2020 com US$ 100 bilhões em recursos para apoiar ações de redução de emissões e de adaptação de mudanças climáticas em países em desenvolvimento, especialmente países mais pobres. Foi estabelecido o Fundo Verde do Clima, mas é um grande fundo ainda sem muitos recursos. Ele precisa ser alimentado com o aumento do compromisso de apoio por parte de países desenvolvidos, através da criação de mecanismos inovadores. Por exemplo, está na mesa de negociação uma proposta de taxação de emissões de transporte aéreo e marítimo internacional. As emissões de um avião que sai do Brasil para Paris não são atribuídas a nenhum desses países. As emissões do transporte de carga, de exportação de soja ou carne do Brasil para China, também não são atribuídas nem ao Brasil nem à China. A taxação das emissões desse transporte, por um lado, ajudaria a regular as emissões e promover a eficiência desses sistemas de transporte e, por outro lado, ajudaria a arrecadar fundos que poderiam alimentar o fundo e aumentar o aporte internacional de recursos.
Agência Brasil: Qual deverá ser a contribuição internacional do Brasil?
Carlos Rittl: O Brasil tem um papel muito importante na cooperação sul-sul, já que o Brasil é uma grande economia em desenvolvimento e tem um arcabouço de políticas de ações e um arcabouço institucional que é mais forte do que muitos países, por exemplo, o continente africano. Nós podemos intensificar nossa cooperação sul-sul compartilhando o conhecimento que nós temos, seja em monitoramento de floresta, seja em uma produção mais limpa. Ao longo do tempo, vencendo os desafios de crescimento e desenvolvimento do país, podemos considerar aportar recursos ao longo das próximas décadas para manter o Fundo Verde do Clima e manter o apoio a esses países menos desenvolvidos, que são aqueles que não têm nenhuma responsabilidade sobre o problema e que pagam um preço muito alto porque não conseguem lidar com os eventos extremos que já os assolam, como secas e tempestades e o risco de elevação do nível do mar.
Agência Brasil: O que representa essa elevação de 2ºC?
Carlos Rittl: Dois graus é o limite considerado seguro, que ainda permite gerenciar os impactos sem consequências muito graves. Dados da Universidade Federal de Santa Catarina, do período de 1991 a 2012, mostram que 127 milhões de brasileiros estiveram em regiões que foram atingidas por eventos climáticos extremos ou situação de emergência ou calamidade pública, nesse período de 22 anos. De 2001 a 2012, a intensidade média de eventos foi 40% superior do que da primeira metade do período. Ou seja, já estamos sujeitos ao aumento da frequência de desastres e risco maiores.
Com 2ºC, teríamos consequências severas não só para a biodiversidade mas para a população que depende de um ambiente natural bem conservado para sua subsistência, seja pela questão da água, seja pela questão dos alimentos obtidos da natureza.
Com 2ºC, se vivemos hoje uma situação de estresse e de crise hídrica no Brasil, no Sudeste e no Nordeste, a tendência é que as consequências sejam piores. Estamos falando de risco crescente para vida, para qualidade de vida, para a economia e para o ambiente como um todo. Temos que cobrar de todos que estão em Paris que façam aquilo que é necessário e eles sabem o que é preciso fazer.
Conferência com 195 países em Paris tenta chegar a novo acordo climático
O mundo já sente os efeitos das mudanças climáticas que podem piorar ao longo deste século se não forem tomadas medidas para combatê-las. Secas severas e prolongadas em alguns locais e chuvas torrenciais que causam alagamentos e resultam em perdas humanas e econômicas podem ser cada vez mais intensas.
Na tentativa de reverter esse quadro, 195 países e a União Europeia, membros da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC na sigla em inglês), estão comprometidos a fechar um novo acordo global climático na 21ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima (COP21), entre 30 de novembro e 11 de dezembro, em Paris, para reduzir a emissão de gases de efeito estufa, que causam o aquecimento global.
O principal objetivo é conter o aumento da temperatura média da Terra em 2 graus Celsius (ºC) até 2100, em relação aos níveis pré-Revolução Industrial. A meta de 2 ºC, acordada na COP de Copenhague, em 2009, é considerada razoável para evitar catástrofes climáticas.
Para o secretário executivo do Observatório do Clima, Carlos Rittl, se o aumento da temperatura não ficar no limite de 2ºC, as consequências serão muito severas. “Com menos de 1ºC de aquecimento já temos, toda semana, uma má notícia em algum lugar do mundo, inclusive no Brasil, de acidentes ligados a climas mais extremos, chuvas fortes, secas que se intensificam, tornados, deslizamentos de terra. Isso vem acontecendo com frequência e intensidade maior nos últimos anos e tende a se agravar, mesmo dentro do limite dos 2ºC”, disse.
Estudo do Instituto Meteorológico britânico (Met Office) apontou que as temperaturas médias globais na superfície terrestre em 2015 vão superar, pela primeira vez, em 1°C os níveis verificados na era pré-industrial.
O Acordo de Paris deve entrar em vigor em 2020 em substituição ao Protocolo de Quioto. Válido desde 2005, Quioto prevê metas de redução de gases que provocam o aquecimento global para 37 países desenvolvidos.
Países desenvolvidos e em desenvolvimento apresentaram este ano as Contribuições Nacionalmente Determinadas Pretendidas (INDCs na sigla em inglês), um conjunto de metas de redução de gases de efeito estufa.
A Organização das Nações Unidas, entretanto, considerou os compromissos voluntários apresentados pelos países insuficientes para evitar a alta da temperatura.
A organização analisou 146 INDCs e concluiu que, mesmo que os países implementem totalmente as medidas que aprovaram, a elevação das temperaturas atingirá 2,7 ºC.
“Todo mundo sabe de antemão que vai ter um gap [brecha]. Politicamente você entra na questão de como é que vai preencher esse espaço, esse vácuo entre o que vai ser feito e o que é necessário que seja feito, quando você compara com os cenários propostos pelo IPCC [Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas]”.
Para o Observatório do Clima, é importante que a COP de Paris abra um processo de revisão, já que as metas apresentadas serão cobradas a partir de 1º de janeiro de 2021. “Que ela prepare um processo para que essa ambição que falta hoje seja adicionada ao longo do tempo, já que existe a proposta de revisão de metas até 2020, daquilo que se tornar compromisso de fato, e de revisões sistemáticas ao longo do tempo”, disse Carlos Rittl.
Veja as metas de redução de gases de efeito estufa estabelecidas por Brasil, pelos Estados Unidos, pela China, União Europeia e Índia:
O Brasil ainda passará muito tempo fazendo o inventário da tragédia do rompimento da barragem de resíduos de minério de ferro, da Samarco, empresa da Vale e BHP Billiton, no distrito de Bento Rodrigues, localizado na cidade Mariana (MG). E para tentar dimensionar os prejuízos, falamos com Makely Ka, ex-funcionário da Vale do Rio Doce, ou seja, testemunha do projeto de privatização da empresa, até hoje muito controvertido.
“Além de conivente, o governo é irresponsável. É uma tragédia ambiental sem precedente no país. E parece que o governo quer amenizar. A própria ministra do Meio Ambiente participou de um encontro em Mariana, e quando um padre lhe fez um questionamento disse que ‘tinha um compromisso’”, falou.
Na conversa, Makely lembrou de outros acidentes nos últimos anos, ignorados pelo noticiário midiático, a seu ver outro ente irresponsável diante da situação. Além disso, critica fortemente a relação entre governos e empresa, que chega ao cúmulo de a última cuidar por si mesma da “cena do crime”, e afirma algo que deveria soar óbvio a respeito do amparo às vítimas.
“Pela legislação brasileira, aquilo foi crime ambiental, os responsáveis deveriam estar presos e os documentos e computadores da empresa apreendidos para laudo e perícia. A multa deveria ser aplicada e a Samarco, mineradora das mais lucrativas, deveria estar pagando todos os custos dos prejuízos que gera desde o acidente”, resumiu.
Agora, fica o enorme passivo ambiental no trecho percorrido pela lama tóxica, que já se estende pelo litoral brasileiro. Sem esquecer de projetos como a flexibilização do Código de Mineração nas gavetas parlamentares. A entrevista completa, gravada em parceria com a webrádio Central3, pode ser lida a seguir.
Correio da Cidadania: O que pode contar da sua experiência como funcionário da mineradora que pertence às gigantes transnacionais Vale e BHP Billiton, em sua transição para a privatização? Já havia desconfianças quanto às questões de segurança nos empreendimentos da empresa?
Makely Ka: Entrei na Vale como estagiário, na área de automação, pois fiz curso de eletrônica. Trabalhava na manutenção dos tanques de flotação, para onde se envia o minério depois que vem do britador – o minério passa por três britadores antes de entrar no tanque de flotação que separa os rejeitos, que por sua vez vão para a barragem dos metais descartados. Depois, fui funcionário de uma empreiteira que prestava serviço para a Vale, pois ela não contratava mais, já que estava no processo de privatização.
Naquele momento, não tinha rede social, não tinha esse movimento todo nas comunicações, de modo que tudo corria pela imprensa tradicional ou pelo sindicato, que divulgava algumas coisas. Mas presenciei três acidentes, que não foram divulgados. Foram abafados.
Um deles foi um choque entre duas locomotivas em cima do pontilhão. Elas caíram e os dois maquinistas morreram. Nesse caso saiu matéria no jornal do sindicato porque alguém conseguiu fotografar. Outro caso foi de um trabalhador que caiu dentro do britador e virou minério. Nunca se achou nenhum vestígio dele. E outro caso foi de um caminhão haulpak, daqueles que carregam até 50 toneladas: passou em cima de um carro dentro da mina, que virou papel, claro, já que os pneus são da altura de uma casa de dois andares. Enfim, os acidentes aconteciam e viravam estatística dentro da empresa, não saíam na mídia.
Existia uma pressão muito grande. No meu departamento, por exemplo, de automação industrial, quando estragava alguma coisa que fazia a mina parar, ocorria uma pressão gigante sobre os funcionários, tanto que os mais velhos, que tinham mais tempo de empresa, tomavam algum tipo de remédio tarja preta. Era f…
Correio da Cidadania: O que pensa das reações do governo mineiro e também da empresa e suas respectivas respostas oferecidas até aqui, tanto para a sociedade como para os afetados diretamente pela tragédia?
Makely Ka: Vejo que praticamente todos, desde prefeito e governador até ministros de Meio Ambiente e Desenvolvimento e presidência da República (que demorou, mas anunciou uma multa), estão numa relação de conivência, rabo preso. O governador deu entrevista dentro da sede da Samarco. O que simboliza dar uma entrevista nesse contexto e afirmar que a empresa fez tudo que podia fazer?
O governo tem soltado comunicados com as alegações da Samarco, como se sua alegação pudesse ser considerada um fato apurado e a lama comprovadamente não fosse tóxica. Além de conivente, o governo é irresponsável, pois vários especialistas já testaram a lama e se pronunciaram no sentido de dizer que é extremamente tóxica, tem metais pesados e vários indícios de ser prejudicial à saúde.
Ainda que não fosse prejudicial à saúde, uma inundação de 62 bilhões de litros de lama, mesmo que fosse medicinal, causou mortes, inviabilizou um município inteiro e a captação de água em várias cidades no trajeto do rio Doce, que virou um mar de lama e está sendo cimentado, acabando com os peixes.
É uma tragédia ambiental sem precedente no país. E parece que o governo quer amenizar. A própria ministra do Meio Ambiente participou de um encontro em Mariana, e quando um padre lhe fez um questionamento disse que “tinha um compromisso”. Que compromisso pode ser maior para um ministro do Meio Ambiente do que o maior crime ambiental de que se tem notícia nos últimos tempos?
Correio da Cidadania: Falando em responsabilidade com as informações, o que pensa da abordagem midiática, que não poucas vezes bate na tecla do acidente, como se a maior causa da tragédia fosse alguma espécie de azar do destino?
Makely Ka: Acho vergonhosa a cobertura midiática. Vai virar tese acadêmica, exemplo de como foi conivente. Sabemos que o posicionamento dos governos está evidentemente ligado às doações de campanha, que por sua vez são investimentos. As empresas querem receber o dela depois. E a mídia que se coloca como isenta e independente faz esse jogo. A cobertura tem sido vergonhosa nos principais canais de TV e jornais.
Até se tentou passar a ideia de que o abalo, de acordo com alguns observatórios, de 2,5 pontos na escala Richter pode ter sido causador do desastre. Um abalo de 2,5 na escala Richter não derruba nem um castelo de cartas! Falar nisso é uma piada mórbida, chega a ser brincadeira com quem perdeu familiares e com seus sentimentos. Absurdo.
Pra se ter ideia, todo dia tem explosão de dinamite em mina de lavra aberta. É necessário deslocar rochas e abrir crateras, pois a mineração de lavra aberta broca o chão e, para isso, se usa dinamite. Todo dia temos impactos de pelo menos 3 pontos na escala Richter, por conta do próprio procedimento de escavação.
Portanto, se a barragem não suporta um abalo de 2,5 pontos, que nem é sentido pelos humanos e só os sensores detectam, é porque houve negligência. É importante ainda entender que a escala Richter não é linear. Quatro pontos não são o dobro de dois. A progressão é aritmética. Um abalo de 2 graus não derruba nem casa de pau a pique, tanto que não existe rachadura nas casas de Ouro Preto, devido aos abalos sísmicos de Mariana.
Se um tremor de terra pode derrubar uma barragem, era pra estar tudo em Estado de Emergência. É uma completa canalhice a imprensa divulgar notícias como essas. E acho que ela se compromete e desmascara cada vez mais, porque as notícias circulam nas redes, as pessoas divulgam outras informações e a verdade, mesmo aos poucos, surge.
Correio da Cidadania: que pensa da política de mineração brasileira de modo geral, tendo a própria Vale como grande símbolo de prosperidade e geração de divisas para o país?
Makely Ka: Acho que o valor pelo qual venderam a Cia Vale do Rio Doce foi um crime. Equivaleu ao lucro de apenas um ano. Caberia inclusive um questionamento judicial sobre a forma como foi feita a privatização da empresa e o que acarretou para o país. Não acho que teria sido diferente se tivesse continuado como empresa estatal de capital nacional, mas o procedimento foi errado. Não quero isentar nenhum governo. O atual, que não propôs mudanças mesmo em 12 anos, foi tão conivente quanto o anterior, que a vendeu a preço de banana. Ambos são responsáveis pela tragédia. Pela venda, pela conivência com as licenças ambientais etc.
Pra se ter ideia, há algumas semanas o governador petista Fernando Pimentel apresentou projeto de lei na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALEMG) no sentido de agilizar e facilitar licenças ambientais, uma demanda das mineradoras, que sempre questionaram e acusaram de burocrático e moroso o processo.
Se eles são patrocinados em suas campanhas pelas mineradoras, vão fazer o quê? A campanha do Pimentel foi uma das mais caras do país em 2014 e muito do dinheiro que teve veio das mineradoras. Claro que elas vão cobrar seu investimento. E, por ironia do destino, na semana anterior à tragédia ele entrou com tal projeto, em caráter de “urgência”.
Além disso, existe no Congresso Nacional a proposta de rever o Código de Mineração do país. Outro acinte, outro capitulo vergonhoso. Tanto na ALEMG quanto no Congresso, grande parte dos deputados envolvidos nas comissões que discutem a reforma das legislações mineradoras é patrocinada pelas mineradoras. Vão defender o interesse de quem?
Correio da Cidadania: Qual a dimensão que você atribui a este episódio na história das tragédias ambientais? Equipare-se a outras de repercussão mundial na humanidade?
Makely Ka: Vi algumas comparações, como o crime ambiental da Exxon no Golfo do México, entre outras. São realidades diferentes. Ainda não temos nem dimensão do que aconteceu a respeito da lama da Samarco. Há poucos dias, surgiu a gravíssima informação de que a Samarco estaria removendo corpos, retirando-os do local com ambulâncias do IML e helicópteros, de modo a minimizar o impacto, já que poderia ser diminuída a contabilidade dos mortos. Algo mórbido, pra não dizer outra coisa.
O impacto não é só em Bento Rodrigues, completamente destruída, Mariana e municípios vizinhos, mas se estende por mais de 500 km. O rio Doce está morto, vai levar no mínimo 10 anos pra se recuperar. A lama já chegou no mar. As cidades que captam água do Rio Doce vivem situação desesperadora.
Governador Valadares vive quase uma guerra civil. Tem saques aos caminhões pipa, aos supermercados que têm água… Os moradores chegaram a fechar os trilhos da estrada de ferro para impedir a passagem dos trens da Vale, que vão para o porto de Tubarão (SC) embarcar o minério para a China.
Não temos sequer dimensão do impacto, nem sabemos exatamente quantas pessoas morreram. Quem cuida da cena do crime é a própria Samarco, coisa absurda. É kafkiano: “eu cometo crime, mas pode deixar que eu cuido da cena, vejo qual foi minha motivação…” E o governo é conivente.
Pela legislação brasileira, aquilo foi crime ambiental, os responsáveis deveriam estar presos e os documentos e computadores da empresa apreendidos para laudo e perícia. A multa deveria ser aplicada e a Samarco, mineradora das mais lucrativas, deveria estar pagando todos os custos dos prejuízos que gera desde o acidente.
Sabemos que a mineração do país é atividade predatória. Exploramos matéria-prima, bruta, vendendo-a a preço de banana, para depois comprar computadores, celulares e eletrodomésticos a preço de ouro. Se ao menos houvesse uma fábrica de transformação do lado da mina, podíamos pensar em benefícios, porque o minério sairia dali, já entraria na fábrica e teríamos computadores a preço de custo, permitindo, por exemplo, que todos os alunos de escola tivessem um. Mas não. Vendemos matéria-prima que se esgotará. Não existem reservas infinitas de minério. Vai acabar. E o preço inclusive caiu no mercado mundial. Mas continuamos cavando buraco, destruindo regiões…
No ano passado, foi criado o Parque Nacional da Serra do Gandarela, que fica numa região considerada a caixa d’água da região metropolitana e atende 5 milhões de pessoas. Foi criado já com lobby da Vale, no sentido de picotar sua área. Assim, todas as áreas de interesse da Vale, que incluem nascentes e outras que não podem ser mineradas, ficaram fora do parque. Quando a Dilma divulgou o decreto de criação do Parque Nacional, fomos surpreendidos com o “desaparecimento” de 10 mil hectares.
Quer dizer, só o lucro interessa, não a vida das pessoas. São atividades predatórias e criminosas. Outros crimes, desastres e tragédias como essa virão. Eles não vão parar se não nos posicionarmos. Há alguns dias, teve um protesto em Iracema, cidade pequena próxima de BH, porque tem um projeto de construção de uma barragem três vezes maior que a de Bento Rodrigues. Compromete inclusive o rio das Velhas, um dos principais afluentes do São Francisco.
Vemos pessoas comuns e famílias saqueando água em Valadares, já que o Rio Doce era a única fonte de captação de água e não sabemos por quanto tempo continuará inviável. Enfim, está muito complicado, as pessoas têm de se dar conta.
Acabamos de testemunhar aquele que talvez seja o maior desastre ambiental da história do Brasil. A população de Bento Rodrigues e Mariana (centro do estado das sugestivas Minas Gerais) está sem água e boa parte desabrigada. Isso sem contar os danos ambientais, calculados em mais um século em termos de recuperação do ecossistema do Rio Doce. Para oferecer uma visão técnica e amplificada da desgraça, entrevistamos a coordenadora do Laboratório de Química Analítica e Ambiental da Universidade Federal do Pará, Simone Pereira.
“Tenho quase que plena certeza que esse evento não foi natural. O próprio Ministério Público de Minas Gerais está dizendo que não foi um acidente, mas negligência. Havia, sim, indícios de que esse desastre poderia acontecer. E a empresa não tomou as providências”, afirmou.
Para ela, dois fatos foram cruciais no desenrolar da tragédia: a falta de monitoramento das bacias de rejeitos, o que inclui a falta de tratamento adequado aos rejeitos não inertes e tóxicos, e a não existência de mecanismos de monitoramento autônomos em relação à empresa, fruto da histórica relação de promiscuidade entre poder público e poder econômico no Brasil.
“Será que abrir para o mercado privado a exploração minerária influi no aumento da produção e diminuição do cuidado ambiental? Devido à questão do lucro isso pode acontecer. A empresa não quer gastar muito dinheiro com questões ambientais. Para o capital, a questão ambiental é secundária. o problema vem, basicamente, de dois fatores: falta de monitoramento e falta de fiscalização. Se houvesse abertura para o monitoramento dos rejeitos tóxicos, além do que a própria empresa faz, e se as SEMAs por todo o Brasil fizessem de fato a fiscalização que deveriam, nada disso teria acontecido”, criticou.
Para a especialista, é importante que empreendimentos do porte da Vale, da Samarco e também da Belo Sun (ao lado da hidrelétrica de Belo Monte) precisam ser discutidos com a sociedade antes de postos em prática. Ela defende que a comunidade afetada deve decidir a presença, ou não, de empreendimentos como este. Aliás, sua descrição do que acontece na mineração de ouro em Belo Monte já nos obriga a atentar para futuros e similares desastres.
“Aqui, é o paraíso para quem não quer cumprir a lei. Temos muitas leis e elas são muito avançadas. O problema é como elas são aplicadas e muitas vezes ignoradas, por conta dessa influência do poder econômico no poder público”.
A entrevista completa com Simone Pereira pode ser lida na íntegra a seguir.
Correio da Cidadania: Como você mesma defende, existe uma relação entre a mineração e as bacias onde depositam seus rejeitos com os desastres da barragem de Mariana (MG) que inundou com lama tóxica uma série de cidades próximas do curso do Rio Doce. Pode nos explicar, em linhas gerais, como se dá esse processo, do que é formada essa lama tóxica e se há alguma relação também com a mineração no Rio Xingu, tema abordado por você?
Simone Pereira: Eu me referi à implantação dessas bacias na Volta Grande do rio Xingu, que é o empreendimento chamado Belo Sun, no qual uma mineradora canadense vai usar cianeto na exploração do ouro na região. Há a possibilidade de um desastre similar acontecer lá também. No estado do Pará, em todo o seu território, há uma intensa atividade de mineração. É o segundo em exploração mineral do país, atrás apenas de Minas Gerais. Temos aqui a maior mina de ferro do mundo, a de Carajás, onde existem várias barragens como esta que rompeu em Mariana. É uma preocupação constante.
A política de depositar os resíduos em bacias já está estabelecida no mundo inteiro e não é um privilégio do Brasil. A prática está difundida no mundo todo por ser a forma mais simples e barata de as empresas disporem dos rejeitos que produzem na atividade minerária. Qual é o problema? O problema é que, quando se processa o minério com explosões, trituração, aplicação de processos físicos e químicos, acabam liberadas no ambiente as substâncias ligadas à rocha, como por exemplo os metais tóxicos e outros elementos que acabam por ser perigosos para os seres vivos e meio ambiente. Não vemos as Secretarias Estaduais de Meio Ambiente (SEMAs) fazerem um monitoramento adequado da parte estrutural das bacias e muito menos um efetivo controle do que se produz em termos de rejeitos tóxicos. Se exige, quando muito, é automonitoramento das empresas.
Hoje, o que as pessoas mais perguntam é: qual a composição da lama que desceu como um tsunami pelo vale e acabou chegando ao Rio Doce, invadiu cidades e destruiu tudo? A resposta é: não sabemos. As mineradoras não permitem que os institutos, as universidades ou qualquer outro tipo de entidade façam um monitoramento à parte ao que ela própria é obrigada a apresentar para as SEMAs. Sabemos, por notícias vinculadas, que a análise do rio está apresentando resultados elevados para elementos tóxicos, como cádmio, chumbo, mercúrio etc.
Geralmente, as SEMAs não cobram o efetivo cumprimento da lei, que garante que as substâncias tóxicas não cheguem aos rios em valores acima do permitido pela legislação e fiquem retidas nas bacias. Nenhuma bacia comporta o volume de chuvas, principalmente na época do inverno, e tais produtos acabam descartados no rio mais próximo. Somado a isso, as empresas não dão informações sobre o tratamento que o material recebe.
Aqui e ali vejo tratamentos para controlar níveis de pH ou para diminuir a turbidez, mas desconheço no Brasil qualquer mineradora que faça tratamento nos afluentes para a retirada dos produtos tóxicos. Já visitei algumas empresas que lidam com tal tipo de atividade e não encontrei em nenhuma delas laboratórios químico-ambientais para fazer tais análises. Geralmente, contratam algum laboratório de fora para fazer o automonitoramento, que é uma prerrogativa da lei. A própria empresa pode contratar outra empresa para fazer o controle. Na minha opinião é um erro, mas é a lei e eles podem fazer assim.
Portanto, o problema vem, basicamente, de dois fatores: falta de monitoramento e falta de fiscalização. Se houvesse abertura para o monitoramento dos rejeitos tóxicos, além do que a própria empresa faz, e se as SEMAs por todo o Brasil fizessem de fato a fiscalização que deveriam, nada disso teria acontecido.
Correio da Cidadania: Como enxergou, estruturalmente, a tragédia do rompimento da barragem que armazenava rejeitos oriundos da exploração de minério de ferro pela empresa Samarco, na cidade de Mariana (MG)?
Simone Pereira: As barragens nada mais são do que uma grande vala cavada no solo, não muito fundo por conta do lençol freático, e que aos poucos se acrescentam nas laterais até atingirem um máximo de altura de talude. As barragens têm, aqui no estado do Pará, em torno de 2 e 3 metros de profundidade. Algumas empresas, que produzem rejeitos tóxicos, fazem o revestimento destas bacias porque se não os efluente com produtos perigosos podem infiltrar no solo e chegar ao lençol freático. Pelo que vi em Bento Rodrigues, não houve qualquer tipo de impermeabilização de bacia e o rejeito foi depositado diretamente no solo.
O que temos em Mariana e em outros locais é uma barragem feita com o próprio material geológico, como rochas e britas. Não é uma construção de alvenaria. É uma barragem para cima. O talude é a altura da barragem. Assim, quando a barragem começa a saturar, eles aumentam o talude, e são feitas emendas à barragem original. O problema é que a cada tonelada de minério processado, são produzidas outras toneladas de rejeitos. Esse material não é de interesse para a empresa e fica depositado na bacia. Podemos imaginar que são necessárias bacias e mais bacias para que seja possível continuar o processamento do minério.
Quando uma bacia se esgota e não pode mais receber rejeitos, eles simplesmente cessam a operação naquela bacia, colocam solo por cima, revegetam e partem para outra bacia. Mas os produtos tóxicos ficam ali para sempre. É preciso entender que o minério quando está no solo, na crosta terrestre, está imóvel. Costumamos dizer que está imobilizado e não representa risco, porque está geralmente protegido pelos óxidos e hidróxidos, que são ligações fortes que não deixam esse metal sair das proteções e se tornar disponível para o ambiente.
Quando se começa a trabalhar o minério, a primeira coisa que acontece são explosões. Em outras palavras, para retirar o minério da crosta colocam-se dinamites e explodem. Esse material particulado gerado pelas explosões – pode ser inalado por uma pessoa – contém elementos tóxicos. E muitas vezes acontecem processos de intoxicação por inalação nas comunidades próximas à mina.
À medida que você explode a rocha e começa a abrir a mina, que geralmente tem quilômetros de profundidade, e vai sendo aberta em níveis diferentes até o fundo, de onde é extraído o minério, a rocha é exposta às intempéries, como a chuva que produz a descarga ácida de minas (DAM), que contém ácidos fortes e solubiliza os elementos antes imóveis na rocha. Este minério, quando transportado do fundo da mina para o processador, onde será britado, lavado, centrifugado, vai sofrer processos de aquecimento, às vezes processos químicos etc. Produz rejeitos sólidos e efluentes ricos em elementos tóxicos que ficarão como uma herança maldita.
O ferro produzido, por exemplo, não sai da mina na forma como é exportado. Uma mina de ferro para ser viável precisa ter um minério com teor acima de 60% de ferro. Mas e os outros 40%? São rejeitos, argila, escória e todo esse material que vemos por aí, além de uma pequena percentagem de elementos tóxicos que em pequenas quantidades podem causar problemas de saúde sérios na população e danos ao meio ambiente. Se uma empresa, ao liberar efluente de bacia de rejeito contendo, por exemplo, chumbo, arsênio, cádmio e mercúrio (esses dois últimos se bioacumulam), no rio e as pessoas consumirem essa água, em 30 anos aquela pequena quantidade de metais acaba bioacumulando-se no corpo e causa problema de intoxicação.
À medida que todo o rejeito não é utilizado pela mineradora, logo é descartado. Há dois tipos de materiais classificado nos rejeitos: um se chama pilha de estéril, composta de material inerte, onde não tem produção de material tóxico na parcela do que é descartado; a outra parcela é a pilha de rejeitos, que, no caso de Bento Rodrigues, foi classificada como classe 2, ou seja, é um material considerado não perigoso, porém não inerte. Isso significa que o material continua reagindo, se combinando, formando novos compostos e podendo ser perigoso para a população e ao meio ambiente, em algum nível, caso venha a ser liberado, como aconteceu.
Eu não conheço e nunca analisei o material de Minas Gerais, são informações da própria mineradora e de artigos que tenho lido depois da tragédia em Mariana, onde dizem que aquele material é classificado como classe 2, de resíduos não inertes. Isso já basta para eu afirmar que podem apresentar riscos.
Se não bastasse, a presença da lama, a própria argila, constituída de materiais comuns como os silicatos, seria suficiente para mudar completamente a qualidade dos ecossistemas locais. Minha pergunta é: a empresa vai remediar todos os ecossistemas atingidos pelo rejeito? É preciso retirar a lama e recuperar o ambiente. Mas será que de fato vai acontecer? No Brasil, não vejo acontecer.
Temos problemas semelhantes aqui no Pará, houve em 2007, no município de Barcarena, o rompimento de uma barragem de rejeitos que deixou o Rio Pará branco, com rejeito ácido de caulim de uma empresa produtora de pigmentos. Até hoje o fundo do rio continua cheio de rejeito. Será mesmo que vão limpar a sujeira de Minas Gerais? Ainda mais agora que a lama está chegando no Espírito Santo? Como é que vão recuperar tudo? E o rio? E as pessoas que estão perdendo seu modo de vida e sua saúde?
Correio da Cidadania: Agora vemos que as consequências adquirem amplitude quase inimaginável, com os rejeitos e a lama tóxica, como dito, chegando ao litoral e podendo se estender por uma vasta parte da costa brasileira. O que dizer diante disso? O acidente da barragem da Samarco se equipara, como alguns já dizem, a acontecimentos como o vazamento de petróleo no golfo do México ou o vazamento dos rejeitos nucleares da usina japonesa de Fukushima, entre outros episódios?
Simone Pereira: Eu não compararia isto a Chernobyl ou Fukushima, por não se tratar de um evento envolvendo produtos radioativos. Nós temos visto a natureza sendo agredida por diversas vezes, como na Hungria, onde houve também um rompimento de uma barragem de lama vermelha – lá, eles estão conseguindo recuperar. A empresa foi autuada para fazer a recuperação e aos poucos vai se fazendo. Acontece que a dimensão de Mariana é algo muito maior do que na Hungria. Mesmo com a lama vermelha da Hungria sendo composta de um material ainda mais perigoso que a de Mariana, as dimensões do desastre foram menores. De toda forma, eu não faria tais analogias, que muita gente vem fazendo. O importante é sabermos que em Mariana houve um grande evento.
No Brasil, é o maior acidente ambiental do qual já tive notícia. Já tivemos acidentes muito graves de derramamento de óleo, a exemplo da Repar no Paraná, quando houve um derramamento de óleo no rio. Foi um grande evento, até atingiu outros estados, e a Petrobrás chegou a ser multada em 200 milhões quando isso aconteceu – foi a maior multa ambiental, até então, da história do Brasil. No entanto, tais eventos ajudaram a trazer novas tecnologias de tratamento de solo e a própria Petrobrás esteve desenvolvendo técnicas para recuperar o meio ambiente.
Eu não sei se em Mariana vamos ter uma ação igual. Já vemos o prefeito dizer que o Ministério Público não pode fechar a mineradora, porque a economia da cidade depende disso, ou seja, dos royalties e do que arrecada em torno da atividade da mineradora. A medida que a mineradora não é acionada ou o acontecimento for passando despercebido da opinião pública, ela continua agindo da mesma forma com a qual agia até então, e é lógico que os problemas poderão ocorrer novamente. E não é só a barragem de Bento Rodrigues que está nessa situação. Temos lido notícias que falam de outras barragens que correm o mesmo risco.
Portanto, acho que agora a produção tem de ser interrompida. Não tem como eles continuarem a colocar material dentro de uma barragem que já corre risco de se romper, seria uma irresponsabilidade. O Ministério Público agiu certo em interromper a produção, mas a gente tem a consciência de que a mineradora não vai acabar, não vai mudar suas práticas e as coisas continuam sempre do jeito que já conhecemos. Essa é a situação de Mariana e todas as cidades onde funcionam mineradoras que operam com barragens na região.
As barragens não são de fato monitoradas como deveriam e, outra coisa, não se ouviu falar em Mariana em plano de contingência. Bento Rodrigues foi massacrada e sequer teve o tempo de correr. As pessoas foram pegas na sua rotina, no seu lazer, e não havia uma sirene sequer para avisar. Nunca se treinou a cidade para um evento como esse. Simplesmente não havia um plano de contingência para que as pessoas pudessem sair rapidamente de suas casas e evitar que as mortes ocorressem.
Correio da Cidadania: As privatizações e aberturas ao mercado, no sentido de se explorar riquezas minerais diversas sem grandes fiscalizações, têm qual grau de influência na tragédia?
Simone Pereira: Não acredito que as privatizações tenham influenciado de alguma forma na prática, que considero delituosa, de se colocar rejeito sem qualquer cuidado e monitoramento. Essa prática acontece há décadas. Temos exemplos antigos no Amapá, temos outras explorações minerárias aqui no estado do Pará, assim como em Minas Gerais, que já vêm de muito tempo. Não foi o fato de privatizar uma empresa que acabou por mudar a prática que já era consolidada no Brasil e no mundo inteiro. Não vejo qualquer relação entre a privatização e a prática de depositar rejeitos em bacias.
Mas entra outra questão: será que abrir para o mercado privado a exploração minerária influencia no aumento da produção e diminuição do cuidado ambiental? Devido à questão do lucro, isso pode acontecer. A empresa, quando se instala, não quer gastar muito dinheiro com questões ambientais. Para o capital, a questão ambiental é secundária. O importante é o lucro. Se a empresa tem o lucro estabelecido, tudo bem. Se por ano a empresa consegue um lucro líquido de 200 milhões de reais, por que não reserva uma parcela para aplicar em tecnologia, preservação ambiental e desenvolvimento de pesquisas no tratamento dos rejeitos, na recuperação da água? Pois se gasta água demais neste tipo de operação e hoje em dia é essencial reutilizar aquilo que se gasta muito. Se a mineradora não vê e não tem o interesse de anexar ao seu produto um selo verde de exploração sustentável, ela simplesmente vira as costas para tudo e só pensa no lucro. O lucro é o principal.
O fato de a exploração mineral ser aberta para qualquer empresa do Brasil e do mundo demonstra ser necessário um diálogo e uma participação da população da região no processo. É preciso consultar as pessoas sobre a instalação de bacias de rejeitos. Há um atropelo nas audiências públicas, não há uma discussão aprofundada com a mídia como estamos fazendo agora, é preciso chamar os técnicos e os analistas e explicar os fatos: desde a composição química dos rejeitos, até as medidas que a empresa vai tomar para tratar o rejeito e retirar os elementos tóxicos. Não existe isso porque a empresa só visa lucro.
Aplicar em práticas sustentáveis significa gastar dinheiro, e gastar dinheiro não representa um atrativo para as empresas no sentido de resolver problemas graves que temos aqui – e tais práticas vêm de décadas. Por que não se trata o rejeito, não se retiram produtos que às vezes nem se sabe que estão lá?
Há produtos que talvez possam até ser comercializados. O que para nós é rejeito, na China pode ser um minério importante. Há nos rejeitos produtos altamente valorizados no mercado exterior. A geoquímica brasileira é riquíssima. Temos, por exemplo, o disprósio, que é jogado fora como rejeito. O disprósio é um minério supervalorizado no exterior, é dele que fazem foguetes, satélites, e aqui é jogado no lixo. Não temos nem a tecnologia para fazer sua extração. É preciso uma mudança de paradigma.
Existem empresas estrangeiras que em seu país de origem seguem todas as normas ambientais, porque senão pagam multas astronômicas e podem até fechar. Mas quando chegam aqui no Brasil não mostram a mesma conduta. Elas sabem que aqui as leis não são cumpridas. Sabem que aqui o poder político anda de mão dada com o poder econômico. É comum vermos falas como a do prefeito de Mariana, que estava desesperado pelo fato de o município ficar sem verba, e ele não está errado. A cidade precisa de renda.
O fato de a empresa pagar os royalties para a cidade, a meu ver, pode ser uma maneira de afrouxar a fiscalização. O poder político acaba sendo cooptado a fazer coisas erradas junto com as mineradoras e não vê que pode acabar prejudicando a população, que a prática pode causar danos ambientais etc. Na medida em que o poder político e o poder econômico vão se associando, quem vai sofrer é o meio ambiente e a população. Há um relaxamento da lei, da fiscalização e o caos pode ser instalado no país inteiro devido ao descaso.
Aqui, é o paraíso para quem não quer cumprir a lei. Temos muitas leis e elas são muito avançadas. O problema é como elas são aplicadas, e em alguns casos ignoradas, por conta da influência do poder econômico no poder público.
Correio da Cidadania: Como você avalia a abordagem que fala em “acidente”, “desastre natural”?
Simone Pereira: Tenho quase a plena certeza de que o evento não foi natural. Eles estão alegando que houve tremores antes, o que poderia ter causado o rompimento da barragem. O Ministério Público de Minas Gerais já havia acionado a empresa para fazer a recuperação da barragem, que estava com problemas muito antes de tudo acontecer. Assim, já havia um procedimento do MP, anterior a qualquer coisa, que obrigava a empresa a fazer a recuperação da bacia. O fato de não terem tomado a medida correta para parar a produção e tomar as medidas exigidas pelo Ministério Público leva a crer que simplesmente ignoraram o procedimento. E aconteceu o que aconteceu.
O próprio MP está dizendo que não foi acidente, mas negligência. Agora, a minha opinião: eu não estava lá, não fiz vistoria e não sei o que de fato aconteceu, de modo que não posso afirmar “sim” ou “não”, estou dizendo apenas pelo que tenho lido e o Ministério Público divulgado sobre o fato de acionar a empresa para resolver o problema. Havia, sim, indícios de que o desastre poderia acontecer. E a empresa não tomou as providências.
Correio da Cidadania: Há denúncias de acobertamento de responsabilidade da Samarco. Você vê um movimento nesse sentido, inclusive da parte da imprensa?
Simone Pereira: Antes da internet e das redes sociais, as pessoas acreditavam no que a imprensa divulgava. Era muito comum sermos influenciados por grandes meios de comunicações, grandes redes de televisão, jornais e revistas, porque aquilo era dado como verdadeiro. Com o passar dos anos e com as redes sociais no mundo, a informação verdadeira passou a ser pública. Há uma parte da mídia que serve aos poderes econômicos e políticos. Isso nós sabemos, não sei se é o caso de Mariana. Não tenho dados para te fazer tal afirmativa.
A minha interpretação é de que a grande imprensa brasileira não é isenta. Aqui ou ali, a imprensa acaba se influenciando por questões políticas, econômicas e tem certa tendenciosidade ou a acobertar ou a omitir ou a minimizar certos acontecimentos, que para a população são graves, mas no final acabam minimizados. Após passar um ou dois dias na mídia, o interesse de publicar determinado assunto cai, sai de pauta, vai para o esquecimento. Estamos vendo isso em relação à Mariana. Já não se fala tanto sobre o assunto como nos primeiros dias após o rompimento das barragens, daqui a alguns dias não se falará mais nada sobre o assunto e a população vai ficar lá, sem apoio, com o meio ambiente irremediavelmente destruído e sem solução.
Esse é o grande problema. A mídia quando se interessa por um assunto, é por muito pouco tempo. Ela não vai a fundo, não divulga, por exemplo, os nomes de quem de fato são os responsáveis. A gente não sabe como funcionam os processos. Para onde foi o processo? Quantas pessoas foram presas? Não vemos nada na mídia. Você já viu o diretor de alguma indústria protagonista de desastre ambiental ir para a cadeia? Esses processos simplesmente não andam. Não seguem até o final, quando muito se faz um TAC (termo de ajustamento de conduta).
Seria interessante se a mídia cobrasse de fato as devidas responsabilidades, se ficasse em cima, fosse a fundo, mostrasse realmente o drama das pessoas, porque as vidas dessas pessoas mudaram da noite para o dia. A mídia simplesmente tira do ar e não fala mais. Como se aquele evento acontecesse durante uma semana e depois estivesse resolvido. Tivemos aqui no Pará o afundamento de um barco com 5 mil bois no início do mês de outubro e os bois continuam lá dentro do navio, ninguém tirou. Ainda existem milhares de litros de óleo dentro do barco, que também podem vazar a qualquer momento e ninguém fala mais. Esse é o problema da mídia. Para a população afetada, ela não está sendo útil como as redes sociais.
Correio da Cidadania: De tempos em tempos, vemos a reforma do Código da Mineração aparecer nos corredores políticos. No atual contexto, o que pensa de tal possibilidade?
Simone Pereira: Quanto a esse assunto não posso te dar informação, porque não é uma área na qual eu seja especialista. Tais questões políticas sempre vão acontecer. Sempre existirão grupos dentro do Congresso que tentarão formar lobbies para que as práticas nocivas ao meio ambiente sejam favorecidas. Em qualquer área: mineradoras, indústrias, agronegócio, enfim, sempre haverá pessoas querendo mudar leis e códigos já estabelecidos para se beneficiarem.
Correio da Cidadania: Como está o Brasil no aspecto da proteção legislativa e também da apropriação da renda auferida na mineração?
Simone Pereira: Aqui no Brasil, alguns municípios recebem royalties da mineração. Parauapebas, o município que recebe os royalties da mineração de ferro no Pará, é a cidade com a segunda arrecadação no estado, só perde para a capital Belém. Imagina um município que recebe 600 milhões de reais por ano. Esse dinheiro deveria ser aplicado no próprio município, correto? Você chega lá na cidade de Parauapebas e não vê esgoto na cidade, não tem tratamento. As escolas também não são lá essas coisas. E pra onde vai o dinheiro todo? Eis a pergunta. Há outros exemplos de municípios que recebem royalties ou impostos e continuam muito pobres.
Se as empresas pagam tal quantia ao município, porque não vemos o dinheiro aplicado por lá? Para onde vai? Portanto, o município arca com todos os problemas ambientais e sociais que a exploração traz e no final não recebe muita coisa em troca. Ou seja, os lucros não são revertidos para a população na forma de melhorias da saúde, educação, saneamento básico e assim por diante. O poder político acaba dando diversos benefícios para as mineradoras e indústrias e não os vemos voltarem para a população e nem o meio ambiente. Vai beneficiar a quem?
Sempre dão como desculpa a geração de empregos. Veja bem: a empresa se instala em uma região pobre, com índices de IDH baixos. Não há uma população especializada para trabalhar nas empresas que pretendem se instalar. O que deveriam fazer? Antes da implantação, deviam colocar escolas técnicas, formar pessoal, fazer parcerias com as universidades para ter gente de nível superior trabalhando na indústria. Mas não. Isso custa dinheiro, leva tempo. E o que fazem? Contratam pessoal de fora, já pronto, porque assim não gastam recursos com a formação. A grande parte dos diretores, supervisores, gerentes, pessoal de nível superior, técnicos especializados etc. é de fora, não são moradores dos locais onde se dão as explorações dos recursos.
Não há um trabalho de base, uma prévia instalação, nem um preparativo para o lugar suportar o impacto do empreendimento. Não há nada. Olhe para Bento Rodrigues. Era uma comunidade rural. De repente chega uma mineradora daquele porte e se instala. Será que a maioria dos moradores locais largou suas vidas simples e foi trabalhar na mineradora ou continuou com sua vida do campo? O que será que mudou na vida da população local com a implantação da mineradora ali? Quais benefícios a mineradora trouxe? Por que não perguntam para a população se ela queria a mineradora ali?
O problema é a população não ser ouvida. As audiências públicas, quando ocorrem, são feitas de maneira velada, sem publicidade. Poucas pessoas vão e as que vão já estão cooptadas a responderem aquilo que eles querem ouvir. Já vi acontecer muitas vezes. Eu espero que o que aconteceu em Bento Rodrigues seja tomado como exemplo para o país inteiro, que as práticas sejam mudadas e que desastres como estes não venham mais a acontecer no Brasil.
Correio da Cidadania: Finalmente, aproveitamos para falar de um empreendimento citado no início e localizado no estado em que você trabalha e vive. Na Volta Grande do Xingu, como você avalia os impactos dos grandes empreendimentos da região: a hidrelétrica Belo Monte, já em operação, e a mineradora de ouro da empresa canadense Belo Sun, em vias de implantação? Podem apresentar problemas semelhantes ao que pudemos observar em Minas Gerais?
Simone Pereira: Eu posso falar da Belo Sun. A hidrelétrica de Belo Monte é um empreendimento que já está em andamento e tem um aspecto bem diferente daquele da exploração de ouro. Logicamente, todo empreendimento tem fases e nós participamos de várias discussões sobre Belo Monte. Não somos contra a hidrelétrica. Particularmente, acho que o Brasil necessita das hidrelétricas. A região amazônica tem vocação para uso da hidroeletricidade. O problema é que deve ser feito com o mínimo de impacto possível e cumprindo-se as condicionantes estabelecidas para poder beneficiar a população e impactar o menos possível o meio ambiente. Mas, de fato, quando as empresas começam a não cumprir aquilo que prometem a coisa fica difícil.
Outro aspecto é que a hidrelétrica implantada na região amazônica deveria trazer de alguma forma benefícios para a população. Se nós, amazônidas, arcamos com a implantação da hidrelétrica e os seus impactos ambientais e socioeconômicos, esperamos que ela seja bem vinda. Mas quais os benefícios que a população daqui da Amazônia vai ter com a implantação de uma hidrelétrica? A nossa conta de energia é a maior do país. Se nós produzimos energia elétrica aqui na Amazônia, por que nossa conta é a mais alta do país? Por que não se faz uma reforma tributária para aquela energia exportada a outros estados voltar como isenção de impostos? Nós pagamos mais de 30% de impostos – só impostos estaduais. Portanto, ainda podemos entrar no assunto de “bandeira tarifaria”, pois quando o sul está passando por seca, somos nós que pagamos pelo acionamento das termelétricas.
Quanto a Belo Sun, é um problema que está nas mãos do Ministério Público Federal. O órgão já foi acionado, já foi feita a denúncia, já se embargou em parte a liberação da licença para o início da operação das mineradoras, mas também já conseguiram derrubar a liminar do MP Federal e está em curso a implantação da mineradora.
O problema da Volta Grande é que eles vão usar cianetação para poder processar o ouro. Esse processo de cianetação é usado em várias mineradoras, mas por ter registrado vários acidentes ambientais ao redor do mundo está sendo banido. O cianeto está sendo substituído por outras substâncias na exploração do ouro. Existe um movimento para poder banir o cianeto da exploração do ouro. O problema é que até agora não foi encontrado um outro produto que o substitua tão bem, e ele será usado nas bacias de rejeitos da Belo Sun na Volta Grande do Rio Xingu.
O cianeto vai ser controlado, a menos que haja problemas em alguma válvula que porventura ocasione o seu derramamento no rio, mas o grande problema, e não falado, é o que vão fazer com os elementos tóxicos que estão no solo junto com o ouro e estarão em contato com o ambiente – assim como eu expliquei no início da entrevista a partir da mineração do ferro.
Acontece que a mineração do ouro ainda contém arsênio, que é ligado ao ouro geoquimicamente, e teremos mercúrio, chumbo, cádmio e assim por diante. E em todo o projeto, que eu tive a oportunidade de ler da primeira à última página, não há qualquer referência acerca do tratamento desses metais tóxicos.
Continua a mesma prática. Ou seja, vão pegar o minério, explodir, triturar, tratar quimicamente com cianeto, complexificar os elementos químicos, separar o lodo e o que sobrar vai ser colocado em bacias de sedimentação. Logicamente, o efluente gerado por tal prática acaba sendo rico em cianeto e metais tóxicos. O problema é que o tratamento do afluente dará conta apenas do cianeto. Vão tratar o cianeto com ácido que, ao reagir, quebra-o e produz nitrogênio e gás carbônico. Portanto, à medida que você usa esse ácido torna o rejeito mais ácido, o que biodisponibiliza os elementos tóxicos de uma maneira ainda mais eficiente para o ambiente. É preocupante, já que não dizem como vão tratar esses metais.
O que mais preocupa é que vão tirá-los dos efluentes, mas existe a possibilidade de jogarem no Rio Xingu. Isso está cantado, com todas as letras. Não se fala no texto do projeto sobre proteção ao Rio Xingu e as comunidades indígenas que vivem próximas do empreendimento e utilizam a água do rio para o seu consumo cotidiano. Elas não têm água tratada, nem mineral, e usam a água do rio. Assim, se os metais pesados forem jogados, logicamente vão afetar as comunidades indígenas. E não só elas, mas também diversas cidades ao longo do curso do rio.
Correio da Cidadania: Em suma, continua tudo armado para novas tragédias ambientais no Brasil.
Simone Pereira: Minha análise é baseada no próprio projeto, que eles disponibilizaram na página da Secretaria de Meio Ambiente. Não há qualquer referência ao tratamento dos metais pesados, assim como em Minas Gerais e em outros empreendimentos daqui do Pará.
Existe uma legislação que obriga as indústrias e as empresas a fazerem controles de efluentes. Não pode jogar metal tóxico no rio, há um limite máximo permitido. Só que como não é feita a fiscalização, não há a exigência do controle de todos aqueles metais. As SEMAs acabam fazendo exigências de coisas que não têm nada a ver, como pH e turbidez. E os metais continuam sendo jogados no rio. Lá tem essa particularidade. Eu fiz análise do Rio Xingu naquela área e já há um aumento de arsênio, até seis vezes maior do que o limite permitido. Isso ocorre porque ali já existe uma exploração de ouro feita artesanalmente por pequenos garimpeiros, que usam mercúrio na atividade de extração do ouro.
Se com a atividade artesanal já há um aumento do arsênio, imagina como este componente vai aumentar quando vier a mineradora em esquema industrial. Com a previsão de várias toneladas de ouro por ano a serem produzidas, teremos também muitas toneladas de arsênio no meio ambiente. E não há qualquer tipo de referência ao tratamento deste material no projeto da Belo Sun.
Raphael Sanz e Gabriel Brito são jornalistas do Correio da Cidadania
Chego à sacada e vejo a minha serra, a serra de meu pai e meu avô, de todos os Andrades que passaram e passarão, a serra que não passa. (…) Esta manhã acordo e não a encontro. Britada em bilhões de lascas deslizando em correia transportadora entupindo 150 vagões no trem-monstro de 5 locomotivas – o trem maior do mundo, tomem nota – foge minha serra, vai deixando no meu corpo e na paisagem mísero pó de ferro e este não passa.
“A montanha pulverizada” Carlos Drummond de Andrade.
Mariana (MG) – Distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), atingido pelo rompimento de duas barragens de rejeitos da mineradora Samarco (Antonio Cruz/Agência Brasil)
Mariana (MG), quinta feira, 05 de novembro de 2015. A barragem do Fundão, repleta de uma lama tóxica (oriunda dos rejeitos da mineração de ferro), se rompe causando o maior desastre ambiental da história do país. A empresa responsável é a Samarco, de propriedade da Vale e da BHP Biliton, a maior mineradora do mundo.
Sexta feira, 13 de novembro de 2015. Mais de 130 pessoas são assassinadas em 6 ataques terroristas no 11º distrito de Paris. Mais de 350 feridos. A “cidade luz” se apagou. O mundo se estarreceu. O terror foi cirúrgico e coordenado em seu ataque.
Também em Paris, em janeiro, o terrorismo do Estado Islâmico (EI) atacou a redação do jornal “Charlie Hebdo”, matando 12 de seus integrantes, entre eles alguns dos chargistas que criaram imagens irônicas ao profeta Maomé.
Dois ataques, dois objetivos. No primeiro o objetivo era explícito: calar uma voz crítica ao “islamismo puro” do EI. No ataque de sexta, o objetivo era igualmente explícito: estádios de futebol, boates, bares e cafés não são mais lugares seguros em Paris, a cidade mais visitada do mundo. Turistas e parisienses não terão paz em locais de diversão.
Lembremos que o ataque da Al-Qaeda de 11 de setembro de 2001 nos EUA tinha como endereço o coração financeiro e político do imperialismo: as torres gêmeas do World Trade Center, o Pentágono e a Casa Branca. Terroristas gostam de mandar mensagens, explícitas ou subliminares, em seus ataques.
Muitas pessoas no Brasil se indignaram com o destaque, na verdade um verdadeiro massacre midiático das principais redes de TV, rádio e jornal do país, que exploraram e continuam explorando, à exaustão, o ataque, muitas vezes com informações pra lá de inúteis. Horas e mais horas de “coberturas exclusivas”, na maioria das vezes atrás de audiência a partir da desgraça alheia. Até a presidente Dilma, que demorou mais de uma semana para se pronunciar sobre o desastre humano/ambiental provocado pela Samarco-Vale-BHP Billiton em Minas Gerais, foi rápida em prestar solidariedade ao povo e ao presidente francês, François Hollande.
Não se trata de estabelecer paralelo ou comparações sobre o que é mais chocante ou mais digno de solidariedade. Se o escopo da abordagem se limitar a esse viés, essa é uma discussão estéril e que não nos serve de muita coisa. Não é mais “revolucionário” e/ou “válido” se solidarizar com Mariana e rechaçar a solidariedade ao povo francês. A questão é mais profunda.
Devemos repudiar veementemente o ataque terrorista em Paris. As vítimas, a maioria trabalhadores, com certeza inocentes, não tem responsabilidade direta sobre a nefasta política externa do governo francês. Ao mesmo tempo devemos manifestar nossa irrestrita solidariedade ao povo mineiro atingido pelo desastre do rompimento das barragens de lama tóxica da Samarco-Vale-BHP Billiton.
O desastre em Minas tem proporções extraordinárias. Os desaparecidos, os mortos, as cidades destruídas, as milhares de pessoas atingidas pela lama e pela falta de água, o crime ambiental, os animais mortos, o rio que de doce se transformou em fel, são apenas a ponta de um iceberg de descaso e destruição impostos pelo modelo de exploração de nossas riquezas naturais. Alguns especialistas afirmam que levará mais de 100 anos para que a situação volte ao normal. Exagero ou não, a verdade é que há cidades como Governador Valadares, com mais de 280 mil habitantes, que passaram dias e mais dias sem água para beber. Os caminhões-pipa chegaram a ser escoltados pela polícia, pois muitos foram saqueados. A que ponto chegamos? Brasileiros e brasileiras saqueando caminhões que transportam água! A empresa, que sequer tinha plano de emergência para um possível evento destes, está mais preocupada com o prejuízo econômico, que com as vidas perdidas e a destruição do meio ambiente. Nada de novo, afinal essa é a lógica do capitalismo.
Vamos agir e exigir que a Samarco-Vale-BHP Billiton seja devidamente responsabilizada pelo desastre. Mais que isso, precisamos saber das reais condições de segurança das 735 barragens semelhantes à do Fundão, que existem atualmente em Minas Gerais.
Outro “detalhe” importante, que não podemos esquecer: a Vale é uma das empresas que mais “doam” dinheiro nas campanhas eleitorais. Em 2014, através da Vale Energia, Vale Manganês, Salobo Metais, Minerações Brasileiras Reunidas e Mineração Corumbaense, todas ligadas à Vale, “contribuiu” com mais de 22 milhões de reais aos principais partidos. Foram mais de 11,5 milhões ao PMDB, mais de 3,1 milhões ao PT e ao PSDB, 1,5 milhão ao PSB e ao PCdoB e assim vai. Aliás, a imprensa já relatou que a maioria dos deputados estaduais de Minas Gerais, do Espírito Santo e mesmo os federais encarregados de investigar o rompimento das barragens, recebeu “doações” da Vale em valores que vão de 368 mil a meio milhão de reais.
As doações ao PMDB foram quatro vezes maiores que as feitas ao PT e ao PSDB por uma simples razão: o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), uma autarquia vinculada ao Ministério das Minas e Energia (MME), é o órgão responsável pela fiscalização da mineração no país. Tanto o DNPM quanto o MME são controlados pelo PMDB. Coincidência? Pouco provável.
Voltando a Paris e aos ataques terroristas. Algumas pessoas manifestaram uma certa simpatia acanhada ao ataque do EI. Afinal, raciocinam, atingiu um dos baluartes do império do capital. Pensamento simplista e equivocado. O ataque terrorista não atinge a política imperial francesa. Muito possivelmente vai não só reforçá-la, mas aprofundá-la. É possível que a direita francesa, capitaneada por Jean-Marie e Marine Le Pen, se fortaleça em sua xenofobia. Outra possibilidade, que já está se dando, é que o próprio Hollande, na tentativa de recuperar sua imagem, endureça a política externa.
A questão dos refugiados deve se acirrar depois dos ataques. Justamente o que o EI quer. Isso mesmo, o Estado Islâmico quer medidas mais radicais para combater a fuga das populações iraquianas e sírias dos territórios ocupados. Umas das maiores evidências dessa intenção são os indícios de que os terroristas e os homens bomba levavam passaportes sírios nos ataques, numa clara demonstração de que mesmo depois de mortos eles serviriam à causa de reprimir a acesso de refugiados ao velho continente. O Estado Islâmico está longe de ser uma organização progressista. O fundamentalismo religioso é a base de uma estrutura teocrática reacionária e fascista.
O EI é responsável pelo maior seqüestro de mulheres deste século. São cerca de 5 mil mulheres, na maioria crianças, chamadas de “sabya” (escravas de guerra) seqüestradas no Iraque, boa parte são da minoria Yazidi. Não menos que 80% delas são sistematicamente violentadas e estupradas. Há relatos de jovens estupradas por 18 homens durante horas. Muitas se matam, enforcadas, eletrocutadas ou degoladas. Crianças de 9 anos são violentadas em nome de uma leitura deturpada dos princípios islamitas. Usar perfume, roupa estampada ou menos de três véus, pode significar ser chicoteada ou apedrejada até a morte. Ao total são mais de 4 milhões de mulheres sob domínio facínora do Estado Islâmico. Não, isso nada tem de progressivo.
Entre tiros e bombas, a hipocrisia de Obama!
“Trata-se de um ataque não só contra os franceses, mas contra toda a humanidade e contra os valores que compartilhamos“. Com essa frase de efeito o presidente americano Barack Obama expressou sua “solidariedade” ao povo francês.
Vale a pena se debruçar sobre essa frase. O que afinal, o todo poderoso presidente americano quer dizer com “crime contra a humanidade”? Só o terrorismo do estado Islâmico é um crime contra a humanidade? Será que a política externa/militar dos EUA, que consome bilhões de dólares anualmente, não é uma ameaça à “humanidade”?
Uma pesquisa feita pela Worldwide Independent Network of Market Research (WINMR) e Gallup International, feita em 2013, e que ouviu mais de 66 mil pessoas em 68 países, constatou que uma em cada quatro pessoas vê os EUA como a mais importante ameaça ao planeta e à paz mundial. Lembrando que os EUA têm mais de mil bases militares estratégicas, espalhadas por mais de 100 países em todos os continentes. Atualmente o governo americano está diretamente envolvido em cerca de 80 conflitos ao redor do mundo. Na verdade desde a Guerra da Secessão (1861/65), não há um dia sequer que os EUA não estejam em guerra com alguma nação mundial. São 150 anos ininterruptos de guerra permanente. A rigor o maior estado terrorista do mundo é o próprio estado americano, os milhares de inocentes mortos em nome de sua “guerra ao terror”, não deixam dúvida disso.
Além disso, as agências de espionagem americanas mantêm um invasivo programa de vigilância global que elimina qualquer possibilidade de privacidade. Que o digam Angela Merkel e Dilma, que tiveram suas comunicações espionadas pela CIA.
Mas não apenas isso. Os EUA continuam a financiar e treinar militarmente diversos grupos pelo mundo afora, sempre em consonância com seus interesses econômicos, militares e políticos Recentemente o governo americano anunciou que desistiu de treinar soldados sírios e iraquianos que lutam contra o Estado Islâmico. Não por dor na consciência, mas por falta de material humano. O Secretário de Defesa americano, Ash Carter, reconheceu que a meta de treinar 5.400 soldados sírios, fracassou, pois só 60 candidatos se habilitaram para o programa, que tem recursos da ordem de 500 milhões de dólares. Há mais de três mil especialistas americanos em solo iraquiano, tentando treinar e armar grupos paramilitares para enfrentar o EI na região.
Aos olhos do mundo, e ao seu público interno, os EUA querem aparecer como principais oponentes do Estado Islâmico. Mas a verdade não é bem essa: o fato é que, num passado bem recente, os EUA treinaram, armaram e financiaram grupos como a Al-Qaeda, Saddam Hussein e o próprio Estado Islâmico. Para comprovar isso temos, além das revelações feitas pelo site Wikileaks (que disponibilizou mais de 3 mil documentos secretos sobres esse tipo de operação), a farta documentação divulgada pelo jornal inglês The Guardian. Além disso, basta observar as aparentemente contraditórias manobras político/militares estadunidense na região nos últimos 30 anos.
Durante a guerra Irã x Iraque o governo americano aliou-se a Saddam Hussein. Em 1985, ainda durante a guerra, Saddam Hussein enfrentou uma rebelião interna do povo curdo. Com a anuência dos EUA, Hussein aniquila a rebelião curda, usando para isso todas as armas possíveis, inclusive as já proibidas armas químicas. As baixas, entre iraquianos e iranianos, chegaram a 700 mil pessoas.
Na mesma época os EUA se envolvem em outro conflito importante: a guerra do Afeganistão. Desta vez apoiaram ninguém menos que um próspero jovem saudita chamado Osama Bin Laden, que coordenava um exército de aproximadamente 4 mil soldados.
Todas estas movimentações, que a princípio parecem erráticas, fazem parte das estratégias e táticas dos EUA e seus aliados para a região. A lógica parece ser a famosa “inimigo do meu inimigo, meu amigo é”. O problema é que, na maioria dos casos, os grupos financiados, treinados e armados pelos EUA, acabam, cedo ou tarde, se voltando contra estes mesmos americanos e aliados. O velho ditado “diz-me com quem andas e te direi quem és”, parece se aplicar perfeitamente aqui. Os EUA, que já andaram de braços dados com Saddam Hussein, Osama Bin Laden e o Estado Islâmico, tem pouca ou nenhuma autoridade para se posicionarem como paladinos da ética, da democracia e da luta em prol da “humanidade”.
Ao relembrar a frase de Obama, “Trata-se de um ataque não só contra os franceses, mas contra toda a humanidade e contra os valores que compartilhamos”, resulta óbvio que o central de suas preocupações está mais nos “valores” que ele tem, que na “humanidade”. Seus valores são a manutenção do domínio americano na região, a disposição de infringir derrotas ao governo russo, o monopólio dos recursos de combustíveis fósseis da região, o controle de uma região estratégica que funciona de ligação entre ocidente e oriente, a manutenção do estado de Israel como seu enclave militar, entre outros “valores” nada humanizados.
Outro registro de hipocrisia foi o revoltante silêncio que a imprensa mundial destinou ao ataque terrorista do grupo Boko Haram à aldeia de Kukawa, perto do lago Chade, no nordeste da Nigéria, quando 100 pessoas foram executadas. Parece que a morte de negros não é tão relevante quanto a morte de brancos.
Este histórico, cheio de siglas e com eventos ocorridos há décadas, foi necessário para demonstrar que os EUA não têm escrúpulos na sua política internacional. O que move seus posicionamentos são seus interesses econômicos, políticos e militares. Isso nada tem de “humano”. Se analisarmos a imbricada história da CIA nos golpes militares na América Latina, veremos o mesmo pragmatismo: o negócio e o lucro acima de tudo.
Dito isto reiteramos que estes atos terroristas não são ferramentas revolucionárias. São ações vanguardistas, apartadas das lutas de massa e que em geral acabam por prejudicar a luta revolucionária ao fortalecer indiretamente os setores mais à direita e ao se isolar da vida real dos movimentos sociais. A verdadeira luta contra o poder imperial do capitalismo se desenvolve nas ocupações urbanas, nas greves e mobilizações do povo trabalhador, nas lutas da juventude, na luta contra as opressões e contra a corrupção endêmica da sociedade burguesa. A revolução socialista será obra de milhões, e não de um grupo de iluminados, por mais abnegados e corajosos que estes sejam. O que, diga-se de passagem, não é o caso do Estado Islâmico.
Uma das conseqüências mais nefastas destes ataques vai ser sua associação ao afluxo de refugiados oriundos da Síria. A Europa já recebeu, só esse ano, mais de 700 mil refugiados. Se vimos muitas demonstrações de solidariedade, também vimos comportamentos xenófobos extremamente violentos. A guerra na Síria assumiu as proporções atuais justamente porque é uma peça do tabuleiro mundial da disputa das potências capitalistas, logo o continente europeu é diretamente responsável pelo que acontece na Síria. Assim sendo não pode se omitir ou rechaçar a horda de homens, mulheres e crianças que diariamente chegam ao continente. As pessoas estão fugindo da morte, da miséria e da guerra. No passado ninguém ousaria rejeitar ou repatriar os milhões que fugiram do nazi-fascismo. Não aceitamos o fechamento das fronteiras. Se quisermos resgatar o “humano” nisso tudo, devemos exigir abrigo e acolhimento aos refugiados.
Não nos esqueçamos que muitos países europeus (Inglaterra, Espanha, Portugal, França, entre outros) construíram boa parte de sua bonança, saqueando países na Ásia, África e América. Os conquistadores e invasores europeus não bateram na porta, não pediram permissão. Se impuseram pela força da espada e da baioneta, não pela diplomacia.
Lembremos ainda, que a sociedade burguesa-democrática não se estabeleceu democraticamente. Muito menos por meios pacíficos. A sociedade socialista também significará uma ruptura. O grau de virulência e violência que essa ruptura terá não pode ser estabelecido de antemão, mas é pouco provável que seja tratada no campo da diplomacia. Logo a polêmica aqui não é entre pacifistas e não pacifistas, mas quais métodos são válidos na luta revolucionária e quais não são. E este tipo de ataque definitivamente não se encaixa na luta socialista. Nem pelo método, nem pelos protagonistas.
Com o alarmante número de homicídios que o Brasil tem, a cada dois ou três dias temos números iguais, ou superiores, aos dos atentados de Paris. Nossa juventude, em geral os negros da periferia, morrem aos montes, seja nas chacinas tradicionais cada vez mais freqüentes, seja na chacina de “doses homeopáticas” que acontece diariamente pelo Brasil afora. Isso não parece incomodar mais ninguém. Foi naturalizado. O estado trata da questão como estatística e boa parte da sociedade já não se incomoda com esse genocídio diário a que estamos submetidos. Alguns até defendem.
Por isso mesmo não podemos nos calar diante desse massacre e nem diante dos ataques terroristas. É preciso denunciá-los e repudiá-los de forma veemente.
Mariana e a morte da inocência
A volúpia e a sanha capitalista não têm o menor pudor em sacrificar a vida e a natureza. O que parece insano, na verdade segue a lógica do capital. Vejamos os números da fome no planeta na opinião de um especialista na área. Jean Ziegler, relator para o direito à alimentação da ONU entre 2000 e 2008, revela que a cada 5 segundos, uma criança de menos de 10 anos morre de fome no mundo. Mais de 56 mil pessoas morrem de fome a cada dia e 1 bilhão de seres humanos são permanentemente subalimentados. Em 2013 aproximadamente 70 milhões de pessoas morreram. Destes, 18,2 milhões morreram de fome ou de suas conseqüências imediatas. A fome é, portanto, a maior causa de mortalidade do nosso tempo!
Não existe falta de alimentos, o que falta é a comida chegar a quem precisa. Atualmente a população global gira em torno de 7,2 bilhões de habitantes. A agricultura mundial poderia alimentar normalmente, com uma dieta de 2,2 mil calorias por dia, 12 bilhões de pessoas. O setor de alimentos é o mais concentrado e cartelizado da economia mundial, mais até do que o petróleo. Há 10 grupos multinacionais que controlam 85% dos alimentos comercializados no mundo. A fome é, fica evidente, um problema político e econômico. Só quem tem dinheiro pode comer. Outros direitos universais, como educação e saúde seguem a mesma lógica irracional.
Se o capitalismo faz isso com a humanidade, que dizer do que faz com a natureza? O “humanizado” Barak Obama se recusa a assumir compromissos efetivos na redução do aquecimento global e na redução do efeito estufa. A cada ano os EUA despejam 5.762.050 toneladas de gás carbônico na atmosfera, sem o menor compromisso com a qualidade de vida no planeta. Aliás, este será um dos temas a ser debatido em Paris, quando da realização da COP21 (Conferência Mundial do Clima).
O desastre em Mariana revela toda a hipocrisia de nossa legislação e prova, na prática e de maneira dramática, que o propalado “compromisso social” das empresas não passa de propaganda enganosa. Vejamos o exemplo do rompimento das barragens, que já é considerado como uma das maiores tragédias do mundo na área da mineração. A empresa Samarco-Vale-BHP Biliton, não possuía Plano de Ação para situações como essa. Pelos seus “cálculos” o município de Bento Gonçalves, destruído pela lama, não fazia parte da área de abrangência dos impactos da barragem. A “vistoria” e o “laudo” atestando perfeitas condições da barragem podem ser feitos pela própria empresa ou por alguém pago por ela. É como se colocássemos o lobo para tomar conta do galinheiro, esperando que ele zele pela segurança e saúde das galinhas.
A Vale, que tirou o rio doce de seu nome, está ajudando a Samarco a matar o rio que lhe deu origem.
Segundo o IBAMA, foram 5 rompimentos de barragens nos últimos 10 anos, o que comprova o risco dessa atividade e a decadência das legislações em vigor. A morosidade da lei beneficia os grandes empreendimentos. O DNPM, que deveria fiscalizar e controlar a produção mineral, funciona mais como uma subsecretaria das grandes mineradoras e não como órgão de controle. Em 2014, tinha à sua disposição 10 milhões de reais para garantir a fiscalização da produção mineral, mas só usou 13% desse valor, ou seja 1,3 milhão. Em Minas Gerais, tem apenas 4 fiscais para as mais de 700 barragens no estado. A situação do IBAMA não é menos revoltante: aplicou mais de 4,8 bilhões de reais de multas. Mais de 2 bilhões são multas sem qualquer possibilidade de recurso, mas como quase ninguém paga essas multas, o órgão só arrecadou pouco mais de 140 milhões de reais. As multas aplicadas à Samarco até agora somam R$ 250 milhões. A pedido do Ministério Público Federal e do MPE de Minas Gerais a Samarco, através de um acordo, vai desembolsar 1 bilhão de reais para recuperar o meio ambiente da região. Uma ninharia se comparada à multa de mais de 170 bilhões de reais, aplicada pelo governo dos EUA à empresa BP, que em 2010 causou um vazamento de óleo no Golfo do México.
A produção minero-metalúrgica tem alavancado a economia de muitos estados e do país, mas os custos sociais, o gasto com energia e com água, os impactos ambientais e a degradação da natureza são enormes. O lucro imediato sacrifica a vida futura. Esse é um preço que não deveríamos pagar.
Estima-se que o transporte do minério de ferro, via mineroduto (que usa água como vetor de transporte) utilize anualmente mais de 13 trilhões de litros de água. A Samarco-Vale-BHP Biliton tem um dos maiores minerodutos do mundo. Enquanto isso a população mineira e do entorno das barragens sofre com rios mortos e sem água. Tudo isso é visto como normal pela lógica do capital.
O Brasil, atolado até o pescoço no mar de lama da corrupção, agora está atolado literalmente na lama dos grandes projetos, que causam impactos terríveis ao meio ambiente sem que nenhum retorno seja proporcionado às comunidades atingidas. A “mitigação” desses efeitos ou as “políticas compensatórias” beiram o ridículo e a provocação ao bom senso. É como se uma mega empresa derrubasse sua casa e desse em troca uma rede para atar entre os postes de energia elétrica e esperasse que você ficasse satisfeito e feliz.
Muitos estudiosos chamam essa volúpia predatória, esse saque desenfreado e ensandecido que destrói irremediavelmente a natureza, de terrorismo ambiental. Uma nova espécie de violência continuada que, em nome de um suposto “desenvolvimento”, está exaurindo recursos naturais, criando demandas artificiais e supérfluas para satisfazer o deus-mercado, que move a engrenagem do mundo do capital.
Não se trata de propaganda panfletária nem de uma visão catastrofista. Trata-se de uma definição bastante real, que aponta para a real dimensão dos danos que estão perpetrados contra a humanidade e a natureza.
Paris e Mariana são, portanto, vítimas de ataques terroristas. São dois lados de uma mesma moeda. Não construamos falsas dicotomias entre estes dois eventos. A causa, por mais simplista que possa parecer, está no capitalismo. Um sistema que deixa 56 mil pessoas morrerem de fome a cada dia e que prostitui a natureza, em nome do “desenvolvimento e do progresso”, não merece mais prosperar. O capitalismo, já está mais que comprovado, esgotou suas possibilidades de solução criativa e harmônica dos dilemas que ele mesmo engendrou. Está na hora de pensarmos grande, na hora de construirmos o fim desse sistema. Está na hora do Socialismo e da Liberdade.
A serra do poeta Drumond de Andrade não existe mais, britada que foi em milhões de lascas. O rio que desde suas margens viu Sebastião Salgado crescer está cego e morto. A poesia perdeu a inspiração. A vida, para reflorescer, precisará de muito tempo. Um tempo que talvez não tenhamos mais. Fica a lição, a revolta e a certeza da falência desse modelo.
Só um modo de produção livre das amarras do mercado e da propriedade privada pode estabelecer relações harmônicas entre a técnica, a humanidade e a natureza, construindo uma unidade de interesses em nome do bem comum e da superação definitiva dos antagonismos e das opressões que tem marcado a história recente da humanidade. Utopia? Pode até ser, mas uma bela utopia que vale à pena ser vivida.
Belém, novembro de 2015.
Fernando Carneiroé membro do DN do PSOL e vereador em Belém do Pará