Categoria: Emprego e Salário

  • Em tese de doutorado, pesquisadora denuncia a farsa da crise da Previdência Social no Brasil forjada pelo governo com apoio da imprensa

    Em tese de doutorado, pesquisadora denuncia a farsa da crise da Previdência Social no Brasil forjada pelo governo com apoio da imprensa

    Pesquisadora Denise Gentil afirma que os benefícios previdenciários têm um papel importantíssimo para alavancar a economia. Fotografia: Adufmat/Ssind
    Pesquisadora Denise Gentil afirma que os benefícios previdenciários têm um papel importantíssimo para alavancar a economia.
    Fotografia: Adufmat/Ssind

    Com argumentos insofismáveis, Denise Gentil destroça os mitos oficiais que encobrem a realidade da Previdência Social no Brasil. Em primeiro lugar, uma gigantesca farsa contábil transforma em déficit o superávit do sistema previdenciário, que atingiu a cifra de R$ 1,2 bilhões em 2006, segundo a economista.

    O superávit da Seguridade Social – que abrange a Saúde, a Assistência Social e a Previdência – foi significativamente maior: R$ 72,2 bilhões. No entanto, boa parte desse excedente vem sendo desviada para cobrir outras despesas, especialmente de ordem financeira – condena a professora e pesquisadora do Instituto de Economia da UFRJ, pelo qual concluiu sua tese de doutorado “A falsa crise da Seguridade Social no Brasil: uma análise financeira do período 1990 – 2005″.

    Nesta entrevista ao Jornal da UFRJ, ela ainda explica por que considera insuficiente o novo cálculo para o sistema proposto pelo governo e mostra que, subjacente ao debate sobre a Previdência, se desenrola um combate entre concepções distintas de desenvolvimento econômico-social.

    Eis a entrevista.

    A idéia de crise do sistema previdenciário faz parte do pensamento econômico hegemônico desde as últimas décadas do século passado. Como essa concepção se difundiu e quais as suas origens?

    A idéia de falência dos sistemas previdenciários públicos e os ataques às instituições do welfare state (Estado de Bem – Estar Social) tornaram-se dominantes em meados dos anos 1970 e foram reforçadas com a crise econômica dos anos 1980. O pensamento liberal-conservador ganhou terreno no meio político e no meio acadêmico. A questão central para as sociedades ocidentais deixou de ser o desenvolvimento econômico e a distribuição da renda, proporcionados pela intervenção do Estado, para se converter no combate à inflação e na defesa da ampla soberania dos mercados e dos interesses individuais sobre os interesses coletivos. Um sistema de seguridade social que fosse universal, solidário e baseado em princípios redistributivistas conflitava com essa nova visão de mundo.

    O principal argumento para modificar a arquitetura dos sistemas estatais de proteção social, construídos num período de crescimento do pós-guerra, foi o dos custos crescentes dos sistemas previdenciários, os quais decorreriam, principalmente, de uma dramática trajetória demográfica de envelhecimento da população. A partir de então, um problema que é puramente de origem sócio-econômica foi reduzido a um mero problema demográfico, diante do qual não há solução possível a não ser o corte de direitos, redução do valor dos benefícios e elevação de impostos. Essas idéias foram amplamente difundidas para a periferia do capitalismo e reformas privatizantes foram implantadas em vários países da América Latina.

    No Brasil, a concepção de crise financeira da Previdência vem sendo propagada insistentemente há mais de 15 anos. Os dados que você levantou em suas pesquisas contradizem as estatísticas do governo. Primeiramente, explique o artifício contábil que distorce os cálculos oficiais.

    Tenho defendido a idéia de que o cálculo do déficit previdenciário não está correto, porque não se baseia nos preceitos da Constituição Federal de 1988, que estabelece o arcabouço jurídico do sistema de Seguridade Social. O cálculo do resultado previdenciário leva em consideração apenas a receita de contribuição ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) que incide sobre a folha de pagamento, diminuindo dessa receita o valor dos benefícios pagos aos trabalhadores. O resultado dá em déficit. Essa, no entanto, é uma equação simplificadora da questão. Há outras fontes de receita da Previdência que não são computadas nesse cálculo, como a Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), a CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira) e a receita de concursos de prognósticos. Isso está expressamente garantido no artigo 195 da Constituição e acintosamente não é levado em consideração.

    A que números você chegou em sua pesquisa?

    Fiz um levantamento da situação financeira do período 1990-2006. De acordo com o fluxo de caixa do INSS, há superávit operacional ao longo de vários anos. Em 2006, para citar o ano mais recente, esse superávit foi de R$ 1,2 bilhões.

    O superávit da Seguridade Social, que abrange o conjunto da Saúde, da Assistência Social e da Previdência, é muito maior. Em 2006, o excedente de recursos do orçamento da Seguridade alcançou a cifra de R$ 72,2 bilhões.

    Uma parte desses recursos, cerca de R$ 38 bilhões, foi desvinculada da Seguridade para além do limite de 20% permitido pela DRU (Desvinculação das Receitas da União).

    Há um grande excedente de recursos no orçamento da Seguridade Social que é desviado para outros gastos. Esse tema é polêmico e tem sido muito debatido ultimamente. Há uma vertente, a mais veiculada na mídia, de interpretação desses dados que ignora a existência de um orçamento da Seguridade Social e trata o orçamento público como uma equação que envolve apenas receita, despesa e superávit primário. Não haveria, assim, a menor diferença se os recursos do superávit vêm do orçamento da Seguridade Social ou de outra fonte qualquer do orçamento.

    Interessa apenas o resultado fiscal, isto é, o quanto foi economizado para pagar despesas financeiras como juros e amortização da dívida pública.

    Por isso o debate torna-se acirrado. De um lado, estão os que advogam a redução dos gastos financeiros, via redução mais acelerada da taxa de juros, para liberar recursos para a realização do investimento público necessário ao crescimento. Do outro, estão os defensores do corte lento e milimétrico da taxa de juros e de reformas para reduzir gastos com benefícios previdenciários e assistenciais. Na verdade, o que está em debate são as diferentes visões de sociedade, de desenvolvimento econômico e de valores sociais.

    Há uma confusão entre as noções de Previdência e de Seguridade Social que dificulta a compreensão dessa questão. Isso é proposital?

    Há uma grande dose de desconhecimento no debate, mas há também os que propositadamente buscam a interpretação mais conveniente. A Previdência é parte integrante do sistema mais amplo de Seguridade Social.

    É parte fundamental do sistema de proteção social erguido pela Constituição de 1988, um dos maiores avanços na conquista da cidadania, ao dar à população acesso a serviços públicos essenciais. Esse conjunto de políticas sociais se transformou no mais importante esforço de construção de uma sociedade menos desigual, associado à política de elevação do salário mínimo. A visão dominante do debate dos dias de hoje, entretanto, freqüentemente isola a Previdência do conjunto das políticas sociais, reduzindo-a a um problema fiscal localizado cujo suposto déficit desestabiliza o orçamento geral. Conforme argumentei antes, esse déficit não existe, contabilmente é uma farsa ou, no mínimo, um erro de interpretação dos dispositivos constitucionais.

    Entretanto, ainda que tal déficit existisse, a sociedade, através do Estado, decidiu amparar as pessoas na velhice, no desemprego, na doença, na invalidez por acidente de trabalho, na maternidade, enfim, cabe ao Estado proteger aqueles que estão inviabilizados, definitiva ou temporariamente, para o trabalho e que perdem a possibilidade de obter renda. São direitos conferidos aos cidadãos de uma sociedade mais evoluída, que entendeu que o mercado excluirá a todos nessas circunstâncias.

    E são recursos que retornam para a economia?

    É da mais alta relevância entender que a Previdência é muito mais que uma transferência de renda a necessitados. Ela é um gasto autônomo, quer dizer, é uma transferência que se converte integralmente em consumo de alimentos, de serviços, de produtos essenciais e que, portanto, retorna das mãos dos beneficiários para o mercado, dinamizando a produção, estimulando o emprego e multiplicando a renda. Os benefícios previdenciários têm um papel importantíssimo para alavancar a economia. O baixo crescimento econômico de menos de 3% do PIB (Produto Interno Bruto), do ano de 2006, seria ainda menor se não fossem as exportações e os gastos do governo, principalmente com Previdência, que isoladamente representa quase 8% do PIB.

    De acordo com a Constituição, quais são exatamente as fontes que devem financiar a Seguridade Social?

    A seguridade é financiada por contribuições ao INSS de trabalhadores empregados, autônomos e dos empregadores; pela Cofins, que incide sobre o faturamento das empresas; pela CSLL, pela CPMF (que ficou conhecida como o imposto sobre o cheque) e pela receita de loterias. O sistema de seguridade possui uma diversificada fonte de financiamento. É exatamente por isso que se tornou um sistema financeiramente sustentável, inclusive nos momentos de baixo crescimento, porque além da massa salarial, o lucro e o faturamento são também fontes de arrecadação de receitas. Com isso, o sistema se tornou menos vulnerável ao ciclo econômico. Por outro lado, a diversificação de receitas, com a inclusão da taxação do lucro e do faturamento, permitiu maior progressividade na tributação, transferindo renda de pessoas com mais alto poder aquisitivo para as de menor.

    Além dessas contribuições, o governo pode lançar mão do orçamento da União para cobrir necessidades da Seguridade Social?

    É exatamente isso que diz a Constituição. As contribuições sociais não são a única fonte de custeio da Seguridade. Se for necessário, os recursos também virão de dotações orçamentárias da União. Ironicamente tem ocorrido o inverso. O orçamento da Seguridade é que tem custeado o orçamento fiscal.

    O governo não executa o orçamento à parte para a Seguridade Social, como prevê a Constituição, incorporando-a ao orçamento geral da União. Essa é uma forma de desviar recursos da área social para pagar outras despesas?

    A Constituição determina que sejam elaborados três orçamentos: o orçamento fiscal, o orçamento da Seguridade Social e o orçamento de investimentos das estatais. O que ocorre é que, na prática da execução orçamentária, o governo apresenta não três, mas um único orçamento chamandoo de “Orçamento Fiscal e da Seguridade Social”, no qual consolida todas as receitas e despesas, unificando o resultado. Com isso, fica difícil perceber a transferência de receitas do orçamento da Seguridade Social para financiar gastos do orçamento fiscal. Esse é o mecanismo de geração de superávit primário no orçamento geral da União. E, por fim, para tornar o quadro ainda mais confuso, isola-se o resultado previdenciário do resto do orçamento geral para, com esse artifício contábil, mostrar que é necessário transferir cada vez mais recursos para cobrir o “rombo” da Previdência. Como a sociedade pode entender o que realmente se passa?

    Agora, o governo pretende mudar a metodologia imprópria de cálculo que vinha usando. Essa mudança atenderá completamente ao que prevê a Constituição, incluindo um orçamento à parte para a Seguridade Social?

    Não atenderá o que diz a Constituição, porque continuará a haver um isolamento da Previdência do resto da Seguridade Social. O governo não pretende fazer um orçamento da Seguridade. Está propondo um novo cálculo para o resultado fiscal da Previdência. Mas, aceitar que é preciso mudar o cálculo da Previdência já é um grande avanço. Incluir a CPMF entre as receitas da seguridade é um reconhecimento importante, embora muito modesto. Retirar o efeito dos incentivos fiscais sobre as receitas também ajuda a deixar mais transparente o que se faz com a política previdenciária. O que me parece inadequado, entretanto, é retirar a aposentadoria rural da despesa com previdência porque pode, futuramente, resultar em perdas para o trabalhador do campo, se passar a ser tratada como assistência social, talvez como uma espécie de bolsa. Esse é um campo onde os benefícios têm menor valor e os direitos sociais ainda não estão suficientemente consolidados.

    Como você analisa essa mudança de postura do Governo Federal em relação ao cálculo do déficit? Por que isso aconteceu?

    Acho que ainda não há uma posição consolidada do governo sobre esse assunto. Há interpretações diferentes sobre o tema do déficit da Previdência e da necessidade de reformas. Em alguns segmentos do governo fala-se apenas em choque de gestão, mas em outras áreas, a reforma da previdência é tratada como inevitável. Depois que o Fórum da Previdência for instalado, vão começar os debates, as disputas, a atuação dos lobbies e é impossível prever qual o grau de controle que o governo vai conseguir sobre seus rumos. Se os movimentos sociais não estiverem bem organizados para pressionarem na defesa de seus interesses pode haver mais perdas de proteção social, como ocorreu em reformas anteriores.

    A previdência pública no Brasil, com seu grau de cobertura e garantia de renda mínima para a população, tem papel importante como instrumento de redução dos desequilíbrios sociais?

    Prefiro não superestimar os efeitos da Previdência sobre os desequilíbrios sociais. De certa forma, tem-se que admitir que vários estudos mostram o papel dos gastos previdenciários e assistenciais como mecanismos de redução da miséria e de atenuação das desigualdades sociais nos últimos quatro anos. Os avanços em termos de grau de cobertura e de garantia de renda mínima para a população são significativos. Pela PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), cerca de 36,4 milhões de pessoas ou 43% da população ocupada são contribuintes do sistema previdenciário. Esse contingente cresceu de forma considerável nos últimos anos, embora muito ainda necessita ser feito para ampliar a cobertura e evita que, no futuro, a pobreza na velhice se torne um problema dos mais graves. O fato, porém, de a população ter assegurado o piso básico de um salário mínimo para os benefícios previdenciários é de fundamental importância porque, muito embora o valor do salário mínimo esteja ainda distante de proporcionar condições dignas de sobrevivência, a política social de correção do salário mínimo acima da inflação tem permitido redução da pobreza e atenuado a desigualdade da renda.

    Cerca de dois milhões de idosos e deficientes físicos recebem benefícios assistenciais e 524 mil são beneficiários do programa de renda mensal vitalícia. Essas pessoas têm direito a receber um salário mínimo por mês de forma permanente.

    Evidentemente que tudo isso ainda é muito pouco para superar nossa incapacidade histórica de combater as desigualdades sociais. Políticas muito mais profundas e abrangentes teriam que ser colocadas em prática, já que a pobreza deriva de uma estrutura produtiva heterogênea e socialmente fragmentada que precisa ser transformada para que a distância entre ricos e pobres efetivamente diminua. Além disso, o crescimento econômico é condição fundamental para a redução da pobreza e, nesse quesito, temos andado muito mal. Mas a realidade é que a redução das desigualdades sociais recebeu um pouco mais de prioridade nos últimos anos do que em governos anteriores e alguma evolução pode ser captada através de certos indicadores.

    Apesar do superávit que o governo esconde, o sistema previdenciário vem perdendo capacidade de arrecadação. Isso se deve a fatores demográficos, como dizem alguns, ou tem relação mais direta com a política econômica dos últimos anos?

    A questão fundamental para dar sustentabilidade para um sistema previdenciário é o crescimento econômico, porque as variáveis mais importantes de sua equação financeira são emprego formal e salários. Para que não haja risco do sistema previdenciário ter um colapso de financiamento é preciso que o país cresça, aumente o nível de ocupação formal e eleve a renda média no mercado de trabalho para que haja mobilidade social. Portanto, a política econômica é o principal elemento que tem que entrar no debate sobre “crise” da Previdência. Não temos um problema demográfico a enfrentar, mas de política econômica inadequada para promover o crescimento ou a aceleração do crescimento.

    Fonte: Instituto Humanitas, com Jornal da UFRJ, 13/01/2016

    Em tese de doutorado, pesquisadora denuncia a farsa da crise da Previdência Social no Brasil forjada pelo governo com apoio da imprensa

  • Desemprego não para de aumentar. Qual a saída?

    Desemprego não para de aumentar. Qual a saída?

    trabalhador-700x270_cQuem paga muitos impostos são os pobres, os trabalhadores e a classe média. Quem não paga ou é aliviado são os grandes empresários, os latifundiários, os rentistas e os milionários. O nível de desemprego ainda não pode ser considerado alarmante. Mas a trajetória crescente é desesperadora

    Tudo acontece como o esperado. Mês após mês o desemprego sobe. E é sempre maior que o mesmo mês de 2014. E o rendimento médio real dos trabalhadores nas seis grandes regiões metropolitanas pesquisadas pelo IBGE recuou 5,0% em relação a maio de 2014.

    É verdade que o desemprego já foi muito maior do que é hoje. Em maio de 2003, era 12,9%. O nível de desemprego ainda não pode ser considerado alarmante. Mas a trajetória crescente é desesperadora. Associado a esse problema, vem outra dificuldade, evidente e muito grave. O emprego formal, com carteira assinada, também vem sofrendo queda acentuada. O saldo de geração de empregos formais no ano é negativo. Já foram fechados mais de 278 mil postos de trabalho com carteira assinada de janeiro a maio.

    No Brasil da última década, o mais importante instrumento de inclusão social foi o acesso ao trabalho e, especialmente, o trabalho com carteira assinada. O emprego com carteira assinada concede direitos, de férias, de 13º salário, de seguro-desemprego etc. E oferece, além disso, a possibilidade da compra a crédito. Por exemplo, permite a compra de forma parcelada de uma máquina de lavar, que é essencial em uma casa, porque possibilita mais horas para o descanso, o lazer e para a família.

    A atual exclusão social decorrente do desemprego é resultado da política de austeridade do governo que visa o chamado ajuste fiscal. O governo deseja reduzir o déficit nas contas públicas. E corta gastos e direitos trabalhistas e sociais.

    Sim, é preciso reduzir o déficit do ano passado que foi de 6,7% do PIB. Tal déficit não foi produzido por uma “gastança” pública dirigida a programas sociais. Foi produzido devido à baixa arrecadação, já que o crescimento econômico foi pífio, e devido aos gastos do governo feitos para beneficiar empresários e rentistas. Aos empresários, foi feita uma transferência, na forma de desonerações, de mais de R$ 100 bilhões (2,1% do PIB). Ao rentistas, foram pagos mais de R$ 300 bilhões (6,1% do PIB).

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    O país tem que voltar a crescer para gerar empregos, arrecadação tributária e melhorar suas contas públicas. É preciso gastar, e não cortar gastos públicos, para estimular o crescimento. É preciso gastar certo e com qualidade. Gastos públicos com pagamentos de juros e desonerações não geram empregos. É preciso gastar realizando obras na construção civil, que geram muitos empregos: ampliar o programa Minha Casa, Minha Vida, construir escolas, hospitais e infraestrutura urbana e rural.

    Novos gastos públicos não devem ser financiados com mais déficit público. Não é preciso ser muito inteligente para perceber que há outras fontes de financiamento. Aliás, não é uma questão de inteligência, mas sim de escolha de projeto e de coragem política. As grandes empresas, bancos, latifundiários, ricos, milionários e bilionários poderiam começar a financiar o desenvolvimento brasileiro.

    Há no Brasil uma grande injustiça tributária. Quem paga muitos impostos são os pobres, os trabalhadores e a classe média. Quem não paga ou é aliviado são os grandes empresários, os latifundiários, os rentistas, os ricos, os milionários e os bilionários brasileiros.

    Uma reforma que faça justiça tributária seria uma fonte imensa de recursos para garantir empregos e financiar os gastos públicos de um modelo de contínuo crescimento. Com uma reforma justa, a receita pública aumentaria e a economia seria dinamizada pelos gastos feitos por aqueles que ganham menos e que, portanto, gastam toda a sua renda disponível.

    A justiça tributária poderia começar já, antes de uma reforma, com a cobrança efetiva daqueles que comprovadamente devem impostos e não pagaram (são devedores que estão inscritos na dívida ativa da União). Cabe à Procuradoria Geral da Fazenda fazer está cobrança ou execução.

    Fica aqui um número estarrecedor: segundo a Procuradoria da Fazenda, comprovadamente são devidos ao governo federal UM TRILHÃO DE REAIS de impostos não pagos. Esse TRILHÃO DE REAIS não para de crescer – e o governo federal somente consegue recuperar 1,3% desse montante ao ano.

    Fonte: Controvérsia, 14/07/2015

  • Pesquisa com dados do IR mostra desigualdade estável de 2006 a 2012

    Pesquisa com dados do IR mostra desigualdade estável de 2006 a 2012

    Desigualdades-sociais_1A diminuição da desigualdade, uma das principais bandeiras do governo federal, pode não ter sido bem-sucedida. É o que mostra um estudo realizado por três pesquisadores da Universidade de Brasília. Eles constataram que a concentração de renda permaneceu praticamente estável entre 2006 e 2012, contrariando a queda acentuada divulgada pelo IBGE.

    Os pesquisadores Marcelo Medeiros, Pedro Souza e Fábio de Castro concluíram que os coeficientes de Gini, usados para medir a desigualdade foram 0,696 (em 2006), 0,698 (em 2009) e 0,690 (em 2012).

    Quanto mais próximo de 1, maior é a concentração de renda. Zero significa que todos os habitantes de uma região ganham a mesma quantia, o que não acontece em nenhum lugar do mundo.

    O Brasil ocupa a 141ª colocação no ranking da igualdade feito pelo Banco Mundial, na frente de apenas 13 países. A Suécia aparece como país mais igual do mundo, enquanto África do Sul e Seychelles estão nos últimos lugares.

    “Nosso estudo mostrou que a desigualdade é maior no Brasil do que se costumava acreditar. E também que a desigualdade permanece estável de 2006 em diante”, diz Medeiros.

    Os resultados obtidos pelo trio são bem diferentes dos divulgados pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) no estudo “A Década Inclusiva”, que teve como base os dados coletados pela Pnad (Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios) de 2001 a 2011, do IBGE.

    DESIGUALDADE SEGUNDO ESTUDO DA UNB

    Pesquisa baseada nos dados do Imposto de Renda mostra queda do índice de Gini, que varia de zero (perfeita igualdade) a um (desigualdade máxima)

    Para o Ipea, “não há na história brasileira, estatisticamente documentada desde 1960, nada similar à redução da desigualdade de renda observada desde 2001″. No período, o Gini teria caído em quase todos os anos até 2011.

    A diferença entre os resultados dos dois trabalhos vem da forma como eles usaram os dados referentes à renda. A pesquisa da UnB aplicou uma metodologia que vem ganhando força nos últimos anos, principalmente a partir dos conceitos do economista francês Thomas Piketty.

    A renda dos mais ricos é calculada a partir das declarações do Imposto de Renda. Os professores da UnB usaram as Declarações de Ajuste Anual do Imposto de Renda da Pessoa Física (DIRPF) dos 10% mais ricos, nos anos de 2006, 2009 e 2012, e combinaram com os dados da Pnad para os outros 90% da população.

    Os pesquisadores acreditam que, mesmo usando o imposto, a renda dos mais ricos pode estar subestimada já que os ganhos de pessoa jurídica não são tributados nas declarações do Imposto de Renda da pessoa física.

    Já nas pesquisas usadas pelo Ipea, o entrevistado declara a própria renda e muitas vezes não leva em conta rendimentos além dos salários, como aplicações financeiras.

    DESIGUALDADE SEGUNDO O GOVERNO

    Dados do IBGE mostram queda acentuada do índice de Gini, que varia de zero (perfeita igualdade) a um (desigualdade máxima)

    Medeiros explica que os coeficientes de Gini encontrados pelo seu estudo não devem ser comparados aos divulgados pelo IBGE. Enquanto os pesquisadores da UnB usaram renda bruta para os 10% mais ricos, os dados obtidos pela Pnad se referem a renda familiar per capita de apenas uma amostra da população. Outra diferença é que o trabalho dos três pesquisadores acrescentou a parcela da população que não tem rendimentos.

    POBREZA REDUZIDA

    Apesar de afirmar que a desigualdade não diminuiu, os pesquisadores da UnB avaliam que as condições dos mais pobres melhoraram. “Não há dúvida de que a renda dos mais pobres aumentou de 2006 a 2012, mas desigualdade e nível de vida são coisas diferentes”, diz Medeiros.

    Marcio Pochmann, ex-presidente do Ipea, defende que a desigualdade diminuiu porque os mais pobres tiveram um crescimento de renda acelerado no período. “Todos ganharam, uns mais que os outros. Os mais pobres cresceram mais que a média. Eles tiveram empregos melhores, o salário mínimo subiu, tiveram o Bolsa Família”, afirma.

    Pela pesquisa da UnB, a metade mais pobre da população ficou com apenas 11% do resultado do crescimento entre 2006 e 2012, enquanto o 1% mais rico ficou com 28%.

    “Ou seja, cada pessoa da pequena elite formada pelo 1% mais rico da população apropriou-se de uma fração 127 vezes maior do crescimento da renda que as pessoas na metade mais pobre do país”, afirma o trabalho.

    Organizadora do livro “Trajetórias das Desigualdades”, cujo lançamento aconteceu na terça-feira (2), Marta Arretche diz que o estudo de Medeiros, Souza e Castro passa a impressão que não houve avanço na melhora de vida dos mais pobres nas década passada.

    “O Gini pode permanecer inalterado, mas não esconde que o Bolsa Família tirou 14 milhões de domicílios da pobreza e que a faixa da população protegida pelo salário mínimo aumentou”, explica.

    Segundo Arretche, o trabalho da UnB evidenciou as limitações das pesquisas censitárias. “Quando você tem o quadro total e não apenas o dos ricos, você conclui que houve mudanças importantes no Brasil. Ela pode não ser no nível que os cálculos com apenas os dados censitários indicavam, mas houve mudanças”, avalia.

    Por se tratar de um estudo com uma metodologia nova, ao combinar os dados do Imposto de Renda de parte da população com declarações de renda familiar de uma pesquisa amostral, agora os três pesquisadores da UnB tentam confirmar os achados.

    “Estamos confirmando com uma série de outras metodologias os resultados. Até agora tudo indica que estamos certos”, diz Medeiros.

    CLASSE ALTA NA FAVELA

    No Brasil, 7% dos moradores das favelas em 2014 pertencem à classe alta. É o que encontrou uma pesquisa de março do Data Favela, o primeiro instituto especializado nas favelas brasileiras.

    Os resultados retratam um país em que, segundo a Pnad de 2013, 52% da população em idade ativa recebia no máximo dois salários mínimos (R$ 1.576). Outros 22% não tinham rendimentos. Apenas cerca de 2% da população ganhava mais que dez salários mínimos (R$ 7.880).

    Para fazer parte da classe alta, que engloba as classes A e B, era necessário que a renda familiar per capita estivesse acima de R$ 1.184 em maio de 2014. O levantamento, feito com apoio do Instituto Data Popular e da Central Única das Favelas (Cufa), pesquisou 63 comunidades em nove Estados e no Distrito Federal.

    Fonte: Folha de São Paulo, 08/06/2015

  • A pulsão plebeia

    A pulsão plebeiaInstantâneos da crise do capitalismo

    “Entre 2008 e 2012, o produto Interno Bruto (PIB) da Grécia recuou 20%; de Portugal, 7%; e da Espanha, 4%.” [p.17]

    “Enquanto existe hoje 1,4 milhão de desempregados em Portugal, a lucratividade dos principais grupos empresariais exportadores (EDP, Galp, Mota Engil, Grupo Melo e Lactogal, entre outros) aumentou nos últimos três anos.” [p. 19]

    “Para 115 milões de trabalhadores em risco de pobreza e exclusão social vivendo na Europa em 2010, a atual ditadura das finanças significou a dolorida dessacralização da época burguesa.” [p.19]

    “Segundo dados divulgados recentemente pelo instituto estatístico da União Europeia, o Eurostat, o número de portugueses vivendo em risco de pobreza e exclusão social chegou, em 2010, aos 2,7 milhões, isto é, 25,4% da população total do país.” [p. 19]

    “Conforme os padrões portugueses, essa condição social [do precariado] encontra uma tradução monetária, ou seja, viver com menos de 434 euros, algo como 1.190 reais, por mês. Trata-se do valor limítrofe do pauperismo em Portugal. Em 2010, 1,2 milhão de cidadãos portugueses sobrevivem com uma renda inferior a essa. Estamos falando em mais de 11% da população do país, um contingente que cresceu 12% em relação a 2009.” [p.20]

    “No Brasil, a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE) entende que a chamada ‘nova classe média’ seria formada por aqueles cuja renda está entre 291 e 1019 reais mensais. Ou seja, estamos abaixo da linha da pobreza em Portugal. Uma comparação entre os custos de vida em São Paulo (12a. cidade mais cara do mundo) e Lisboa (108a.), apenas serviria para adicionar injúria à ofensa.” [p.20]

    Sobre o Bolsa Família

    “Desde o dia 8 de janeiro de 2004, o Brasil comprometeu-se, por meio do Programa Bolsa Família (PBF), a universalizar, começando pela população pauperizada, a política de Renda Básica. E, de fato, muitos estudiosos brasileiros têm demonstrado com abundância de dados que o PBF revelou-se largamente eficiente em resgatar as famílias da condição de extrema pobreza. Na última década, além de ajudar na redução da desigualdade de renda, alterando significativamente a norma social do consumo de famílias pauperizadas, o PBF foi o principal responsável pela diminuição da taxa de extrema pobreza no país, que passou, entre 2001 e 2011, de 8% para 4,7% da população brasileira.” [p. 29]

    “Apenas entre 2003 e 2013, os gastos federais com o PBF saltaram de 7,5 para 24,7 bilhões de reais, com foco em 16 milhões de famílias em situação de extrema pobreza. O benefício básico é de 77 reais e alcança quase 60 milhões de cidadãos.” [p. 29]

    “os gastos assistenciais [representam] 3,15% do orçamento executado em 2012” [p.29]

    “os gastos com juros e amortizações da dívida pública […] atualmente consomem 43,98% do orçamento geral da União.” [p.30]

    “Alguns estudiosos têm argumentado que o governo brasileiro não apenas aumentou os gastos sociais às expensas do investimento em saúde e educação, como, por si só, o PBF não é capaz de retirar as famílias assistidas da condição de pobreza oficial. Para tanto, seria necessária a combinação entre crescimento econômico e aumento dos gastos com educação e saúde.” [p.30]

    [BRAGA, Ruy. A pulsão plebeia: trabalho, precariedade e rebeliões sociais. São Paulo: Alameda, 2015]