Categoria: Eleições

  • Desafios da reorganização da esquerda brasileira

    Desafios da reorganização da esquerda brasileira

    por Juliano Medeiros*

     

        O resultado das eleições municipais deste ano ensejou, nos últimos dias, diversas análises sobre os rumos da esquerda. De todos os lados, analistas buscam compreender as razões que levaram à acachapante vitória eleitoral dos partidos associados ao golpe que conduziu Michel Temer à Presidência da República. A ideia de que o terreno perdido nos últimos meses exigirá uma necessária reconfiguração das forças progressistas parece encontrar eco em muitas vozes. No entanto, a “reorganização da esquerda” pode ter distintos significados a depender de como se interpreta a derrota que o impeachment e as eleições municipais deste ano representaram.

        Parece consenso que é chegada a hora de um profundo ajuste de contas na esquerda brasileira. O fim do ciclo do PT – que se anunciava desde junho de 2013 e se concretizou tragicamente com o impeachment de Dilma Rousseff – abriu um período de definições estratégicas para as forças populares. Um claro processo de reconfiguração da esquerda está em curso, dentro e fora das organizações tradicionais como partidos, sindicatos e entidades estudantis. No âmbito das organizações partidárias esse movimento é mais nítido. No PT, o movimento “Muda PT” representa para seus integrantes a derradeira batalha para salvar o simbolismo e a representatividade que o partido ainda detém entre parcela cada vez menor dos trabalhadores. Na Rede Sustentabilidade, as divisões internas chegaram a um limite insuportável, opondo lideranças de esquerda ao indecifrável projeto de Marina Silva. No PSOL, o crescimento do partido, que ocupou parte do espaço deixado pelo PT nas eleições municipais deste ano, exige definições sobre seu papel no novo ciclo que se abre para a esquerda brasileira. E até o pequeno e monolítico PSTU sofreu os efeitos da pressão em favor da reorganização: uma dissidência de centenas militantes deixou a legenda, rejeitando a tática do “fora todos” levada a cabo pelo partido durante o impeachment.

        Mas esse processo de reconfiguração da esquerda não se resume aos partidos. Aliás, é possível afirmar que é precisamente fora da vida partidária que essa reconfiguração se processa de forma mais dinâmica. O esgotamento do ciclo do PT – que nada mais é que o esgotamento de uma tática que envolveu centenas de organizações políticas e sociais em favor do chamado “pacto de classes” – já se nota no âmbito dos movimentos sociais há algum tempo. O surgimento de novas lutas, sobretudo nas grandes cidades, novos ativismos e formas de intervenção política, expressam também um novo momento para a esquerda social. Movimentos como o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Movimento Passe Livre (MPL), as ocupações de escolas em todo o país, o fortalecimento do movimento de mulheres contra o machismo e a violência, os novos movimentos de contracultura e o ativismo digital de coletivos como o Mídia Ninja, marcam o início de um novo ciclo na política brasileira. Isso não significa, é claro, que as formas “tradicionais” de organização política, como sindicatos, organizações de bairro ou entidades estudantis estão superadas. Significa apenas que esses instrumentos terão de ceder espaço a novas formas de ação política surgidas das transformações que o Brasil e o mundo vivenciaram nos últimos vinte anos, reinventando suas práticas e formas de organização para recuperar a legitimidade perdida.

    O impeachment como fim de um ciclo

        Afirmamos que o impeachment de Dilma marca o fim de um ciclo. Mas poderíamos ir além. Na verdade, o golpe que levou Michel Temer à presidência representa ao mesmo tempo o fim de dois ciclos. O primeiro é um ciclo mais geral da política brasileira, que começa com a Constituição de 1988. O golpe representa a ruptura do pacto que permitiu, ao longo de quase trinta anos, algum nível de estabilidade política e a garantia mínima da progressiva ampliação das políticas sociais. Mesmo no auge do neoliberalismo dos governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) direitos foram ampliados, apesar do retrocesso representado pela reforma do Estado promovida naquele período. Apesar de favorável às forças do conservadorismo, esse pacto permitiu o fortalecimento político e social do campo democrático-popular durante os anos 1990, a livre organização dos movimentos sociais e a vitória eleitoral da esquerda em 2002, mesmo que sob circunstâncias que se mostrariam fatais anos depois. Ao congelar os investimentos públicos por 20 anos, destruir o já insuficiente sistema que regulava a exploração do petróleo e retomar um agressivo ajuste no sistema de previdência, Temer implode o pacto que garantiu a estabilidade ao regime político brasileiro nas últimas duas décadas e encerra o clico instituído pela Constituição de 1988, abrindo um período de luta aberta pelos rumos do Estado.

        Por outro lado, na esquerda também se encerra um ciclo. A hegemonia do PT e do bloco histórico que o sustentou desde os anos 1980 chegou definitivamente ao fim. O historiador Lincoln Secco, em livro sobre a história do PT,1 afirma que o partido viveu três momentos em sua história. O primeiro foi marcado por um partido radical que liderava a oposição social à ditadura militar. O segundo momento é aquele em que o PT se consolida como oposição parlamentar ao neoliberalismo, quando o partido se institucionaliza e passa a viver a experiência de governar importantes municípios. O terceiro momento, que se inicia com a vitória de Lula em 2002, é aquele caracterizado pela ascensão do PT à condição de “partido de governo”. Nessa terceira e última etapa do processo de aggiornamento2 do partido à dinâmica do sistema político brasileiro, o PT incorpora plenamente a estratégia do pacto de classes, isto é, de uma aliança reformista assentada no crescimento econômico com distribuição de “dividendos” para todas as classes. Com o processo de impeachment e a implosão do pacto que o PT mantinha com diferentes frações da burguesia brasileira, o partido e seu campo de aliados tende a perder definitivamente a hegemonia sobre a esquerda brasileira. É o fim desse outro ciclo que exige definições urgentes sobre os rumos da reorganização das forças populares.

    Três tarefas urgentes para a reorganização da esquerda no Brasil

        Nossa situação política é inédita. Diferente de outros momentos da história, quando a esquerda foi coagida fisicamente pelas forças do conservadorismo e da reação, o que vemos hoje é um processo de “demonização” das organizações de esquerda que alcançou níveis inéditos desde a redemocratização. Combinando o desgaste promovido pela crise econômica e seus efeitos sobre os mais pobres com as denúncias de corrupção envolvendo altos dirigentes do governo e do PT, a mídia monopolista construiu com relativo sucesso uma associação quase automática entre “esquerda” e “corrupção/ineficiência”. Os partidos que compuseram o governo, como PT e PCdoB, sentiram mais fortemente os efeitos dessa narrativa no recente processo eleitoral. Mas ela não poupou nem aqueles partidos que jamais mantiveram qualquer envolvimento com atos de corrupção e nunca compuseram o governo Dilma, como o PSOL. A luta que se trava em torno das responsabilidades sobre a recessão econômica e a corrupção atingiu em cheio a esquerda.

        Quais seriam, então, as tarefas para contornar essa situação? Evidentemente, não há um “manual de reorganização da esquerda brasileira”. Mas há alguns elementos indispensáveis para enfrentar esse gigantesco desafio, que podemos sintetizar no tripé balanço / renovação programática / promessa. Vejamos como se apresentam cada uma dessas tarefas:

        a) Balanço:A mais urgente das tarefas para a reorganização da esquerda brasileira refere-se ao balanço da experiência dos governos petistas. Por mais de uma década, a esquerda brasileira se dividiu entre aqueles que apoiavam ou não o projeto liderado por Lula e Dilma. Por vezes, essa divisão tomava formas absurdas, onde uns se tornavam incapazes de ver os flagrantes limites dos governos de conciliação, enquanto outros fechavam os olhos para os inegáveis avanços que foram promovidos na expansão de alguns direitos sociais. Com o fim do ciclo do PT à frente do governo federal, torna-se possível desenvolver um balanço crítico e honesto dos avanços e limites que os governos petistas produziram. Exemplos não faltarão. Se por um lado é evidente que o crescimento econômico de quase uma década proporcionou uma melhoria nas condições de vida de parte expressiva da população mais pobre, com acesso a crédito, aumento real do salário mínimo e mais políticas sociais, por outro, não se pode esconder que a natureza do projeto de conciliação de classes não permitiu avanços mais profundos, manteve o país vulnerável à dinâmica do capital financeiro, fortaleceu o agronegócio predatório e deixou intocado o controle da informação nas mãos da mídia monopolista. Além disso, o mito conservador da “governabilidade” se impôs de tal forma sobre as iniciativas de participação direta da população sobre a política, favorecendo o fisiologismo e as alianças pragmáticas, que muitos terão dificuldades em admitir que o governo foi enredado em acordos que jamais deveria ter firmado. Por isso um balanço crítico e desapaixonado é indispensável para extrair as lições dos limites da conciliação de classes. Sem isso será impossível pensar um novo projeto político independente e comprometido com os interesses populares.

        b) Renovação programática:O bloco histórico surgido com o PT na luta contra a ditadura militar representou uma grande novidade na cena política brasileira. Aquela esquerda, renovada pelos novos atores políticos que entraram em cena no final dos anos 1970, construiu um programa ao mesmo tempo radical e inovador para enfrentar os séculos de atraso e exploração que marcavam nossa formação social. Ele estava muito à frente do reformismo que caracterizava, já naquela época, os partidos comunistas no Brasil. O chamado “Programa Democrático-Popular”, aprovado no 5º Encontro Nacional do PT, em 1987, reunia um conjunto de tarefas anti-monopolistas, anti-imperialistas e anti-latifundiárias que conferiam à estratégia do partido um caráter profundamente anti-capitalista e radicalmente democrático. Esse programa, rompendo com a tradição que fora hegemônica na esquerda até então, apresentava uma nova interpretação do estágio de desenvolvimento do capitalismo no Brasil e preconizava uma tática de fortalecimento das organizações de base do campo popular, rechaçando a conciliação de classes em favor da independência política dos trabalhadores e trabalhadoras. O abandono desse programa por parte do PT e sua relativa desatualização deixaram a esquerda brasileira, no século XXI, com um enorme “déficit programático”. Ao mesmo tempo em que foram incorporadas novas demandas à agenda política da esquerda nos últimos anos, especialmente no campo dos direitos civis, pouco se avançou na correta interpretação das mudanças que o Brasil viveu durante as últimas três décadas. A consolidação do processo de urbanização do capital e suas contradições trouxeram novas formas de dominação política e econômica que ainda precisam ser incorporadas à análise da esquerda. Essa renovação programática – econômica, política, social, cultural, ideológica – é uma condição indispensável para “reconectar” a esquerda ao Brasil real.

        c) Promessa: Os efeitos da derrocada do PT terão efeitos de longo prazo. Uma geração inteira de militantes, desiludida com as inaceitáveis concessões feitas pelo partido ao longo de quase catorze anos, já não acredita que outro instrumento partidário possa responder à tarefa histórica de liderar a reorganização da esquerda brasileira. Isso é natural. A decepção é profunda, tanto quanto a indignação pelos erros cometidos – em especial em relação à corrupção e à retirada de direitos dos mais pobres, marca do último ano de governo Dilma. Por isso, além de realizar um balanço crítico da experiência petista no governo federal e promover uma profunda atualização programática, a esquerda deverá lançar mão de uma promessa: a de que é possível construir um caminho diferente no futuro. Numa de suas principais obras,3 Hannah Arendt afirma que é a promessa que valida o perdão; isto é, apenas o compromisso de que algo novo está sendo construído no lugar do velho é que permite expiar os pecados do passado. Mesmo aqueles que nada tiveram a ver com os erros cometidos terão de consignar seu compromisso com a promessa de que nada será como antes. O perdão, que exime a esquerda das consequências dos erros cometidos, só pode ser validado pela promessa do novo. E esse novo que é reclamado pela nova geração de lutadores e lutadoras que está nas ruas não pode ser nada menos que uma esquerda horizontal, pluralista, radicalmente democrática e profundamente comprometida com os interesses dos explorados e oprimidos. Uma esquerda anticapitalista, socialista e classista, mas também feminista, negra, jovem, disposta a combater qualquer tipo de opressão. Perdão e promessa: eis o binômio do qual a reorganização da esquerda não pode fugir.

    Os atores da reorganização

        Consideramos que as tarefas que mencionamos – balanço / renovação programática / afirmação do novo – não poderão ser bem-sucedidas sem atores dispostos a encará-las como indispensáveis à reorganização da esquerda brasileira. Para isso será necessário um amplo processo de diálogo entre aqueles dispostos a enfrentar o momento de defensiva estratégica que os setores populares vivem e dar um novo sentido à luta em favor de um amplo instrumento político que unifique os que lutam contra a opressão e a exploração.

        Mesmo que os efeitos da ofensiva conservadora tenham sido devastadores, há diversos atores discutindo os rumos da reorganização da esquerda brasileira. No PT e na Rede Sustentabilidade há setores dispostos a debater a construção de uma nova síntese política “pós-PT”. Outras organizações políticas não partidárias também iniciam essa discussão. No âmbito dos movimentos sociais, novos atores já se apresentam como expressão concreta de um novo ciclo político que rechaça como limitadas as promessas do lulismo.4 Há ainda uma grande quantidade de intelectuais críticos que reivindicam uma profunda reflexão sobre os rumos do campo popular e democrático no Brasil, em favor de uma “nova esquerda” que se apresente como tal já a partir das eleições presidenciais de 2018. No meio desse turbilhão está o PSOL.

        O PSOL é hoje o polo mais dinâmico da reorganização da esquerda brasileira e o partido mais bem localizado politicamente para enfrentar esse desafio. Isso se deve a algumas razões específicas que garantem a ele uma posição privilegiada nesse processo. O primeiro e mais evidente é o fato do partido ter mantido, ao longo de seus onze anos de vida institucional, uma profunda crítica à estratégia de conciliação de classes levada a cabo pelo PT. Por essa razão o PSOL é visto como um partido coerente, capaz de arcar com as pesadas consequências de ser oposição de esquerda aos governos petistas para conservar suas posições. Além disso, a tática que o partido assumiu durante o impeachment, quando sua militância e suas figuras públicas se engajaram plenamente na luta contra o golpe, permitiu ao PSOL conectar-se com o mais importante movimento de massas ocorrido no país desde junho de 2013. Para os milhares de lutadores e lutadoras que tomaram as ruas contra o golpe, o PSOL foi visto como um partido capaz de deixar as diferenças de lado para unir forças em favor de um objetivo maior: a defesa da democracia. Por fim, vivendo toda a sua existência fora da dinâmica do Estado, o partido compreende melhor os novos atores sociais que emergiram na última década. Esses lutadores e lutadoras têm uma forte empatia com o partido e muitos concorreram pelo PSOL nas eleições deste ano. Portanto, se o partido tiver a sabedoria política necessária para se colocar à altura do momento histórico, ele pode se tornar a expressão “natural” de uma nova síntese política para essa nova esquerda que está se formando no Brasil. Mas para isso, será necessário responder às inadiáveis tarefas que mencionamos neste ensaio.

    * Presidente da Fundação Lauro Campos e membro da Executiva Nacional do PSOL.

     

    1 Lincoln Secco. História do PT – 1978-2010. Cotia: Ateliê Editorial, 2011.

    2 Termo em italiano que signfica atualização ou adaptação.

    3 Hannah Arendt. A condição humana. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 2000.

    4 Para saber mais sobre o lulismo como expressão da política de pacto de classes nos governos petistas ver André Singer. Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

     

  • Seminário “A cidade que queremos: os desafios dos mandatos do PSOL”

    Seminário “A cidade que queremos: os desafios dos mandatos do PSOL”

         A Fundação Lauro Campos sediará, nos dias 5 e 6 de novembro, o seminário “A cidade que queremos: os desafios dos mandatos do PSOL”. A inédita iniciativa reunirá os vereadores e vereadoras eleitas ou reeleitas no pleito de 2016 em todo o país, e se constituirá como um momento privilegiado para discutir os desafios do partido na luta contra o governo Temer, trocar experiências entre os diferentes parlamentares com suas distintas vivências e discutir  atuação dos novos parlamentares e prefeitos.

         Nos dois dias da atividade, serão debatidos a conjuntura nacional, os programas municipais do PSOL como também os desafios colocados frente ao cenário político atual. Haverá espaços para que os eleitos possam discutir questões comuns. Mais de quarenta vereadores de todo o país já confirmaram presença, além de parlamentares como Chico Alencar, Edmilson Rodrigues, Glauber Braga, Ivan Valente, Luciana Genro, Luiza Erundina, Raul Marcelo entre outros.  A abertura do evento será feita pelo presidente nacional do partido, Luiz Araújo, e pelo presidente da Fundação Lauro Campos, Juliano Medeiros.

        Para Juliano, “o seminário será um importante momento para discutir os desafios dos mandatos do PSOL diante do processo de reorganização da esquerda brasileira. Além disso, servirá para trocar experiências e enriquecer as possibilidades de atuação de nossos vereadores em defesa da ampliação de direitos contra qualquer retrocesso”. A atividade, que é uma realização conjunta da Fundação Lauro Campos com a Direção Nacional do PSOL, acontecerá na sede da Fundação, na cidade de São Paulo.

         Confira abaixo a programação do evento:

     

    Sábado (05/11)

     

    9h00

    Abertura: Luiz Araújo, presidente nacional do PSOL, e Juliano Medeiros, presidente da Fundação Lauro Campos

     

    10h00

    Mesa sobre conjuntura

    . Edilson Silva, deputado estadual-PE e candidato à prefeitura de Recife

    . Guilherme Boulos, coordenador nacional do MTST

    . Ivan Valente, deputado federal-SP

    . Laura Carvalho, economista e professora da FEA-USP

    Mediação: Juliano Medeiros, presidente da Fundação Lauro Campos

     

    14h-16h00

    Mesa: PSOL e a luta por uma cidade das pessoas

    . Edmilson Rodrigues, deputado federal-PA e candidato à prefeitura de Belém

    . Luciana Genro, candidata à prefeitura de Porto Alegre

    . Marcelo Freixo, deputado estadual-RJ e candidato à prefeitura do Rio de Janeiro

    . Raul Marcelo, deputado estadual-SP e candidato à prefeitura de Sorocaba

    . Juninho, presidente estadual do PSOL-SP e candidato à prefeitura de Embu das Artes

    Mediação: Márcio Rosa, diretor da Fundação Lauro Campos

     

    17h00-19h00

    Divisão em 5 grupos de discussão, sob o tema “desafios do parlamentar do PSOL”

     

    19h00-20h00

    Espaço livre de discussão

     

    20h00-22h00

    Confraternização

     

    Domingo (06/11)

     

    9h00-12h00

    Apresentação das discussões dos grupos e debate com os parlamentares do PSOL

    . Chico Alencar, deputado federal-RJ

    . Glauber Braga, deputado federal-RJ

    . Luiza Erundina, deputada federal-SP e candidata à prefeitura de São Paulo

    Mediação: Gilberto Maringoni, diretor da Fundação Lauro Campos

     

    12h30 – Encerramento 

     

     

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  • Síntese dos debates do Ciclo “Se a Cidade fosse Nossa”

    Síntese dos debates do Ciclo “Se a Cidade fosse Nossa”

         A fundação Lauro Campos, em parceria com diretórios estaduais e municipais do PSOL, realizou uma série de eventos buscando contribuir com a discussão programática do partido e ajudar na apresentação de propostas visando as eleições municipais de 2016.

         Foram dez atividades realizadas em oito cidades brasileiras, que contou com a participação de pesquisadores, estudiosos e militantes dos eixos temáticos escolhidos para o aprofundamento da discussão. Rio de Janeiro, Curitiba, Nova Iguaçu, Fortaleza, Salvador, Recife, Belém e São Paulo sediaram atividades.  

         Confira a síntese de cada discussão realizada pelo Ciclo “Se a Cidade fosse Nossa”:

     

     

     

    Cidades do negócio vs. cidades rebeldes

    Local: Rio de Janeiro – RJ

    Participantes: David Harvey (geógrafo), Juliano Medeiros (presidente da FLC) e Edmilson Rodrigues (deputado federal – PA)

         Tivemos a oportunidade de apoiar o diretório carioca do partido, recebendo o  professor David Harvey, figura destacada do pensamento marxista e mais importante  geógrafo da atualidade. Em duas conferências mais uma aula pública, mostrou como a cidade é o espaço privilegiado de reprodução ampliada do capital, e destacou como os movimentos sociais estão procurando outras formas de organização e articulação para enfrentar a cidade dos negócios.

         O capitalismo em crise tenta resolver seus problemas através do avanço sobre as cidades para transformá-las em ativos financeiros. É a lógica de que a cidade não deve servir para as pessoas, mas para os negócios.

         Há uma enorme irracionalidade do capitalismo e na política. Como lembrou, em tom de brincadeira:  “dizem que nós, marxistas, somos insanos. Insanos são os capitalistas, que defendem esse modelo de cidade feita para especular, e não um modelo decente para as pessoas morarem com dignidade”.

         E continuou: “a solução não é abandonar o processo político, mas reconstruir o sistema. Precisamos de uma revolução política. Nos dizem que a única solução para as nossas dificuldades é mais capitalismo. A verdadeira resposta é nada de capitalismo. Na esquerda, a base tem que ser popular e estar no centro do processo político.”

     

    Tema 1: Saúde

    Local: Curitiba – PR

    Participantes: Bernardo Pilotto (setorial de saúde do PSOL), Lidia Cardieri (socióloga) e Melissa Pereira (Fiocruz)

         A saúde é um dos principais problemas dos municípios e dos cidadãos. A constituição federal estabelece que é competência do município a atenção básica e os serviços locais (em parceria com o estado e a união), o estabelecimento de uma política municipal de saúde, que invista ao menos 15% do orçamento local, e os laboratórios de exames e hemocentros. É muita coisa e os recursos são poucos.

         As restrições financeiras e as imposições da lei de responsabilidade fiscal têm trazido dificuldades adicionais. As administrações em geral, independente da orientação ideológica do partido, tem apostado em formatos de terceirização de serviços e de gestão, precarizando as condições de trabalho e retirando o caráter público do serviço. Para o PSOL, a ideia é fortalecer o SUS e a saúde pública, gratuita e de qualidade, bem como apostar na valorização do profissional, sabendo que sua dedicação e competência podem fazer a diferença.

         Como ressaltou Bernardo Pilotto, “é muito importante que o PSOL construa programas de governo na área de saúde antenados com as lutas de nosso povo nessa área, defendendo a ampliação e desprivatização do SUS. Na gestão municipal, é possível fazer muitas políticas de prevenção e promoção da saúde e é nessa área que devemos ter foco.” A própria melhora das condições de vida da população, com investimentos em saneamento básico, melhorias no transporte público e mais opções de lazer podem ser encarados como política de prevenção.

         Além disso, destacamos um assunto dentro da atenção básica: a saúde mental (junto da política de drogas), onde o município tem papel proeminente. Trata-se de debate com crescente relevância da sociedade e que traz a discussão sobre cuidado e o acolhimento. Aqui, o PSOL reafirma seu compromisso com a luta antimanicomial e com as práticas de redução de danos enquanto diretrizes para nossas políticas locais, focando sua atenção no estabelecimento e qualificação dos CAPS.

    Propostas

    • Ampliar os serviços do SUS e combater a privatização da saúde buscando rever os contratos de serviços e gestão
    • Melhorar as condições de trabalho e salários dos servidores
    • Foco na saúde básica, com fortalecimento das equipes de saúde da família
    • Políticas de prevenção e de informação
    • Construção, ampliação e melhorias dos CAPSs
    • Políticas sobre drogas de inclusão social e redução de danos.

     

    Tema 2: Segurança e direitos humanos

    Local: Curitiba – PR

    Participantes: Juninho (presidente do PSOL-SP e membro do Círculo Palmarino) e Orlando Zaccone (delegado e membro da Leap – Law Enforcement Against Prohibition).

         O desafio para o PSOL é estabelecer uma política de governo baseada no mais amplo respeito aos direitos humanos e no combate à todas as formas de opressão. Essas questões, como apontado pelo Juninho, estão relacionadas à questões estruturais que marcam a sociedade brasileira: a profunda desigualdade social, a cidadania restrita e a violência como forma de controle: “a manutenção desses privilégios de acumulação de riqueza e essa cidadania restrita se mantém através da violência”.

         Essa formação social leva a uma atuação do estado  baseada no controle social, dentro da lógica do combate ao inimigo, do punitivismo penal, da gentrificação e da exclusão social. Ressaltou Orlando Zaccone: “então, a questão da cidadania que o Juninho trouxe mostra que a Declaração Universal dos Direitos Humanos não contemplou essa distinção entre cidadão humano e não cidadão inimigo. O inimigo hoje não é o cidadão, ele é construído dessa forma, pelo discurso: ´direitos humanos para humanos direitos´. E esse nosso cidadão é construído como inimigo, e diversas fatores vão ser contemplados nessa não cidadania, nessa construção de inimigo. E o tráfico de drogas hoje é a grande construção que se faz dessa figura mítica do inimigo que perde toda proteção do ambiente social”.

         A política de segurança do PSOL precisa encarar a discussão da segurança e da violência como produto da desigualdade social: “a violência não será combatida com mais aparato e com mais violência, mas sim a partir de uma dinâmica de desenvolvimento real, de distribuição de riqueza, de desenvolvimento social”, reforçou Juninho.

    Propostas:

    • Políticas de proteção aos direitos humanos e combate às opressões
    • Pelo fim do caráter atual “militarizado” das Guardas Civis Metropolitanas e reforço da atuação comunitária
    • Foco em políticas de revitalização dos espaços e de combate à desigualdade

     

    Tema 3: Poder local nas periferias e no interior

    Local: Nova Iguaçu – RJ

    Participantes: Carlos Vainer (urbanista), Sandra Quintela, Glauber Braga (deputado federal – RJ), José Cláudio Souza Alves (sociólogo/UFRRJ), Josemar Carvalho (geógrafo/São Gonçalo-RJ), Leci Carvalho (pedagoga e presidenta do PSOL-Nova Iguaçu,), Cid Benjamin (jornalista) e Álvaro Neiva (presidente do diretório estadual do Rio de Janeiro)

         As políticas públicas não podem se resumir às capitais. Mesmo quando pensamos nelas, é decisivo incorporar as regiões metropolitanas no debate, porque para as pessoas as fronteiras entre os municípios muitas vezes representam impedimentos e dificuldades. Para Carlos Vainer é preciso superar as divisões baseadas em municípios, muitas vezes incorporadas pelos próprios partidos que têm viés contra-hegemônico. “Sou a favor do comitê metropolitano. Nós queremos os impostos da Barra da Tijuca sendo aplicados em Nilópolis (…) O poder é a capacidade de articular escalas, sejam elas globais, nacionais ou locais”, afirmou Vainer.

         O programa do PSOL é construído em parceria com os movimentos sociais. Sandra Quintela, economista do PACS (Políticas Alternativa para o Cone Sul), lembrando seus vínculos com a Baixada, citou exemplos de embates como os comitês em Nova Iguaçu contra a ALCA, pescadores da Zona Oeste do Rio contra a TKCSA, Comitês Populares denunciando as políticas de exclusão relacionada à Copa e às Olimpíadas. Para Sandra, “o debate sobre poder local não pode abrir mão de fazer as disputas de classe, afinal, o capital é global”.

         Fechando a primeira parte do debate, o deputado federal Glauber Braga (PSOL/Nova Friburgo-RJ) falou sobre as relações entre institucionalidade e resistência nas ruas.  “Somos o partido que toda sexta-feira está em praça pública no Centro do Rio. Temos que construir os programas e prestar contas nas praças, não para negar o poder representativo que hoje existe, mas por entender que ele não dá conta de um projeto de ruptura”, afirmou Glauber.

       Na parte da tarde o debate contou com a participação dos professores José Cláudio Souza Alves (sociólogo/UFRRJ), Josemar Carvalho (geógrafo/São Gonçalo), e Leci Carvalho (pedagoga e presidenta do PSOL-Nova Iguaçu,); do jornalista Cid Benjamin.e do presidente estadual do PSOL-RJ, Álvaro Neiva. Em pauta, as particularidades da militância na Baixada e na periferia em geral, os problemas na segurança e no serviço público e os desafios da luta institucional, entre outros temas.

    Propostas:

    • Políticas integradas para Região Metropolitana – mobilidade urbana, segurança pública, saneamento básico, saúde etc
    • Criação de comitês metropolitanos e de laços entre os governos e os cidadãos dessas regiões

     

    Tema 4: Cidades Negras

    Local: Salvador-BA

    Participantes: Samuel Vida (UFBA), Linesh Ramos (professora) e Dennis Oliveira (USP)

         Para o PSOL o racismo é parte estrutural da formação social do país e da luta de classes. Como destacou o professor Dennis de Oliveira,  o “racismo é a ideologia que vai definir quem tem e quem não tem patrimônio e renda; o racismo que define quem é e quem não é cidadão e é o racismo que define quem é o autor e quem é a vítima da violência. Ele vai ser o elemento que vai justificar essa clivagem que acontece pela lógica do Estado brasileiro”.

         Do ponto de vista da gestão do Estado e das políticas públicas, enfrentar o tema do racismo institucional é decisivo para uma gestão que quer combater o racismo estrutural. Para Samuel Vida, “falar de racismo institucional é tentar entender como esses mecanismos operam de formas distintas e com várias roupagens, podendo ocorrer, inclusive, em espaços governados e administrados por pessoas negras”.

         Da mesma forma, destacamos a importância de abordar esse tema de forma intersetorial, com conexões com a questão das mulheres em especial: “o empoderamento das mulheres negras é fundamental à luta democrática. O racismo atua no sentido de manter a faxina ética. Não existe socialismo e liberdade se não tivermos o fim do racismo”, afirmou Linesh Ramos.

         Para o PSOL a temática do combate ao racismo não pode se resumir às ações de uma pasta específica, devendo estar presente em todas as ações institucionais e políticas públicas, além das políticas específicas.

    Propostas:

    • combate ao racismo institucional
    • combate à violência contra o jovem periférico
    • combate à violência contra a mulher negra

     

    Tema 5: Comunicação

    Local: Fortaleza-CE

    Participantes: Aldenor Jr. (ex secretário de comunicação de Belém), Roger Pires (coletivo Nigéria) e Helena Martins (coletivo Intervozes)

         Segundo a Unesco “todas as pessoas têm o direito de produzir, receber e fazer circular informações”. Essa concepção é mais do que garantir a liberdade de expressão, é pensar em formas e políticas que garantam a todas as pessoas o direito de acessar, produzir e difundir informações e cultura. Esse direito, no entanto, é negado pelo alto grau de concentração da propriedade dos meios de comunicação, inclusive em âmbito municipal (donos de rádios e jornais locais são ligados ao poder econômico).

         Junto dos movimentos sociais, é preciso pensar outras formas de comunicação e de identidade visual. Para Roger Pires, a comunicação no âmbito municipal reflete a segregação existente na própria cidade: a representação dos centros é hegemônica, enquanto que as periferias não se apresentam representadas nos grandes veículos: “qual é o Ceará que nós vemos na televisão?”, questionou.

         Mais do que as políticas específicas de comunicação, é preciso ter uma linha de atuação militante, que contribua para a organização popular e faça o enfrentamento com o pensamento e as forças hegemônicas, na direção da ampliação da participação popular. Assim, a comunicação precisa ser feita “a partir do olhar ‘dos de baixo’, como uma ferramenta para educar, para organizar e para politizar o povo”.

    Propostas:

    • wi fi livre e incentivo à produção popular
    • incentivo à distribuição e circulação da produção popular
    • incentivo à comunicação popular, jornais de bairro, rádios comunitárias, produção local
    • comunicação militante com engajamento social

     

    Tema 6: Meio ambiente

    Local: Fortaleza – CE

    Participantes: Márcio Astrini (Greenpeace) e Alexandre Araújo (PBMC – Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas)

         Pensar em outro modelo de desenvolvimento, sustentável e que respeite todas as formas de vida. O Ecossocialismo, ou qualquer outro nome que se queira dar para uma alternativa para além do capitalismo, precisa ser um projeto que supere o capital em dois aspectos: o da desigualdade social e o do colapso ambiental que promove.

          É importante romper com a dicotomia Homem versus Natureza, e compreender que a humanidade é parte integrante da natureza. O planeta Terra deve ser visto como um único organismo com um metabolismo próprio. Entretanto, a ação do homem no planeta, forçada pela atual forma de exploração devastadora, acaba por desequilibrar este metabolismo, comprometendo a sobrevivência de todas as espécies.

         A tarefa que cabe é a de adequar a exploração do planeta com as reais necessidades da humanidade, o que é incompatível com o atual sistema capitalista, uma vez que a superexploração dos recursos naturais, com o aumento da produção de dejetos, contaminação do meio-ambiente e destruição de biomas, se torna cada vez mais aceleradas na busca da produção de capital e sua consequente hiperconcentração. É mais do que urgente se buscar soluções de baixo custo e alta rentabilidade para o conjunto da sociedade, na construção de uma cadeia produtiva baseada na economia criativa e solidária.

    Propostas:

    • Eficiência no gerenciamento dos dejetos
    • Estímulo a soluções criativas de produção com baixo impacto ambiental e alto retorno social
    • Vigilância rigorosa do uso de agrotóxicos e fertilizantes químicos
    • Incentivo a nova matrizes energéticas, como o programa de instalação de placas solares em equipamentos públicos
    • Estímulo à criação de cadeias de produção e circulação de mercadorias, orientadas pela perspectiva da economia solidária

     

    Tema 7: Moradia e mobilidade

    Local: Recife-PE

    Participantes: Lucio Gregori (ex-secretário governo municipal de São Paulo, na gestão de Luiza Erundina), Socorro Leite (ONG Habitat), Leonardo Cisneros (Ocupe Estelita) e Vitor Guimarães (MTST)

         A cidade tem sido alvo do capital para se tornar espaço de valorização, produzindo desigualdades e exclusão social. O direito à cidade foi abordado em torno dos temas da moradia e da mobilidade urbana.

         Socorro Leite, diretora executiva da ONG Habitat para a Humanidade Brasil, destacou  que “o direito à moradia não está à frente da política pública”. Apresentou também uma série de propostas para a inversão das prioridades nesse tema, como a ocupação de imóveis ociosos, recursos locais para moradia, planejamento para a cidade, proteção nas ZEIS, regularização da posse, diversificação soluções habitacionais e, em especial, a participação popular.


         Já Vitor Guimarães, da coordenação nacional do MTST, destacou que “não existe programa habitacional, existe um projeto econômico, pois a crise urbana é um projeto político. Quem é dono da terra é dono da cidade. O Minha Casa Minha Vida não questiona a especulação imobiliária”. Concluiu chamando à luta e à organização popular, destacando que um programa de esquerda deve enfrentar a questão do valor da terra, ampliar e regulamentar o estatuto das cidades e estabelecer comitês democráticos de mediação de conflitos.


         Para falar de mobilidade, o engenheiro Lucio Gregori, que foi secretário de transporte da gestão Luiza Erundina na cidade de São Paulo, apontou que “a luta de classes é no chão das cidades, mais que nas fábricas”. Lembrando que a mobilidade é questão transversal, destacou também a participação popular e concluiu dizendo que “se a cidade fosse nossa a mobilidade seria de todos”.


        Por fim, Leonardo Cisneros, Professor UFRPE e ativista dos Direitos Urbanos – Recife e do Ocupe Estelita, lembrou que “mobilidade é problema político, cujas soluções expressam visões sobre o modelo de cidade. É a democracia direta do capital, que articula investimentos públicos com os interesses privados”. Assim, a questão da transparência e das prioridades é central, garantindo ao povo a capacidade de decidir e não apenas participar de conferências e consultas esvaziadas de poder.

    Propostas:

    • inversão das prioridades. Ocupação de imóveis ociosos, recursos locais para moradia, planejamento para a cidade, proteção nas ZEIS, regularização da posse, diversificação soluções habitacionais e, em especial, a participação popular.
    • enfrentar a questão do valor da terra, ampliar e regulamentar o estatuto das cidades e estabelecer comitês democráticos de mediação de conflitos.
    • transparência e das prioridades é central, garantindo ao povo a capacidade de decidir e não apenas participar de conferências e consultas esvaziadas de poder

     

    Tema 8: Participação popular

    Local: Belém-PA

    Participantes:  Edmilson Rodrigues (deputado federal-PA), Juliano Ximenes (urbanista) e Jurandir Novaes (urbanista)

         A radicalização da democracia, a participação da sociedade e a construção do poder popular são as principais marcas da proposta de governo do PSOL, ao lado da ideia de inversão de prioridades. Somente  com o povo tendo voz ativa nas decisões do governo é que seus interesses serão atendidos. A crise política e o governo golpista de Michel Temer reforçam essa importância, propondo um formato de governo totalmente oposto ao ministério de homens brancos e ricos de Temer.


         Juliano Ximenes falou sobre a importância de se instituir um ativismo comunitário no Brasil como uma medida para melhorar os mecanismos de controle político utilizados pela população. “Tais processos conferem força e diminuem os conflitos da população. O ativismo é um processo necessário e deve estar integrado às políticas para democratizá-las plenamente”, enfatizou. Já Jurandir Novaes complementou a contribuição do arquiteto, Juliano Ximenes, ao dizer que “a participação popular é uma decisão política, que serve para romper a lógica da dominação sobre o povo”.

         Edmilson Rodrigues finalizou o debate, destacando que a falta da participação popular é um dos fatores que contribuiu para o aprofundamento da crise vivida no Brasil e sofrida pela população. “A participação do povo na gestão é o instrumento que deve ser usado para que superemos as crises e para que possamos caminhar rumo a um futuro democrático, sem diferenças na sociedade e que tenha a população como foco”, concluiu.

    Propostas:

    • Ampliar e reforçar as formas de participação popular, através de conselhos, conferências e mecanismos de participação direta nas decisões, bem como reforçar mecanismos de controle social dos gastos e contratos.
    • Descentralizar o governo e estabelecer mecanismos de protagonismo local e popular.

     

    Tema 9: Educação.

    Local: São Paulo-SP

    Participantes: Luiz Araújo (professor UNB e presidente nacional do PSOL), Lisete Arelaro (professora da Faculdade de Educação da USP) e Sylvie Klein (pesquisadora), com comentários de Paula Coradi (professora)

         Para o PSOL, é central a defesa da educação pública, gratuita e de qualidade para todas e todos. A efetivação desse direito depende das prioridades e opções do governo. Luiz Araújo, professor da UNB e presidente nacional do PSOL, contou que no governo de Belém, quando foi secretário de Educação, “o Edmilson reuniu lá no palácio do governo a equipe que trabalhava comigo na secretaria e fez a seguinte pergunta: de tudo que vocês estão fazendo ou estão planejando fazer, o que a direita não faria?”.

         Para a esquerda socialista são três tarefas: a) garantir o acesso universal aos direitos sociais, o que envolve a inversão de prioridades e a “disputa do fundo público com outras prioridades”; b) fazer uma disputa de valores pela herança imaterial de concepções, o que implica em “empoderar a população”; e c) radicalizar a participação popular , “abrir os dados e discutir a sua composição e capacitar a população a discutir isso e decidir de forma inclusive diferente”.

         Já a professora Lisete Arelaro, professora da Faculdade de Educação da USP, começou lembrando que “nós estamos em tese numa democracia, e efetivamente a gestão democrática foi para as cucuias”. E que a preocupação com os números de matriculados precisa ser balizada pela qualidade. E como faz pra melhorar a qualidade? “Querido, se tiver uma jornada digna para o professor e ele ganhar um salário minimamente decente, surpresa, dá certo a escola, em geral”.

         Sobre a educação de jovens e adultos e a alfabetização no país, Lisete lembrou da enorme dívida social, do alto número de analfabetos e de adultos que não passaram do ensino fundamental ou médio: “ Porque ele pensa: eu trabalho nove horas, 14h eu estou aqui, duas horas para voltar, se eu ainda for estudar três horas e meia, quatro, tem que valer muito à pena”.

          Finalizando o debate, a pesquisadora Sylvie Klein falou sobre educação infantil, que é uma das responsabilidades dos municípios. Para ela, “a creche e a educação infantil, é um direito das crianças, é um direito que as crianças têm de estarem num espaço público, que as crianças têm de estarem num espaço coletivo, um espaço entre pares, que ela saia daquele núcleo que é caminhar, que é o espaço do privado, para estar nesse lugar”. Aqui, o desafio é o acesso com qualidade: “Se é direito das crianças, de todas as crianças, ela é um dever do estado, e aí o estado tem que se responsabilizar por esse atendimento. E o que a gente tem visto é uma desresponsabilização do estado via política de conveniamento”.

    Propostas:

    • Fim das matrículas da educação infantil nas entidades conveniadas e progressiva retomada da prefeitura
    • Limite de alunos por sala de aula definido por critérios pedagógicos
    • Ampliação dos programas de alfabetização de Jovens e Adultos
    • Valorização do professor e ampliação dos mecanismos de participação social nas escolas
  • Bernie Sanders instala uma revolução política nas eleições dos Estados Unidos

    Bernie Sanders instala uma revolução política nas eleições dos Estados Unidos

    Bernie Sanders
    Bernie Sanders

    O movimento “Ocupe Wall Street” (Occupy Wall Street) surgiu em 2011 com manifestações ruidosas em centenas de cidades dos EUA.

    Nelas o povo denunciava o controle da política e da economia pelos 1% mais ricos. Espalhando-se pelo país e chegando até o exterior, o movimento dava voz aos 99% mais pobres, à maioria da população, portanto, que num regime democrático é quem deveria governar.

    No entanto, através de suas manipulações, o poder estaria nas mãos da minoria, dos 1% mais ricos, que impunham leis para os favorecer, mesmo prejudicando os 99%.

    O Occuppy não durou mais do que alguns anos, mas deixou raízes que começaram a dar frutos nas prévias eleitorais do estado de New Hampshire.

    Foi quando o candidato socialista anti-establishment, Bernie Sanders, derrotou a favorita, Hillary Clinton, que contava com imagem sólida, o apoio da máquina partidária dos democratas e vastos recursos providos por grandes empresas.

    Quando Sanders lançou sua candidatura, a grande mídia considerou uma piada. Para o povo norte-americano socialismo seria algo semelhante a comunismo. Um candidato que ousasse se dizer socialista estaria praticando suicídio.

    Além disso, quem era ele para pretender disputar contra Hillary Clinton, a candidata lógica à sucessão de Obama? Um senador com muito prestígio entre os jornalistas que cobriam o Legislativo, mas desconhecido pelo grande público.

    Poucos sabiam que ele fora dos raros políticos que votaram contra a guerra do Iraque; contra o aumento de tropas no Afeganistão; contra as isenções de impostos aos ricos, do governo Bush; condenara os excessos de Israel na Guerra de Gaza, entre outras posições consideradas radicais.

    Mas o socialismo de Sanders não assustava muito. Ele jamais falou em socialização de empresas ou desapropriações.

    Focou sua campanha no combate às desigualdades sociais, defendendo leis que reduzissem os lucros das grandes empresas e melhorassem a vida da população.

    Prometeu garantir universidade grátis para todos, num país onde cursar uma faculdade tem um custo extremamente alto.

    Favorável ao OBAMACARE, Sanders o considera incompleto (deixa de fora os imigrantes ilegais). Daí seu projeto de saúde pública gratuita para todos.

    Taxação das grandes fortunas, dobrar o valor do salário-mínimo, sair da Síria e do Afeganistão e investir maciçamente em infraestrutura para gerar 13 milhões de empregos são outras propostas do candidato socialista.

    As ideias de Sanders foram desqualificadas pelos adversários que as taxaram de fantasias irrealizáveis.

    Mas foram levadas a sério por um número crescente de pessoas que compareciam às apresentações do senador.

    Sua posição nas pesquisas, que começou insignificante, cresceu continuamente. Ele passou a preocupar os responsáveis pela candidatura de Hillary Clinton. Especialmente nas prévias de New Hampshire, vencidas pelo candidato socialista.

    E olhe que, nas prévias da eleição passada, Hillary Clinton derrotou Obama nesse estado.

    A vitória de Bernie Sanders faz supor que algo está mudando nos EUA.

    As pesquisas mostram que a maioria dos jovens é favorável a ele. A consciência despertada pelos jovens do Occupy Wall Street, de que chegou a hora de mudar um sistema injusto, parece ter se espalhado pelas universidades de todo o território dos EUA.

    Por sua vez, a classe média, sempre dócil às manipulações dos políticos de sempre, começa a expressar revolta.

    Ela empobreceu com a crise. Obama salvou os bancos, mas não seus clientes, que viram seu padrão de vida desabar.

    O tamanho dessa revolta foi medido em estudo realizado por pesquisadores que atuaram nas campanhas dos dois partidos, o Project Smith.

    Seus resultados refletem as mudanças radicais que estão acontecendo na América.

    Conheça alguns deles:

    – 72% de todos os norte-americanos acreditam que as razões pelas quais as famílias não tiveram sua condição econômica melhorada e o crescimento econômico do país está parado são a corrupção e o “capitalismo de clientela” em Washington;

    – 75% acreditam que poderosos interesses usam campanhas e dinheiros dos lobbies para fraudar o sistema em seu benefício;

    – Para 84% os líderes políticos estão mais interessados em proteger seus poderes e privilégios do que em fazer o correto;

    – 78% acreditam que os partidos Democrata e Republicano são incapazes de promover mudanças porque ambos estão excessivamente focados nos interesses próprios;

    – 80% acreditam que o governo federal tem como interesse principal cuidar de si;

    – 75% acreditam que o governo federal não está trabalhando a favor dos interesses do povo.

    Este quadro explica por si porque Bernie Sanders derrotou a poderosa Hillary Clinton em New Hampshire, considerado um dos estados mais politizados dos EUA.

    Ao lado da descrença total nos políticos e nas instituições de governo, está latente o desejo por novas ideias e novos líderes independentes.

    Sanders se enquadra perfeitamente nessas exigências. Que suas ideias são novas, é incontestável.

    E ele é um político independente. Sempre foi. Somente filiou-se ao Partido Democrata para concorrer às eleições deste ano.

    Apesar de encarnar os desejos do povo, tem poucas chances de sua candidatura conquistar a presidente dos EUA pelos democratas.

    Hillary Clinton é uma adversária extremamente poderosa. Ela lidera as pesquisas nacionais. Há cerca de 10 anos é vista com admiração por amplos setores da opinião pública.

    Sua imagem de honestidade e eficiência está firmemente estabelecida. Já ao socialista, embora com prestígio em ascensão, faltam apoios regionais de figuras de peso.

    Mais do que isso, Sanders não tem o que Hillary Clinton tem de sobra: vastos recursos fornecidos pelas grandes empresas à sua campanha e quase toda a burocracia partidária.

    Por fim, regulamentos internos do Partido Democrata parecem ter sido feitos sob medida para torpedear a candidatura Sanders.

    Na decisão de escolha do candidato democrata, votam 4.700 elementos escolhidos pelos estados.

    Mesmo que Sanders obtenha a maioria, pode acabar perdendo.

    Regra profundamente antidemocrática do partido dá poder de voto a 700 deputados, senadores e líderes locais – aos donos do partido, enfim.

    A maioria desse pessoal é por Hillary Clinton que, afinal, é um deles. A última pesquisa mostrou uma vantagem de 355 x 14 para ela.

    É claro que, se a vantagem por Sanders nas prévias estaduais for marcante e existir uma onda nacional em seu favor, esse políticos profissionais podem acabar votando nele – afinal há eleições legislativas junto com as presidenciais e não convém desgostar o público.

    Seja como for, Bernie Sanders já ficou como um marco no processo de conscientização do eleitorado estadunidense.

    Poderia se dizer que o Occupy Wall Street lançou algumas sementes, que adicionadas ao desastre causado pelo establishment na grande crise ajudaram o povo a abrir os olhos. E começar a agir.

    Luiz Eça é jornalista

    Fonte: Correio da Cidadania, 16 de fevereiro de 2016

  • Piketty: Sanders desafia a Era da Desigualdade

    Piketty: Sanders desafia a Era da Desigualdade

    Crescimento, nos EUA, do candidato que quer redistribuir riqueza terá repercussão global: ele mostra que é possível reagir à aristocracia financeira

    Houve, nos EUA, uma tradição hoje ignorada: impostos progressivos, com alíquotas de até 91% para os mais ricos. Ao evocá-la, num país em crise, Sanders atrai cada vez mais apoio
    Houve, nos EUA, uma tradição hoje ignorada: impostos progressivos, com alíquotas de até 91% para os mais ricos. Ao evocá-la, num país em crise, Sanders atrai cada vez mais apoio

    Como podemos interpretar o incrível sucesso do candidato “socialista” Bernie Sanders nas primárias dos EUA? O senador de Vermont está agora à frente de Hillary Clinton entre eleitores de tendência democrata com menos de 50 anos de idade, e é apenas graças à geração mais velha que Clinton consegue manter-se à frente nas pesquisas.

    Sanders pode não vencer a competição, por estar enfrentando a máquina dos Clinton, assim como o conservadorismo da velha mídia. Mas já foi demonstrado que um outro Sanders – possivelmente mais jovem e menos branco – poderia num futuro próximo vencer as eleições presidenciais e mudar a fisionomia do país. Em vários aspectos, estamos testemunhando o fim do ciclo político-ideológico iniciado com a vitória de Ronald Reagan nas eleições de 1980.

    Vamos dar uma olhada pra trás, por um instante. Dos anos 1930 aos 1970, os Estados Unidos estiveram na vanguarda de uma série de ambiciosas políticas com o objetivo de reduzir as desigualdades sociais. Em parte para evitar qualquer semelhança com a Velha Europa, vista então como extremamente desigual e contrária ao espírito democrático norte-americano, o país inventou no entre-guerras uma tributação altamente progressiva sobre a renda e o patrimônio, e instituiu níveis de progressividade nunca utilizados no outro lado do Atlântico. De 1930 a 1980 – durante meio século – o percentual para a tributação da renda mais alta dos EUA (acima de 1 milhão de dólares anuais) era em média de 82%. Chegou a 91% entre os anos 1940 e 1960 (de Roosevelt a Kennedy); e era ainda de 70% quando da eleição de Reagan, em 1980.

    Essa política não afetou, de forma alguma, o forte crescimento da economia norte-americana do pós-guerra. Certamente, porque não faz muito sentido pagar a super gestores 10 milhões de dólares, quando US$ 1 milhão dá conta. Os impostos sobre patrimônio eram igualmente progressivos. As alíquotas chegaram a 70% a 80% sobre as maiores fortunas durante décadas (elas quase nunca excederam 30% a 40%, na Alemanha ou na França) e reduziram enormemente a concentração do capital norte-americano, sem a destruição e as guerras que a Europa teve de enfrentar.

    A restauração de um capitalismo mítico

    Nos anos 1930, muito antes dos países da Europa, os EUA instituíram um salário mínimo federal. No fim dos anos 1960 valia 10 dólares a hora (no valor do dólar em 2016), de longe o mais alto naqueles tempos.

    Tudo isso foi obtido quase sem desemprego, pois tanto o nível de produtividade quanto o sistema educacional possibilitavam. Esse é também o período em que os EUA finalmente colocam um fim na antidemocrática discriminação racial legal ainda em vigor no Sul, e lançam novas políticas sociais.

    Toda essa mudança detonou uma oposição musculosa, particularmente entre as elites financeiras e os setores reacionários do eleitorado branco. Humilhados no Vietnã, os EUA dos anos 1970 estavam mais preocupados com o fato de que os derrotados da Segunda Guerra Mundial (liderados pela Alemanha e pelo Japão) ganhavam terreno em alta velocidade. Os EUA sofreram inclusive com crise do petróleo, a inflação e a sub-indexação das tabelas dos impostos. Surfando nas ondas de todas essas frustrações, Reagan foi eleito em 1980 com um programa cujo objetivo era restaurar o capitalismo mítico existente no passado.

    O ápice deste novo programa foi a reforma fiscal de 1986, que pôs fim a meio século de um sistema de impostos progressivos e reduziu a 28% a alíquota sobre as rendas mais altas.

    Os democratas nunca desafiaram de fato essa escolha, nos anos dos governos Clinton (1992-2000) e Obama (2008-2016), que estabilizaram a alíquota de impostos em cerca de 40% (duas vezes mais baixa do que o nível médio no período 1930-1980). Isso detonou uma explosão de desigualdade, ao lado de salários incrivelmente altos para aqueles que podiam consegui-los, e uma estagnação da renda para a maioria dos norte-americanos. Tudo isso foi acompanhado de baixo crescimento (num nível ainda pouco mais alto que o da Europa, lembremos, pois o Velho Mundo encontrava-se atolado em outros problemas).

    Uma possível agenda progressista

    Reagan decidiu também congelar o valor do salário mínimo federal, que desde 1980 foi sendo lenta, porém seguramente corroído pela inflação (pouco mais de 7 dólares por hora em 2016, contra perto de 11 dólares em 1969). Também nesse caso, esse novo regime político-ideológico foi apenas mitigado nos anos Clinton e Obama.

    O sucesso de Sanders, hoje, mostra que a maioria dos norte-americanos está cansada do aumento da desigualdade e dessas falsas mudanças políticas, e pretende reviver tanto uma agenda progressista quanto a tradição norte-americana de igualitarismo. Hillary Clinton, que posicionou-se à esquerda de Barack Obama em 2008, em questões como seguro de saúde, aparece agora como defensora do status quo, como apenas mais uma herdeira do regime politico de Reagan-Clinton-Obama.

    Sanders deixa claro que deseja restaurar a progressividade dos impostos e aumentar o salário mínimo (para 15 dólares por hora). A isso acrescenta assistência de saúde e educação universitária gratuitas, num país onde a desigualdade no acesso à educação alcançou níveis sem precedentes, e destacando assim o abismo permanente que separa as vidas da maioria dos norte-americanos dos tranquilizadores discursos meritocráticos pronunciados pelos vencedores do sistema.

    Enquanto isso, o Partido Republicano afunda-se num discurso hiper-nacionalista, anti-imigrante e anti-Islã (ainda que o Islã não seja uma grande força religiosa no país) e o enaltecimento sem limites da fortuna acumulada pelos brancos ultra-ricos. Os juízes nomeados sob Reagan e Bush derrubaram qualquer limitação legal da influência do dinheiro privado na política, o que dificulta muito a tarefa de candidatos como Sanders.

    Contudo, outras formas de mobilização política e crowdfunding podem prevalecer e empurrar os Estados Unidos para um novo ciclo político. Estamos longe das tétricas profecias sobre o fim da história.

    Tradução: Inês Castilho

    Fonte: Outras Palavras, 17/02/2016

    pikettyThomas Piketty (Clichy, 7 de maio de 1971) é um economista francês que se tornou figura de destaque no meio acadêmico internacional com seu livro “O Capital no século XXI” (2013), no qual defende, através da análise de dados estatísticos, que o capitalismo possui uma tendência inerente de concentração de riqueza nas mãos de poucos. Sua obra mostra que, nos países desenvolvidos, a taxa de acumulação de renda é maior do que as taxas de crescimento econômico. Segundo Piketty, tal tendência é uma ameaça à democracia e deve ser combatida através da taxação de fortunas.

  • Porquê tantos votos na FN em França?

    Porquê tantos votos na FN em França?

    Não existe uma explicação simples e única para a subida do voto na FN, que começou em França nos anos 80. Marine Le Pen, foto de Blandine Le Cain/flickr
    Não existe uma explicação simples e única para a subida do voto na FN, que começou em França nos anos 80. Marine Le Pen, foto de Blandine Le Cain/flickr

    Os resultados da Frente Nacional (FN) na primeira volta das eleições regionais [francesas] vão provocar inúmeras tentativas de explicação, em especial à esquerda, e muito bem. Eis as minhas, na forma de hipóteses que os comentadores não deixarão de criticar, e isso é também muito bom. Se pelo menos este terrível choque pudesse servir para profundos questionamentos, não seria totalmente deprimente, como acontece agora. As minhas hipóteses são as seguintes, num curto resumo porque sobre este assunto um livro inteiro não chegaria.

    1) Não existe uma explicação simples e única para a subida do voto na FN, que começou em França nos anos 80. Mas podem identificar-se alguns fatores claramente importantes.

    Tratando-se da subida da votação na FN em trinta anos, eis aqui alguns gráficos sobre o número de votos nas diversas eleições (fonte). A mesma fonte apresenta também gráficos corrigidos tendo em conta a evolução do número total de eleitores inscritos, mas isso não altera as minhas conclusões.

    Eleições departamentais
    foto1
    Eleições presidenciais
    foto2
    Eleições legislativas
    foto3
    Eleições europeias
    foto4
    Eleições regionais
    foto5
    (o site não integrou ainda os resultados das eleições de domingo passado, que é de mais de 6 milhões de votos)

    2) A gestão neoliberal da crise

    Pode-se comentar estes gráficos até ao infinito devido às grandes diferenças entre as eleições, o que é feito pelo site que é a fonte destes dados, mas eu concentrar-me-ei em duas questões: no seu conjunto, entre a segunda metade dos anos 80 e da década passada, os votos na FN não progridem, até regridem um pouco, apesar do episódio das presidenciais de 2002 ter sido um grande alerta. O primeiro grande salto em frente teve lugar com Sarkozy entre 2010 e 2012. O segundo entre 2012 e agora, no tempo de Hollande, Valls, Macron e outros.

    É portanto na crise que começou em 2008, ou mais exatamente na gestão neoliberal desta crise pelos responsáveis políticos que acabo de citar (austeridade para o povo, benesses para os bancos e o MEDEF, desemprego e desigualdades em grande crescimento, destruição parcial do direito do trabalho, da proteção social e dos serviços públicos) que se não “explica” o aumento da votação da FN nos últimos quase cinco anos, pelo menos constitui o seu terreno fértil, por via nomeadamente do desemprego e das desigualdades.

    3) O lado sombrio do desemprego e das desigualdades

    Os indícios de uma forte correlação entre o aumento do desemprego e a subida da votação na FN abundam, quer se trate de análises sobre os resultados nacionais em diferentes momentos (ver o site precedente), ou de análises segundo os territórios, como o que foi publicado em abril de 2014 no Libération. Mas o outro grande fator social influente é não a pobreza mas as desigualdades: o mapa da França do voto na FN em 2014 está muito próximo do mapa das desigualdades de rendimentos, ver a análise, recheada de outros mapas bastantes significativos, do demógrafo Hervé Le Bras publicada este ano.

    Dois grandes fatores sociais conjugam-se portanto (o que não quer dizer que são os únicos, mas que o seu papel parece grande): o nível de desigualdades no rendimento (a injustiça) e a taxa de desemprego (o rebaixamento, gerando diversas inseguranças e a busca de bodes expiatórios).

    Ora estes fatores são precisamente os que resultam mais claramente da gestão neoliberal da crise atual, com a austeridade em tudo, o que amplifica o desemprego, e toda a espécie de benesses para os ricos e as grandes empresas, sob o pretexto da competitividade, o que amplifica as desigualdades.

    4) Dirigentes políticos e “elites” desacreditados

    A grande maioria dos franceses já não suporta o atual sistema político e os comportamentos das “elites”, em particular as elites políticas em que o espetáculo desolador em todas as noites eleitorais é um impulso significativo para o aumento da abstenção… e do voto na FN. Esta última joga habilmente com a legítima rejeição do sistema enquanto nada de sério propõe para o alterar. Porquê mudar um sistema que vos faz ganhar?

    5) Habilidade do adversário para aparecer a ouvir o povo e do lado dos oprimidos

    A FN joga igualmente com demagogia e populismo noutros temas em que a falência dos dirigentes atuais e passados é flagrante. Fiquei chocado nestes últimos dias com a capacidade dos porta-vozes da FN para privilegiar “elementos de linguagem” que têm sentido para muitas pessoas do povo e que por vezes correspondem a reivindicações tradicionais da esquerda militante. Pouco importa que isso seja poeira para os olhos em tempo de eleições, isso ganha mais uma fração da população que Macron ou Cambadélis. O “núcleo duro” da xenofobia e da intolerância, sempre muito presente, acaba por ser coberto por uma comunicação que pretende ser mais social que a linguagem das nossas “elites”. Como se admirar que esta propaganda toque muito particularmente os não licenciados ou os jovens que se veem sem futuro no sistema da oligarquia do poder?

    Conclusão provisória: A FN representa na realidade 13,5%. É muito, mas é muito minoritária!

    6 milhões de votos na FN em 44,6 milhões de inscritos, é 13,5%. Mesmo na minha região politicamente ferida, se a FN ganhasse a presidência, representava apenas 21% do eleitorado (909.000 em 4,24 milhões). Isso também é verdade para as outras formações. A democracia dita representativa tal como existe hoje está moribunda.

    O sistema político que é preciso combater não é em primeiro lugar a FN (mesmo que também seja preciso fazê-lo) mas é em primeiro lugar o que produziu este fenómeno despolitizando a vida política, instalando a economia liberal no poder, e metendo cada vez mais a democracia entre parêntesis, como foi o caso com a adoção do Tratado de Lisboa, com a viragem para a austeridade para o povo e a “salvação” prioritária dos bancos, com a recusa da separação bancária e de uma taxação séria das transações financeiras, e como acontece sempre com a negociação secreta de diversos acordos ditos de livre comércio, com o nosso Presidente em chefe de guerra sem mandato internacional, e em muitos outros exemplos.

    Mudemos o sistema, não o clima, dizem os militantes da justiça climática, de que eu faço parte. Mas há outras boas razões, para além do clima, para querer mudar o sistema.

    Jean Gadrey é  professor de economia na Universidade de Lille

    Original: alternatives-economiques.fr
    Tradução de Carlos Santos para esquerda.net

  • Eleições na Turquia: Fraude eleitoral e reforço do poder de Erdoğan

    Eleições na Turquia: Fraude eleitoral e reforço do poder de Erdoğan

    Depois das eleições de domingo passado, envoltas em fraudes eleitorais e violações dos direitos humanos, Tayyip Erdoğan tem o caminho aberto para revisão constitucional que o deixará com ainda mais poder. Desde as eleições, políticos curdos já foram presos, três jovens foram assassinados pela polícia e mais de 40 pessoas foram presas por alegada ligação a um rival do presidente.

    Foto de Sinan Eden
    Foto de Sinan Eden

    Nas eleições do passado fim de semana na Turquia, o partido do presidente Tayyip Erdoğan, AKP (Partido da Justiça e Desenvolvimento, islamista conservador), venceu as eleições com 50% dos votos, elegendo 316 deputados, essencialmente no centro do país. O CHP, partido republicano e social-democrata obteve 25% dos votos, com bons resultados no oeste (em cidades como Istambul ou Izmir). O partido de esquerda pró-curdo (HDP) conseguiu obter mais de 10% dos votos, o mínimo necessário para manter a representação parlamentar, correspondendo a 59 deputados, com vitórias expressivas no Curdistão. O partido nacionalista MHP obteve 12% dos votos, tendo eleito 41 deputados.

    Fraude eleitoral

    No entanto, o processo eleitoral decorreu com denúncias de enormes irregularidades. Há relatos de pelo menos 30 casos em que oficiais do AKP negaram a entrada de observadores voluntários nas mesas de voto e em alguns casos, a polícia deteve os observadores. Em Istambul, observadores gregos e franceses viram o seu acesso às mesas de voto impedido. Os observadores gregos foram detidos em Kumkapı e os franceses foram mantidos fechados no escritório do diretor da escola onde se votava em Bayrampaşa.

    Em vários locais, membros oficiais do AKP obrigaram os outros membros das mesas de voto a assinarem em branco os relatórios dos resultados eleitorais. Só em Izmir, há pelo menos 30 denúncias oficiais destes relatórios assinados em branco. Vários carros e carrinhas sem matrículas foram avistados em frente a escolas onde decorria o ato eleitoral. Num caso, a polícia impediu jornalistas de documentar carros suspeitos. Cerca de 200 eleitores do CHP e do HDP foram impedidos de votar, no bairro de Çağlayan, em Istambul. As pessoas faziam-se acompanhar dos seus cartões de eleitor, tinham votado nas mesmas assembleias de voto nas anteriores eleições, em junho, mas os elementos das mesas de votos afirmaram que os seus nomes não apareciam nos cadernos eleitorais.

    No Curdistão, a repressão escalou. Em várias localidades (pelo menos em Amed – Diyarbakır, Şırnak e Antep), as forças especiais da polícia entraram em escolas onde decorria o ato eleitoral e revistaram toda a gente à entrada das urnas. Em todo o Curdistão havia uma forte presença militar e das forças especiais, especialmente na região de Diyarbakır, onde foi recusado o acesso dos observadores internacionais. Um tradutor, chamado Ramazan Tunç, foi detido pela polícia enquanto acompanhava uma delegação dos Estados Unidos e da Itália a uma aldeia no distrito de Dicle.

    Em Yenişehir, no Sul do Curdistão, seis observadores do Parlamento Europeu foram detidos e acusados de terem tentado cumprimentar os locais. À outra equipa de observadores não foi autorizado o acesso às mesas de voto na aldeia de Alangör, sob acusação de não terem consigo os seus passaportes. Em Sur, na região de Amed, ainda no Curdistão, os habitantes começaram a deslocar-se para as mesas de voto ainda durante a madrugada para poderem garantir que votavam, e foram recebidos por um grupo das operações especiais com máscaras que impediam a sua identificação. A delegação de observadores do Parlamento Europeu, ao chegar à mesma zona, também foi recebida por um grupo de polícias com máscaras. Na mesma região, a polícia ameaçou jornalistas, exigindo que não fossem tiradas quaisquer fotografias, ou poderiam “acidentalmente disparar” sobre eles. Vários polícias apagaram as filmagens feitas por jornalistas em áreas controladas pela polícia. Feleknas Uca, um porta voz do HDP para a região, garantiu que foi o governador, e não a Comissão Nacional de Eleições, a pedir a intervenção das forças especiais. Os eleitores, por sua vez, reagiram contra a repressão policial, afirmando que nunca se deixarão intimidar por um estado que emprega a sua força contra escolas.

    Na aldeia de Arabaş, em Sur, outra delegação do Parlamento Europeu foi agredida pelo candidato do AKP Şafak Yentürk e pela sua família, tendo sido obrigada a abandonar as mesas de voto. O condutor dessa delegação foi agredido pelo candidato do AKP. A delegação de observadores britânicos no distrito de Çermik, em Amed, foi igualmente alvo da ira do candidato do AKP, Baran Çelik, e dos seus guarda costas, que tentaram expulsar a delegação da escola pelo uso da força. No mesmo distrito de Çermik, na aldeia Alokoç, os soldados entraram armados nas mesas de voto e tentaram intervir na votação dos eleitores.

    Há pelo menos três denúncias de boletins de votos que não continham o logo do HDP. Na região de Diyarbakır, membros oficiais do AKP exigiram que tanto os observadores do HDP como a imprensa internacional abandonassem a zona das mesas de voto e ameaçaram encontrar “outras formas” de os retirar dali caso os jornalistas não o fizessem voluntariamente. Em Eskişehir, houve relatos de subornos com electrodomésticos, oferecidos por responsáveis do AKP.

    Martina Michels, observadora internacional das eleições e deputada ao Parlamento Europeu pelo Die Linke, afirmou-se chocada com os acontecimentos e pela ausência de democracia na região: “Os incidentes que aqui ocorrem não cumprem qualquer critério democrático. Em nenhum outro lugar do mundo presenciei uma atmosfera tão militarista. É realmente inacreditável.”

    Erdoğan consolida poder

    Nas eleições de junho, o HDP ultrapassou os 10%, passando a ter representação parlamentar, e o AKP, com 240 deputados, perdeu a sua maioria absoluta. Cinco meses depois, apesar de não ter alcançado os 330 deputados necessários para votar em referendo o reforço dos poderes executivos atribuídos à presidência, Erdoğan tem a margem de manobra que desejava para fazer a revisão constitucional. Esta irá expandir os poderes executivos do Presidente, consolidando ainda mais o seu poder.

    Desde a noite das eleições, o governo não perdeu tempo, a revista da oposição Nokta foi revistada pela polícia, o último número foi apreendido e os editores presos. Incursões policiais em Mardin colocaram 11 políticos curdos na prisão, incluindo um Presidente da Câmara. Conflitos entre a polícia e ramos locais do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão) em Yüksekova e Silvan causaram a morte de três jovens (de 18, 20 e 22 anos). Operações policiais em 18 cidades levaram à prisão de 44 pessoas e à emissão de mandatos de captura para mais 13, numa investigação contra a organização do islamista Fethullah Gülen, rival de Erdoğan. O imã Fethullah Gülen é um antigo aliado de Erdoğan que está exilado nos Estados Unidos, onde dirige uma rede de escolas, organizações não-governamentais e empresas. É defensor da modernização do islão e do diálogo inter-religioso, sendo acusado por Erdoğan de conspiração para o derrubar. A investigação levou a ataques contra o jornal Bugün e à prisão de polícias e altos funcionários, incluindo 3 ex-governadores civis. Por último, a casa ocupada mais antiga da Turquia (Don Quixote, em Kadıköy) foi despejada pela polícia.

    Fonte: Esquerda.Net, 3 de Novembro, 2015