Categoria: Educação

  • Síntese dos debates do Ciclo “Se a Cidade fosse Nossa”

    Síntese dos debates do Ciclo “Se a Cidade fosse Nossa”

         A fundação Lauro Campos, em parceria com diretórios estaduais e municipais do PSOL, realizou uma série de eventos buscando contribuir com a discussão programática do partido e ajudar na apresentação de propostas visando as eleições municipais de 2016.

         Foram dez atividades realizadas em oito cidades brasileiras, que contou com a participação de pesquisadores, estudiosos e militantes dos eixos temáticos escolhidos para o aprofundamento da discussão. Rio de Janeiro, Curitiba, Nova Iguaçu, Fortaleza, Salvador, Recife, Belém e São Paulo sediaram atividades.  

         Confira a síntese de cada discussão realizada pelo Ciclo “Se a Cidade fosse Nossa”:

     

     

     

    Cidades do negócio vs. cidades rebeldes

    Local: Rio de Janeiro – RJ

    Participantes: David Harvey (geógrafo), Juliano Medeiros (presidente da FLC) e Edmilson Rodrigues (deputado federal – PA)

         Tivemos a oportunidade de apoiar o diretório carioca do partido, recebendo o  professor David Harvey, figura destacada do pensamento marxista e mais importante  geógrafo da atualidade. Em duas conferências mais uma aula pública, mostrou como a cidade é o espaço privilegiado de reprodução ampliada do capital, e destacou como os movimentos sociais estão procurando outras formas de organização e articulação para enfrentar a cidade dos negócios.

         O capitalismo em crise tenta resolver seus problemas através do avanço sobre as cidades para transformá-las em ativos financeiros. É a lógica de que a cidade não deve servir para as pessoas, mas para os negócios.

         Há uma enorme irracionalidade do capitalismo e na política. Como lembrou, em tom de brincadeira:  “dizem que nós, marxistas, somos insanos. Insanos são os capitalistas, que defendem esse modelo de cidade feita para especular, e não um modelo decente para as pessoas morarem com dignidade”.

         E continuou: “a solução não é abandonar o processo político, mas reconstruir o sistema. Precisamos de uma revolução política. Nos dizem que a única solução para as nossas dificuldades é mais capitalismo. A verdadeira resposta é nada de capitalismo. Na esquerda, a base tem que ser popular e estar no centro do processo político.”

     

    Tema 1: Saúde

    Local: Curitiba – PR

    Participantes: Bernardo Pilotto (setorial de saúde do PSOL), Lidia Cardieri (socióloga) e Melissa Pereira (Fiocruz)

         A saúde é um dos principais problemas dos municípios e dos cidadãos. A constituição federal estabelece que é competência do município a atenção básica e os serviços locais (em parceria com o estado e a união), o estabelecimento de uma política municipal de saúde, que invista ao menos 15% do orçamento local, e os laboratórios de exames e hemocentros. É muita coisa e os recursos são poucos.

         As restrições financeiras e as imposições da lei de responsabilidade fiscal têm trazido dificuldades adicionais. As administrações em geral, independente da orientação ideológica do partido, tem apostado em formatos de terceirização de serviços e de gestão, precarizando as condições de trabalho e retirando o caráter público do serviço. Para o PSOL, a ideia é fortalecer o SUS e a saúde pública, gratuita e de qualidade, bem como apostar na valorização do profissional, sabendo que sua dedicação e competência podem fazer a diferença.

         Como ressaltou Bernardo Pilotto, “é muito importante que o PSOL construa programas de governo na área de saúde antenados com as lutas de nosso povo nessa área, defendendo a ampliação e desprivatização do SUS. Na gestão municipal, é possível fazer muitas políticas de prevenção e promoção da saúde e é nessa área que devemos ter foco.” A própria melhora das condições de vida da população, com investimentos em saneamento básico, melhorias no transporte público e mais opções de lazer podem ser encarados como política de prevenção.

         Além disso, destacamos um assunto dentro da atenção básica: a saúde mental (junto da política de drogas), onde o município tem papel proeminente. Trata-se de debate com crescente relevância da sociedade e que traz a discussão sobre cuidado e o acolhimento. Aqui, o PSOL reafirma seu compromisso com a luta antimanicomial e com as práticas de redução de danos enquanto diretrizes para nossas políticas locais, focando sua atenção no estabelecimento e qualificação dos CAPS.

    Propostas

    • Ampliar os serviços do SUS e combater a privatização da saúde buscando rever os contratos de serviços e gestão
    • Melhorar as condições de trabalho e salários dos servidores
    • Foco na saúde básica, com fortalecimento das equipes de saúde da família
    • Políticas de prevenção e de informação
    • Construção, ampliação e melhorias dos CAPSs
    • Políticas sobre drogas de inclusão social e redução de danos.

     

    Tema 2: Segurança e direitos humanos

    Local: Curitiba – PR

    Participantes: Juninho (presidente do PSOL-SP e membro do Círculo Palmarino) e Orlando Zaccone (delegado e membro da Leap – Law Enforcement Against Prohibition).

         O desafio para o PSOL é estabelecer uma política de governo baseada no mais amplo respeito aos direitos humanos e no combate à todas as formas de opressão. Essas questões, como apontado pelo Juninho, estão relacionadas à questões estruturais que marcam a sociedade brasileira: a profunda desigualdade social, a cidadania restrita e a violência como forma de controle: “a manutenção desses privilégios de acumulação de riqueza e essa cidadania restrita se mantém através da violência”.

         Essa formação social leva a uma atuação do estado  baseada no controle social, dentro da lógica do combate ao inimigo, do punitivismo penal, da gentrificação e da exclusão social. Ressaltou Orlando Zaccone: “então, a questão da cidadania que o Juninho trouxe mostra que a Declaração Universal dos Direitos Humanos não contemplou essa distinção entre cidadão humano e não cidadão inimigo. O inimigo hoje não é o cidadão, ele é construído dessa forma, pelo discurso: ´direitos humanos para humanos direitos´. E esse nosso cidadão é construído como inimigo, e diversas fatores vão ser contemplados nessa não cidadania, nessa construção de inimigo. E o tráfico de drogas hoje é a grande construção que se faz dessa figura mítica do inimigo que perde toda proteção do ambiente social”.

         A política de segurança do PSOL precisa encarar a discussão da segurança e da violência como produto da desigualdade social: “a violência não será combatida com mais aparato e com mais violência, mas sim a partir de uma dinâmica de desenvolvimento real, de distribuição de riqueza, de desenvolvimento social”, reforçou Juninho.

    Propostas:

    • Políticas de proteção aos direitos humanos e combate às opressões
    • Pelo fim do caráter atual “militarizado” das Guardas Civis Metropolitanas e reforço da atuação comunitária
    • Foco em políticas de revitalização dos espaços e de combate à desigualdade

     

    Tema 3: Poder local nas periferias e no interior

    Local: Nova Iguaçu – RJ

    Participantes: Carlos Vainer (urbanista), Sandra Quintela, Glauber Braga (deputado federal – RJ), José Cláudio Souza Alves (sociólogo/UFRRJ), Josemar Carvalho (geógrafo/São Gonçalo-RJ), Leci Carvalho (pedagoga e presidenta do PSOL-Nova Iguaçu,), Cid Benjamin (jornalista) e Álvaro Neiva (presidente do diretório estadual do Rio de Janeiro)

         As políticas públicas não podem se resumir às capitais. Mesmo quando pensamos nelas, é decisivo incorporar as regiões metropolitanas no debate, porque para as pessoas as fronteiras entre os municípios muitas vezes representam impedimentos e dificuldades. Para Carlos Vainer é preciso superar as divisões baseadas em municípios, muitas vezes incorporadas pelos próprios partidos que têm viés contra-hegemônico. “Sou a favor do comitê metropolitano. Nós queremos os impostos da Barra da Tijuca sendo aplicados em Nilópolis (…) O poder é a capacidade de articular escalas, sejam elas globais, nacionais ou locais”, afirmou Vainer.

         O programa do PSOL é construído em parceria com os movimentos sociais. Sandra Quintela, economista do PACS (Políticas Alternativa para o Cone Sul), lembrando seus vínculos com a Baixada, citou exemplos de embates como os comitês em Nova Iguaçu contra a ALCA, pescadores da Zona Oeste do Rio contra a TKCSA, Comitês Populares denunciando as políticas de exclusão relacionada à Copa e às Olimpíadas. Para Sandra, “o debate sobre poder local não pode abrir mão de fazer as disputas de classe, afinal, o capital é global”.

         Fechando a primeira parte do debate, o deputado federal Glauber Braga (PSOL/Nova Friburgo-RJ) falou sobre as relações entre institucionalidade e resistência nas ruas.  “Somos o partido que toda sexta-feira está em praça pública no Centro do Rio. Temos que construir os programas e prestar contas nas praças, não para negar o poder representativo que hoje existe, mas por entender que ele não dá conta de um projeto de ruptura”, afirmou Glauber.

       Na parte da tarde o debate contou com a participação dos professores José Cláudio Souza Alves (sociólogo/UFRRJ), Josemar Carvalho (geógrafo/São Gonçalo), e Leci Carvalho (pedagoga e presidenta do PSOL-Nova Iguaçu,); do jornalista Cid Benjamin.e do presidente estadual do PSOL-RJ, Álvaro Neiva. Em pauta, as particularidades da militância na Baixada e na periferia em geral, os problemas na segurança e no serviço público e os desafios da luta institucional, entre outros temas.

    Propostas:

    • Políticas integradas para Região Metropolitana – mobilidade urbana, segurança pública, saneamento básico, saúde etc
    • Criação de comitês metropolitanos e de laços entre os governos e os cidadãos dessas regiões

     

    Tema 4: Cidades Negras

    Local: Salvador-BA

    Participantes: Samuel Vida (UFBA), Linesh Ramos (professora) e Dennis Oliveira (USP)

         Para o PSOL o racismo é parte estrutural da formação social do país e da luta de classes. Como destacou o professor Dennis de Oliveira,  o “racismo é a ideologia que vai definir quem tem e quem não tem patrimônio e renda; o racismo que define quem é e quem não é cidadão e é o racismo que define quem é o autor e quem é a vítima da violência. Ele vai ser o elemento que vai justificar essa clivagem que acontece pela lógica do Estado brasileiro”.

         Do ponto de vista da gestão do Estado e das políticas públicas, enfrentar o tema do racismo institucional é decisivo para uma gestão que quer combater o racismo estrutural. Para Samuel Vida, “falar de racismo institucional é tentar entender como esses mecanismos operam de formas distintas e com várias roupagens, podendo ocorrer, inclusive, em espaços governados e administrados por pessoas negras”.

         Da mesma forma, destacamos a importância de abordar esse tema de forma intersetorial, com conexões com a questão das mulheres em especial: “o empoderamento das mulheres negras é fundamental à luta democrática. O racismo atua no sentido de manter a faxina ética. Não existe socialismo e liberdade se não tivermos o fim do racismo”, afirmou Linesh Ramos.

         Para o PSOL a temática do combate ao racismo não pode se resumir às ações de uma pasta específica, devendo estar presente em todas as ações institucionais e políticas públicas, além das políticas específicas.

    Propostas:

    • combate ao racismo institucional
    • combate à violência contra o jovem periférico
    • combate à violência contra a mulher negra

     

    Tema 5: Comunicação

    Local: Fortaleza-CE

    Participantes: Aldenor Jr. (ex secretário de comunicação de Belém), Roger Pires (coletivo Nigéria) e Helena Martins (coletivo Intervozes)

         Segundo a Unesco “todas as pessoas têm o direito de produzir, receber e fazer circular informações”. Essa concepção é mais do que garantir a liberdade de expressão, é pensar em formas e políticas que garantam a todas as pessoas o direito de acessar, produzir e difundir informações e cultura. Esse direito, no entanto, é negado pelo alto grau de concentração da propriedade dos meios de comunicação, inclusive em âmbito municipal (donos de rádios e jornais locais são ligados ao poder econômico).

         Junto dos movimentos sociais, é preciso pensar outras formas de comunicação e de identidade visual. Para Roger Pires, a comunicação no âmbito municipal reflete a segregação existente na própria cidade: a representação dos centros é hegemônica, enquanto que as periferias não se apresentam representadas nos grandes veículos: “qual é o Ceará que nós vemos na televisão?”, questionou.

         Mais do que as políticas específicas de comunicação, é preciso ter uma linha de atuação militante, que contribua para a organização popular e faça o enfrentamento com o pensamento e as forças hegemônicas, na direção da ampliação da participação popular. Assim, a comunicação precisa ser feita “a partir do olhar ‘dos de baixo’, como uma ferramenta para educar, para organizar e para politizar o povo”.

    Propostas:

    • wi fi livre e incentivo à produção popular
    • incentivo à distribuição e circulação da produção popular
    • incentivo à comunicação popular, jornais de bairro, rádios comunitárias, produção local
    • comunicação militante com engajamento social

     

    Tema 6: Meio ambiente

    Local: Fortaleza – CE

    Participantes: Márcio Astrini (Greenpeace) e Alexandre Araújo (PBMC – Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas)

         Pensar em outro modelo de desenvolvimento, sustentável e que respeite todas as formas de vida. O Ecossocialismo, ou qualquer outro nome que se queira dar para uma alternativa para além do capitalismo, precisa ser um projeto que supere o capital em dois aspectos: o da desigualdade social e o do colapso ambiental que promove.

          É importante romper com a dicotomia Homem versus Natureza, e compreender que a humanidade é parte integrante da natureza. O planeta Terra deve ser visto como um único organismo com um metabolismo próprio. Entretanto, a ação do homem no planeta, forçada pela atual forma de exploração devastadora, acaba por desequilibrar este metabolismo, comprometendo a sobrevivência de todas as espécies.

         A tarefa que cabe é a de adequar a exploração do planeta com as reais necessidades da humanidade, o que é incompatível com o atual sistema capitalista, uma vez que a superexploração dos recursos naturais, com o aumento da produção de dejetos, contaminação do meio-ambiente e destruição de biomas, se torna cada vez mais aceleradas na busca da produção de capital e sua consequente hiperconcentração. É mais do que urgente se buscar soluções de baixo custo e alta rentabilidade para o conjunto da sociedade, na construção de uma cadeia produtiva baseada na economia criativa e solidária.

    Propostas:

    • Eficiência no gerenciamento dos dejetos
    • Estímulo a soluções criativas de produção com baixo impacto ambiental e alto retorno social
    • Vigilância rigorosa do uso de agrotóxicos e fertilizantes químicos
    • Incentivo a nova matrizes energéticas, como o programa de instalação de placas solares em equipamentos públicos
    • Estímulo à criação de cadeias de produção e circulação de mercadorias, orientadas pela perspectiva da economia solidária

     

    Tema 7: Moradia e mobilidade

    Local: Recife-PE

    Participantes: Lucio Gregori (ex-secretário governo municipal de São Paulo, na gestão de Luiza Erundina), Socorro Leite (ONG Habitat), Leonardo Cisneros (Ocupe Estelita) e Vitor Guimarães (MTST)

         A cidade tem sido alvo do capital para se tornar espaço de valorização, produzindo desigualdades e exclusão social. O direito à cidade foi abordado em torno dos temas da moradia e da mobilidade urbana.

         Socorro Leite, diretora executiva da ONG Habitat para a Humanidade Brasil, destacou  que “o direito à moradia não está à frente da política pública”. Apresentou também uma série de propostas para a inversão das prioridades nesse tema, como a ocupação de imóveis ociosos, recursos locais para moradia, planejamento para a cidade, proteção nas ZEIS, regularização da posse, diversificação soluções habitacionais e, em especial, a participação popular.


         Já Vitor Guimarães, da coordenação nacional do MTST, destacou que “não existe programa habitacional, existe um projeto econômico, pois a crise urbana é um projeto político. Quem é dono da terra é dono da cidade. O Minha Casa Minha Vida não questiona a especulação imobiliária”. Concluiu chamando à luta e à organização popular, destacando que um programa de esquerda deve enfrentar a questão do valor da terra, ampliar e regulamentar o estatuto das cidades e estabelecer comitês democráticos de mediação de conflitos.


         Para falar de mobilidade, o engenheiro Lucio Gregori, que foi secretário de transporte da gestão Luiza Erundina na cidade de São Paulo, apontou que “a luta de classes é no chão das cidades, mais que nas fábricas”. Lembrando que a mobilidade é questão transversal, destacou também a participação popular e concluiu dizendo que “se a cidade fosse nossa a mobilidade seria de todos”.


        Por fim, Leonardo Cisneros, Professor UFRPE e ativista dos Direitos Urbanos – Recife e do Ocupe Estelita, lembrou que “mobilidade é problema político, cujas soluções expressam visões sobre o modelo de cidade. É a democracia direta do capital, que articula investimentos públicos com os interesses privados”. Assim, a questão da transparência e das prioridades é central, garantindo ao povo a capacidade de decidir e não apenas participar de conferências e consultas esvaziadas de poder.

    Propostas:

    • inversão das prioridades. Ocupação de imóveis ociosos, recursos locais para moradia, planejamento para a cidade, proteção nas ZEIS, regularização da posse, diversificação soluções habitacionais e, em especial, a participação popular.
    • enfrentar a questão do valor da terra, ampliar e regulamentar o estatuto das cidades e estabelecer comitês democráticos de mediação de conflitos.
    • transparência e das prioridades é central, garantindo ao povo a capacidade de decidir e não apenas participar de conferências e consultas esvaziadas de poder

     

    Tema 8: Participação popular

    Local: Belém-PA

    Participantes:  Edmilson Rodrigues (deputado federal-PA), Juliano Ximenes (urbanista) e Jurandir Novaes (urbanista)

         A radicalização da democracia, a participação da sociedade e a construção do poder popular são as principais marcas da proposta de governo do PSOL, ao lado da ideia de inversão de prioridades. Somente  com o povo tendo voz ativa nas decisões do governo é que seus interesses serão atendidos. A crise política e o governo golpista de Michel Temer reforçam essa importância, propondo um formato de governo totalmente oposto ao ministério de homens brancos e ricos de Temer.


         Juliano Ximenes falou sobre a importância de se instituir um ativismo comunitário no Brasil como uma medida para melhorar os mecanismos de controle político utilizados pela população. “Tais processos conferem força e diminuem os conflitos da população. O ativismo é um processo necessário e deve estar integrado às políticas para democratizá-las plenamente”, enfatizou. Já Jurandir Novaes complementou a contribuição do arquiteto, Juliano Ximenes, ao dizer que “a participação popular é uma decisão política, que serve para romper a lógica da dominação sobre o povo”.

         Edmilson Rodrigues finalizou o debate, destacando que a falta da participação popular é um dos fatores que contribuiu para o aprofundamento da crise vivida no Brasil e sofrida pela população. “A participação do povo na gestão é o instrumento que deve ser usado para que superemos as crises e para que possamos caminhar rumo a um futuro democrático, sem diferenças na sociedade e que tenha a população como foco”, concluiu.

    Propostas:

    • Ampliar e reforçar as formas de participação popular, através de conselhos, conferências e mecanismos de participação direta nas decisões, bem como reforçar mecanismos de controle social dos gastos e contratos.
    • Descentralizar o governo e estabelecer mecanismos de protagonismo local e popular.

     

    Tema 9: Educação.

    Local: São Paulo-SP

    Participantes: Luiz Araújo (professor UNB e presidente nacional do PSOL), Lisete Arelaro (professora da Faculdade de Educação da USP) e Sylvie Klein (pesquisadora), com comentários de Paula Coradi (professora)

         Para o PSOL, é central a defesa da educação pública, gratuita e de qualidade para todas e todos. A efetivação desse direito depende das prioridades e opções do governo. Luiz Araújo, professor da UNB e presidente nacional do PSOL, contou que no governo de Belém, quando foi secretário de Educação, “o Edmilson reuniu lá no palácio do governo a equipe que trabalhava comigo na secretaria e fez a seguinte pergunta: de tudo que vocês estão fazendo ou estão planejando fazer, o que a direita não faria?”.

         Para a esquerda socialista são três tarefas: a) garantir o acesso universal aos direitos sociais, o que envolve a inversão de prioridades e a “disputa do fundo público com outras prioridades”; b) fazer uma disputa de valores pela herança imaterial de concepções, o que implica em “empoderar a população”; e c) radicalizar a participação popular , “abrir os dados e discutir a sua composição e capacitar a população a discutir isso e decidir de forma inclusive diferente”.

         Já a professora Lisete Arelaro, professora da Faculdade de Educação da USP, começou lembrando que “nós estamos em tese numa democracia, e efetivamente a gestão democrática foi para as cucuias”. E que a preocupação com os números de matriculados precisa ser balizada pela qualidade. E como faz pra melhorar a qualidade? “Querido, se tiver uma jornada digna para o professor e ele ganhar um salário minimamente decente, surpresa, dá certo a escola, em geral”.

         Sobre a educação de jovens e adultos e a alfabetização no país, Lisete lembrou da enorme dívida social, do alto número de analfabetos e de adultos que não passaram do ensino fundamental ou médio: “ Porque ele pensa: eu trabalho nove horas, 14h eu estou aqui, duas horas para voltar, se eu ainda for estudar três horas e meia, quatro, tem que valer muito à pena”.

          Finalizando o debate, a pesquisadora Sylvie Klein falou sobre educação infantil, que é uma das responsabilidades dos municípios. Para ela, “a creche e a educação infantil, é um direito das crianças, é um direito que as crianças têm de estarem num espaço público, que as crianças têm de estarem num espaço coletivo, um espaço entre pares, que ela saia daquele núcleo que é caminhar, que é o espaço do privado, para estar nesse lugar”. Aqui, o desafio é o acesso com qualidade: “Se é direito das crianças, de todas as crianças, ela é um dever do estado, e aí o estado tem que se responsabilizar por esse atendimento. E o que a gente tem visto é uma desresponsabilização do estado via política de conveniamento”.

    Propostas:

    • Fim das matrículas da educação infantil nas entidades conveniadas e progressiva retomada da prefeitura
    • Limite de alunos por sala de aula definido por critérios pedagógicos
    • Ampliação dos programas de alfabetização de Jovens e Adultos
    • Valorização do professor e ampliação dos mecanismos de participação social nas escolas
  • Conselho Nacional de Educação vai emitir parecer sobre OSs em escolas de Goiás

    Conselho Nacional de Educação vai emitir parecer sobre OSs em escolas de Goiás

    Educação não é mercadoria
    Educação não é mercadoria

    Brasília, 21/02/2016 (Agência Brasil) – O Conselho Nacional de Educação (CNE) analisa o projeto goiano de transferência da administração de escolas públicas estaduais para organizações sociais (OSs) e, a pedido do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Goiás (Sintego), deverá expedir um parecer sobre a questão em até três meses. Segundo conselheiros, é papel do Estado ofertar educação de qualidade e a transferência pode configurar uma “declaração de incompetência”.

    Embora o conselho ainda não tenha um posicionamento oficial, a questão preocupa os integrantes do colegiado, que têm muitas dúvidas sobre o projeto. Na última semana, durante reunião da Câmara de Educação Básica, que analisa a questão, a Agência Brasil conversou com conselheiros sobre a proposta do governo goiano.

    “Não podemos responder por qualquer estado brasileiro que faça isso, porque tem direito de fazer, há brechas legais, espaços legais”, disse o presidente da Câmara de Educação Básica, Luiz Roberto Alves. Ele destacou, no entanto, que a Constituição Federal e leis educacionais definem que o responsável pela oferta de educação pública “é o instituído, que é o governador, secretário e as demais pessoas, esses são os responsáveis. O estado tem responsabilidade plena no processo de oferta e qualidade da educação”.

    Para o conselheiro Antonio Ibañez, a iniciativa de Goiás demonstra falhas na gestão estadual da educação. “Estranho que o estado tenha que apelar para uma organização social para dizer que vai melhorar a educação. Isso para mim é uma declaração de incompetência. O estado não pode fazer isso porque ele continua sendo responsável”.

    Pela proposta do governo goiano, organizações sociais, que são entidades privadas sem fins lucrativos, deverão cuidar da administração e infraestrutura de escolas e poderão também contratar professores quanto funcionários administrativos. As OSs serão responsáveis pela formação continuada do corpo docente e pela garantia de melhorias no desempenho dos estudantes. O projeto-piloto começará por 23 unidades da Subsecretaria Regional de Anápolis, na região metropolitana de Goiânia.

    A questão é polêmica. Desde dezembro do ano passado, estudantes secundaristas, professores e apoiadores ocupam escolas em protesto ao projeto. Eles chegaram a ocupar 28 escolas e a Secretaria de Educação, Cultura e Esporte (Seduce). A ocupação das escolas em funcionamento foi encerrada na última sexta-feira (19).

    O Ministério Público Federal, o Ministério Público de Goiás e o Ministério Público de Contas do Estado recomendaram o adiamento do edital de convocação das OSs. Promotores e procuradores consideraram vários pontos do edital inconstitucionais.

    Veja abaixo trechos da avaliação de conselheiros do CNE ouvidos pela Agência Brasil sobre a proposta de Goiás de transferir a gestão das escolas para organizações sociais:

    Luiz Roberto Alves
    Presidente da Câmara de Educação Básica

    “Os estados têm pleno direito de constituir o processo organizacional da rede. A Constituição, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) responsabilizam plenamente a autoridade instituída para fazer educação, junto com a família, junto com a sociedade. Nenhum governo pode imaginar que está chamando uma outra organização para compensar algo que é ruim, nenhum estado poderá dizer que o seu trabalho é ruim e que ele está chamando alguém para fazer no lugar dele. Os estados são plenamente responsáveis. O estado nacional, local, regional é responsável até as últimas consequências pela organização, finanças, currículo, trabalho com as crianças.

    Nos anos 90 isso foi assunto corriqueiro: ‘o estado é incompetente, o estado não consegue fazer, vamos arrumar quem faça’, e até o mercado e outras instituições quaisquer seriam organizadoras melhores que o estado. Isso não pode ser verdade, nem constitucionalmente nem de acordo com a LDB.”

    Antonio Carlos Caruso Ronca
    Vice-presidente da Câmara de Educação Básica

    “Eu tenho dúvidas [quanto a legalidade da transferência da administração das escolas para Oss]. Acho que há uma questão constitucional de que compete ao Poder Público a oferta de educação básica. Não sei se nós podemos entregar a educação básica pública na mão de OSs, igreja ou qualquer outra situação.

    Não temos ainda uma posição, mas quero estudar melhor essas questões que o Ministério Público está levantando. Está garantida a gestão democrática, que é constitucional? Está garantida a questão da gratuidade, mesmo com a imposição de taxas que porventura possam ser disfarçadas com outra finalidade? O princípio do Artigo 206 [da Constituição], de igualdade de condições para acesso e permanência, liberdade de aprender, isso está garantido? Todas essas questões, a meu ver, precisam ser estudadas com cautela.”

    Antonio Ibañez Ruiz
    Conselheiro

    “Estranho que o estado tenha que apelar para uma organização social para dizer que vai melhorar a educação por OS. Isso para mim é uma declaração de incompetência. O estado não pode fazer isso porque ele continua sendo responsável. Mas vai ter a responsabilidade sem ter uma política, sem ter o dia a dia. De fato, a política de formação de educação quem vai ter é a OS e vai ter por objetivos que nós consideramos que não são os mais apropriados, que são as metas do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Isso traz uma competição na escola enorme. Enfim, não vai ser nada que vai trazer melhorias.”

    José Fernandes de Lima
    Conselheiro

    “A Constituição diz claramente que educação é direito de todos e dever do Estado. Então, o Estado não pode se abster de cuidar da educação na sua inteireza. E, ainda mais, o Artigo 208 estabelece as obrigações do Estado, desde a idade de atendimento e ainda diz que a oferta irregular deve ser penalizada. A oferta irregular pode ser caracterizada por várias dessas atividades que foram levantadas aqui. Considero que a preocupação é legitima e temos que nos debruçar sobre ela”.

    Goiás: dirigentes de OSs não estão aptos a administrar escolas, dizem MPs

    O Ministério Público Federal, o Ministério Público de Goiás (MPGO) e o Ministério Público de Contas do Estado questionam a capacidade das organizações sociais (OSs) qualificadas pelo governo de Goiás para administrar escolas estaduais. Segundo recomendação expedida na última semana, nenhuma delas atende aos requisitos previstos na legislação, na Lei Estadual 15.503/2005.

    O governo goiano pretende começar este ano a transferir a gestão das escolas estaduais para OSs, iniciativa inédita no país na área de educação. A implantação começa em 23 escolas e deverá chegar a 200 até o final do ano. Polêmica, a proposta é alvo de críticas de especialistas e motivou a ocupação de 28 escolas no estado desde dezembro do ano passado.

    O documento dos ministérios públicos mostra que alguns dirigentes respondem a processos judiciais, são acusados de falsidade ideológica, estelionato, fraudes em concurso público e improbidade administrativa. Outros, segundo os MPs, não possuem nada que aponte para a “notória capacidade profissional a ponto de ser responsável por uma organização social da área de educação, conforme exige a lei”.

    “Os responsáveis pelas organizações sociais recentemente qualificadas pelo estado de Goiás não comprovaram notória capacidade profissional a ponto de ser reconhecido em sua área de atuação ou não possuem idoneidade moral”, diz o documento, que acrescenta que as instituições que possuem responsáveis processados “não poderiam ter sido qualificadas como organizações sociais pelo estado de Goiás”.

    Em nota, a Secretaria de Educação, Cultura e Esporte (Seduce) diz que prestará os esclarecimentos sobre o projeto diretamente ao Ministério Público. Em conversa com internautas na última quarta-feira (17), a secretária de Educação do estado, Raquel Teixeira, foi perguntada sobre a idoneidade das OSs qualificadas e respondeu que esse tipo avaliação depende da conclusão da seleção de entidades.

    “Acho que a pergunta está um pouco precipitada, vamos falar da OSs quando tivermos o resultado. Ainda não sabemos qual OS será classificada. A gente não sabe ainda por quem ela será comandada.”

    O edital de chamamento das entidades foi lançado no fim do ano passado e a abertura dos envelopes foi feita no último dia 15. Dez das 11 entidades qualificadas apresentaram propostas. Segundo a Seduce, todas as OSs interessadas tiveram alguma pendência na documentação. Uma nova sessão foi agendada para o dia 25 de fevereiro.

    Pontos inconstitucionais

    A questão chamou atenção dos ministérios públicos, que consideraram vários pontos do edital inconstitucionais. Na recomendação de adiamento do certame expedida essa semana, promotores e procuradores destacam como irregularidades pontos do projeto que abrem margem para a desvalorização dos professores e preveem a utilização de recursos da União para pagar profissionais não concursados. O documento recomenda o adiamento do edital até que essas questões sejam solucionadas.

    Veja as alegações dos MPs sobre cada uma das entidades qualificadas pelo governo de Goiás para a seleção:

    Educar: Tem como responsável Hilda Regina Ferreira Sena, servidora da Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia e coordenadora de escolas particulares de Goiânia. Hilda também é ligada à Universidade Norte do Paraná, mas nada que aponte para uma notória capacidade profissional a ponto de ser responsável por uma organização social da área de educação, conforme exige a lei.

    A Agência Brasil entrou em contato com a entidade, mas não recebeu resposta até o fechamento da reportagem.

    IDGE: OS responsáveis pela entidade, Joveny Sebastião Cândido de Oliveira e Danilo Nogueira Magalhães, figuram como investigados pela prática do crime de falsidade ideológica nos autos de inquérito policial em curso na 11ª Vara Criminal de Goiânia. A entidade é ligada ao Centro Universitário de Goiás (Uni-Anhanguera).

    A IDGE foi a única entre as qualificadas que não apresentou proposta para concorrer ao edital. A Agência Brasil entrou em contato com a entidade, mas não recebeu resposta até o fechamento da reportagem.

    GTR: Tem como responsáveis André Luiz Braga das Dores e Antônio Carlos Coelho Noleto. O primeiro é réu em ações penais e de improbidade administrativa decorrentes da Operação Fundo Corrosivo, deflagrada pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público do Estado de Goiás. O segundo é membro do PSDB/GO, servidor da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás cedido para a governadoria de julho a dezembro do ano passado e beneficiário de suspensão de processo em razão da prática do crime de concussão.

    Em nota, a GTR diz que ambos não fazem mais parte do quadro de associados. “A morosidade dos órgãos públicos federais tem causado transtornos. Até o momento, a Receita Federal não alterou os nomes dos responsáveis legais em seu sistema, apesar do pedido já ter sido protocolado há algum tempo”, argumenta a OS.

    IBEG: A responsável pela organização, Silvana Pereira Gomes da Silva e a entidade não têm idoneidade moral, segundo os MPs, porque foram condenadas pela Justiça Estadual de Goiás em ação civil de improbidade administrativa em razão de fraudes perpetradas em concurso público realizado pelo Município de Aparecida de Goiânia-GO.

    Em nota, o IBEG diz que irá discutir o processo até a última instância. Diz ainda que não há sentença condenatória transitada em julgado, o que garante à entidade e a sua presidenta o exercício regular de seus direitos. “O processo é público e em sua sentença não faz nenhuma referência à fraude perpetrada em concurso público, trata de questões meramente contratuais e procedimentais.”

    ECMA: Tem como responsável José Izecias de Oliveira, acusado de peculato e associação criminosa contra a Universidade Estadual de Goiás (UEG), processo decorrente da Operação Boca do Caixa, desencadeada pelo MPGO e que resultou em bloqueio de bens dos envolvidos.

    Em nota, o ECMA diz que a ação é “equivocada como um todo, o que se espera seja oportunamente declarada pelo Judiciário, como já consta na última decisão colegiada em recurso de habeas corpus, que determinou a retirada de prova ilícita utilizada pelo Ministério Público, que embasou o oferecimento da denúncia”. A entidade diz ainda que processo não foi transitado em julgado, cabendo o princípio da presunção da inocência.

    INOVE: Tem como responsável o veterinário Relton Jerônimo Cabral, que tem contra si um boletim de ocorrência narrando suposta prática do crime de estelionato pela venda de um cão doente em estado terminal. Não há notícia de histórico na área de educação em favor de Relton.

    A entidade diz que só irá se posicionar após o fim do processo de licitação.

    IBRACEDS: Um de seus responsáveis, André Luiz Braga das Dores, é réu em ações penais e de improbidade administrativas decorrente da Operação Fundo Corrosivo, deflagrada pelo MPGO.

    Em resposta, o presidente da entidade, Antônio de Sousa Almeida, argumentou que “Nossa Constituição é muito clara: enquanto o cidadão é processado mas não foi julgado e condenado, não é um réu. [André Luiz Braga das Dores] é pessoa íntegra e sofre acusações injustas. O Ibraceds irá mantê-lo. Sei de sua idoneidade e capacidade.”

    IBCES: Tem como responsável Helena Beatriz de Moura Belle, profissional ligada à Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC – GO), ao Colégio Decisão e à Faculdade de Anicuns, mas nada que aponte para uma notória capacidade profissional a ponto de ser responsável por uma organização social da área de educação, conforme exige a lei.

    A entidade diz que aguardará o posicionamento da Seduce.

    FAESPE: Tem como responsável Marlene Falcão Silva Miclos, profissional ligada a uma fundação de ensino sediada em Goianésia – GO, mas nada que aponte para uma notória capacidade profissional a ponto de ser responsável por uma organização social da área de educação, conforme exige a lei.

    A Agência Brasil não conseguiu entrar em contato com a entidade.

    CONSOLIDAR: A responsável pela organização, Melissa Nascimento de Barros, é ligada à Faculdade Cambury, mas nada que aponte para uma notória capacidade profissional a ponto de ser responsável por uma organização social da área de educação, conforme exige a lei.

    Em nota, Melissa questionou a avaliação dos ministérios públicos.“Basta analisar o meu currículo e todas as minhas competências e experiências vivenciadas e se certificará que estou habilitada para ocupar o cargo”. A responsável pela entidade diz que já atuou na Universidade Estadual de Goiás, na Universidade Católica de Goiás, entre outras, e que trabalhou em projetos educacionais junto ao estado de Goiás e ao governo do Distrito Federal.

    “Sempre procurei estar atualizada sobre os diversos acontecimentos que causaram repercussão técnica e também política na área da educação”, acrescentou.

    OLIMPO: Tem como responsável Marcelo de Moraes Melo, proprietário do Colégio Olimpo, mas nada que aponte para uma notória capacidade profissional a ponto de ser responsável por uma organização social da área de educação, conforme exige a lei.

    A Agência Brasil não conseguiu entrar em contato com a entidade.

    Mariana Tokarnia é repórter da Agência Brasil

  • Proposta indecente

    Proposta indecente

    Luiz Araújo
    Luiz Araújo

    Há um grande consenso nos que pesquisam educação sob o olhar do financiamento: sem a vinculação de impostos o patamar de inclusão educacional brasileiro seria bem menor.

    Da mesma forma, qualquer levantamento que seja feito entre governadores e prefeitos, mesmo em épocas de crescimento econômico, apontará uma maioria favorável a desvincular as receitas de impostos da área social, dentre elas a educação. E, em épocas de crise econômica e a consequente queda de receitas, isso volta à tona com bastante força.

    Em 1994 foi a primeira vez que no período pós Constituição de 1988 a vinculação sofreu revés. Foi aprovada a Emenda que previa o Fundo Social de Emergência. De lá para cá, seguidas vezes, passando pelos governos Fernando Henrique, Lula e Dilma, a desvinculação das receitas foi sendo prorrogada, apenas mudando de nome até chegar na atual DRU.

    Em 2009 a educação conseguiu importante vitória. Por meio da Emenda Constitucional nº 59 foi retirada a educação do cálculo da DRU, de forma paulatina. Desde 2011 que a área deixou de ser prejudicada por este instrumento de ajuste fiscal.

    Na abertura dos trabalhos legislativos de 2016, a presidenta Dilma foi ao Congresso e anunciou um aprofundamento das medidas de ajuste fiscal. Muitas propostas apresentadas são nocivas aos interesses do povo brasileiro (excetuando os credores da dívida pública e o setor privado), mas reproduzo abaixo o tema deste post:

    As principais medidas temporárias nessa direção são a aprovação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) e a prorrogação da Desvinculação de Receitas da União pelo Congresso Nacional. Vamos propor a participação dos Estados e Municípios na arrecadação da CPMF, destinando esses recursos para a seguridade social. Além disso, proporemos a adoção da Desvinculação de Receitas de Estado (DRE) e da Desvinculação de Receitas dos Municípios (DRM) também para Estados e Municípios. Nós, as três esferas de governo, precisamos de mais flexibilidade para gerir o orçamento e de novas receitas para dar sustentabilidade à transição do ajuste fiscal à reforma fiscal.

    Ou seja, a presidenta Dilma vai apresentar ao Congresso Nacional a prorrogação da DRU, abrindo as portas para pressões para incluir a educação novamente nesta conta, posto que a composição (e o clima político) do atual Congresso tem favorecido aprovação de propostas cada vez mais retrógradas. E mais, vai atender ao pleito dos governadores e prefeitos e propor a instituição da DRE e DRM. Tudo isso, obviamente, para “dar sustentabilidade à transição do ajuste fiscal à reforma fiscal”.

    Qual a consequência da aprovação dessas medidas, especialmente nos estados e municípios?

    1º. A manutenção e desenvolvimento do ensino básico no país é garantido pelos recursos vinculados por estados e municípios. A cada cinco reais, quatro saem dessa fonte vinculada. Permitir que seja “flexibilizada” a regra constitucional é autorizar governadores e prefeitos e aplicar menos recursos em educação (e saúde também!). Simples assim.

    2º. Como não fica claro se haverá alguma mudança no teor do artigo 60 ADCT atual, que obriga destinar 20% dos recursos de impostos para o Fundeb, podemos trabalhar com duas hipóteses, ambas nocivas para a educação:

    – A primeira, será estabelecido um percentual de desvinculação (20%, por exemplo) e somente depois é que serão aplicados os percentuais e demais subvinculações (no formato que ocorre na União com a área da saúde e acontecia com a educação). Assim, aparentemente continuarão a ser bloqueados 20% dos impostos, mas na prática o montante de recursos que serão bloqueados será de 80 e não 100.

    – A segunda, será autorizar não comprovar a aplicação em educação do percentual não bloqueado pelo Fundeb, o que também é profundamente impactante.

    Vejamos uma conta simples das duas hipóteses:

    Município A que receberá em 2016 o montante de R$ 1.000.000,00 de ICMS. Antes eram bloqueados R$ 200.000,00 para o Fundeb e deveria comprovar que, além desses, aplicou outros R$ 50.000,00 em educação.

    Na primeira hipótese, serão retirados R$ 200.000,00 da conta vinculante e os 20% do Fundeb serão aplicados sobre R$ 800.000,00, ou seja, serão bloqueados R$ 160.000,00, mais a obrigatoriedade de comprovar outros R$ 40.000,00 (5% de R$ 800.000,00). Assim, ao invés de R$ 250.000,00 na educação, teremos R$ R$ 200.000,00.

    Na segunda hipótese, que permite não comprovar os 5% não bloqueados, sumiriam também R$ 50.000,00.

    O exemplo é monetariamente pequeno, mas utilizando os valores recentemente publicados em excelente levantamento do INEP (Efeito supletivo do Fundeb via complementação da União, de autoria de Mariano Oliveira, Elenita Rodrigues e Marcelo Souza), podemos utilizar uma receita de impostos vinculada a educação (sem impostos municipais) de R$ 578 bilhões em 2014. Pelas regras atuais, 20% deste montante (R$ 115,6 bilhões) foram bloqueados pelo Fundeb. A União complementou R$ 11,5 bilhões e chegamos aos R$ 127,1 bilhões aplicados no referido ano.

    Pois bem, se a desvinculação já estivesse em vigor e usando a primeira hipótese (sem receitas municipais vinculadas) teríamos uma diminuição de R$ 23,1 bilhões!!! Somando uma complementação menor da União (é 10% do que estados e municípios depositam no Fundeb) teríamos uma participação de R$ 9,2 bilhões.

    A perda em 2014 teria sido de R$ 25,3 bilhões!!! Isso sem contar com as perdas da desvinculação das receitas de impostos municipais e perdas numa possível reincorporação da educação na DRU, cujo risco não pode ser descartado.

    16 de fevereiro de 2016

    Luiz Araújo é professor, doutor em políticas públicas em educação pela USP. Secretário de educação de Belém (1997-2002). Presidente do INEP (2003-2004). Assessor de financiamento educacional da UNDIME Nacional (2004-2006). Assessor do senador José Nery -PSOL/Pa (2007-2009). Consultor na área educacional. Consultor Educacional da UNDIME Nacional (2010/2011). Assessor da Senadora Marinor Brito – PSOL-PA (2011). Assessor da Liderança do PSOL no Senado Federal (2012-2013). Atualmente é Professor da Faculdade de Educação da UNB.

  • Ocupações das escolas goianas expõem faceta terrorista das relações público-privadas

    Ocupações das escolas goianas expõem faceta terrorista das relações público-privadas

    pm_escola_goiásEntre o final de um 2015 de crise e o início de um novo ano de mais crise e precarização da vida, persiste a grande cortina de fumaça sobre os estudantes secundaristas de Goiás e sua resistência à versão local de “reorganização escolar”, celebrizada nas mais de 200 ocupações de escolas estaduais em São Paulo. Para entender o contexto goiano, conversamos com a professora Kim Xavier, que tem acompanhado de perto o dia a dia dos secundaristas goianos.

    “No primeiro ato, antes das ocupações, a polícia jogaria jatos de água para dispersar a multidão, como normalmente fazem. Mas jogaram jatos de esgoto nos manifestantes. Alguns foram parar no hospital por intoxicação”, conta Kim Xavier, logo após dar um panorama geral da situação anterior, na qual algumas escolas foram entregues para a administração da Polícia Militar, tornando-se, literalmente, escolas militares, para além das que já haviam sido entregues a Organizações Sociais (OSs), com possibilidades até de cobrança de mensalidade.

    Ela conta que no início do movimento o tempo era de “vacas gordas” no que se refere ao apoio da sociedade. Recebiam muitas doações e faziam oficinas abertas para a população. Defende que graças à repressão policial, ameaças e muita propaganda midiática contra os alunos e seus familiares, muitos apoiadores ficassem mais distantes. Como pano de fundo, o tradicional conluio entre agentes do estado e pretensos empresários de um ramo com potencial de lucro.

    “Já fizeram o processo para a região de Anápolis e entorno. De três das empresas que ganharam a licitação, uma delas é da Maria do Rosário, ex-reitora da UFG, hoje no conselho estadual de educação e aliada do governo estadual. José Izecias, ex-reitor da UEG, já foi condenado por processo de corrupção e é uma das pessoas que foram licitadas. Seu escritório ganhou licitação para educação, cultura e saúde, porque a saúde aqui também está sendo gerida por OSs, e o escritório dele é o mesmo escritório de um outro advogado que, por coincidência, é o advogado do governador do estado”.

    Já a brutal violência policial, infelizmente, se tornou a assinatura do Estado brasileiro em toda e qualquer mobilização social que promova um debate mais amplo, qualquer seja a questão, e neste caso os graves casos de agressão e abuso de poder também dizem presente. “É perfeitamente possível perceber que toda a violência é arquitetada pelo governo do estado”, denuncia a professora.

    Confira abaixo a entrevista na íntegra.

    Correio da Cidadania: Acompanhamos que o movimento secundarista goiano se levantou após o anúncio do governo estadual de que mudaria a gestão das escolas públicas, passando-as para a administração das ditas Organizações Sociais. Como estava a situação das escolas estaduais de Goiás no período anterior a este estouro? Já havia indícios do novo plano de governo?

    Kim Xavier: Já está em funcionamento algo muito parecido com as Organizações Sociais (OSs): as escolas militares. Literalmente, escolas militarizadas cuja administração é totalmente feita pela polícia militar. Esse é um modelo que já temos de terceirização. Nesse modelo não há acesso para todos, é um modelo excludente. E eles se desculpam falando de uma avaliação que o aluno faz para ingressar, mas na verdade não funciona como na teoria. Na prática, é necessário alguém para indicar o aluno.

    Além disso, o fardamento custa 500 reais. É o uniforme que os alunos usam para poder estudar: uma farda militar – e cobra-se uma mensalidade. Também nas escolas conveniadas, conseguiram aprovar nos últimos períodos que fosse paga uma mensalidade.

    Em resumo, o governo propõe ou a militarização ou as parcerias com as OSs e ONGs. A grande maioria das escolas estava abandonada. Ficamos em uma escola ocupada na região nobre de Goiânia onde a maioria dos vidros da parte de baixo da escola já estava quebrada e a parte de cima – a escola é como se fosse um sobrado, tem o térreo e mais um andar – cheia de infiltração. Como estamos em época de chuva, pudemos verificar que todas as salas alagavam. Mesmo as escolas mais novas, as chamadas “escolas do século 21”, várias na periferia, dentre as quais pudemos acompanhar a Ismael Silva de Jesus. Essa escola inundava toda vez que chovia.

    No final das contas, temos escolas novas cheias de problemas e também escolas mais antigas e tradicionais sem reforma e manutenção há um bom tempo. Muitas vezes vemos placas anunciando reformas, mas no final fazem qualquer coisa. Por exemplo: colocar novas telhas no telhado da quadra e dizer que reformaram todo o espaço. É isso que, de modo geral, acontece aqui nas escolas do estado.

    Quanto ao fechamento das escolas, a José Carlos de Almeida é uma das escolas mais antigas e tradicionais de Goiânia. Ela foi fechada há um ano e meio e até hoje tem um diretor trabalhando lá. O que um diretor está fazendo na escola que foi fechada há um e meio atrás? Há outra escola, no Jardim América, um bairro de classe média, que está sendo fechada para ser uma base da Polícia Militar. Há vários casos de escolas que estão sendo fechadas, em algumas já foi possível reverter o processo com pressão popular, como a Pedro Gomes, uma escola também antiga daqui de Goiânia.

    Correio da Cidadania: E como se deu o processo de ocupações no seu início, tendo em vista essa influência policial militar no governo estadual?

    Kim Xavier: Tanto as ocupações daqui quanto as de São Paulo se inspiram na Revolução dos Pinguins no Chile (documentário sobre a revolta chilena disponível ao final desta entrevista), que foi uma luta contra a terceirização e a reorganização escolar que aconteceu dentro do Chile.

    Temos um link com algumas pessoas do movimento secundarista de São Paulo, tivemos uma visita há um mês de três estudantes da Fernão Dias (segunda escola a ser ocupada em SP), e agora veio mais um pessoal do movimento secundarista de São Paulo. Temos essa conexão, mas tem coisas que temos de analisar sob diferentes pontos de vista.

    O movimento de São Paulo foi vitorioso, em parte, porque os estudantes já começaram a se posicionar no processo de greve do ano passado. Vários foram apoiar os professores. Várias escolas entraram em greve estudantil. Conheço diversos casos onde tinham 30 alunos ajudando uma ocupação. Muitas vezes com os apoiadores ficando do lado de fora da escola, em barracas. Aqui o processo se dá de forma diferente.

    Em Goiânia, desde o sucesso do Movimento Passe Livre em 2013, os secundaristas têm estado um pouco desligados das questões sociais. Participavam de alguns protestos discretamente, só agora estão retomando. Portanto, foi feita a organização para ocupar as escolas através dos atos de rua contra as OSs e o fechamento das escolas.

    Houve o primeiro ato, vamos falar dele adiante. No segundo ato já fizeram a ocupação da José Carlos de Almeida, a escola que estava fechada. Seria até mais fácil de ser ocupada por causa disso e assim foi. A partir desta escola, ocuparam o Liceu de Goiânia, uma escola muito antiga e tradicional, considerada a melhor escola do estado e declarada patrimônio da humanidade, enfim, há uma série de questões envolvendo-a.

    O Liceu sempre teve alunos bem politizados. Os alunos do José Carlos de Almeida também são mais politizados, e assim contribuíram muito no processo. A seguir se deu a ocupação do Robinho (Colégio Estadual Robinho Martins de Azevedo), e vai-se para um contexto de periferia, acelerando o processo de ocupações. Teve dias que contamos três ou quatro ocupações. Chegamos a ter 27 ocupações no estado.

    Correio da Cidadania: Qual a relação do movimento com a sociedade civil?

    Kim Xavier: No começo, a quantidade de doações para as escolas foi algo surpreendente. Vários pais e pessoas das comunidades sempre levavam alimentos. A gente brinca dizendo que houve a época das vacas gordas e agora estamos na época das vacas magras. Houve uma doação muito grande de alimentos. As pessoas vieram para as escolas, tinham oficinas, houve a tentativa de promover muitos espaços de ensino e cultura, e realmente funcionou muito bem antes de começar a repressão e criminalização policial.

    Muitos pais apoiam o movimento e em todas as escolas que estive vinham pais visitar. Fizeram jantares com os pais nas escolas, houve reunião com eles tentando explicar o que estava acontecendo. Mas o governo foi convencendo as pessoas ao fazer pressão nas secretarias das escolas, deixando a comunidade contra o movimento, através de propaganda na televisão e no rádio, além de lideranças regionais dos partidos de direita, como o PSDB por exemplo, que tentaram minar as ocupações o tempo todo.

    O que aconteceu no Ismael foi isso. Políticos do PSDB se juntaram a um diretor da escola próximo do partido para desmobilizar a ocupação. Conseguiram apoio do Conselho Tutelar, da Associação de Moradores, tudo para derrubar o movimento dos alunos com o argumento de que estariam atrasando o calendário escolar e atrapalhando os estudantes.

    Desta mesma forma, vários outros colégios foram sofrendo ataques. No Cecilia Meireles, de Aparecida de Goiânia, vimos a coordenadora e mais alguns professores contra o movimento dos alunos. Existe um adendo importante sobre a questão da participação dos professores no movimento daqui: há várias escolas de tempo integral nas quais os professores ganham uma gratificação para poder ficar no segundo período, ou seja, o dia inteiro. Não podem ter uma falta sequer. E até atestado têm de levar com reconhecimento de firma no cartório.

    Portanto, a situação está complicada até em relação aos direitos dos professores. Muitos professores ficam contra o movimento por estarem perdendo a gratificação. Os professores que estão apoiando o movimento o fazem à parte do sindicato dos professores de Goiás. No caso do Cecília Meireles, os professores, junto com a coordenadora e alguns alunos, tentaram por várias vezes desocupar. Chegaram a quebrar o portão da escola para poder entrar. A escola acabou desocupada, mas não dessa forma. Entraram em acordo com a comunidade e já até fizeram manifestação contra as OSs por lá.

    Na minha opinião, o maior ganho em todo o processo é conseguir o contato maior com a comunidade e fazer com que ela abrace a causa. O tempo todo na televisão tem propagandas do governo do Estado – e eles investem muito em propaganda – a mostrar as escolas como se fossem a Terra do Nunca. E ninguém acredita no que se fala na televisão, tamanha é a mentira que se veicula.

    Outro processo interessante foi o das escolas do centro. No Liceu, por exemplo, a Secretaria de Educação passa os contatos de telefone e endereço dos alunos para a Secretaria de Segurança Pública para que a ordem de reintegração de posse chegue endereçada aos secundaristas daquela escola, com multas altíssimas, como 50 mil reais ao dia. E a intimação chegou na casa de alunos. Outra coisa que a Secretaria de Educação faz é passar dados para o Conselho Tutelar; o Conselho liga para os pais e diz que se os alunos não saírem eles correm o risco de apanhar da polícia, sofrer retaliação e serem processados pelo Estado.

    Correio da Cidadania: A respeito da repressão policial, o que você pode contar? E, aproveitando o gancho, fale um pouco mais da importância desses altos gastos estatais em propaganda oficial dentro da tática da repressão.

    Kim Xavier: No primeiro ato, antes das ocupações, a polícia jogaria jatos de água para dispersar a multidão, como normalmente fazem. Mas jogaram jatos de esgoto nos manifestantes. Alguns foram parar no hospital por intoxicação. No quarto ato, que seria o segundo cadeiraço, havia vários policiais infiltrados e foi roubada uma câmera da mão dos estudantes. Essa câmara era da UFG, Universidade Federal de Goiás. Foi comprovado que o sujeito que afanou a câmera era um “p2”, a polícia chegou para defender este infiltrado apontando armas na cara dos estudantes secundaristas e isso pode ser comprovado por vídeos e fotos.

    Policiais à paisana também marcaram presença na frente das escolas tentando filmar e registrar o cotidiano. Isso sem contar as ameaças. No Dantas, que é uma escola na periferia, a polícia jogava bombas por dias seguidos e a própria comunidade via que eram viaturas da polícia que paravam e jogavam as bombas. Passei a virada de ano nessa escola e jogaram uma bomba que caiu muito perto de onde estávamos, e olha que nem perto dos muros era. Como jogaram uma bomba tão longe? E não eram bombas como as de efeito moral ou gás lacrimogêneo, mas bombas de festa junina, de pólvora, semelhantes a rojões. Muitos alunos nunca haviam passado por situações de violência como essa e ficaram assustados.

    No Ismael foram expulsos debaixo de agressão polícia. A polícia invadiu a escola por volta das seis da manhã, chutaram muitos alunos, uma menina levou uma cadeirada nas costas e os professores que foram lá buscar os alunos foram seguidos pela polícia e policiais à paisana os obrigaram a ir até a delegacia sob alegações de que se não fossem seriam presos. Eles foram e prestaram depoimento falando sobre qual era o envolvimento deles com os alunos e com a ocupação daquela escola. Ainda prestaram outros depoimentos.

    Vimos a forma que fizeram para criminalizar o movimento. No Robinho, escola periférica que citei antes, entraram pessoas mascaradas. O curioso é que logo depois do processo de violência, depois que pessoas vêm, xingam e ameaçam os alunos, começam a chegar as viaturas da polícia. Também aparece o superintendente do Seduce.

    É perfeitamente possível perceber que toda a violência é arquitetada pelo governo do estado. Inclusive, nessa semana que passou um estudante do Ismael, ao voltar para casa depois de visitar ocupações, foi perseguido por policiais na rua que tentaram prendê-lo, mas felizmente não conseguiram.

    Comigo já aconteceu. Durante uma visita a uma escola furaram o pneu do meu carro à faca e dois dias depois vi uma tentativa de abrir à força o portão da escola. Na ocasião, eu estava chegando na escola de noite e a viatura estava com o farol apagado no meio da rua. Por pouco eu não consigo entrar, já com a polícia lá dentro, e na hora que consegui chegar eles estacionaram a viatura bem na frente do portão.

    Todos os casos são tentativas de amedrontar, fazer advertência, inclusive ligações anônimas foram feitas para os alunos e muitas famílias. Já conhecemos a forma ditatorial e autoritária do governo do Estado, portanto, já esperamos essa reação da parte deles.

    Correio da Cidadania: Como você explica a invisibilidade midiática desta luta, levando em conta tudo o que tem relatado neste entrevista?

    Kim Xavier: A imprensa em geral vem blindando o governo e não é de agora, sempre foi assim. A imprensa sempre tenta proteger o governo. Como nas últimas notícias, eles tentam colocar como se fossem os pais que tentaram desocupar as escolas e nós sabemos que não é verdade. No caso do Ismael, onde eu sei porque estava lá e posso te falar claramente que quem organizou a desocupação foram os próprios partidários do PSDB, partido do governador do estado.

    Temos um jornal que chama Diário da Manhã com o qual até brincamos falando que é o Diário do Marconi (Perillo, governador do estado) e logo nas primeiras ocupações saiu uma matéria de capa onde se criminalizou vários apoiadores. Até gente que na verdade nem estava apoiando entrou no mesmo balaio. Soltaram fotos de todos os apoiadores no jornal afirmando que todos eram do “Fora Marconi”, das manifestações contra o aumento da passagem, que alguns deles foram detidos na operação 3,30, a do aumento da passagem recente e outros nas jornadas de junho de 2013.

    Tentaram o tempo todo jogar a população contra as manifestações, o que se via claramente nos telejornais. Por isso que desde o começo houve uma resistência de se dar entrevistas para qualquer meio de comunicação, porque eles sempre cortavam, como foi o caso das primeiras entrevistas que foram dadas.

    Para quê? Para blindar o governo. Infelizmente, é uma situação que perdura há muitos anos e faz com que o governador continue no comando do estado – até porque ele é pré-candidato a presidente da República.

    A quebra da manipulação da mídia está começando a romper a barreira do estado. Vieram meios de comunicação alternativos, como a Carta Capital e a TVT, de São Paulo também, que fez uma matéria televisiva passando ao vivo o depoimento do Lucas, aluno do Ismael, a respeito da violência policial.

    Correio da Cidadania: Que prospectivas pode fazer a respeito do futuro da pauta colocada pelos estudantes?

    Kim Xavier: Analiso que agora vai haver uma quebra no movimento por causa do aumento da passagem novamente. Os movimentos, muitos apoiadores dos estudantes, estão tentando se articular com relação ao aumento da tarifa, que se deu de uma hora para outra (a partir de sábado, 6 de fevereiro).

    Importante lembrar que não temos concursos para professor do estado desde 2010. O salário, hoje, é assim para os contratados: se você fizer 20 horas vai ganhar um salário de 572 reais, e se você fizer 40 horas esse salário vai subir para R$ 1030. Os trabalhadores da educação vão ficar com o salário nessa média e ainda verão contratações de professores não formados.

    E com o processo de licitação? O que está garantido em edital é que fique em cada escola 30% do quadro. O que vai ser feito dos 70% do quadro de professores que estão em cada escola hoje? Eu acredito que vai ser feito um PDV (plano de demissão voluntária), já realizado em outras épocas aqui no estado, uma forma de indenizar o funcionário por sua saída do estado. E acredito que ou no meio do ano ou até o final de 2016 já devam sair os PDVs.

    Como ficarão com 30% dos professores da rede, fixos do estado em cada escola, acredito que vão fazer uma manobra, alguma coisa para dispensar os outros professores porque é muito mais barato os professores nessa medida de contratação do que através de concurso. Para os professores do estado, tem de se garantir pelo menos o piso, e a gente já sabe que os professores vão perder o piso.

    Já fizeram o processo para a região de Anápolis e entorno. De três das empresas que ganharam a licitação, uma delas é da Maria do Rosário, ex-reitora da UFG, hoje no conselho estadual de educação e uma das aliadas do governo estadual, há muitos anos. José Izecias, ex-reitor da UEG, já foi condenado por processo de corrupção e é uma das pessoas que foram licitadas. Seu escritório ganhou licitação para educação, cultura e saúde, porque a saúde aqui também está sendo gerida por OSs, e o escritório dele é o mesmo escritório de um outro advogado que, por coincidência, é o advogado do governador do estado. A empresa funciona no mesmo escritório.

    E a outra pessoa é o dono de uma editora que também tem ligação com o governo, já ganhou várias licitações, inclusive. Eles usam a justificativa de que quando se faz um processo de licitação, demora-se de três a quatro meses para fazer uma obra dentro de uma escola, e através das OSs, não: em três dias se resolve. Vejamos: se dentro de um processo de licitação há vários problemas de corrupção, imagina sem licitação? Eu acredito que vai ser ainda pior, e a expectativa é de que, infelizmente, do jeito que anda a situação, se forem feitas as desocupações como têm ocorrido vai ser complicado.

    Estamos em um processo de reestruturação do movimento para ver o que é possível fazer de agora em diante e qual seria a forma de atuação. Infelizmente, estamos vendo que isso vai tirar direitos dos professores, vai fazer com que a educação seja completamente privatizada, mesmo que eles digam que não é privatização, “porque a OS é uma aliada do governo no processo”, só que a OS não vai aceitar que continue o mesmo diretor de determinada escola, ou o mesmo professor; ela vai querer mandar na escola. E quando uma pessoa monta uma empresa, não monta CNPJ se não tiver lucro, se não vir que terá retorno daquilo.

    Há uma entrevista da secretária de Educação de alguns meses atrás em que ela fala mal das OSs, afirma que prefere a parceria público-privada. Na opinião dela, as PPPs são garantia de lucro, nas OSs nem tanto. Como ela muda de opinião de uma hora para outra? Isso é uma situação muito difícil. E o colégio José Carlos de Almeida, que foi a primeira escola ocupada das que falei, nos planos do estado deixará de existir para dar lugar ao Conselho Estadual de Educação e do Idoso.

    É muito complicado tirar um colégio antigo, tradicional, com a fachada em art deco, para transformar num conselho. Hoje o conselho tem um andar num prédio em Goiânia em um bairro de classe média, um bairro chique onde eles já fazem as reuniões. Portanto, como se tira uma escola tradicional para transformar o prédio em mais um órgão do governo?

    Raphael Sanz é jornalista do Correio da Cidadania

    Fonte: Correio da Cidadania, quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

  • A vitória parcial dos estudantes de SP é desdobramento autêntico das jornadas de junho

    A vitória parcial dos estudantes de SP é desdobramento autêntico das jornadas de junho

    “A crise da educação no Brasil não é uma crise: é um projeto”
    Darcy Ribeiro

    Foto de Alonzo Esteban

    Foto de Alonzo Esteban

    Não foi na última segunda-feira, com o vazamento do áudio da reunião realizada entre o chefe de gabinete da Secretaria Estadual de Educação, Fernando Padula, com dirigentes regionais do ensino público, que começou a guerra aos estudantes paulistas. Também seu final não será decretado com a queda do secretário de educação Hermann Voorwald, que na tarde desta sexta-feira, 4 de dezembro, deixou o cargo com o rabo entre as pernas. Muito antes da incursões policiais clandestinas nas escolas, da repressão brutal aos estudantes que fecharam ruas e da guerra informacional feita a partir de boatos de uma depredação que nunca existiu – existem sim, inúmeras provas contrárias ao boato, basta buscar na fonte – o Estado de guerra já havia chegado às escolas sob a forma do ensino precário, da falta de acesso ao patrimônio escolar, entre outros sintomas. Em uma expressão: abandono calculado.

    Um dado curioso do movimento secundarista talvez remonte à influência dos secundaristas chilenos de 2012. Se por um lado o protagonismo dos estudantes é valorizado, a ponto de expulsarem de ocupações até mesmo organizações de esquerda que por alguma razão tentaram tomar as rédeas da luta secundarista (e que provavelmente usarão as fotos das visitas em campanha), por outro lado há um enorme espaço aberto para a sociedade organizada participar da luta. O verbo é “somar” – não “dirigir”. Quem se recusa a entender isso, simplesmente não compreendeu nada do que houve nas ruas de São Paulo, e do Brasil, de 2013 para cá.

    Essa espaço de abertura de participação está no princípio do movimento e foi o que tornou possível o entendimento da realidade das escolas por parte das redes de apoiadores, muitas vezes ausentes da escola há mais de dez anos. Professores de outras escolas, jornalistas, médicos, enfermeiros, socorristas, artistas, cozinheiros e toda sorte de gente que vê na luta dos secundaristas algo em que se apoiar para o futuro esteve nas centenas de escolas ocupadas ao longo das últimas semanas oferecendo oficinas, aulas públicas e rodas de conversa. Foi em um desses eventos que este Correio pôde estar mais próximo da realidade de uma das escolas ocupadas.

    E.E. Maria José Ocupada

    Na sexta-feira, 27 de novembro, a declaração de guerra não havia sido verbalizada nas redes, mas os estudantes já estavam em alerta. Ao chegar, por volta das 8h:30m na Escola Estadual Maria José, na rua Treze de Maio, centro de São Paulo, encontrei alunos sérios e cautelosos na porta, conversando entre si sobre as insistentes abordagens da Polícia Militar nos portões. “Estão vindo todo dia fazendo e um monte de perguntas, mas estamos preparados. Eles perguntam quantas pessoas tem aqui e nós só falamos que tem muitas, que tem bastante, mas não damos o número”, relataram.

    A escola atualmente comporta três ciclos educacionais: infantil, primário e secundário. De acordo com a proposta de reorganização do Governo do Estado, os ensinos primário e secundário seriam fechados e seus alunos transferidos para outras unidades, deixando a escola apenas para o ensino infantil. “Não queremos sair daqui, gostamos muito desse lugar e queremos melhorá-lo, como já estamos fazendo”, comentou um aluno do terceiro ano durante a roda de conversa sobre mídia e ativismo.

    A aluna Lilith Cristina, do primeiro ano do ensino médio, levou a reportagem do Correio da Cidadania para uma caminhada pela escola, e foi explicando em linhas gerais o que vêm acontecendo há anos por trás dos muros. Atravessamos o refeitório que fica logo na entrada e subimos uma rampa para visitar as salas de aula. “O que incomoda são essas grades, parece que estamos na Fundação Casa”, lamentou. Foi a primeira frase que lhe ocorreu. Depois mostrou as infiltrações na parede, carteiras em estado lastimável e os ventiladores quebrados – praticamente feitos sucata, sem a mínima limpeza e manutenção, com fios desencapados, poeira e tudo o que anos de descaso dão direito.

    Também cheio de pó estão os corredores e com as carteiras empilhadas. “Já era da rotina da escola antes da ocupação. Isso já estava assim, nós não mexemos. Inclusive eles começaram obras em algumas salas durante o período de aulas, tínhamos de prestar atenção na aula com um barulho de britadeira vindo do outro lado do corredor”, narrou.

    No andar de baixo, a quadra está em reforma, sem aula de educação física há 6 meses. Como paliativo, a jovem estudante explica que abriram um espaço ao lado da quadra, antes tomado por carteiras e entulho, para que as crianças batessem bola e jogassem boliche ao visitar a ocupação, algo que a diretoria não tem medido esforços para impedir. “A sala de recursos foi reformada pela ocupação e ninguém sabia que ela existia. Eu trouxe muitos jogos de tabuleiro de casa para o pessoal passar o tempo e, principalmente para as crianças, mas aqui tem muito mais jogos do que os que eu trouxe e eles ficavam trancados. Se eu soubesse que eles existiam, não precisaria ter trazido os meus”, contou Lilith.

    Mas o acesso negado à infraestrutura escolar não para por aí: “tem sala de informática, mas não podemos usar, não tem aula de informática para o ensino médio”. Também os instrumentos musicais, três violões e instrumentos de percussão sempre estiveram fora do alcance dos alunos, que sequer têm aulas de música e os descobriram após a ocupação.

    Uma queixa frequente, tanto da moça que conversou conosco quanto de conversas aleatórias com outros alunos é de que os professores não apoiam a ocupação e a diretoria faz todos os esforços para boicotá-la. Uma das atividades que Lilith Cristina explicou que estava sendo desenvolvida pelos estudantes ocupados era a criação de uma espécie de creche na ocupação, não exatamente nessas palavras, onde as crianças do ensino infantil pudessem passar o dia e participar de atividades enquanto os pais trabalham.

    “Nossa ideia é de até ajudar os pais e mostrar para eles que o que nós queremos aqui na escola é do interesse deles também, que a reorganização vai ser muito pior. Mas todos os dias, meia hora antes das crianças entrarem, o diretor fica na porta falando um monte de mentira sobre a ocupação, orientando mal os pais e alunos e nos impedindo de recebê-los aqui na escola por isso. Hoje faremos uma comissão especial para receber as crianças e pais”, contou.

    Uma das acusações da diretoria é de que possa haver uso de substâncias ilícitas na ocupação, prática que a reportagem do Correio da Cidadania não presenciou, pelo contrário, diversos cartazes proibindo o uso de drogas foram espalhados pela escola.

    A guerra

    Declarada a guerra em reunião dominical pelo chefe de gabinete da secretaria de educação, já na segunda-feira os estudantes da E.E. Fernão Dias e outras da zona oeste ampliaram a tática. Ao invés de simplesmente ocuparem suas escolas, levaram as carteiras para a esquina das Avenidas Faria Lima e Rebouças e ocuparam a rua. Em resposta, houve um verdadeiro massacre da polícia militar sobre os estudantes secundaristas.

    Paralelamente, pais e diretores contrários à ocupação contaram com o apoio da polícia para invadirem – sem mandato judicial – a E.E. Maria José. Depois de muitas “cenas lamentáveis”, os estudantes expulsaram os invasores e retomaram, dentro dos preceitos legais, a ocupação. Não só a “Ocupação Mazé”, como carinhosamente chamam os estudantes, mas houve a retomada em todas as outras escolas que sofreram o mesmo tipo de ataque. O preço dessas retomadas foram mais agressões a estudantes, ameaças, intimidações até mesmo à imprensa independente e a entrada de canais de televisão atrelados aos interesses daqueles que fecham escolas (e abrem prisões), que armaram a já obsoleta montagem do “vandalismo”.

    Acontece que assim como em 2013, a PM acrescentou à mistura um ingrediente sangrento que se voltou contra aqueles que a ordena e sua mídia aliada. Novamente, a narrativa alternativa às versões oficiais e burocráticas reverteram o fluxo informacional, principalmente nas redes. Essa outra narrativa, vinda dos próprios estudantes e dos veículos de comunicação que se solidarizam com eles começou a ganhar a opinião pública. Afinal de contas, apesar de realidade, essa situação tem contornos de ficção, tão absurda que é.

    Na terça, quarta e quinta-feira, mais estudantes ocuparam escolas, ruas, fizeram manifestações, barraram mais tentativas paramilitares de invasão das escolas ocupadas e colocaram a grande mídia de joelhos. Novamente vimos um certo apresentador da TV Bandeirantes se embananar ao vivo e matérias progressistas nos tabloides, ainda que alguns vídeos do canal de um desses tabloides na internet tenha sido reeditado, coincidentemente, no mesmo dia em que o governador visitou sua redação. A reação foi brutal. Prisões, balas de borracha, bombas, intimidação, força tática, choque, só faltaram os cavaleiros templários da ordem católica a qual pertence o governador, bem oposta à do Papa Francisco citado por ele no pronunciamento da tarde do dia 4.

    Alckmin perdeu força. Sua incapacidade de dialogar sem apontar uma arma na cabeça da outra parte fez com que sua popularidade e aprovação caíssem, segundo estatística Datafolha. Também o Ministério Público e a Defensoria Pública, em conjunto, se colocaram no caminho e pediram, na última quinta-feira, a suspensão da reorganização em todo o estado, a legitimidade da permanência dos estudantes nas escolas e a apresentação de um calendário de debate para o ano de 2016 em torno do assunto. A Justiça deu ganho de causa, deixando um prazo de 72 horas para que a Fazenda do Estado se manifestasse.

    O governador Geraldo Alckmin foi ele mesmo fazer o já citado pronunciamento, com a feições claramente cansadas e a derrota estampada no rosto. Puro teatro. Acatou as determinações da Justiça e adiou a reorganização para o ano que vem. Resta saber se o calendário de debates vai ser cumprido, se os estudantes serão respeitados enquanto ocupações e, principalmente, se todos os presos, feridos e agredidos durante essa semana de guerra imposta pelo Estado a um movimento de pessoas muito jovens serão devidamente indenizados e receberão pedidos públicos de desculpas dos seus agressores, mandantes e executores, públicos e privados.

    Como bem resumiu o colega jornalista Carlos Eduardo Alves: “quem não é de São Paulo talvez não entenda o significado do que aconteceu aqui hoje. Então faz assim: imagine seu estado dominado pela mesma força política há, no mínimo, 20 anos. Nunca nenhuma categoria organizada, seja sindicato, partido político ou qualquer outra força conseguiu deter projetos dos sábios tecnocratas, impostos na base do ‘eu sei tudo o que é melhor para vocês’. Aí, sem que ninguém esperasse, meninas (muitas) e meninos de 14, 15 e 16 anos enfrentam revólveres na cara, bombas, ameaças de brucutus e fizeram um governador sair transfigurado, quase correndo, de um pronunciamento em que admite a derrota do fuzil contra o estilingue. Foi isso o que aconteceu em 4 de dezembro de 2015 em São Paulo”, declarou.

    Enquanto isso, os estudantes permanecem nas ocupações. Segundo o seu próprio pronunciamento, feito às 19h30, horas depois da coletiva do governador, eles, organizados, decidiram manter as ocupações e estarão atentos aos movimentos institucionais. Foram enfáticos: “o recuo do governador é para nos desmobilizar”.

    Raphael Sanz é jornalista do Correio da Cidadania

    Fonte: Correio da Cidadania, segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

  • Pátria Educadora

    Pátria Educadora

    Vladimir Safatle
    Vladimir Safatle

    De todos os estelionatos eleitorais que o governo Dilma produziu nesses últimos meses, o mais deplorável é aquele que levou os profissionais de marketing de sua campanha a decidir que o slogan de seu governo seria “Pátria educadora”. Ao se ouvir algo dessa natureza, o cidadão acredita que está diante de um governo que fará da educação sua prioridade maior.

    Isso significa, por exemplo, que ele livrará os gastos com educação da sanha dos cortes inventados por economistas funcionários de bancos privados travestidos de ministros. Economistas contratados para requentar a velha receita do “ajuste fiscal” que pune os pobres e a classe média, isto enquanto deixa intocado os rendimentos da elite rentista e do sistema financeiro.

    No entanto, eis que no início do mês de julho somos contemplados com a notícia de que a Capes, órgão do Ministério da Educação responsável pela pós-graduação, será obrigada a cortar 75% da verba de custeio de todos os programas de mestrado e doutorado no país.

    Isso significa uma restrição brutal das atividades de pós-graduação, com consequências para a pesquisa desenvolvida entre nós e para o processo de internacionalização de nossas universidades.

    Em um momento de crise, os investimentos em educação e pesquisa tornam-se ainda mais decisivos. Países que entraram em crise econômica profunda, como a Islândia, criaram um sistema de bolsas para que desempregados se inscrevessem na pós-graduação, isso a fim de qualificá-los melhor.

    Mas imaginar que os economistas que controlam o atual governo compreendam algo dessa natureza é como pedir que andem de cabeça para baixo.

    Ao impor ao Ministério da Educação a obrigação de produzir um corte dessa natureza, o governo federal demonstra, mais uma vez, sua falta de compromisso com suas próprias promessas. Se ele realmente quisesse tratar a educação nacional como prioridade poderia lutar por criar um imposto, vinculado exclusivamente à educação, sobre os lucros bancários estratosféricos, sobre as grandes fortunas ou sobre transações bancárias.

    Quem sabe, tocado pela situação, o Congresso Nacional, com sua casta recém-contemplada com aumentos de verbas, poderia voltar atrás no aumento do Fundo Partidário e o senhor Eduardo “dia do orgulho heterossexual” Cunha anunciaria que os líderes partidários resolveram que melhor seria abrir mão de tal aumento em prol da defesa do orçamento da educação.

    Em uma hora de miséria nacional, não custa delirar um pouco.

  • Luto com os professores do Paraná

    Luto com os professores do Paraná

    A indignação com o massacre dos professores do Paraná varreu as redes – a lição é que o real confronto em jogo é a luta contra o ajuste

    Maíra Tavares Mendes

    Maíra Tavares Mendes

    Até agora tenho dificuldade de dizer o que sinto quando assisto os vídeos da repressão aos professores do Paraná. Era como se a nuvem densa de gás lacrimogênio pudesse ter saído pela tela do computador: poderia ser minha colega, poderia ser meu pai ou meu irmão. Todas que somos professoras, todos que somos educadores, apanhamos naquele dia. O governador Bato Richa disse que “houve um confronto”, envolvendo de um lado faixas e cartolinas e de outro bombas de gás lacrimogêneo, armas sônicas(!), cães pitbull, jatos de água e o tradicional cassetete, mas a desproporção nas armas não permite o uso desse termo. Numa situação em que 200 são feridos, massacre é termo mais apropriado.

    Mais revoltante do que a violência contra os professores é o cinismo tucano: tentando explicar o inexplicável, suas declarações eram facilmente desmentidas não só pelos inúmeros vídeos que mostram a truculência policial por vários ângulos, como pelas comemorações de funcionários do governo ao assistir do prédio da ALEPA a dispersão por meio de armamento de guerra. Ficou muito evidente que a ordem era garantir a qualquer custo a votação do pacote de ajuste – para quem não lembra, na última tentativa os deputados tiveram que sair escoltados no camburão. A mobilização repetiu o espírito de junho, ao apostar no método das ruas – que já conseguiu impor derrotas aos governos (assim como na luta contra o aumento da passagem, na primeira votação do pacotaço do ajueste fiscal).

    Há também um outro cinismo, muito usual por parte de quem está mais perto dos gabinetes do que das reais condições do trabalho docente nas escolas: fingir que o expediente de violência seja exclusividade dos governos do PSDB. Estes talvez poderiam explicar a razão de a Câmara dos Deputados ter ampliado o seu arsenal de “segurança” gastando 222 mil reais a mais com a compra de bombas de gás, joelheiras e outros materiais que permitam uma “democradura” para manifestantes. Talvez avaliem que é pouca violência romper com os termos de negociação – como fez Fernando Haddad com os professores da rede municipal de São Paulo – e cortar salários de grevistas como já fez o governo de Jaques Wagner na Bahia. E quando o assunto é previdência, a velha direita e a velha esquerda caminham de braços dados com os fundos de pensão. Vale lembrar que o silêncio obsequioso com as tesouras de Levy é cúmplice dos cassetetes de Beto Richa.

    O que está em jogo nesta disputa é que projeto de educação se defende: no setor da educação, uma série de investidas tem sufocado as verbas: como defender uma educação de qualidade quando o salário de um professor da educação básica tem o mesmo custo de uma bomba de gás lacrimogênio? Como conseguir que os alunos aprendam quando a perspectiva de uma carreira docente é substituída pelo trabalho pela sobrevivência? Quando a carreira adoece com as aviltadas condições de trabalho enquanto se restringem as possibilidades da segutridade social? Quando a autonomia de se pensar o o projeto pedagógico em coletividade é substituída pela necessidade de atingir metas de exames padronizados, como se alfabetizar e produzir conhecimento fossem situações protocolares e não envolvessem estudantes com distintos ritmos e escolas com distintas realidades?

    A violência física contra educadoras e educadores do Paraná põe a nu uma violência mais silenciosa que vem ocorrendo há anos contra docentes: a tentativa de negar sua possibilidade como sujeitos políticos. Sendo apontados por sucessivos governos (inclusive os que se dizem de “esquerda”) como os principais responsáveis pelo “fracasso” da educação, a categoria reencontra seu orgulho mostrando o quanto são conscientes de sua tarefa: retomar a educação como projeto prioritário de sociedade. Isso implica em lutar por piso salarial, carreira, condições de trabalho, infraestrutura física, e, fundamentalmente, autonomia pedagógica. Ao responder às profissionais que educam as próximas gerações com “tiro, porrada e bomba”, o governo demarca o projeto de educação que lhe convém – não enxerga, não ouve e não fala com quem desmascara sua concepção autoritária de educação para obedecer.

    O mês de maio começa sob o signo dessa indignação: no dia internacional das trabalhadoras e trabalhadores, milhares foram às ruas em Curitiba dizer que a luta continua, contando inclusive com a presença de Luciana Genro e demais dirigentes do PSOL. Em São Paulo, Minas Gerais e Pará, os professores também se articulam contra os ataques à educação. O setor das universidades federais ligados ao Andes e CSP-Conlutas já apontam maio como mês de ampla mobilização e greve nas universidades federais, além de uma série de universidades estaduais, como as baianas, têm indicativo de greve para esta semana denunciando a política de apertar as contas para manter o superávit para os bancos.

    Muitos de nós estamos transbordando inquietude: é impressionante a quantidade de manifestações espontâneas de solidariedade que inundaram as conversas em família, o transporte público, o ambiente de trabalho, as redes sociais. O Fora Beto Richa teve grande repercussão e o governo atua para tentar administrar a crise que eles mesmos criaram. Diversas pessoas têm feito coro ao luto pela educação pública, que quando é tratada com tal violência, morre um pouco dentro de nós.

    Nosso luto contra a educação só será efetivo se tomar as ruas, corações e mentes – é a luta dos 99% contra 1%. Onde quer que consigamos vencer esta queda de braço, semeamos a possibilidade de uma educação para pensar e não para obedecer. É preciso espalhar ainda mais as formas de apoio aos professores: repercutir como nunca o “Luto pela educação”: vamos usar o preto nas roupas, amarrar uma fita preta nas mochilas, nas janelas, nos carros, representando o nosso luto e principalmente a nossa luta.

    Há alguns anos, num certo país, o mês de maio ficou conhecido por uma primavera que durou o ano inteiro e varreu o globo. Espalhemos as flores de maio, nosso maio.

    Maíra Tavares Mendes é militante do MES/PSOL em Ilhéus-BA, professora da Universidade Estadual de Santa Cruz e da Rede Emancipa

  • A encomenda de Dilma

    A encomenda de Dilma

    Luiz Araújo
    Luiz Araújo

    Começou a circular esta semana uma versão preliminar de uma encomenda feita pela Presidente Dilma ao seu ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos, senhor Mangabeira Unger, para tirar do limbo o slogan de Pátria Educadora. O nome do documento é “Pátria Educadora: a qualificação do ensino básico como obra de construção nacional”.

    No intervalo entre a designação da tarefa e a publicização do documento muita água passou por debaixo da ponte, sendo relevante o fato de que um ministro saiu e outro assumiu.

    Antes de abordar o conteúdo do documento, cabe anotar uma estranheza: por que o mesmo não foi formulado e conduzido pelo titular da pasta? Como construir uma proposta de pátria Educadora por fora do acúmulo teórico e institucional do Ministério responsável pela condução da política educacional? Li que tal metodologia causou constrangimento, mas não sei mensurar a extensão dela.

    Este primeiro post ainda não entrará no debate do mérito do documento, mas destacarei dois aspectos que julgo relevantes do seu conteúdo.

    O primeiro é uma certa arrogância explícita no texto. Em dado momento o autor lembra que em alguns países de nossa região tivemos figuras políticas que marcaram uma virada educacional e de desenvolvimento, cita que este foi o caso de Domingos Sarmiento na Argentina (no século 19) e no século 20 o de José Vasconcelos no México. Q afirma que no Brasil, “Anísio Teixeira foi quem mais se aproximou deste papel, embora tenha ficado longe de exercer influência da dimensão destes inovadores”. Guardadas as realidades históricas distintas, é verdade que mudanças políticas e econômicas podem ser personalizadas, mesmo que fruto de sua época. É certo também que há consenso na importância do Manifesto dos Pioneiros e da liderança de Anísio Teixeira para o processo educacional brasileiro.

    Porém, de que personalidade o autor está se referindo? Ele considera que Dilma Rousseff possui as condições políticas de liderar um projeto de nação ancorado na educação? Ou estará falando dele próprio, talvez empolgado com a tarefa que recebeu?

    O segundo aspecto aparece quase ao final do texto. Tentando responder a pergunta essencial de como será construída a pátria educadora, o ilustre ministro afirma que isso será feito avançando “simultaneamente em três planos. O primeiro plano é construção de um ideário. É o que esta primeira parte do texto começa a esboçar. O segundo plano é série de ações a serem lançadas, em rápida sucessão, a partir do lançamento da Pátria Educadora. É o que está resumido, em forma de elenco de medidas, na segunda parte desta minuta. O terceiro plano é consulta ampla dos interessados em todo o país” (p. 21).

    Quando os leitores atentos aguardavam a exposição de uma metodologia de consulta sobre as ideias expostas no documento, ou pelo menos a apresentação de uma lista de atores sociais e institucionais essenciais para a construção de uma pátria educadora, o senhor Unger afirma que tal proposta terá “críticos e eventualmente adversários”, mas que já “começa a configurar-se, entretanto, a aliança amplamente majoritária — política, social, e intelectual — capaz de sustentar este projeto”.

    Quem foi consultado previamente para a elaboração das propostas apresentadas? A resposta desta pergunta é muito relevante, por que informa que atores sociais são considerados essenciais para o responsável pela tarefa (e para a Presidência da República). Ao afirmar que começa a configurar-se um a aliança amplamente majoritária, ou seja, um conjunto de forças políticas e sociais defensoras das ideias apresentadas, o autor induz seus leitores a imaginar inúmeras consultas e costuras feitas.

    A encomenda ao Mangabeira Unger é simbólica de uma mudança radical de eixo de formulação e de base social do petismo no governo. Mudaram não somente as práticas, mas também os segmentos sociais para quem se faz política e a quem se escuta antes de propor.

    No final do ano passado foi realizada a segunda Conferência Nacional de Educação, reunindo as energias vivas na área da educação (não todas, mas foi bastante representativa de quem discute, formula e pratica a educação pública no país), mas parece que não são destas energias criativas que o ministro de assuntos estratégicos se refere várias vezes no documento.

    Em que pese as observações preliminares que faço, não acho que o documento deva ser desconsiderado, pelo menos pelos seguintes motivos:
    1.     O documento, mesmo que preliminar, é a primeira proposta mais elaborada de política educacional desde que o PT chegou ao governo, mesmo que bem longe da tradição anterior deste partido;
    2.     A encomenda, mesmo que passando por fora do MEC, foi feita pela presidente Dilma, a qual precisa criar fatos políticos favoráveis na mesma proporção que os seres humanos precisam de ar para viver, ou seja, muito do seu conteúdo pode se tornar políticas públicas; e
    3.     Uma análise do seu conteúdo pode ajudar a entender os pressupostos teóricos e políticos que orientarão as políticas educacionais no atual governo.

    No próximo post vou refletir sobre as principais ideais apresentadas no documento.

    Fonte: Blog do Luiz Araújo, terça-feira, 28 de abril de 2015

    Mais do mesmo?

    O documento produzido pela Secretaria de Assuntos Estratégicos para viabilizar a Pátria Educadora, numa primeira leitura pode transparecer uma certa audácia, mas na verdade seus pressupostos e remédios não são tão inovadoras como parecem.

    A proposta parte de uma afirmação temerária, mesmo que a julgue necessária. Para que o Brasil seja considerada uma Pátria Educadora, a educação precisa ter um lugar especial no projeto de desenvolvimento do país. Concordo plenamente com o texto neste aspecto.

    Porém, o texto pressupõe a existência de um projeto de nação, de desenvolvimento, ou melhor, propõe a mudança de percurso do caminho atual. Para o texto “trata-se de democratizar a economia do lado da oferta, não apenas, como foi até agora, do lado da demanda”. Isso significaria um modelo que resume em três palavras:  produtivista, capacitador e democratizante.

    Nas entrelinhas, pelo menos o que consegui entender, é que “democratizar a oferta” seria gerar empregos mais qualificados (desenvolvimento produtivista), o que pressupõe melhor qualidade da mão-de-obra (desenvolvimento capacitador) e que isso traria mais democracia.

    Não considero que exista um projeto de nação que tenha como pressuposto uma revisão do lugar do Brasil na divisão internacional do trabalho. E mais, existem classes e interesses de classes envolvidos e em disputa. Quem ganha e quem perde com este projeto de nação? Pelo tom do documento esta questão não está em debate, posto que manter as regras de exploração não deve se discutir, no máximo elevar o valor dos salários via aumento da escolaridade média.

    Apresenta três pontos de partida, ou seja, três âncoras para superar as deficiências do ensino. E aqui fica claro o quanto o documento vai beber na fonte das experiências tucanas e o quanto sofre influência do que Freitas chama de reformadores empresariais.

    O primeiro ponto de partido é “aproveitar e ultrapassar o exemplo do que deu certo”. E qual é este exemplo? Aqueles que são inspirados na “lógica de eficiência empresarial”, os quais se baseiam em “fixação de metas de desempenho”, “o uso de incentivos e de métodos de cobrança, o acompanhamento e, quando necessário, o afastamento de diretores” dentre outras virtudes (!).

    Nada tem de inovador neste ponto de partida. Isto tem sido proposto pela chamada terceira via no seio da reforma do Estado e suas contradições estão largamente discutidas na literatura educacional (não considerada pelo autor do documento, obviamente). Aliás, sobram educadores e pesquisadores progressista para serem ouvidos sobre os limites deste ponto de partida (estou partindo do suposto que um governo eleito com discurso de esquerda deveria priorizar diálogo com eles).

    O segundo ponto de partida seria mudar a maneira de ensinar e de aprender, superando o enciclopedismo. E o terceiro, associado ao segundo, seria “organizar a diversidade para permitir a evolução”, quesito que o texto apresenta a sua visão de como enfrentar os problemas federativos.

    Vou me debruçar neste post nas saídas federativas que o texto apresenta, nó que apareceu como bastante relevante no debate do PNE. O que o texto apresenta de solução?

    Para resolver este complexo problema o texto apresenta basicamente mais do mesmo e algumas novidades.

    Afirma que para “reconciliar gestão local com padrões nacionais” serão necessários três instrumentos:
    a)      Sistema nacional de avaliação e de acompanhamento;
    b)      Mecanismo para redistribuir recursos e quadros de lugares mais ricos para lugares mais pobres; e
    c)       Procedimentos corretivos para consertar redes escolares locais defeituosas.

    O primeiro remédio está sendo usado desde o governo FHC e foi mantido e aprofundado durante os doze anos de petismo, ou seja, a União implementa avaliações de larga escala, informa a população de que a educação vai mal (pelos critérios medidos apenas de aprendizagem dos alunos) e espera que isto provoque mudanças de condições de oferta pela pressão dos consumidores.

    Na parte redistributiva o documento apresenta proposições um pouco confusas, mas que tentei organizá-las da seguinte forma:
    a)      Reforço do papel distributivo do FNDE, visto como dotado de maior potencial de incidência que o FUNDEB (o texto não diz em que se baseia para chegar a esta conclusão temerária).
    b)      “Dispor de procedimento que una os três níveis da federação em colegiados capazes de atuar, juntos, para consertar partes do sistema público que não atinjam o patamar mínimo”.

    Numa primeira leitura pensei que no segundo aspecto o texto estivesse se referindo ao Custo Aluno qualidade, mas infelizmente é algo mais limitado e impreciso.

    A chamada primeira etapa, na qual “quadro próprio do governo federal trabalharia com suas contrapartes nos estados para tratar das situações mais graves” aparentemente significa o velho e surrado “apoio técnico da União”, dizendo o que estados e municípios devem fazer para corrigir falhas que essencialmente estão vinculadas a problemas de gestão (a concepção de que os problemas educacionais se resumem a carências de gestão também não são nada inovadoras).

    A segunda etapa deste novo formato federativo seria o estabelecimento de um “colegiado transfederal para cumprir a tarefa corretiva”. Mesmo que não utilizando este termo “tarefa corretiva”, mas a necessidade de instância de pactuação está prevista no Plano Nacional de Educação (artigo 7º). Não fica claro o vínculo deste colegiado com a necessidade de construção de um sistema nacional de educação, o qual deve enfrentar as desigualdades de oferta, mas é muito mais complexo do que pactuar medidas corretivas.

    Em seguida o texto aventa a formação de um novo fundo redistributivo, o qual funcionaria ao lado do FNDE (que não é um fundo no sentido que se debate a questão) e o FUNDEB. Para o texto este fundo se sustentaria por meio de disponibilização de “mais recursos, como os do pré-sal no futuro” e teria entre suas atribuições “a de financiar as ações corretivas”.

    Não consegui enxergar nas duas etapas onde se enquadra a definição do texto de criação de “mecanismo para redistribuir recursos e quadros de lugares mais ricos para lugares mais pobres”. Em alguns momentos isso está associado a envio de ajuda técnica, mas o único formato conhecido para migrar recursos de áreas (estados e municípios são as existentes) ricas para áreas pobres é a de um fundo único, mas o texto não propõe reformar o FUNDEB e sim criar algo paralelo, tendo como função corrigir distorções, as quais mais adiante ficam claras que estão associadas a desempenho de aprendizagem e não condições de oferta.

    E ancorar toda a possibilidade de revolucionar a educação, inclusive com o intuito de alçar o autor a presidenta para um lugar de destaque nos livros de história, apenas em vagos “mais recursos” e dinheiro do pré-sal no futuro, é muito pouco.

    Fonte: Blog do Luiz Araújo, quarta-feira, 29 de abril de 2015

  • Governo Autista

    Governo Autista

    Vladimir Safatle
    Vladimir Safatle

    Não há nada mais patético no Brasil do que ouvir políticos falarem sobre educação.

    Todos concordarão que a educação é a prioridade nacional, assim como descreverão programas maravilhosos aplicados em seus Estados que teriam redundado em inquestionável impacto na qualidade do ensino. Então, números fabulosos aparecem corroborando mais uma história de sucesso, até que um mal intencionado programa internacional de avaliação joga todos os números nacionais no chão.

    O princípio vale para o problema central do ensino brasileiro, a saber, a destruição da carreira de professor. A Coreia do Sul é sempre lembrada como exemplo de salto educacional. Seus professores do ensino público ganham em média US$ 4.000, ou seja, ao menos quatro vezes mais do que seus similares brasileiros.

    Com isso, não admira que nossos melhores alunos não queiram mais ser professores, criando uma profissão completamente sucateada e precarizada. Sem bons professores, não haverá tablet, matemática em 3D ou consultor de Harvard que conseguirá transformar nossa educação pública em algo minimamente aceitável.

    Então você lê, em algum pé de página de jornal, que “professores do Estado de São Paulo estão em greve há 44 dias” ou “professores do Estado do Paraná entram em greve por tempo indeterminado”. Começam a aparecer relatos das condições precárias de trabalho, salas de aulas fechadas para a concentração de alunos em outras unidades, professores com mestrado e doutorado há dois anos sem reclassificação salarial e defasagens inexplicáveis de salários entre professores e outros funcionários públicos com o mesmo nível de formação.

    Em outras épocas, depois de 44 dias de greve, você esperaria que o poder público se mobilizasse para dar alguma resposta ou que a sociedade civil se indignasse com a passividade daqueles que gerem o dinheiro de seus impostos. Mas, ao menos em São Paulo, temos outra forma de resolver problemas. Aqui, o governo desenvolveu um método incrivelmente eficaz que pode ser chamado “eliminação nominalista”. Por exemplo, perguntado sobre a greve de seus professores, o governador de São Paulo afirmou nesta segunda-feira (27): “Não existe greve de professores em São Paulo”.

    Ele é particularmente bom nisso. Há alguns meses, confrontado com racionamentos de água que afetavam a população de seu Estado, não temeu em afirmar: “Não existe racionamento de água em São Paulo”.

    Você também pode tentar isso em casa. Faça cara de sério, pense em algum problema grave e diga de maneira firme e pausada: “Este problema não existe”. Ao menos em São Paulo, a técnica funciona.

    Vladimir Safatle é professor de Filosofia da USP