Categoria: Esporte e Lazer

  • Jogos Olímpicos no Brasil: A cidade na vitrine e os cidadãos do lado de fora.

    Jogos Olímpicos no Brasil: A cidade na vitrine e os cidadãos do lado de fora.

    “Todo o processo que envolve a promoção desses eventos aprofunda e acelera uma reorganização da cidade que busca garantir o que chamamos de ‘cidade mercadoria’, um produto que se deseja vender e não um lugar onde se realiza a cidadania”, explica a economista.

    Foto: Renato Sette/ http://og.infg.com.br

    Foto: Renato Sette/ http://og.infg.com.br

    A promoção de megaeventos esportivos no país tem gerado uma série de protestos e controvérsias, principalmente em função da falta de transparência na gestão dos processos de preparação das cidades-sedes e da administração dos recursos públicos, que poderiam ser destinados a atender demandas sociais, mas acabam sendo canalizados para o financiamento de grandes obras de infraestrutura.

    Conforme explica a economista Sandra Quintela, em entrevista por telefone à IHU On-Line, esse modelo de investimento tem se repetido desde a realização dos Jogos Pan-Americanos no Rio de Janeiro, em 2007, passando pela Copa do Mundo, em 2014, até a chegada das Olimpíadas neste ano, gerando um grande desequilíbrio no orçamento público.

    “No caso das Olimpíadas, a cidade do Rio de Janeiro quadriplicou seu orçamento nesse último período, não a partir da arrecadação de impostos, mas por um processo de endividamento do município. Agora os recursos estão chegando para a realização das obras, há um incremento da construção civil e de outras áreas, mas o impacto que isso vai gerar nas contas públicas em médio e longo prazos ainda não temos condições de mensurar”, analisa.

    Além do desequilíbrio financeiro, a economista cita o processo de privatização das cidades como sendo o resultado mais perverso do modo de conduzir a promoção desses eventos no país. “A reorganização das metrópoles a partir desses megaeventos esportivos visa exatamente privilegiar a especulação imobiliária e a privatização da cidade em todas as dimensões, por um processo brutal de exclusão e gentrificação em nome da ‘cidade produto’, da ‘cidade mercadoria’, que precisa ser vendida como vitrine para esses eventos”, frisa.

    E a economista vai mais além. Ressalta que a gestão que tem sido realizada acaba interferindo na própria atividade esportiva e na sua relação com o público. “O modelo que está sendo trabalhado por esses organismos privados — como FIFA e COI — é o da mercantilização dos esportes. Dessa forma o espírito esportivo está cada vez mais relegado a segundo plano e o que importa é o lucro, o que se ganhará e o que se realizará com esses megaeventos esportivos. Por isso, acredito que a discussão é muito mais profunda, pois é necessário discutir a natureza e o caráter desses megaeventos esportivos, porque de esporte, de fato, eles têm muito pouco”, alerta.

    Sandra Quintela é economista do Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul – PACS e integrante da Rede Jubileu Sul Américas.

    Sandra Quintela Foto: diarioliberdade.org

    Sandra Quintela
    Foto: diarioliberdade.org

    Confira a entrevista.

    IHU On-Line – Você poderia fazer um balanço dos investimentos do Estado brasileiro em megaeventos, desde os Jogos Pan-Americanos até este momento em que o país se prepara para receber os Jogos Olímpicos de 2016? Quais foram os montantes investidos nesses eventos?

    Sandra Quintela – Nós acompanhamos este processo desde 2005. Então é uma trajetória de 11 anos observando essa organização na cidade do Rio de Janeiro, desde os Jogos Pan-Americanos, passando pela Copa do Mundo até as Olimpíadas. O que percebemos é uma dificuldade muito grande de acessar o volume de recursos investidos e as Olimpíadas têm sido o caso mais sério.

    Nos Jogos Pan-Americanos foram gastos cerca de 3,7 bilhões de reais, na Copa do Mundo foram gastos 25,5 bilhões de reais e o custo atual das Olimpíadas, que ainda não está fechado, pois há várias obras que não estão inclusas na Matriz de Responsabilidade dos Jogos, está na ordem de 39,08 bilhões de reais, valor que foi divulgado no final do mês de janeiro deste ano. É possível ver que o valor de investimento foi aumentando ao longo do tempo, e no caso das Olimpíadas, estamos a cinco meses do início da realização dos jogos e ainda não sabemos qual será o custo total da promoção deste evento.

    Quando foi divulgada a promoção dos Jogos Pan-Americanos, seu custo estava estimado em cerca de 1 bilhão de reais e depois de sua conclusão passou a ser de 3,7 bilhões de reais, por causa de obras superfaturadas etc. Quanto à Copa do Mundo, já estamos vendo os elefantes brancos que foram construídos, os quais não têm mais nenhuma serventia. São os casos dos estádios construídos em Manaus, Cuiabá e Brasília — até existem projetos para transformá-los em presídios etc. No caso das Olimpíadas, precisa-se de um pouco mais de tempo para analisar por que os dados ainda não estão completos.

    IHU On-Line – Que impactos econômicos têm sido gerados pela realização de megaeventos esportivos nos últimos anos no Brasil? É possível prever por quanto tempo tais impactos ainda podem continuar refletindo na economia do país?

    Sandra Quintela – Vamos começar com a questão do impacto financeiro, por exemplo, da realização da Copa do Mundo no Brasil, com o custo de 25,5 bilhões de reais. Esperava-se que durante o período do evento o volume de turistas contribuísse para o incremento da economia nacional, porém isso não se deu durante a Copa. Várias das análises econômicas otimistas que se faziam antes desse evento foram, logo em seguida, desconstruídas por balanços realizados por jornais de grande circulação e por economistas apontando que o retorno econômico de tamanho investimento não se deu.

    Isso se traduz em um processo ao mesmo tempo cruel e sutil, que é a construção desses megaestádios com obras de infraestrutura associadas a eles, como autopistas, pontes e viadutos para acessar esses espaços; isso gerou uma grande especulação imobiliária nas cidades-sedes da Copa e a remoção de expressivos contingentes populacionais, pois foram mais de 750 mil pessoas deslocadas de áreas em função das obras para o evento. Nós elaboramos três relatórios sobre violações dos Direitos Humanos nessas ações e, junto aos Comitês Populares da Copa e das Olimpíadas no Rio de Janeiro, já estamos trabalhando no quarto dossiê especificamente sobre as Olimpíadas.

    O impacto financeiro da Copa se reflete no processo de endividamento dos municípios e dos estados, pois dos 25,5 bilhões gastos na Copa, apenas 1,4% veio da iniciativa privada; o restante foi pago com dinheiro público, o mesmo recurso que ou é destinado à educação, saúde e saneamento, ou à construção de elefantes brancos, como são alguns dos estádios. A fonte é a mesma, o Estado, através dos impostos e tributos que todos nós pagamos, e quando não há dinheiro a saída é a criação de novas dívidas.

    No caso das Olimpíadas, a cidade do Rio de Janeiro quadriplica seu orçamento nesse último período, não a partir da arrecadação de impostos, mas por um processo de endividamento do município. Agora os recursos estão chegando para a realização das obras, há um incremento da construção civil e de outras áreas, mas o impacto que isso vai gerar nas contas públicas em médio e longo prazos ainda não temos condições de mensurar. Já existe uma grande preocupação aqui no Rio de Janeiro, pois as contas do Estado já estão um caos, os funcionários públicos ainda não receberam o 13º salário de 2015 e não sabemos até que ponto isso está atrelado às contas que sobraram de 2014. Será que não são “cadáveres que estavam no armário” referentes às despesas com a realização da Copa do Mundo? Essa é uma pergunta para qual ainda não encontramos resposta.

    Enfim, o impacto se dá muito mais nos níveis municipal e estadual e os recursos federais ficam um pouco diluídos em várias rubricas. Porém, dentro desse contexto, o que é muito mais grave é o processo de especulação imobiliária que se dá a partir desses investimentos públicos.

    IHU On-Line – E qual é o impacto desses megaeventos na organização das metrópoles brasileiras? Como as metrópoles são reestruturadas para receber tais eventos?

    Sandra Quintela – Na verdade a Copa do Mundo e as Olimpíadas serviram como uma ótima desculpa para os planos das elites que governam as cidades. Todo o processo que envolve a promoção desses eventos aprofunda e acelera uma reorganização da cidade que busca garantir o que chamamos de “cidade mercadoria”, um produto que se deseja vender, e não um lugar onde se realiza a cidadania. Vemos que é uma desculpa que legitima o modelo de cidade centrado exatamente em um padrão de desenvolvimento que beneficia a especulação imobiliária e a privatização da vida no espaço urbano.

    Nesse sentido é fundamental um engajamento cada vez maior na luta pelo direito à cidade, pois as cidades estão se tornando ambientes destinados especialmente para determinados setores da sociedade, que são os grupos mais privilegiados. Hoje, por exemplo, se uma pessoa da zona oeste do Rio de Janeiro quiser ir à praia, ela vai precisar pegar três ônibus. Trata-se de um processo de gentrificação que vem se aprofundando, e o Rio de Janeiro em particular é uma síntese do que representou um megaevento como a Copa do Mundo, porque aqui as coisas se deram em escala bem maior.

    A reorganização das metrópoles a partir desses megaeventos esportivos visa exatamente privilegiar a especulação imobiliária e a privatização da cidade em todas as dimensões, por um processo brutal de exclusão e gentrificação em nome da “cidade produto”, da “cidade mercadoria”, que precisa ser vendida como vitrine para esses eventos.

    IHU On-Line – Que áreas sociais (saúde, educação, segurança…) estão sendo mais relegadas em função da canalização de recursos públicos para esses megaeventos esportivos? E quais setores estão sendo privilegiados? Como está equalizado o orçamento público?

    Sandra Quintela – No Rio de Janeiro, de 2007 a 2016 praticamente triplicou o volume de recursos destinados ao orçamento público em segurança. Passou de 2,5 bilhões de reais para 7 bilhões reais de investimentos só para a segurança. Eu especifico o caso do Rio de Janeiro porque foram promovidos aqui os Jogos Pan-Americanos, a Copa do Mundo e agora serão as Olimpíadas, então é um exemplo que pode ser uma síntese do que aconteceu na promoção desses megaeventos no Brasil.

    Se analisarmos hoje o peso da segurança no orçamento público do governo do Estado do Rio de Janeiro, veremos que representa cerca de 15% do total, a educação tem aproximadamente 10% e a saúde tem 8%. Em 2007 o investimento em educação tinha uma fatia de 15% do orçamento estadual e hoje perdeu 5% desse valor, enquanto a verba destinada à segurança aumentou em três vezes o seu montante. Assim, é possível perceber que, em detrimento dos investimentos sociais, como saúde e educação, os recursos públicos são canalizados para a segurança pública, algo que é gritante no Rio de Janeiro, pois se vê nas ruas um processo de militarização intenso.

    Por exemplo, agora a guarda municipal está fazendo as remoções das comunidades da campo de golfe. Essa é uma nova tarefa e uma nova função para a guarda municipal que até então não tinha sido exercida e isso também é reflexo desses altos investimentos em segurança.

    Estão previstos para as Olimpíadas cerca de 2,5 bilhões de reais em investimentos na segurança, porém dentro desse valor não estão inclusos os salários dos profissionais dessa área, como os policiais militares, civis, federais etc. E esse é um problema que está aí, mesmo havendo essa tendência ao aumento do peso da segurança pública no orçamento estadual, principalmente.

    IHU On-Line – De que modo poderia ser realizado o planejamento de recursos que propiciasse a promoção dos megaeventos esportivos sem desequilibrar o orçamento público do Brasil?

    Sandra Quintela – Em primeiro lugar esses megaeventos esportivos é que deveriam se adequar à cidade, e não a cidade ter de se adequar a eles. Deveria se inverter essa lógica, mas o que acontece hoje é a subversão das lógicas da administração pública e do interesse público para atender aos interesses do Comitê Olímpico Internacional – COI e da Federação Internacional de Futebol – FIFA. Lembrando que estas são organizações privadas, financiadas por megaempresas internacionais. Portanto, primeiro é preciso rever o modo de pensar a preparação desses eventos.

    Em particular no Rio de Janeiro, o que tem sido feito de alterações em termos urbanísticos tem servido única e exclusivamente para atender aos interesses da especulação imobiliária, isso está muito claro e evidente, e um exemplo é o transporte público. Estão sendo construídos corredores de ônibus das linhas BRT, que passam por áreas com muita vegetação e que estão abrindo as veias para especulação imobiliária para condomínios, loteamentos etc., principalmente na zona oeste do Rio de Janeiro.

    Também estamos vendo um desperdício muito grande de recursos públicos. Aqui no Rio de Janeiro, por exemplo, já tinha um campo de golfe e agora se construiu um novo campo e em uma área de restinga, ou seja, uma área de preservação ambiental, apenas para atender aos interesses da especulação imobiliária na Barra da Tijuca. Outros exemplos de desperdício são o Estádio de Atletismo Célio de Barros e o Parque Aquático Júlio Delamare — são áreas tanto de treinamento para atletismo como para natação —, que estão fechados desde antes da Copa do Mundo. São centros de treinamento de excelência de atletismo e natação que não foram reabertos desde antes da Copa porque a ideia era destruir tudo e construir o complexo Maracanã, mas houve muita luta e isso não foi feito.

    Assim, o modelo que está sendo trabalhado por esses organismos privados — como FIFA e COI — é o da mercantilização dos esportes. Dessa forma o espírito esportivo está cada vez mais relegado a segundo plano e o que importa é o lucro, o que se ganhará e o que se realizará com esses megaeventos esportivos. Por isso, acredito que a discussão é muito mais profunda, pois é necessário discutir a natureza e o caráter desses megaeventos esportivos, porque de esporte, de fato, eles têm muito pouco.

    IHU On-Line – Em outros países que já sediaram megaeventos esportivos se repete o contexto brasileiro quanto ao planejamento dos investimentos?

    Sandra Quintela – Para a Copa do Mundo da França não foram construídos megaempreendimentos. Para a Copa da Alemanha tampouco, por exemplo, o estádio em que foi realizado o jogo da final, em Berlim, é o mesmo estádio de 1930, ele não foi destruído e reconstruído.

    Por outro lado, o que está acontecendo aqui no Brasil também está ocorrendo agora no Catar — inclusive com denúncias de trabalho escravo — e na Rússia. Então, esse “filão” de descobrir a Copa do Mundo nos países da periferia do capital talvez propicie uma acumulação ainda maior para esses organismos internacionais privados — FIFA e COI — que são os donos da patente dos eventos.

    Na Grécia houve a mesma coisa e todos os equipamentos gregos construídos estão abandonados, pois lá se repetiu o modelo brasileiro e até hoje eles estão pagando o preço daquelas Olímpiadas de 2004. O que quero dizer é que em alguns países, principalmente aqueles da periferia do capital, o modelo brasileiro foi repetido, e nos países centrais isso não ocorreu, pois se tratou mais de uma adequação dos equipamentos já existentes.

    IHU On-Line – Especificamente sobre as Olimpíadas, que serão realizadas em breve, de que modo você avalia a questão da transparência na condução dos processos de planejamento e gestão de recursos, tendo em vista a crise orçamentária pela qual passa o Estado do Rio de Janeiro?

    Sandra Quintela – Transparência não existe. A Copa do Mundo foi muito mais transparente nesse sentido do que as Olímpiadas. As Olímpiadas são uma “caixa-preta”, que ninguém sabe ao certo o que vai acontecer, pois a matriz de responsabilidade que eles apresentam está muito aquém do que tem sido realizado, porque há muitas obras que estão fora do que foi previsto.

    Nas Olímpiadas também está sendo violada a Lei de Acesso à Informação, porque não estão sendo concedidas informações solicitadas, não há nenhum tipo de prestação de contas, transparência e participação popular em absolutamente nenhuma das decisões. Portanto, as Olímpiadas realmente culminarão com o fim do ciclo de megaeventos esportivos no Brasil e também com a “megafalta” de transparência.

    IHU On-Line – Você poderia falar um pouco sobre a iniciativa de elaboração do boletim “Rio de Gastos”, a respeito dos Jogos Olímpicos 2016?

    Sandra Quintela – Durante o processo da Copa realizamos dois estudos sobre os gastos durante o evento e vimos a importância deles, em função da repercussão e pelo fato de este tema ser pouco trabalhado, ou, quando é abordado, as discussões não são aprofundadas.

    Nossa intenção é tratar da questão do recurso público, saber onde ele está sendo empregado, para que modelo de cidade está servindo etc. Então, fizemos dois estudos relacionados aos gastos da Copa, colocamos à disposição dos Comitês Populares da Copa e, junto com a Rede Jubileu Sul Brasil, fizemos uma cartilha explicando quem paga a conta da Copa.

    A partir dessa experiência, no Pan-Americano acompanhamos o Fórum Popular de Orçamento, observando os gastos com esse evento. Com isso foi possível verificar que era importante continuar trabalhando esse tema dos gastos nas Olímpiadas porque, primeiro, não há transparência; segundo porque são dados muitas vezes complexos, que se referem às esferas federal, estadual e municipal, logo há certa dificuldade em se fazer uma síntese desses gastos. Então o interesse foi acompanhar e divulgar os investimentos públicos, os orçamentos e também os impactos dos megaeventos.

    Porém não estamos trabalhando só a questão dos investimentos. Num dos estudos sobre meio ambiente nós apontamos que a empresa Dow Chemicals — que foi responsável por um acidente terrível de Bhopal, na Índia — é a responsável pela política de sustentabilidade das Olímpiadas, por exemplo. Então, estamos tratando também de outras informações que estão invisibilizadas pela grande imprensa, que trata as Olímpiadas só como algo “legal”.

    Percebe-se que a grande imprensa não cumpre o papel que deveria, de apresentar denúncias e essas análises. Portanto, observamos a necessidade dessa produção independente de informações, análises e denúncias que pudessem romper um pouco esse bloqueio midiático em torno desses sistemas.

    A partir do foco nos gastos, trabalhamos muito a ideia de que esses investimentos e megaeventos são violadores sistemáticos dos Direitos Humanos e isso está obscurecido no cenário atual. Nosso objetivo com essa publicação é contribuir para mostrar a disparidade de gastos com equipamentos e serviços olímpicos em comparação com o que o governo gasta com áreas que deveriam ser prioritárias, como assistência social e Direitos Humanos. O próximo volume, que será lançado em breve, aborda essa questão das políticas de segurança e de todos os gastos relacionados à segurança pública no Rio de Janeiro.

    IHU On-Line – O que representa, a curto e longo prazos, a participação das Parcerias Público-Privadas no investimento desses megaeventos esportivos? Em que implicam no orçamento, na gestão dos serviços e espaços públicos das cidades-sedes e no acesso da população ao que é ofertado dentro desta modalidade?

    Sandra Quintela – A Parceria Público-Privada – PPP é uma ótima marca para escamotear o dinheiro público, pois se fala em “parceria público-privada”, então o que aparece – um argumento muito usado nos discursos dos governantes – é que o Estado não está entrando com nada e o que está sendo feito é pela iniciativa privada.

    Isso foi um discurso muito forte, por exemplo, durante o processo de construção dos estádios e da infraestrutura para a Copa, dizendo que “o governo não está gastando nada, tudo é ligado à iniciativa privada, seja pelas PPPs ou por outros tipos de concessões”. Só que quando acaba a Copa e vem a consolidação dos gastos, chegamos ao número, que já falei antes, de quase 99% de gasto público.

    No caso das Olímpiadas, esse discurso também está sendo muito utilizado. A PPP, na realidade, contribui para o processo de privatização da cidade. Aqui no Rio de Janeiro nós temos o Porto Maravilha, a região portuária do Rio, que é a maior PPP do Brasil, onde está cada vez mais evidente um processo radical de privatização dos espaços públicos. A gestão de toda aquela área é hoje realizada por empresas privadas, consórcios, e isso viola uma série de direitos à cidade, como falamos antes.

    Assim, observamos que esse discurso das Parcerias Público-Privadas escamoteia o gasto público. As PPPs têm uma contrapartida – por parte da iniciativa privada – que nem sempre, no caso do Estado, é monetária. Por exemplo, há terrenos gigantescos – caso do campo de golfe, a Vila Olímpica e outros – que são doados pelo Estado, e, ainda, os serviços todos contratados são do Estado e ficam a serviço daquela iniciativa.

    Também, muitas vezes, em termos orçamentários, o que aparece como desoneração ou contraprestação pública é da PPP, que não tem nenhuma transparência nos contratos. Portanto, as contas não são claras, pois é montada uma arquitetura orçamentária, com conceitos que vão sendo introduzidos no orçamento e que ninguém entende, mas que na realidade estão escamoteando ali os recursos públicos que são lançados para obras, onde, a princípio, dizem que não existe nenhum dinheiro público.

    Aqui temos Parceria Público-Privada para a construção do Parque Olímpico, que inclui a vila dos atletas. Essa parceria, que depois do Porto Maravilha é a maior já realizada, prevê que após a realização dos jogos, 75% dessa área – que é uma área de 1,18 milhão de metros quadrados – serão destinados para empreendimentos habitacionais de alto padrão, a serem comercializados pela concessionária. Então, o Estado entra praticamente com tudo, a empresa entra com a construção e depois se apropria dessas edificações – apartamentos de alto padrão –, ao lado da Vila Autódromo, que está sendo removida à força.

    IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

    Sandra Quintela – Passadas as Olímpiadas será necessário fazer um estudo mais detalhado dos impactos e do legado deixado por esse evento, porque, assim como a Copa, só será possível fazer uma melhor análise do quanto foi gasto e de quais parcerias foram público-privadas após tudo finalizado. Isso será fundamental nas Olímpiadas, que é uma caixa-preta terrível, em que as obras não estão inclusas na matriz de responsabilidade.

    Por enquanto, o que estamos vendo no Rio de Janeiro são megaeventos esportivos que servem para dividir ainda mais a cidade e colocá-la a serviço de interesses privados, consolidando uma lógica de cidade que exclui quem vive nela, e isso é o mais grave em nossa opinião.

    Fonte: IHU, 22/02/2016

  • Ouro olímpico

    Ouro olímpico

    Marcelo Freixo
    Marcelo Freixo

    O atletismo é uma das modalidades desportivas mais baratas e de maior impacto social. Para praticá-lo, bastam um par de tênis, um local adequado, um bom treinador e disposição. Nessa capacidade democrática e inclusiva reside a sua força transformadora. Afinal, esporte não se resume ao garimpo de metais preciosos. Ele também é cidadania.

    Refletir sobre a situação do atletismo na cidade-sede dos Jogos Olímpicos nos ajuda a entender como funciona uma cidade transformada em ativo financeiro, esvaziada de sentido público, em que interesses escusos das oligarquias política e econômica se combinam em detrimento dos direitos da maioria da população.

    Em 2013, o Estádio de Atletismo Célio de Barros, templo do esporte no país e espaço onde centenas de promessas olímpicas e atletas amadores treinavam, foi fechado e parcialmente destruído.

    O objetivo era viabilizar financeiramente a privatização do Complexo do Maracanã, então assumido por Odebrecht, IMX e AEG, por meio da construção de um grande estacionamento.

    À primeira vista, ver a cidade-sede da Olimpíada fechar um equipamento esportivo de excelência para substitui-lo por vagas de garagem pode parecer uma contradição absurda.

    Não é. A marca registrada do que chamo cidade-negócio é justamente a submissão do interesse público aos desejos de um reduzido grupo de companhias aliadas ao poder político. Essas empresas são grandes financiadoras de campanhas eleitorais, partidos e bancadas parlamentares.

    A aliança não é fruto da simples cooptação da elite política pelo poder da grana. Os interesses são mútuos e se misturam, fundem-se numa só substância. Companhias que patrocinam candidatos passam a dirigir a cidade.

    A Operação Lava Jato vem desvendando como funcionam esses esquemas e como eles agem na organização de megaeventos como Olimpíadas e Copa do Mundo.

    Recentemente, a Procuradoria Geral da República acusou Eduardo Cunha e aliados de cobrarem propina em troca de favores a empreiteiras responsáveis por obras estratégicas dos Jogos. Além de barganhar benefícios financeiros, o grupo negocia mudanças em projetos de lei para atender aos interesses das empresas envolvidas no esquema, como a OAS.

    O problema não está nos megaeventos e nos negócios em si, mas na forma como são realizados. Por isso, a alegria em receber grandes esportistas e assistir às competições não impede a crítica.

    Alegria não é sinônimo de alienação. Tampouco é adversária da luta pelo resgate da soberania e do espírito público da cidade, entendida como o conjunto de cidadãos que a constroem cotidianamente, e não como ativo financeiro negociado por especuladores.

  • O homem branco naquela fotografia

    O homem branco naquela fotografia

    Às vezes as fotografias enganam. Esta, por exemplo. Representa o gesto de rebeldia de John Carlos e de Tommie Smith no dia em que ganharam medalhas pelos 200 metros nas Olimpíadas de Verão de 1968, na Cidade do México e é certo que me enganou a mim durante muito tempo.

    poder_negroSempre vi a fotografia como uma imagem poderosa de dois negros descalços, com as cabeças curvadas, de punhos erguidos com luvas negras, enquanto tocava o hino nacional dos Estados Unidos. Era um forte gesto simbólico, tomando posição pelos direitos civis afro-americanos num ano de tragédias que incluíram as mortes de Martin Luther King e de Bobby Kennedy.

    É uma foto histórica de dois homens de cor. Por este motivo, nunca prestei realmente atenção ao outro homem, branco como eu, imóvel, no segundo degrau do pódio de metal. Considerava-o como uma presença casual, um extra no momento de Carlos e de Smith, ou mesmo uma espécie de intruso. Com efeito, pensava mesmo que aquele sujeito – que parecia ser apenas um rival inglês – representava na sua gelada imobilidade a vontade de resistir à mudança que Smith e Carlos invocavam no seu protesto silencioso. Mas estava errado.

    Graças a um velho artigo de Gianni Mura, hoje descobri a verdade: aquele branco na fotografia é, talvez, o terceiro herói daquela noite de 1968. Chamava-se Peter Norman, era um australiano que tinha chegado às finais dos 200 metros depois de ter corrido uns extraordinários 20.22 nas semi-finais. Só os dois americanos Tommie Smith“O Jacto” e John Carlos tinham feito melhor: 20.14 e 20.12, respectivamente.

    Parecia como se a vitória tivesse de ser decidida entre os dois americanos. Norman era um velocista que parecia estar a ter uns bons momentos. John Carlos, anos mais tarde, disse que lhe perguntaram o que tinha acontecido àquele baixote branco de 5’6” de altura e que corria tão rápido quanto ele e Smith, ambos mais altos do que 6’2”.

    Chega a hora das finais e o outsider Peter Norman faz a corrida de uma vida, de novo melhorando os seus tempos. Termina a corrida a 20.06, a sua melhor marca de sempre, um recorde australiano que ainda continua de pé, 47 anos depois.

    Mas esse recorde não foi suficiente, porque Tommie Smith era verdadeiramente “O Jacto” e respondeu ao recorde australiano de Norman com um recorde mundial. Em suma, foi uma grande corrida.

    Contudo, essa corrida nunca seria tão memorável como aquilo que se seguiu na cerimónia de entrega das medalhas.

    Não demorou muito depois da corrida para se compreender que algo de grande, sem precedentes, estava prestes a acontecer no pódio de metal. Smith e Carlos decidiram que queriam mostrar a todo o mundo como era a sua luta pelos direitos humanos e a palavra espalhou-se entre os atletas.

    Norman era um branco natural da Austrália, um país que tinha leis de apartheid rigorosas, quase tão rígidas como as da África do Sul. Havia tensão e protestos nas ruas da Austrália na sequência de pesadas restrições a imigração não-branca e a leis discriminatórias contra os aborígenes, algumas das quais consistiam em adopções forçadas de crianças nativas a famílias brancas.

    Os dois americanos tinham perguntado a Norman se ele acreditava nos direitos humanos. Norman disse que sim. Perguntaram-lhe se acreditava em Deus e ele, que tinha estado no Exército da Salvação, disse que acreditava firmemente em Deus. “Sabíamos que aquilo que iamos fazer era de longe maior que qualquer feito atlético e ele disse: “Estou com vocês” recorda John Carlos, “Esperava ver receio nos olhos de Norman, mas em vez disso vimos amor.”

    Smith e Carlos tinham decidido levantar-se no estádio usando o emblema do Projecto Olímpico para os Direitos Humanos, um movimento de atletas que apoiava a luta pela igualdade.

    Iriam receber as suas medalhas, descalços, representando a pobreza vivida pelos negros. Iriam calçar as famosas luvas pretas, símbolo da causa dos Panteras Negras. Mas antes de subirem ao pódio perceberam que só tinham um par de luvas. “Calce cada um uma luva” sugeriu Norman. Smith e Carlos aceitaram o conselho.

    Mas então, Norman fez ainda mais. “Acredito naquilo que vocês acreditam. Têm um desses para mim?” perguntou ele apontando para o emblema do Projecto Olímpico para os Direitos Humanos no peito dos outros. “Desse modo, posso mostrar o meu apoio à vossa causa.” Smith admitiu que ficou atónito e que pensou: “Quem é este fulano branco australiano? Ganhou uma medalha de prata, não lhe chega recebê-la e pronto?”

    Smith respondeu que não, também porque não queria deixar de usá-lo. Aconteceu que com eles estava um remador americano branco, Paul Hoffman activista do Projecto Olímpico para os Direitos Humanos. Depois de ouvir tudo aquilo, pensou “se um branco australiano me viesse pedir um emblema do Projecto Olímpico para os Direitos Humanos, por Deus, claro que lho daria!” Hoffman não hesitou “Dei-lhe o único que tinha, o meu”.

    Os três avançaram pelo campo e subiram ao pódio: o resto é história, preservada pelo poder da fotografia. “Eu não podia ver o que estava a acontecer,” conta Norman, “[mas] tinha sabido que eles tinham levado avante os seus planos quando uma voz na multidão cantou o hino americano, mas depois se calou. O estádio emudeceu”.

    O chefe da delegação Americana jurou que estes atletas iriam pagar enquanto vivessem por esse gesto, um gesto que ele pensava não tinha nada a ver com o desporto. Smith e Carlos foram imediatamente suspensos da equipa olímpica americana e expulsos da aldeia olímpica, enquanto que o remador Hoffman foi acusado de conspiração.

    Uma vez em casa, os dois homens mais rápidos do mundo enfrentaram pesadas consequências e ameaças de morte.

    Mas, no fim, o tempo provou que eles tinham tido razão e tornaram-se campeões na luta pelos direitos humanos. Com a sua imagem restabelecida, colaboraram com a equipa americana de atletismo, tendo sido erigida uma estátua deles na San Jose State University. Peter Norman não está nesta estátua. A sua ausência do pódio parece o epitáfio de um herói em quem ninguém nunca reparou. Um atleta esquecido, apagado da história mesmo na Austrália, o seu país.

    Quatro anos mais tarde, nas Olimpíadas de Verão de 1972, em Munique, na Alemanha, Norman não fez parte da equipa de velocistas australianos, apesar de se ter qualificado treze vezes para os 200 metros e cinco vezes para os 100 metros.

    Norman deixou o atletismo de competição depois deste desapontamento, continuando a correr ao nível amador.

    Na sua Austrália branqueada, resistindo à mudança, ele foi tratado como um estranho, a sua família foi proscrita e incapaz de arranjar trabalho. Trabalhou uns tempos como professor de ginástica, continuando a lutar contra as desigualdades como sindicalista e trabalhando ocasionalmente num talho. Devido a um ferimento, Norman contraiu gangrena que levou a problemas de depressão e alcoolismo.

    Como John Carlos disse “Se nós fomos espancados, Peter enfrentou um país inteiro e sofreu sozinho.” Durante anos, Norman só teve uma oportunidade de se salvar: foi convidado a condenar o gesto dos seus colegas atletas John Carlos e Tommie Smith em troca de um perdão do sistema que o ostracizou.

    Um perdão que lhe teria permitido arranjar um emprego estável no Comité Olímpico Australiano e fazer parte da organização dos Jogos Olímpicos de Sydney 2000. Norman nunca cedeu e nunca condenou a escolha dos dois americanos.

    Ele foi o maior velocista australiano da história e o detentor do recorde dos 200 metros, contudo nem sequer foi convidado para as Olimpíadas de Sydney. Foi o Comité Olímpico americano, quando soube da notícia, que lhe pediu que se juntasse ao seu grupo e o convidou para a festa de aniversário do campeão olímpico Michael Johnson para quem, Peter Norman era um exemplo e um herói.

    Norman morreu repentinamente de ataque cardíaco em 2006 sem que o seu país alguma vez lhe tivesse pedido desculpa pela maneira como o tratara. No seu funeral, Tommie Smith e John Carlos, amigos de Norman desde aquele momento em 1968, e que o tinham como herói carregaram o seu caixão.

    “Peter foi um soldado solitário. Escolheu, conscientemente, ser um cordeiro do sacrifício em nome dos direitos humanos. Não há mais ninguém senão ele que a Austrália devia honrar, reconhecer e apreciar” disse John Carlos.

    “Ele pagou o preço com a sua escolha,” explicou Tommie Smith. “ Não foi apenas um simples gesto para nos ajudar, foi a SUA luta. Foi um branco, um homem branco australiano entre dois homens de cor, levantando-se no momento da vitória, todos em nome da mesma coisa.”

    Só em 2012 o Parlamento australiano aprovou uma moção pedindo formalmente desculpa a Peter Norman e dedicando-lhe um lugar na história com esta declaração:

    Esta Câmara “reconhece os extraordinários êxitos atléticos do falecido Peter Norman que ganhou a medalha de prata na corrida de 200 metros nas Olimpíadas da Cidade do México de 1968 num tempo de 20.06 segundos, que ainda se mantém como recorde australiano.”

    “Reconhece a coragem de Peter Norman, ao ostentar no pódio um emblema do Projecto Olímpico para os Direitos Humanos, em solidariedade com os atletas afro-americanos Tommie Smith e John Carlos, que fizeram a saudação do “poder negro”.”

    “Pede desculpa a Peter Norman pelo mal feito pela Austrália em não o mandar às Olimpíadas de Munique de 1972, apesar de repetidamente se ter qualificado e tardiamente reconhece o poderoso papel desempenhado por Peter Norman na prossecução da igualdade racial.”

    Contudo, as palavras que melhor nos lembram Peter Norman são simplesmente as suas próprias palavras ao descreverem os motivos do seu gesto, no documentário “Salute” escrito, dirigido e produzido pelo seu sobrinho Matt.

    “Não podia ver por que razão um negro não podia beber a mesma água de uma fonte, apanhar o mesmo autocarro ou ir à mesma escola que um branco. Havia uma injustiça social contra a qual nada podia fazer a partir de onde estava, mas que detestava. Foi dito que ter partilhado a minha medalha de prata com aquele incidente no estrado da vitória diminuiu o meu desempenho. Pelo contrário. Tenho de confessar que fiquei muito orgulhoso por fazer parte dele.”

    Quando mesmo hoje parece que a luta pelos direitos humanos e pela igualdade nunca acaba e que vidas inocentes são sacrificadas, temos de recordar as pessoas que fizeram sacrifícios como Peter Norman e tentar seguir o seu exemplo. A igualdade e a justiça não são lutas de uma única comunidade, mas de todos.

    Assim, este Outubro quando estiver em San Jose, vou visitar a estátua do Poder Negro Olímpico no campus de San Jose State University e aquele degrau vazio no pódio recordar-me-á um herói esquecido, mas verdadeiramente corajoso, Peter Norman.

    Artigo de Riccardo Gazzaniga publicado no seu blogue.

    Tradução de Almerinda Bento para esquerda.net

  • Legado às avessas

    Legado às avessas

    Marcelo Freixo
    Marcelo Freixo

    O Rio é a cidade olímpica onde a especulação imobiliária tem mais fôlego do que o esporte, e a transparência foi desclassificada.

    Seis anos após sermos escolhidos sede dos Jogos de 2016, vemos a contradição no topo do pódio: 40% das escolas municipais não possuem quadras poliesportivas e promessas do atletismo não têm onde treinar.

    Desde o fechamento do estádio de atletismo Célio de Barros, em 2013, atletas como Marcelle da Cruz e Uhuru Figueira, medalhistas em competições nacionais e estaduais, treinam em locais inadequados, como calçadões e pistas de asfalto, o que provoca lesões.

    O sofrimento contrasta com o entusiasmo de Carlos Carvalho. Apesar de nunca ter arremessado um dardo, ele conquistou o ouro olímpico.

    Seu desempenho não é medido em centésimos ou jardas, mas em bilhões que sua empresa, a Carvalho Hosken –que, em 2012, doou R$ 650 mil à campanha de Eduardo Paes e ao PMDB–, faturou em contratos com a prefeitura para construir o Parque Olímpico e a Vila dos Atletas, na Barra da Tijuca. Após os Jogos, os equipamentos serão transformados em condomínios de luxo.

    O ouro não é privilégio da Carvalho Hosken. A delegação da Lava Jato, formada por sete empresas, ganhou 11 obras estratégicas para o evento, que somam R$ 27 bilhões.

    A desconfiança é incrementada pela falta de transparência da prefeitura, que não divulga os valores e a situação dos contratos, apesar de R$ 18 bilhões se referirem a projetos municipais. Uma das obras estratégicas é o Parque Olímpico, cujo consórcio é completado pela Odebrecht e Andrade Gutierrez. Lá, o espírito olímpico virou assombração. As máquinas que erguem o coração dos Jogos reduziram a escombros a vida de 2.500 moradores da Vila Autódromo, comunidade vizinha.

    As famílias foram removidas para dar lugar a uma área verde, que valorizará a vista dos apartamentos a serem comercializados pelas empresas. Após a escolha do Rio como cidade-sede, 19 mil famílias foram desapropriadas na cidade.

    A poucos quilômetros dali, a destruição ambiental e a especulação imobiliária são parceiras na construção do campo de golfe numa área de preservação. O projeto inclui a retirada de 61 mil metros quadrados de vegetação.

    Além disso, a Fiori Empreendimentos, responsável pela obra, poderá construir, na vizinhança do campo, 23 prédios com mais andares do que o permitido pela lei. O Ministério Público investiga Paes por improbidade administrativa.

    Não sou contra a realização da Olimpíada, mas não podemos esquecer que os Jogos duram apenas um mês. Quando a festa acabar, seremos nós que viveremos cotidianamente com as sequelas desse modelo de gestão.

    Marcelo Freixo é professor e deputado estadual PSOL-RJ

    Fonte: Folha de S. Paulo, 08/09/15