Categoria: Internacional

  • Porquê o sistema ainda vencerá

    Porquê o sistema ainda vencerá

    Brexit, vitória de Trump, movimentos populistas na Europa: o Ocidente está protestando, à direita e à esquerda, contra as ortodoxias neoliberais e globalistas dos últimos 40 anos.

    por Perry Anderson*

    O termo “movimentos antissistêmicos” era comumente usado há 25 anos (1) para caracterizar forças de esquerda em revolta contra o capitalismo. Hoje, ainda que não tenha perdido relevância no Ocidente, seu significado mudou. Os movimentos de revolta que se multiplicaram ao longo da última década já não se rebelam contra o capitalismo, mas o neoliberalismo – fluxos financeiros desregulamentados, serviços privatizados e crescente desigualdade social, variante específica do reinado do capital estabelecido na Europa e na América desde os anos 80. A ordem econômica e política resultante foi aceita de maneira quase indistinguível por governos de centro-direita e centro-esquerda, de acordo com o princípio central de la pensée unique, a sentença de Margaret Thatcher de que “não há alternativa”. Dois tipos de movimento estão agora dispostos contra este sistema; a ordem estabelecida estigmatiza-os, à esquerda e à direita, com a ameaça do populismo.

    Não é por acaso que esses movimentos surgiram primeiro na Europa que nos EUA. Sessenta anos depois do Tratado de Roma, a razão é clara. O mercado comum de 1957, resultado da comunidade do carvão e do aço do Plano Schuman – concebido tanto para evitar qualquer reversão de um século nas hostilidades franco-germânicas quanto para consolidar o crescimento econômico pós-guerra na Europa ocidental – foi o produto de um período de pleno emprego e aumento dos rendimentos populares, o enraizamento da democracia representativa e o desenvolvimento dos sistemas de bem-estar social.  Seus arranjos comerciais incidiram pouco na soberania dos Estados-nação que o compunham, os quais foram fortalecidos ao invés de enfraquecidos. Os orçamentos e as taxas de câmbio foram determinados internamente, pelos parlamentos responsáveis perante os eleitores nacionais, nos quais políticas politicamente contrastantes foram vigorosamente debatidas. As tentativas da Comissão em Bruxelas de formar um grupo foram acentuadamente rejeitadas por Paris. Não só a França sob Charles de Gaulle, mas, na sua forma mais silenciosa, a Alemanha Ocidental sob Konrad Adenauer perseguiu políticas externas independentes dos EUA e capazes de desafiá-los.

    O fim dos trinta anos gloriosos trouxe uma grande mudança nessa construção. A partir de meados da década de 1970, o mundo capitalista avançado entrou em uma longa desaceleração, analisada pelo historiador americano Robert Brenner (2): taxas de crescimento menores e aumentos mais lentos da produtividade, década a década, menos emprego e maior desigualdade, pontuadas por recessões acentuadas. A partir da década de 1980, começando no Reino Unido e nos EUA, e gradualmente se espalhando para a Europa, as direções políticas foram revertidas: os sistemas de assistência social foram reduzidos, as indústrias e serviços públicos foram privatizados e os mercados financeiros desregulamentados. O neoliberalismo havia chegado. Na Europa, isso veio ao longo do tempo para assumir uma forma institucional excepcionalmente rígida: o número de Estados membros daquilo que se tornou a União Europeia multiplicou-se por quatro, incorporando uma vasta zona de baixos salários do Leste europeu.

    Austeridade draconiana

    Da união monetária (1990) para o Pacto de Estabilidade (1997), depois o Ato do Mercado Único (1991), os poderes dos parlamentos nacionais são anulados numa estrutura supranacional de autoridade burocrática protegida da vontade popular, tal como o economista ultraliberal Friedrich Hayek profetizou. Com este mecanismo, a austeridade draconiana poderia ser imposta sobre os eleitores desamparados, sob a direção conjunta da Comissão e de uma Alemanha reunificada, agora o estado mais poderoso da União, onde os principais pensadores abertamente anunciam sua vocação para a hegemonia continental. Externamente, durante o mesmo período, a UE e seus membros deixaram de desempenharam qualquer papel significativo no mundo, em desacordo com as diretivas vindas dos EUA, fazendo com que o avanço das políticas da “neo-guerra fria” em relação à Rússia fosse estabelecido pelos EUA e pago pela Europa.

    Assim, não é de surpreender que as castas cada vez mais oligárquicas da UE, desafiando a vontade popular em sucessivos referendos e incorporando diktats nas constituições, deveriam gerar muitos movimentos de protesto contra elas. Qual é o panorama dessas forças? No núcleo pré-ampliação da UE, a Europa ocidental da Guerre Fria (a topografia da Europa ocidental é tão diferente que se pode ser abandonada para propósitos presentes) , os movimentos de direita dominam a oposição ao sistema na França (Front National), na Holanda (Partido para a Liberdade, PVV), na Áustria (Partido Liberdade da Áustria), na Suécia (Democratas Suecos), na Dinamarca (Partido do Povo Dinamarquês), na Finlândia (Os Verdadeiros Finlandeses), na Alemanha (Alternativa para a Alemanha, AfD) e na Grã-Bretanha (UKIP).

    Na Espanha, Grécia e Irlanda, movimentos de esquerda têm predominado: Podemos, Syriza e Sinn Fein. A exclusividade é a Itália que tem tanto um forte movimento antissistêmico de direita na Lega e um movimento ainda maior na divisão direita/esquerda do Movimento 5 Estrelas (M5S); sua retórica extra-parlamentar sobre impostos e imigração o coloca à direita, em contraste com sua atuação parlamentar à esquerda, de oposição consistente às medidas neoliberais do governo de Matteo Renzi (particularmente sobre educação e desregulamentação do mercado laboral), e seu papel central na derrota da tentativa de Renzi de enfraquecer a constituição democrática da Itália (3). A isso pode ser adicionado o Momentum, que emergiu na Grão-Bretanha por trás do inesperada eleição de Jeremy Corbyn para a direção do Labour Party. Todos os movimentos de direita, à exceção do AfD, precedem o crash de 2008; alguns têm histórias que remontam a década de 1970 ou datas mais antigas. A decolagem do Syriza e o nascimento do M5S, Podemos e Momentum são resultados diretos da crise financeira global.

    O fato central é o maior peso global dos movimentos de direita em relação aos de esquerda, tanto em número de países onde eles chegaram ao governo quanto em força eleitoral. Ambos são reações à estrutura do sistema neoliberal, que encontra sua expressão mais marcante e mais concentrada na atual UE, com sua ordem fundada na redução e privatização dos serviços públicos; a revogação do controle democático e da representação; e desregulamentação dos fatores de produção. Todos os três elementos estão presente em nível nacional na Europa, como em qualquer outro lugar, mas são de um grau maior de intensidade no nível da UE, tal como atestam a tortura da Grécia, o atropelamento dos referendos e a escalada do tráfico humano.  Na arena política, eles são as questões primordiais de interesse popular, dirigindo protestos contra o sistema em relação à austeridade, soberania e imigração. Os movimentos antissistêmicos são diferenciados pelo peso atribuído a cada um – a qual cor na paleta neoliberal eles direcionam a maior hostilidade.

    Movimentos de direita predominam sobre os de esquerda porque desde cedo fizeram a questão imigratória um assunto de sua propriedade, apostando nas reações xenófobas e racistas para ganhar mais apoio entre os setores mais vulnerável da população. Com a exceção dos movimentos na Holanda e na Alemanha, que acreditam no liberalismo econômico, eles são tipicamente ligados (na França, Dinamarca, Suécia e Finlândia) não à denúncia, mas à defesa do estado de bem-estar social, ao mesmo tempo que reclamam que a chegada de imigrantes minam este estado. Mas seria errado atribuir toda sua vantagem a essa carta; em exemplos importantes – a Front National (FN) na França é o mais significativo –  eles também têm uma vantagem sobre outras frentes.

    A união monetária é o exemplo mais óbvia. A moeda única e o banco central, concebido em Maastricht, fizeram a imposição da austeridade e da negação da soberania popular num único sistem. Movimentos de esquerda deveriam atacar isso tão veementemente quanto qualquer movimento de direita, se não mais. Mas as soluções que eles propõem são menos radicais. À direita, a FN e a Lega possuem remédios claros para as tensões da moeda única e para a imigração: sair do euro e parar os fluxos migratórios. À esquerda, com exceções isoladas, nunca se fizeram exigências tão inequívocas. No máximo, os substitutos são ajustes técnicos na moeda única, complicados para ter maior apelo popular e vagas alusões embaraçosas às cotas; nem chega perto de ser tão inteligível para os eleitores como as proposições diretas da direita.

    O desafio da crescente imigração

    A imigração e a união monetária criaram dificuldades especiais para a esquerda por razões históricas. O tratado de Roma foi fundado sobre a promessa de livre movimentação de capitais, commodities e mão-de-obra dentro de um mercado comum europeu. Enquanto a Comunidade Europeia estava confinada aos países da Europa ocidental, os fatores de produção onde a mobilidade mais importava foram o capital e as commodities: a imigração pelas fronteiras dentro da comunidade era geralmente bastante modesta. Mas, no final da década de 1960, o trabalho imigrante de ex-colônias africanas, asiáticas e caribenhas, e de regiões semi-coloniais do ex-Império Otomano, já foi significativo em números. A extensão da UE para a Europa oriental aumentou então consideravelmente a imigração dentro do bloco. Finalmente, as aventuras neo-imperais nas ex-colônias mediterrâneas – a blitz militar na Líbia e a propaganda na guerra civil na Síria – levaram grandes ondas de refugiados para a Europa, juntamente com o terror de retaliação por parte de militantes da região onde o Ocidente permanece acampado como senhor supremo, som suas bases, bombardeiros e forças especiais.

    Tudo isso acendeu a xenofobia: os movimentos anti-sistêmicos da direita se alimentaram dela, e os movimentos da esquerda a combateram, leais à causa de um internacionalismo humano. Os mesmos apegos subjacentes levaram a maioria da esquerda a resistir a qualquer pensamento de acabar com a união monetária, como uma regressão a um nacionalismo responsável pelas catástrofes passadas da Europa. O ideal da unidade europeia permanece para eles um valor cardinal. Mas a atual Europa de integração neoliberal é mais coerente do que qualquer uma das alternativas hesitantes que até agora propuseram. Austeridade, oligarquia e mobilidade dos fatores de produção formam um sistema interligado. A mobilidade dos fatores não pode ser separada da oligarquia: historicamente, nenhum eleitorado europeu foi consultado sobre a chegada ou a escalada do trabalho estrangeiro; isso sempre ocorreu por detrás de suas costas. A negação da democracia, que se tornou a estrutura da UE, excluiu desde o início qualquer posição na composição da sua população. A rejeição desta Europa por movimentos da direita é politicamente mais consistente do que a rejeição pela esquerda, outra razão para a vantagem da direita.

    Níveis recordes de descontentamento dos eleitores

    A chegada do M5S, Syriza, Podemos e AfD marcou um salto no descontentamento popular na Europa. As pesquisas agora registram níveis recordes de insatisfação com a UE. Mas, à direita ou à esquerda, o peso eleitoral dos movimentos anti-sistêmicos permanece limitado. Nas últimas eleições europeias, os três resultados mais bem sucedidos para a direita – UKIP, FN e Partido Popular Dinamarquês – foram cerca de 25% dos votos. Nas eleições nacionais, o valor médio na Europa Ocidental para todas as forças de direita e esquerda combinadas é de cerca de 15%. Essa percentagem do eleitorado representa pouca ameaça ao sistema; 25% pode representar uma dor de cabeça, mas o ‘perigo populista’ do alarme midiático permanece até hoje muito modesto. Os únicos casos em que um movimento anti-sistêmico chegou ao poder, ou parecia que poderia fazê-lo, são aqueles em que um deliberado super-ganho de assentos, através de um prêmio eleitoral destinado a favorecer o establishment, teve um efeito reverso; ou como na Grécia ou na Itália, esses movimentos arriscaram-se a participar desse jogo.

    Na realidade, há uma grande diferença entre o grau de desilusão popular com a UE neoliberal do presente – no último verão, maiorias na França e na Espanha expressaram sua aversão a ela, e mesmo na Alemanha, apenas a metade dos questionados apresentam uma visão positiva sobre o bloco – e a extensão do apoio às forças que se posicionam contra ela. A indignação e o desgosto com o que se transformou a UE é comum, mas há algum tempo o determinante fundamental dos padrões eleitorais na Europa tem sido e continua a ser o medo. O status quo sócio-econômico é amplamente detestado. Mas é regularmente ratificado nos pleitos com a reeleição dos partidos responsáveis por essa situação, por temores de que perturbar o status e alarmar os mercados traria ainda mais miséria. A moeda comum não acelerou o crescimento na Europa e ingligiu graves dificuldades aos países do sul. Mas a perspectiva de uma saída aterroriza mesmo aqueles que sabem até agora o quanto eles sofreram com isso. O medo supera a raiva. Daí a aquiescência do eleitorado grego na capitulação do Syriza em Bruxelas, os reves do Podemos na Espanha, as dificuldades do Parti de Gauche na França. O sentido subjacente é o mesmo em todo lugar. O sistema está mal. Afrontá-lo é arriscar-se a uma represália.

    O que, então, explica o Brexit? Imigração massiva é outro temor em toda a UE, e foi explorado no Reino Unido na campanha pelo Leave, no qual Nigel Farage foi um porta-voz e organizador hábil, juntamente com os proeminentes Conservadores. Mas a xenofobia por si só não é suficiente para compensar o medo de crise econômico. Na Inglaterra, como em toda a parte, a aversão aos imigrantes tem crescido à medida que governos sucessivos mentiram sobre as escalas da imigração. Mas se o referendo sobre a UE tivesse apenas sido uma disputa entre esses medos, como o establishment político pretendia que fosse, o Remain teria vencido indubitavelmente por uma margem considerável, como ocorreu em 2014 com o referendo sobre a independência escocesa.

    Havia outros fatores. Depois de Maastricht, a classe política britânica recusou a camisa de força do euro, apenas para perseguir um neoliberalismo nativo mais drástico do que qualquer outro do continente: primeiramente, a arrogância financeirizada do New Labour, mergulhando a Inglaterra numa crise bancária antes de qualquer outro país europeu e, depois, um governo Liberal-Conservador com uma austeridade mais drástica do que qualquer outra gerada sem constrangimento externo da Europa. Economicamente, os resultados dessa combinação são peculiares. Nenhum outro país europeu ficou tão polarizado por regiões, entre uma metrópole cheia de bolhas e bolsões de alta renda em Londres e no sudeste, e um norte e nordeste desindustrializado e empobrecido onde os eleitores sentiram que tinham pouco a perder se optassem pelo Leave (crucialmente, uma perspectiva mais abstrata que abandonar o euro), seja lá o que acontesse com a City e os investimentos estrangeiros. O medo contou menos que o desespero.

    Politicamente, também, nenhum outro país europeu tem tão flagrantemente manipulado um sistema eleitoral: UKIP foi o maior partido britânico individual em Estrasburgo sob representação proporcional em 2014, mas um ano depois, com 13% dos votos, ganhou apenas uma cadeira simples no Westminster, enquanto o Partido Nacional Escocês (SNP), com menos de 5% dos votos, ficou com 55 assentos. Sob os regimes intercambiáveis dos Trabalhistas e dos Conservadores, produzidos por esse sistema, os eleitores da base da pirâmide desertaram das urnas. Mas de repente concedida, uma vez, uma real escolha num referendo nacional, eles retornaramo com força para proferir seu veredito sobre as desolações de Tony Blair, Gordon Brown e David Cameron.

    Finalmente, e de forma decisiva, veio a diferenção histórica separando o Reino Unido do continente. Por séculos, o país não foi somente um império que abteu qualquer rival europeu culturalmente, mas ao contrário da França, Alemanha, Itália ou a maioria do restante do continente, não sofreu derrota, invasão ou ocupação em qualquer guerra mundial. Logo, a expropriação dos poderes locais por uma burocracia na Bélgica causou mais atritos que em qualquer outro lugar: por que deveria uma estado que por duas vezes rejeitou o poder de Berlim se submeter a uma intromissão de Bruxelas ou Luxemburgo? Questões de identidade poderiam superar as questões de interesse mais facilmente que no resto da UE. Assim, a fórmula normal – medo de uma represália econômica supera o medo de uma imigração massiva – falhou, deformada por uma combinação de desespero econômico e amor-próprio nacional.

    O pulo dos EUA no escuro

    Essas eram também as condições nas quais um candidato presidencial dos Republicanos dos EUA de antecedentes e temperamento inéditos – abominável para opinião bipartidária mainstream, sem qualquer disposição de se conformar com códigos aceitos de conduta civil e política, odiados por muitos de seu atual eleitorado – poderia apelar para os suficientemente desconsiderados trabalhadores brancos do cinturão da ferrugem a fim de vencer a eleição. Como na Grã-Bretanha, o desespero superou a apreensão em regiões proletárias desindustrializadas. Aí também, muito mais crua e abertamente, num país com uma história mais profunda de racismo nativo, imigrantes foram denunciados e barreiras, físicas e processuais, foram demandadas. Sobretudo, o império não era uma memória distante do passado mas um atributo vívido do presente e uma reclamação natural ao futuro, mas tinha sido descartado por aqueles no poder em nome de uma globalização que significou ruína e humilhação para seu país. O slogan de Donald Trump foi “Fazer a América Grande Novamente” – próspero ao descartar os fetiches do livre movimento de mercadorias e de trabalho, e vitorioso em ignorar os obstáculos e as crenças do multiletarismo: ele não estava errado ao proclamar que seu triunfo foi um grande Brexit. Foi muito mais que uma revolta espetacular, uma vez que não ficou confinado a uma questão única (para a maioria do povo, simbólica), e esteva desprovida de qualquer respeitabilidade do establishment ou bênção editorial.

    A vitória de Trump colocou a elite política europeia, centro-direita e centro-esquerda unidos, em uma consternação ultrajada. Quebrar as convenções estabelecidas sobre imigração é ruim o suficiente. A UE pode ter tido poucos escrúpulos na transferência de refugiados para a Turquia de Recep Tayep Erdogan, com suas dezenas de milhares de prisioneiros, tortura policial e suspensão do que se passa dentro do Estado Democrático de Direito; ou na colocação de arames farpados na fronteira norte da Grécia para manter os imigrantes trancados nas ilhas do Egeu. Mas a UE, respeitando seu decoro democraico, nunca glorificou suas exclusões. A falta de inibição de Trump nesses assuntos não afeta diretamente a UE. A sua rejeição à ideologia do livre trânsito de fatores de produção, seu aparentemente desrespeito desaberto pela OTAN e seus comentários sobre uma atitude menos beligerante com a Rússia são o que causa uma preocupação muito mais séria. Se qualquer um daqueles elementos é mais do que um gesto que logo será esquecido, como muitas das suas promessas domésticas, permanece algo a ser comprovado. Mas sua eleição cristalizou uma diferença significativa entre um número de movimentos antissistêmicos de direita ou de centro ambíguo e partidos da esquerda do establishment, rosa ou verde. Na França e Itália, movimentos de direita têm consistentemente se oposto às políticas de uma “nova guerra fria” e às aventuras militares aplaudidas pelos partidos de esquerda, incluindo a blitz na Líbia e as sanções à Rússia.

    O referendo britânico e a eleição dos EUA foram convulsões antissistêmicos da direita, embora flanqueadas por surtos antissistêmicss de esquerda (o movimento de Bernie Sanders nos EUA e o fenômeno Corbyn no Reino Unido), menores em escala, quando não menos esperados. Quais serão as consequências de Trump ou do Brexit é algo que permanece indeterminado, embora sem dúvida mais limitado que predições correntes. A ordem estabelecida está longe de ser batida em qualquer país e, como a Grécia mostrou, é capaz de absolver e neutralizar revoltas de qualquer direção com velocidade impressionante. Entre os anticorpos já gerados estão os simulacros yuppie dos avanços populistas (Albert Rivera, Emmanuel Macron na França), atacando os bloqueios e corrupções do presente, e prometendo uma política mais limpa e mais dinâmica do futuro, para além dos partidos decadentes.

    Para as movimentos antissistêmicos do esquerda em Europa, a lição dos anos recentes é clara. Se eles não quiserem ser ultrapassados pelos movimentos de direita, não podem ser menos radicais no ataque ao sistema e devem ser mais coerentes em sua oposição. Isso significa enfrentar a probabilidade da UE estar agora tão firmemente no caminho da dependência, enquanto uma construção neoliberal, que reformá-la não é algo mais seriamente concebível.  Teria de ser desfeita antes que qualquer coisa melhor fosse construída, seja rompendo com a atual UE, seja reconstruindo a Europa em outros marcos, lançando Maastricht às chamas. A menos que haja uma crise econômica muito mais profunda, é pouco provável qualquer uma das alternativas.

    * Perry Anderson leciona história na UCLA e publicou recentemente The H-Word: Peripetia of Hegemony, ed.Verso, Londres, 2017.

     

     

    NOTAS

    (1) Por Immanuel Wallerstein, Giovanni Arrighi e outros.

    (2) Robert Brenner, The Economics of Global Turbulence: the Advanced Capitalist Economies from Long Boom to Long Downturn 1945-2005, Verso, New York, 2006.

    (3) Raffaele Laudani, ‘Renzi’s fall and Di Battista’s rise’, Le Monde diplomatique, Edição Inglesa, January 2017.

    Fonte: Le Monde Diplomatique Inglesa (https://mondediplo.com/2017/03/02brexit)

    Tradução do original (em inglês) para o português: Charles Rosa – Observatório Internacional da Fundação Lauro Campos

  • Contra o progressimo neoliberal um novo progressismo populista

    Contra o progressimo neoliberal um novo progressismo populista

    por Nancy Fraser  *

     

    A leitura que Johanna Brenner fez do meu artigo “Trump ou o final do neoliberalismo progressista” não toca a centralidade do problema que postulei: a hegemonia. Meu ponto de vista primordial é que o atual predomínio do capital financeiro não se deu apenas pela força, mas também pelo que Gramsci chama “consentimento”.

     

    As forças que se beneficiam com a financeirização, a globalização corporativa e a industrialização tiveram êxito quando o Partido Democrata exibiu como progressista políticas manifestamente anti-operárias.

     

    Os neoliberais ganharam poder recobrindo seu projeto com um novo espírito cosmopolita, centrado na diversidade, na autonomia da mulher e nos direitos dos coletivos LGBTQ. Assumindo esses ideais forjaram um novo bloco hegemônico, que chamei de progressismo neoliberal.

     

    Na identificação e na análise deste bloco nunca perdi de vista o poder dominante do capital financeiro – como insinua J. Brenner – mas do que se trata é oferecer uma explicação de sua preponderância política.

     

    Colocar a lente sobre a hegemonia projeta luzes sobre o progressismo e sobre os movimentos sociais que bateram de frente com o neoliberalismo. Em lugar de analisar quem conspirou ou quem foi cooptado, me concentrei na mudança que se produziu no pensamento progressista; um processo ideológico que modificou o conceito de igualdade pela noção de “meritocracia”.

     

    Nas décadas recentes, o pensamento neoliberal influenciou não só as feministas liberais e os defensores da diversidade (que abraçaram de um certo modo o ethos individualista) mas também muitos dos movimentos sociais. Inclusive aqueles movimentos que J. Brenner denomina partidários do bem-estar social, porque quando estes se identificaram com o progressismo neoliberal fizeram vista grossa a sua contradições.

     

    Afirmar que eles não têm a culpa – como sustenta J. Brenner – não permite entender como funcionam os processos hegemônicos e, tampouco, ajuda a encontrar a melhor maneira de construir a contra-hegemonia.

     

    É necessário avaliar o comportamento da esquerda desde a década de 1980 até a atualidade. Revisando aquele período, Brenner expõe os dados de um impressionante ativismo de esquerda, que apoia e admira tanto como eu apoio e admiro. Penso, no entanto, que esta admiração não deve nos impedir de comprovar que esse ativismo não contribuiu para a construção da contra-hegemonia.

     

    Estes movimentos não tiveram êxito. Ou seja, não conseguiram apresentar-se a si mesmo como uma alternativa crível ao progressismo neoliberal, nem muito menos para sua substituição. Ainda que para explicar os porquês requer-se um estudo “lato”, ao menos uma coisa está clara: para desafiar as versões neoliberais do feminismo, do antirracismo e do multiculturalismo, os ativistas de esquerda não conseguiram chegar aos chamados “populistas reacionários” (ou seja, os brancos da classe operária industrial) que terminaram votando em Trump.

     

    Bernie Sanders é a exceção que confirma a regra. Sua campanha eleitoral, em que pese estar longe de ser perfeita, desafiou diretamente as placas tectônicas da classe política.

     

    Apontando a “classe de multimilionários” estendeu a mão aos abandonados pelo progressismo neoliberal. Ademais, dirigiu-se para a “classe média” porque também é vítima da “economia neoliberal” e porque necessariamente devem estar numa causa comum com as outras vítimas do sistema; os que não tiveram acesso aos postos de trabalho da “classe média”. Ao mesmo tempo, Sanders foi um divisor de águas em relação aos partidários do progressismo neoliberal.

     

    Ainda que derrotado por Clinton, Bernie Sanders abriu o caminho para a construção de um poder contra-hegemônico; no lugar de uma aliança dos progressistas com os neoliberais, Bernie Sanders abriu a perspectiva de um novo bloco “progressista-populista” que combine emancipação com a proteção social

     

    Na minha opinião, a opção de Sanders é a única estratégia de princípios e capaz de ganhar na era Trump. Aos que agora se mobilizam sob a bandeira da “resistência”, lhes sugiro um contra-projeto.

     

    A primeira estratégia sugere uma subordinação ao progressismo neoliberal com um “nós” (os progressistas) contra “eles” (os “deploráveis” partidários de Trump); o que proponho é redesenhar o mapa político – forjando uma causa comum entre todos aqueles que Trump indefectivelmente vai golpear e trair. Estes setores NÃO são somente os imigrantes, as feministas e os negros (que votaram contra ele) também são os trabalhadores parados do “cinturão do óxido” e os estratos da classe operário do Sul que votaram nele.

     

    Contra o que opina J. Brenner, penso que a estratégia não deve colocar em contradição a “política de identidade” com a “política de classe”. Ao contrário, deve identificar claramente os interesses da classe dominante e as injustiças provocadas pelo capitalismo financeirizado construindo alianças para lutar contra ambas.

     

    *  professora de filosofia e política na The New School for Social Research e autora, mais recentemente, de Fortunes of feminism: from State-Managed Capitalism to neoliberal crisis. New York: Verso, 2013.

     

    Fonte: Rebelion (Tradução de Charles Rosa, do Observatório Internacional da Fundação Lauro Campos)
  • Políticas mundiais de Trump: os dois pontos críticos

    Políticas mundiais de Trump: os dois pontos críticos

    por Immanuel Wallerstein *

     

         O presidente Donald Trump deixou claro que sua presidência terá uma posição sobre tudo e em todas partes. Também deixou claro que somente ele tomará a decisão final sobre as políticas que o seu governo seguirá. Ele escolheu duas áreas prioritárias para implementar suas políticas: México e Síria/Iraque, que é a zona de força do Califado ou Estado Islâmico (EI). Poderíamos chamar estas duas áreas de dois pontos mais críticos (hotspots), onde o magnata está atuando com o seu modo mais provocador.

     

         O México foi o principal assunto de toda sua campanha, primeiro em sua nomeação republicana e depois durante a eleição presidencial. É provável que seus incessantes comentários ásperos sobre o país e os mexicanos lhe tenham angariado mais apoio popular que qualquer outro tema e, portanto, lhe deram a presidência.

     

         Trump se deu conta corretamente de que se não tivesse priorizado realizar ações contra o México arriscava-se a uma rápida e séria desilusão de seus mais ardentes simpatizantes. Logo, assim ele o fez.

     

         Em seus primeiros dias no cargo, tem reiterado que construirá um muro. Assegurou que busca uma revisão importante do NAFTA, e que se isso fracassa, repudiará o tratado. E tem repetido sua intenção de fazer que o México pague pelo muro instituindo um imposto sobre todas as importações mexicanas para os Estados Unidos.

     

         Ele pode realmente fazer tudo isso? Há problemas legais e políticos para que implemente o programa. Os obstáculos legais, de acordo com as leis estadunidenses e internacionais, provavelmente não são tão grandes apesar de que era possível acusar os Estados Unidos de estar violando previsões da Organização Mundial de Comércio (OMC). Se isso fosse ocorrer, Trump provavelmente estaria disposto a retirar os Estados Unidos da OMC.

     

          Há obstáculos políticos mais sérios, que fazem menos possível que possa levar a cabo seu programa pronto e totalmente. Há séria oposição nos Estados Unidos ao projeto, sobre bases tanto morais como pragmáticas. A objeção pragmática é que um muro seria ineficaz para reduzir a entrada de trabalhadores sem documentos e meramente incrementará o custo e o risco para os indivíduos que cruzem a fronteira. É interessante que as objeções pragmáticas estejam sendo expressas pelos fazendeiros texanos, que são alguns dos seus mais fortes simpatizantes. E, evidentemente, há muitas empresas que dependem dos trabalhadores sem documentos e que teriam grandes perdas. Eles constituirão uma força de pressão no Congresso para debilitar tal política.

     

         Tampouco é claro que é possível transferir o custo de construção do muro para os exportadores mexicanos. Já há muitas análises que argumentam que, via o aumento no custo das importações, eventualmente o custo terminará pesando sobre os consumidores estadunidenses também, ou em substituição dos exportadores mexicanos.

     

         Do lado mexicano, o presidente Enrique Peña Nieto inicialmente fez o esforço de negociar os assuntos fronteriços com o presidente Trump. Enviou dois secretários de Estado a Washington para começar as discussões preliminares. Deu-lhe as boas-vindas ao México e anunciou que viajaria para visitá-lo pessoalmente. Esta suave resposta às declarações de Trump foi bastante impopular no México. E Peña é atacado em casa por muitos outros assuntos há muito tempo.

     

         O evidente desinteresse do mandatário estadunidense por acomodar algo com seu homólogo mexicano foi a gota que transbordou o vaso. No México foi considerado humilhante. Peña cancelou sua viagem e assumiu uma postura de desafio a Washington. Fazendo isso, conseguiu que muitos de seus críticos internos se reúnam ao seu redor, reivindicando o orgulho nacional.

     

         Pergunto de novo: Trump pode fazer que o México se dobre a sua vontade? A muito curto prazo, pode parecer que consiga cumprir suas promessas de campanha. A médio prazo, no entanto, não é nada seguro que Trump supere este ponto crítico com um recorde de êxitos.

     

         Síria/Iraque é um ponto crítico ainda mais difícil. Trump disse que tem o plano secreto para eliminar o Estado Islâmico. Tipicamente, ele deu ao Pentágono 30 dias para que concretize propostas. Apenas a partir daí anunciará sua decisão.

     

         Já há uma série de problemas para Trump. Agora, a Rússia parece o ator político individual mais forte na região. Avançou pelo caminho de criar um processo de paz política que inclui o governo de Bashar al-Assad, a principal força de oposição na Síria, a Turquia e o Irã (junto com Hezbolah). Estados Unidos, Europa Ocidental e Arábia Saudita estão todos excluídos.

     

         Tal exclusão é intolerável para o mandatário estadunidense, que já fala agora de enviar tropas terrestres para golpear o ISIS. Mas, com quem se aliarão essas tropas na Síria ou no Iraque? Se o fazem com o governo dominado pelos xiitas, impedirão o apoio das forças tribais sunitas que os Estados Unidos vinham cultivando apesar do respaldo que alguma vez outorgaram a Saddam Hussein. Se eles se aliam com os peshmerga turcos, antagonizarão ainda mais com os governos turcos e iraquianos. Se eles se juntam com as forças iranianas, haverá gritos no Congresso estadunidense e em Israel, tanto como na Arábia Saudita.

     

         Se apesar disso, Trump envia tropas, terá que se defrontar com a grande dificuldade de retirá-las, como se sucedeu a George W. Bush e a Barack Obama. Mas com as inevitáveis baixas estadunidenses pode desaparecer o respaldo que possui em casa. Então, receberá aplausos de mais curto prazo que no caso do México, e provavelmente mais frustrações a médio prazo. Cedo ou tarde, tanto ele como seus simpatizantes aprenderão a amarga verdade sobre os limites do poderio geopolítico estadunidense e, como tal, sobre os limites do poderio mundial de Trump.

     

          O que ocorrerá então? Explorará e cometerá atos perigosos? Isso é o que quase todo o mundo teme; um Estados Unidos demasiado débil no poder real e muito forte em armamento. Trump terá que decidir entre duas opções: utilizar as armas com as quais conta, o que é fútil, porém terrível, ou retirar-se caladamente da geopolítica até a Fortaleza América, admitindo implicitamente o seu fracaso. Em qualquer caso, será uma decisão muito pouco confortável para ele.

     

    * sociólogo norte-americano
    (tradução do espanhol por Charles Rosa, do Observatório Internacional da Fundação Lauro Campos)

     

  • Síntese dos debates do Ciclo “Se a Cidade fosse Nossa”

    Síntese dos debates do Ciclo “Se a Cidade fosse Nossa”

         A fundação Lauro Campos, em parceria com diretórios estaduais e municipais do PSOL, realizou uma série de eventos buscando contribuir com a discussão programática do partido e ajudar na apresentação de propostas visando as eleições municipais de 2016.

         Foram dez atividades realizadas em oito cidades brasileiras, que contou com a participação de pesquisadores, estudiosos e militantes dos eixos temáticos escolhidos para o aprofundamento da discussão. Rio de Janeiro, Curitiba, Nova Iguaçu, Fortaleza, Salvador, Recife, Belém e São Paulo sediaram atividades.  

         Confira a síntese de cada discussão realizada pelo Ciclo “Se a Cidade fosse Nossa”:

     

     

     

    Cidades do negócio vs. cidades rebeldes

    Local: Rio de Janeiro – RJ

    Participantes: David Harvey (geógrafo), Juliano Medeiros (presidente da FLC) e Edmilson Rodrigues (deputado federal – PA)

         Tivemos a oportunidade de apoiar o diretório carioca do partido, recebendo o  professor David Harvey, figura destacada do pensamento marxista e mais importante  geógrafo da atualidade. Em duas conferências mais uma aula pública, mostrou como a cidade é o espaço privilegiado de reprodução ampliada do capital, e destacou como os movimentos sociais estão procurando outras formas de organização e articulação para enfrentar a cidade dos negócios.

         O capitalismo em crise tenta resolver seus problemas através do avanço sobre as cidades para transformá-las em ativos financeiros. É a lógica de que a cidade não deve servir para as pessoas, mas para os negócios.

         Há uma enorme irracionalidade do capitalismo e na política. Como lembrou, em tom de brincadeira:  “dizem que nós, marxistas, somos insanos. Insanos são os capitalistas, que defendem esse modelo de cidade feita para especular, e não um modelo decente para as pessoas morarem com dignidade”.

         E continuou: “a solução não é abandonar o processo político, mas reconstruir o sistema. Precisamos de uma revolução política. Nos dizem que a única solução para as nossas dificuldades é mais capitalismo. A verdadeira resposta é nada de capitalismo. Na esquerda, a base tem que ser popular e estar no centro do processo político.”

     

    Tema 1: Saúde

    Local: Curitiba – PR

    Participantes: Bernardo Pilotto (setorial de saúde do PSOL), Lidia Cardieri (socióloga) e Melissa Pereira (Fiocruz)

         A saúde é um dos principais problemas dos municípios e dos cidadãos. A constituição federal estabelece que é competência do município a atenção básica e os serviços locais (em parceria com o estado e a união), o estabelecimento de uma política municipal de saúde, que invista ao menos 15% do orçamento local, e os laboratórios de exames e hemocentros. É muita coisa e os recursos são poucos.

         As restrições financeiras e as imposições da lei de responsabilidade fiscal têm trazido dificuldades adicionais. As administrações em geral, independente da orientação ideológica do partido, tem apostado em formatos de terceirização de serviços e de gestão, precarizando as condições de trabalho e retirando o caráter público do serviço. Para o PSOL, a ideia é fortalecer o SUS e a saúde pública, gratuita e de qualidade, bem como apostar na valorização do profissional, sabendo que sua dedicação e competência podem fazer a diferença.

         Como ressaltou Bernardo Pilotto, “é muito importante que o PSOL construa programas de governo na área de saúde antenados com as lutas de nosso povo nessa área, defendendo a ampliação e desprivatização do SUS. Na gestão municipal, é possível fazer muitas políticas de prevenção e promoção da saúde e é nessa área que devemos ter foco.” A própria melhora das condições de vida da população, com investimentos em saneamento básico, melhorias no transporte público e mais opções de lazer podem ser encarados como política de prevenção.

         Além disso, destacamos um assunto dentro da atenção básica: a saúde mental (junto da política de drogas), onde o município tem papel proeminente. Trata-se de debate com crescente relevância da sociedade e que traz a discussão sobre cuidado e o acolhimento. Aqui, o PSOL reafirma seu compromisso com a luta antimanicomial e com as práticas de redução de danos enquanto diretrizes para nossas políticas locais, focando sua atenção no estabelecimento e qualificação dos CAPS.

    Propostas

    • Ampliar os serviços do SUS e combater a privatização da saúde buscando rever os contratos de serviços e gestão
    • Melhorar as condições de trabalho e salários dos servidores
    • Foco na saúde básica, com fortalecimento das equipes de saúde da família
    • Políticas de prevenção e de informação
    • Construção, ampliação e melhorias dos CAPSs
    • Políticas sobre drogas de inclusão social e redução de danos.

     

    Tema 2: Segurança e direitos humanos

    Local: Curitiba – PR

    Participantes: Juninho (presidente do PSOL-SP e membro do Círculo Palmarino) e Orlando Zaccone (delegado e membro da Leap – Law Enforcement Against Prohibition).

         O desafio para o PSOL é estabelecer uma política de governo baseada no mais amplo respeito aos direitos humanos e no combate à todas as formas de opressão. Essas questões, como apontado pelo Juninho, estão relacionadas à questões estruturais que marcam a sociedade brasileira: a profunda desigualdade social, a cidadania restrita e a violência como forma de controle: “a manutenção desses privilégios de acumulação de riqueza e essa cidadania restrita se mantém através da violência”.

         Essa formação social leva a uma atuação do estado  baseada no controle social, dentro da lógica do combate ao inimigo, do punitivismo penal, da gentrificação e da exclusão social. Ressaltou Orlando Zaccone: “então, a questão da cidadania que o Juninho trouxe mostra que a Declaração Universal dos Direitos Humanos não contemplou essa distinção entre cidadão humano e não cidadão inimigo. O inimigo hoje não é o cidadão, ele é construído dessa forma, pelo discurso: ´direitos humanos para humanos direitos´. E esse nosso cidadão é construído como inimigo, e diversas fatores vão ser contemplados nessa não cidadania, nessa construção de inimigo. E o tráfico de drogas hoje é a grande construção que se faz dessa figura mítica do inimigo que perde toda proteção do ambiente social”.

         A política de segurança do PSOL precisa encarar a discussão da segurança e da violência como produto da desigualdade social: “a violência não será combatida com mais aparato e com mais violência, mas sim a partir de uma dinâmica de desenvolvimento real, de distribuição de riqueza, de desenvolvimento social”, reforçou Juninho.

    Propostas:

    • Políticas de proteção aos direitos humanos e combate às opressões
    • Pelo fim do caráter atual “militarizado” das Guardas Civis Metropolitanas e reforço da atuação comunitária
    • Foco em políticas de revitalização dos espaços e de combate à desigualdade

     

    Tema 3: Poder local nas periferias e no interior

    Local: Nova Iguaçu – RJ

    Participantes: Carlos Vainer (urbanista), Sandra Quintela, Glauber Braga (deputado federal – RJ), José Cláudio Souza Alves (sociólogo/UFRRJ), Josemar Carvalho (geógrafo/São Gonçalo-RJ), Leci Carvalho (pedagoga e presidenta do PSOL-Nova Iguaçu,), Cid Benjamin (jornalista) e Álvaro Neiva (presidente do diretório estadual do Rio de Janeiro)

         As políticas públicas não podem se resumir às capitais. Mesmo quando pensamos nelas, é decisivo incorporar as regiões metropolitanas no debate, porque para as pessoas as fronteiras entre os municípios muitas vezes representam impedimentos e dificuldades. Para Carlos Vainer é preciso superar as divisões baseadas em municípios, muitas vezes incorporadas pelos próprios partidos que têm viés contra-hegemônico. “Sou a favor do comitê metropolitano. Nós queremos os impostos da Barra da Tijuca sendo aplicados em Nilópolis (…) O poder é a capacidade de articular escalas, sejam elas globais, nacionais ou locais”, afirmou Vainer.

         O programa do PSOL é construído em parceria com os movimentos sociais. Sandra Quintela, economista do PACS (Políticas Alternativa para o Cone Sul), lembrando seus vínculos com a Baixada, citou exemplos de embates como os comitês em Nova Iguaçu contra a ALCA, pescadores da Zona Oeste do Rio contra a TKCSA, Comitês Populares denunciando as políticas de exclusão relacionada à Copa e às Olimpíadas. Para Sandra, “o debate sobre poder local não pode abrir mão de fazer as disputas de classe, afinal, o capital é global”.

         Fechando a primeira parte do debate, o deputado federal Glauber Braga (PSOL/Nova Friburgo-RJ) falou sobre as relações entre institucionalidade e resistência nas ruas.  “Somos o partido que toda sexta-feira está em praça pública no Centro do Rio. Temos que construir os programas e prestar contas nas praças, não para negar o poder representativo que hoje existe, mas por entender que ele não dá conta de um projeto de ruptura”, afirmou Glauber.

       Na parte da tarde o debate contou com a participação dos professores José Cláudio Souza Alves (sociólogo/UFRRJ), Josemar Carvalho (geógrafo/São Gonçalo), e Leci Carvalho (pedagoga e presidenta do PSOL-Nova Iguaçu,); do jornalista Cid Benjamin.e do presidente estadual do PSOL-RJ, Álvaro Neiva. Em pauta, as particularidades da militância na Baixada e na periferia em geral, os problemas na segurança e no serviço público e os desafios da luta institucional, entre outros temas.

    Propostas:

    • Políticas integradas para Região Metropolitana – mobilidade urbana, segurança pública, saneamento básico, saúde etc
    • Criação de comitês metropolitanos e de laços entre os governos e os cidadãos dessas regiões

     

    Tema 4: Cidades Negras

    Local: Salvador-BA

    Participantes: Samuel Vida (UFBA), Linesh Ramos (professora) e Dennis Oliveira (USP)

         Para o PSOL o racismo é parte estrutural da formação social do país e da luta de classes. Como destacou o professor Dennis de Oliveira,  o “racismo é a ideologia que vai definir quem tem e quem não tem patrimônio e renda; o racismo que define quem é e quem não é cidadão e é o racismo que define quem é o autor e quem é a vítima da violência. Ele vai ser o elemento que vai justificar essa clivagem que acontece pela lógica do Estado brasileiro”.

         Do ponto de vista da gestão do Estado e das políticas públicas, enfrentar o tema do racismo institucional é decisivo para uma gestão que quer combater o racismo estrutural. Para Samuel Vida, “falar de racismo institucional é tentar entender como esses mecanismos operam de formas distintas e com várias roupagens, podendo ocorrer, inclusive, em espaços governados e administrados por pessoas negras”.

         Da mesma forma, destacamos a importância de abordar esse tema de forma intersetorial, com conexões com a questão das mulheres em especial: “o empoderamento das mulheres negras é fundamental à luta democrática. O racismo atua no sentido de manter a faxina ética. Não existe socialismo e liberdade se não tivermos o fim do racismo”, afirmou Linesh Ramos.

         Para o PSOL a temática do combate ao racismo não pode se resumir às ações de uma pasta específica, devendo estar presente em todas as ações institucionais e políticas públicas, além das políticas específicas.

    Propostas:

    • combate ao racismo institucional
    • combate à violência contra o jovem periférico
    • combate à violência contra a mulher negra

     

    Tema 5: Comunicação

    Local: Fortaleza-CE

    Participantes: Aldenor Jr. (ex secretário de comunicação de Belém), Roger Pires (coletivo Nigéria) e Helena Martins (coletivo Intervozes)

         Segundo a Unesco “todas as pessoas têm o direito de produzir, receber e fazer circular informações”. Essa concepção é mais do que garantir a liberdade de expressão, é pensar em formas e políticas que garantam a todas as pessoas o direito de acessar, produzir e difundir informações e cultura. Esse direito, no entanto, é negado pelo alto grau de concentração da propriedade dos meios de comunicação, inclusive em âmbito municipal (donos de rádios e jornais locais são ligados ao poder econômico).

         Junto dos movimentos sociais, é preciso pensar outras formas de comunicação e de identidade visual. Para Roger Pires, a comunicação no âmbito municipal reflete a segregação existente na própria cidade: a representação dos centros é hegemônica, enquanto que as periferias não se apresentam representadas nos grandes veículos: “qual é o Ceará que nós vemos na televisão?”, questionou.

         Mais do que as políticas específicas de comunicação, é preciso ter uma linha de atuação militante, que contribua para a organização popular e faça o enfrentamento com o pensamento e as forças hegemônicas, na direção da ampliação da participação popular. Assim, a comunicação precisa ser feita “a partir do olhar ‘dos de baixo’, como uma ferramenta para educar, para organizar e para politizar o povo”.

    Propostas:

    • wi fi livre e incentivo à produção popular
    • incentivo à distribuição e circulação da produção popular
    • incentivo à comunicação popular, jornais de bairro, rádios comunitárias, produção local
    • comunicação militante com engajamento social

     

    Tema 6: Meio ambiente

    Local: Fortaleza – CE

    Participantes: Márcio Astrini (Greenpeace) e Alexandre Araújo (PBMC – Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas)

         Pensar em outro modelo de desenvolvimento, sustentável e que respeite todas as formas de vida. O Ecossocialismo, ou qualquer outro nome que se queira dar para uma alternativa para além do capitalismo, precisa ser um projeto que supere o capital em dois aspectos: o da desigualdade social e o do colapso ambiental que promove.

          É importante romper com a dicotomia Homem versus Natureza, e compreender que a humanidade é parte integrante da natureza. O planeta Terra deve ser visto como um único organismo com um metabolismo próprio. Entretanto, a ação do homem no planeta, forçada pela atual forma de exploração devastadora, acaba por desequilibrar este metabolismo, comprometendo a sobrevivência de todas as espécies.

         A tarefa que cabe é a de adequar a exploração do planeta com as reais necessidades da humanidade, o que é incompatível com o atual sistema capitalista, uma vez que a superexploração dos recursos naturais, com o aumento da produção de dejetos, contaminação do meio-ambiente e destruição de biomas, se torna cada vez mais aceleradas na busca da produção de capital e sua consequente hiperconcentração. É mais do que urgente se buscar soluções de baixo custo e alta rentabilidade para o conjunto da sociedade, na construção de uma cadeia produtiva baseada na economia criativa e solidária.

    Propostas:

    • Eficiência no gerenciamento dos dejetos
    • Estímulo a soluções criativas de produção com baixo impacto ambiental e alto retorno social
    • Vigilância rigorosa do uso de agrotóxicos e fertilizantes químicos
    • Incentivo a nova matrizes energéticas, como o programa de instalação de placas solares em equipamentos públicos
    • Estímulo à criação de cadeias de produção e circulação de mercadorias, orientadas pela perspectiva da economia solidária

     

    Tema 7: Moradia e mobilidade

    Local: Recife-PE

    Participantes: Lucio Gregori (ex-secretário governo municipal de São Paulo, na gestão de Luiza Erundina), Socorro Leite (ONG Habitat), Leonardo Cisneros (Ocupe Estelita) e Vitor Guimarães (MTST)

         A cidade tem sido alvo do capital para se tornar espaço de valorização, produzindo desigualdades e exclusão social. O direito à cidade foi abordado em torno dos temas da moradia e da mobilidade urbana.

         Socorro Leite, diretora executiva da ONG Habitat para a Humanidade Brasil, destacou  que “o direito à moradia não está à frente da política pública”. Apresentou também uma série de propostas para a inversão das prioridades nesse tema, como a ocupação de imóveis ociosos, recursos locais para moradia, planejamento para a cidade, proteção nas ZEIS, regularização da posse, diversificação soluções habitacionais e, em especial, a participação popular.


         Já Vitor Guimarães, da coordenação nacional do MTST, destacou que “não existe programa habitacional, existe um projeto econômico, pois a crise urbana é um projeto político. Quem é dono da terra é dono da cidade. O Minha Casa Minha Vida não questiona a especulação imobiliária”. Concluiu chamando à luta e à organização popular, destacando que um programa de esquerda deve enfrentar a questão do valor da terra, ampliar e regulamentar o estatuto das cidades e estabelecer comitês democráticos de mediação de conflitos.


         Para falar de mobilidade, o engenheiro Lucio Gregori, que foi secretário de transporte da gestão Luiza Erundina na cidade de São Paulo, apontou que “a luta de classes é no chão das cidades, mais que nas fábricas”. Lembrando que a mobilidade é questão transversal, destacou também a participação popular e concluiu dizendo que “se a cidade fosse nossa a mobilidade seria de todos”.


        Por fim, Leonardo Cisneros, Professor UFRPE e ativista dos Direitos Urbanos – Recife e do Ocupe Estelita, lembrou que “mobilidade é problema político, cujas soluções expressam visões sobre o modelo de cidade. É a democracia direta do capital, que articula investimentos públicos com os interesses privados”. Assim, a questão da transparência e das prioridades é central, garantindo ao povo a capacidade de decidir e não apenas participar de conferências e consultas esvaziadas de poder.

    Propostas:

    • inversão das prioridades. Ocupação de imóveis ociosos, recursos locais para moradia, planejamento para a cidade, proteção nas ZEIS, regularização da posse, diversificação soluções habitacionais e, em especial, a participação popular.
    • enfrentar a questão do valor da terra, ampliar e regulamentar o estatuto das cidades e estabelecer comitês democráticos de mediação de conflitos.
    • transparência e das prioridades é central, garantindo ao povo a capacidade de decidir e não apenas participar de conferências e consultas esvaziadas de poder

     

    Tema 8: Participação popular

    Local: Belém-PA

    Participantes:  Edmilson Rodrigues (deputado federal-PA), Juliano Ximenes (urbanista) e Jurandir Novaes (urbanista)

         A radicalização da democracia, a participação da sociedade e a construção do poder popular são as principais marcas da proposta de governo do PSOL, ao lado da ideia de inversão de prioridades. Somente  com o povo tendo voz ativa nas decisões do governo é que seus interesses serão atendidos. A crise política e o governo golpista de Michel Temer reforçam essa importância, propondo um formato de governo totalmente oposto ao ministério de homens brancos e ricos de Temer.


         Juliano Ximenes falou sobre a importância de se instituir um ativismo comunitário no Brasil como uma medida para melhorar os mecanismos de controle político utilizados pela população. “Tais processos conferem força e diminuem os conflitos da população. O ativismo é um processo necessário e deve estar integrado às políticas para democratizá-las plenamente”, enfatizou. Já Jurandir Novaes complementou a contribuição do arquiteto, Juliano Ximenes, ao dizer que “a participação popular é uma decisão política, que serve para romper a lógica da dominação sobre o povo”.

         Edmilson Rodrigues finalizou o debate, destacando que a falta da participação popular é um dos fatores que contribuiu para o aprofundamento da crise vivida no Brasil e sofrida pela população. “A participação do povo na gestão é o instrumento que deve ser usado para que superemos as crises e para que possamos caminhar rumo a um futuro democrático, sem diferenças na sociedade e que tenha a população como foco”, concluiu.

    Propostas:

    • Ampliar e reforçar as formas de participação popular, através de conselhos, conferências e mecanismos de participação direta nas decisões, bem como reforçar mecanismos de controle social dos gastos e contratos.
    • Descentralizar o governo e estabelecer mecanismos de protagonismo local e popular.

     

    Tema 9: Educação.

    Local: São Paulo-SP

    Participantes: Luiz Araújo (professor UNB e presidente nacional do PSOL), Lisete Arelaro (professora da Faculdade de Educação da USP) e Sylvie Klein (pesquisadora), com comentários de Paula Coradi (professora)

         Para o PSOL, é central a defesa da educação pública, gratuita e de qualidade para todas e todos. A efetivação desse direito depende das prioridades e opções do governo. Luiz Araújo, professor da UNB e presidente nacional do PSOL, contou que no governo de Belém, quando foi secretário de Educação, “o Edmilson reuniu lá no palácio do governo a equipe que trabalhava comigo na secretaria e fez a seguinte pergunta: de tudo que vocês estão fazendo ou estão planejando fazer, o que a direita não faria?”.

         Para a esquerda socialista são três tarefas: a) garantir o acesso universal aos direitos sociais, o que envolve a inversão de prioridades e a “disputa do fundo público com outras prioridades”; b) fazer uma disputa de valores pela herança imaterial de concepções, o que implica em “empoderar a população”; e c) radicalizar a participação popular , “abrir os dados e discutir a sua composição e capacitar a população a discutir isso e decidir de forma inclusive diferente”.

         Já a professora Lisete Arelaro, professora da Faculdade de Educação da USP, começou lembrando que “nós estamos em tese numa democracia, e efetivamente a gestão democrática foi para as cucuias”. E que a preocupação com os números de matriculados precisa ser balizada pela qualidade. E como faz pra melhorar a qualidade? “Querido, se tiver uma jornada digna para o professor e ele ganhar um salário minimamente decente, surpresa, dá certo a escola, em geral”.

         Sobre a educação de jovens e adultos e a alfabetização no país, Lisete lembrou da enorme dívida social, do alto número de analfabetos e de adultos que não passaram do ensino fundamental ou médio: “ Porque ele pensa: eu trabalho nove horas, 14h eu estou aqui, duas horas para voltar, se eu ainda for estudar três horas e meia, quatro, tem que valer muito à pena”.

          Finalizando o debate, a pesquisadora Sylvie Klein falou sobre educação infantil, que é uma das responsabilidades dos municípios. Para ela, “a creche e a educação infantil, é um direito das crianças, é um direito que as crianças têm de estarem num espaço público, que as crianças têm de estarem num espaço coletivo, um espaço entre pares, que ela saia daquele núcleo que é caminhar, que é o espaço do privado, para estar nesse lugar”. Aqui, o desafio é o acesso com qualidade: “Se é direito das crianças, de todas as crianças, ela é um dever do estado, e aí o estado tem que se responsabilizar por esse atendimento. E o que a gente tem visto é uma desresponsabilização do estado via política de conveniamento”.

    Propostas:

    • Fim das matrículas da educação infantil nas entidades conveniadas e progressiva retomada da prefeitura
    • Limite de alunos por sala de aula definido por critérios pedagógicos
    • Ampliação dos programas de alfabetização de Jovens e Adultos
    • Valorização do professor e ampliação dos mecanismos de participação social nas escolas
  • O legado revolucionário de Fidel Castro

    O legado revolucionário de Fidel Castro

    por Juliano Medeiros*

     

       Fidel Castro não é apenas o principal líder de uma das mais extraordinárias páginas da história universal – a Revolução Cubana – ou o longevo líder de um povo que resiste há quase sete décadas às investidas do imperialismo contra sua liberdade. Fidel é o símbolo de um tempo: o tempo em que homens e mulheres enfrentavam corajosamente a morte em busca da liberdade, como fizeram antes dele Martí e Bolívar, como fizeram depois dele milhares de revolucionários em todo o mundo. Mas Fidel é também um homem do nosso tempo. O século XXI é pródigo naquilo que as enciclopédias antigamente chamavam de “vultos da humanidade”. E Fidel é um dos poucos nomes da envergadura de nomes como Lenin, Mao Tsé Tung, Ho Chi Min, Mandela e Gandhi, que chegaram aos dias de hoje.

       Neste 13 de agosto Fidel Castro completa 90 anos. E diante desta data extraordinária para qualquer ser humano, estive pensando, nos últimos dias, que tipo celebração a data mereceria. Já li muito sobre Fidel e aprendi a admirá-lo desde meus primeiros dias de militância política. Mas se tratando do líder cubano, sempre há formas de nos surpreender. Buscando algumas declarações recentes de Fidel, me deparei com seu breve discurso na sessão de encerramento do VII Congresso do Partido Comunista de Cuba. Nele, do alto de seus quase 90 anos, Fidel reafirma seu compromisso histórico com o socialismo, a revolução e a luta contra as opressões. Quantos chegaram a essa altura da vida sem renegar tais compromissos? Quantos não teriam deixado se levar pelo caminho fácil da conciliação? Quantos não teriam se curvado ante as promessas do inimigo?

       Em seu discurso, Fidel lembrou o lugar da história na luta pela transformação. Citou os exemplos dos pais da luta contra o imperialismo em Cuba: Maceo, Gómez e Martí. Com eles Fidel conclamou a revolução cubana a “melhorar com a máxima lealdade e força unida”. Citou, ainda, Lenin. E afirmou que seria inimaginável ver a obra do grande revolucionário de outubro ultrajada setenta anos depois, numa referência à restauração capitalista na Rússia no início dos anos 90. Mais do que isso, disse que “não devem transcorrer outros 70 anos para que ocorra outro evento como a Revolução Russa, para que a humanidade tenha outro exemplo de uma grande Revolução Social”, numa clara exortação à revolução como direito inalienável dos povos, tal como defendera em 1953 durante sua defesa no tribunal que o processara pelo fracassado assalto ao Quartel Moncada.

       Mas seu discurso não foi uma ode ao passado. Fidel dispensou uma atenção especial ao presente e ao futuro. Ele mencionou a necessidade da humanidade repensar sua relação com a natureza, sem a qual todos estaremos condenados à aniquilação. Peguntou Fidel: “como alimentar os milhares de milhões de seres humanos cujas realidades inevitavelmente colidem com os limites para a água e os recursos naturais que necessitam?” Ora, do alto de seus 90 anos, o líder da revolução cubana não deixa de adicionar preocupações a seu repertório.

       Estas palavras demonstram a grandeza de Fidel, que segue reafirmando sua fé na humanidade, na revolução e no marxismo. Por isso considero Fidel Castro um exemplo de revolucionário: nunca cedeu às tentações do voluntarismo ou da conciliação, como fizeram muitos outros líderes políticos de seu tempo; manteve a unidade do povo e da revolução através do exemplo revolucionário; apoiou a luta dos oprimidos em todos os continentes, mesmo sendo Cuba uma pobre ilha que teve que reorganizar completamente seu sistema econômico depois da revolução; apostou na transformação cultural do povo para construir o que Guevara chamou de “o novo homem e a nova mulher”; não se curvou jamais aos ditames do imperialismo e seus aliados; lutou pela paz mundial sem abrir mão da defesa ao direito inalienável dos povos à insurgência contra seus governos; construiu um modelo socialista que, apesar de suas limitações, alcançou conquistas inimagináveis. É claro que Fidel não é perfeito e, como qualquer líder político, cometeu seus erros. Mas até nisso ele é diferente de outros revolucionários: a autocrítica é uma de suas marcas mais impressionantes, que o diferencia não só de outros líderes mundiais, mas da maioria dos seres humanos.

       Ser “castrista” no século XXI, portanto, não significa defender a tomada do poder por uma pequena guerrilha mal equipada e inexperiente, mas cheia de disposição revolucionária e idealismo. Ser castrista significa, ao contrário, compartilhar dos valores da solidariedade internacional, da paz mundial, da luta pela construção de uma cultura de fraternidade. Ser castrista é acreditar na revolução como um processo historicamente possível, é ser radicalmente anti-imperialista, é buscar uma visão crítica dos demais processos revolucionários sem julgá-los. Ser castrista é reconhecer que o processo iniciado por Fidel e seus camaradas em Cuba é parte de um movimento continental que ainda não se concluiu historicamente e do qual todos os socialistas latino-americanos fazem parte, gostem ou não.

       Como escreveu Florestan Fernandes, pela passagem do 25º aniversário do triunfo revolucionário liderado pelos homens e mulheres do Movimento 26 de Julho: “A revolução cubana desvenda o futuro da América Latina. Uma nova civilização já começou a ser criada, em uma sociedade nova e por homens novos, libertos das servidões do colonialismo e do neocolonialismo. O que está em jogo não é mais o que se imaginou, na década de sessenta, ser a ‘via cubana’ para a revolução e o socialismo – a guerrilha. Após vinte e cinco anos de vitória e aprofundamento da revolução, Cuba dá uma lição de humildade, de firmeza e de determinação, inclusive que a revolução possui vários caminhos na América Latina. (…) Ela é um dos países socialistas mais autênticos e o único que imprimiu vida estuante própria ao princípio da liberdade igualitária”. Não por acaso o artigo de Florestan Fernandes levou o título de 25 anos de castrismo. A extraordinária obra a qual o grande sociólogo brasileiro se refere não é mérito de Fidel Castro, mas de todo o povo cubano. No entanto, ela dificilmente teria chegado tão longe sem a determinação, a firmeza e o compromisso revolucionário de Fidel Castro. Por isso ele é, sem sombra de dúvidas, o maior revolucionário americano do século XX e merece todas as homenagens na passagem de seus 90 anos.

     

    *Presidente da Fundação Lauro Campos e dirigente do PSOL.

  • Bolsos cheios com a indústria armamentista

    Bolsos cheios com a indústria armamentista

    ArmasEUAA indústria e a comercialização de armas volta a ser um dos negócios mais rentáveis e prometedores, depois de deixar atrás a leve queda de 2012, quando houve um retrocesso de 91% na despesa militar mundial.

    Um recente relatório do Instituto Internacional de Estudos para a Paz de Estocolmo (Sipri) indica que o comércio mundial de armas convencionais aumentou 14% entre 2011 e 2015 em relação aos cinco anos anteriores e que os Estados Unidos reafirmaram sua supremacia como principal exportador mundial.

    O texto também informa sobre o aumento das compras na Ásia, Oceania e no Oriente Médio, com a Índia, a Arábia Saudita e a China como maiores importadores nos últimos cinco anos.

    “Com o aumento dos conflitos e tensões regionais, os Estados Unidos mantêm sua condição de provedor líder de armas no nível global com uma margem clara”, afirmou a diretora do programa de despesa militar da instituição sueca, Aude Fleurant.

    Nesse sentido, apontou que o país do norte forneceu armas a pelo menos 96 países nos últimos cinco anos, com a Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos como principais destinatários.

    Northrop Grumman, BAE Systems, Raytheon, Boeing Defense, Almaz Antei, Airbus e outros grandes fabricantes de armas registram novos recordes de vendas, enquanto continuam as fusões e aquisições que dão lugar a impérios cada vez mais influentes no topo de órgãos internacionais, governos, bancos e meios de comunicação de todo o mundo.

    As vitórias da indústria da guerra são um segredo a poucas vozes. Mas, em que baseia seu triunfo?

    O setor de armas é especial e se rege por normas diferentes às das demais indústrias. Os fabricantes de armas são entidades privadas – ainda que algumas contam com participação estatal – que comercializam quase toda sua produção com governos do mundo inteiro.

    Essas corporações atuam de mãos dadas com o Estado ao desenhar, produzir e exportar, já que o orçamento público financia a maioria dos projetos de inovação militar que criam tecnologias cada vez mais mortais.

    É um negócio redondo no qual o dinheiro público serve, ao mesmo tempo, para financiar o desenho e a compra de aviões, fragatas, fuzis e tanques.

    “A indústria pede reiteradamente o apoio governamental para poder vender fora”, reconhece Eva Cervera, diretora do Grupo Edefa, o maior meio de comunicação em idioma espanhol especializado em Defesa.

    Por exemplo, a estadunidense Lockheed Martin, maior fabricante mundial de armamento, movimenta a cada ano mais de 34 bilhões de euros, cifra superior ao Produto Interno Bruto (PIB) de 97 países e cinco vezes o orçamento das Nações Unidas para missões de paz.

    Neste negócio próspero, também se destaca o fato de inclusive países com grandes problemas econômicos investirem em armas, como é o caso da Grécia.

    Pouco antes de receber o primeiro resgate em 2010, o governo alemão ativou uma linha de financiamento especial para que as autoridades gregas pudessem pagar seus pedidos de armamento ‘made in Germany.

    A Alemanha, um dos países que mais pressão exerceu para que Atenas aplicasse duros cortes e medidas de austeridade, é o principal provedor de armas com destino ao país heleno, que dedica quatro porcento de seu PIB a objetivos militares.

    Outro detalhe significativo é a relação entre indústria armamentista e política: Nos Estados Unidos, as doações feitas por empresas militares a campanhas eleitorais são vitais para chegar à Casa Branca.

    Em 2013, os fabricantes de armas desembolsaram mais de 137 milhões de dólares para cair na graça dos congressistas estadunidenses, segundo o Centro para Políticas Responsáveis, com sede em Washington.

    A indústria da morte, como é qualificada por diversas organizações não governamentais (ONGs), também tira proveito dos milionários projetos de reconstrução pós-guerra, por isso algumas consultoras já preveem novos conflitos relacionados à mudança climática e à escassez de água e alimentos, e um suposto recorde nas vendas militares durante 2016.

    DADOS E OPINIÕES PREOCUPANTES

    Small Arms Survey, uma organização suíça que é referência internacional de grande destaque neste terreno, propõe que o mercado legal entre os Estados e o crime muitas vezes são as duas caras de uma mesma moeda, ao encobrir as vendas para grupos insurgentes ou proporcionando armas a regimes que violam claramente os direitos humanos.

    A Organização das Nações Unidas estima em mais de 400 bilhões de dólares o impacto econômico devido a mortes causadas por armas em todo o mundo.

    Sobre este tema, afirma que o armamento convencional de todo tipo (desde munição até tanques) move por ano cifras superiores a 85 bilhões de dólares no comércio entre países.

    Dessa quantidade, Small Arms Survey calcula em algo mais de 10 bilhões de dólares anuais o valor do comércio de armas pequenas e seus diversos componentes. A principal rubrica de despesas é destinada a munições, que representam um volume de cerca de 4,27 bilhões.

    Essa entidade também aponta que os cinco principais exportadores de armas leves são Estados Unidos, Itália, Alemanha, Brasil e Áustria. Cada um destes países exporta pelo menos 100 milhões de dólares anuais.

    Os principais importadores são Estados Unidos, Canadá, Alemanha, Austrália, França e Reino Unido, de acordo com informações do Escritório de Assuntos de Desarmamento das Nações Unidas, que estima que entre 40 e 60% do comércio de armas pequenas no mundo é ilícito.

    ESFORÇOS INFRUTÍFEROS

    Em abril de 2013, a Assembleia Geral da ONU aprovou o Tratado sobre o Comércio de Armas (TCA) com 154 votos a favor, três contra e 23 abstenções, que entrou em vigor no final de dezembro de 2014.

    De todos os países assinantes, até o momento só foi ratificado por 64, entre os quais não consta os Estados Unidos, país responsável por um terço das exportações militares mundiais e que conta com 88 armas por 100 cada habitantes.

    O acordo estabelece uma série de mecanismos para controlar o comércio. Por exemplo, as nações vendedoras revisarão todos os contratos de armamento para garantir que as armas não sejam destinadas a países submetidos a embargos ou que violam direitos humanos.

    Seu objetivo é conseguir um melhor monitoramento do destino de todo material militar, procura delimitar claramente as condições para outorgar licenças de exportação e garantir que as armas não sejam utilizadas contra a população civil.

    Importantes vozes o criticam por representar um lobby armamentista, enquanto outras consideram que pode limitar a política exterior da Casa Branca.

    A aprovação deste tratado foi uma longa batalha da sociedade civil e de diversas ONGs, como a Oxfam Internacional, que vem lutando por mais de uma década para que a comunidade internacional controle esse comércio.

    Mas, serve para que? Quando no Oriente Médio, por exemplo, certos Estados armam outros e grupos rebeldes cometem atrocidades contra a população civil?

    “Pela primeira vez, existe um instrumento internacional que é juridicamente vinculante e que obriga os países exportadores de armas a realizar uma avaliação antes de autorizar as vendas. E terão que respeitar os critérios fixados pelo TCA”, afirma Marc Finaud, especialista em desarmamento do Centro de Política de Segurança que promove a paz, a segurança e o desarmamento.

    Os critérios plasmados no TCA se sustentam no direito internacional humanitário, na Carta das Nações Unidas e na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

    Não obstante, o objetivo de responsabilizar os agentes pelo comércio ilegal e impedir a venda de armas destinadas a grupos terroristas e ao crime organizado tem sido infrutífero até o momento.

    Por armas, o TCA entende que pistolas são iguais a mísseis, lança-mísseis, naves de guerra, tanques, peças de artilharia de grande calibre, aviões de combate, entre outros.

    Seu texto proíbe claramente que os governos utilizem qualquer armamento para levar a cabo genocídios, crimes de guerra ou contra a humanidade, e desses o mundo está cheio. A não ser que proliferem no futuro as zonas de paz, como a região da América Latina e Caribe se proclamou na II Cúpula de Estados Latino-americanos e Caribenhos (CELAC), realizada em Havana em 2014.

    Cira Rodríguez César é chefe da Redação de Economia de Prensa Latina

  • Bernie Sanders instala uma revolução política nas eleições dos Estados Unidos

    Bernie Sanders instala uma revolução política nas eleições dos Estados Unidos

    Bernie Sanders
    Bernie Sanders

    O movimento “Ocupe Wall Street” (Occupy Wall Street) surgiu em 2011 com manifestações ruidosas em centenas de cidades dos EUA.

    Nelas o povo denunciava o controle da política e da economia pelos 1% mais ricos. Espalhando-se pelo país e chegando até o exterior, o movimento dava voz aos 99% mais pobres, à maioria da população, portanto, que num regime democrático é quem deveria governar.

    No entanto, através de suas manipulações, o poder estaria nas mãos da minoria, dos 1% mais ricos, que impunham leis para os favorecer, mesmo prejudicando os 99%.

    O Occuppy não durou mais do que alguns anos, mas deixou raízes que começaram a dar frutos nas prévias eleitorais do estado de New Hampshire.

    Foi quando o candidato socialista anti-establishment, Bernie Sanders, derrotou a favorita, Hillary Clinton, que contava com imagem sólida, o apoio da máquina partidária dos democratas e vastos recursos providos por grandes empresas.

    Quando Sanders lançou sua candidatura, a grande mídia considerou uma piada. Para o povo norte-americano socialismo seria algo semelhante a comunismo. Um candidato que ousasse se dizer socialista estaria praticando suicídio.

    Além disso, quem era ele para pretender disputar contra Hillary Clinton, a candidata lógica à sucessão de Obama? Um senador com muito prestígio entre os jornalistas que cobriam o Legislativo, mas desconhecido pelo grande público.

    Poucos sabiam que ele fora dos raros políticos que votaram contra a guerra do Iraque; contra o aumento de tropas no Afeganistão; contra as isenções de impostos aos ricos, do governo Bush; condenara os excessos de Israel na Guerra de Gaza, entre outras posições consideradas radicais.

    Mas o socialismo de Sanders não assustava muito. Ele jamais falou em socialização de empresas ou desapropriações.

    Focou sua campanha no combate às desigualdades sociais, defendendo leis que reduzissem os lucros das grandes empresas e melhorassem a vida da população.

    Prometeu garantir universidade grátis para todos, num país onde cursar uma faculdade tem um custo extremamente alto.

    Favorável ao OBAMACARE, Sanders o considera incompleto (deixa de fora os imigrantes ilegais). Daí seu projeto de saúde pública gratuita para todos.

    Taxação das grandes fortunas, dobrar o valor do salário-mínimo, sair da Síria e do Afeganistão e investir maciçamente em infraestrutura para gerar 13 milhões de empregos são outras propostas do candidato socialista.

    As ideias de Sanders foram desqualificadas pelos adversários que as taxaram de fantasias irrealizáveis.

    Mas foram levadas a sério por um número crescente de pessoas que compareciam às apresentações do senador.

    Sua posição nas pesquisas, que começou insignificante, cresceu continuamente. Ele passou a preocupar os responsáveis pela candidatura de Hillary Clinton. Especialmente nas prévias de New Hampshire, vencidas pelo candidato socialista.

    E olhe que, nas prévias da eleição passada, Hillary Clinton derrotou Obama nesse estado.

    A vitória de Bernie Sanders faz supor que algo está mudando nos EUA.

    As pesquisas mostram que a maioria dos jovens é favorável a ele. A consciência despertada pelos jovens do Occupy Wall Street, de que chegou a hora de mudar um sistema injusto, parece ter se espalhado pelas universidades de todo o território dos EUA.

    Por sua vez, a classe média, sempre dócil às manipulações dos políticos de sempre, começa a expressar revolta.

    Ela empobreceu com a crise. Obama salvou os bancos, mas não seus clientes, que viram seu padrão de vida desabar.

    O tamanho dessa revolta foi medido em estudo realizado por pesquisadores que atuaram nas campanhas dos dois partidos, o Project Smith.

    Seus resultados refletem as mudanças radicais que estão acontecendo na América.

    Conheça alguns deles:

    – 72% de todos os norte-americanos acreditam que as razões pelas quais as famílias não tiveram sua condição econômica melhorada e o crescimento econômico do país está parado são a corrupção e o “capitalismo de clientela” em Washington;

    – 75% acreditam que poderosos interesses usam campanhas e dinheiros dos lobbies para fraudar o sistema em seu benefício;

    – Para 84% os líderes políticos estão mais interessados em proteger seus poderes e privilégios do que em fazer o correto;

    – 78% acreditam que os partidos Democrata e Republicano são incapazes de promover mudanças porque ambos estão excessivamente focados nos interesses próprios;

    – 80% acreditam que o governo federal tem como interesse principal cuidar de si;

    – 75% acreditam que o governo federal não está trabalhando a favor dos interesses do povo.

    Este quadro explica por si porque Bernie Sanders derrotou a poderosa Hillary Clinton em New Hampshire, considerado um dos estados mais politizados dos EUA.

    Ao lado da descrença total nos políticos e nas instituições de governo, está latente o desejo por novas ideias e novos líderes independentes.

    Sanders se enquadra perfeitamente nessas exigências. Que suas ideias são novas, é incontestável.

    E ele é um político independente. Sempre foi. Somente filiou-se ao Partido Democrata para concorrer às eleições deste ano.

    Apesar de encarnar os desejos do povo, tem poucas chances de sua candidatura conquistar a presidente dos EUA pelos democratas.

    Hillary Clinton é uma adversária extremamente poderosa. Ela lidera as pesquisas nacionais. Há cerca de 10 anos é vista com admiração por amplos setores da opinião pública.

    Sua imagem de honestidade e eficiência está firmemente estabelecida. Já ao socialista, embora com prestígio em ascensão, faltam apoios regionais de figuras de peso.

    Mais do que isso, Sanders não tem o que Hillary Clinton tem de sobra: vastos recursos fornecidos pelas grandes empresas à sua campanha e quase toda a burocracia partidária.

    Por fim, regulamentos internos do Partido Democrata parecem ter sido feitos sob medida para torpedear a candidatura Sanders.

    Na decisão de escolha do candidato democrata, votam 4.700 elementos escolhidos pelos estados.

    Mesmo que Sanders obtenha a maioria, pode acabar perdendo.

    Regra profundamente antidemocrática do partido dá poder de voto a 700 deputados, senadores e líderes locais – aos donos do partido, enfim.

    A maioria desse pessoal é por Hillary Clinton que, afinal, é um deles. A última pesquisa mostrou uma vantagem de 355 x 14 para ela.

    É claro que, se a vantagem por Sanders nas prévias estaduais for marcante e existir uma onda nacional em seu favor, esse políticos profissionais podem acabar votando nele – afinal há eleições legislativas junto com as presidenciais e não convém desgostar o público.

    Seja como for, Bernie Sanders já ficou como um marco no processo de conscientização do eleitorado estadunidense.

    Poderia se dizer que o Occupy Wall Street lançou algumas sementes, que adicionadas ao desastre causado pelo establishment na grande crise ajudaram o povo a abrir os olhos. E começar a agir.

    Luiz Eça é jornalista

    Fonte: Correio da Cidadania, 16 de fevereiro de 2016

  • Piketty: Sanders desafia a Era da Desigualdade

    Piketty: Sanders desafia a Era da Desigualdade

    Crescimento, nos EUA, do candidato que quer redistribuir riqueza terá repercussão global: ele mostra que é possível reagir à aristocracia financeira

    Houve, nos EUA, uma tradição hoje ignorada: impostos progressivos, com alíquotas de até 91% para os mais ricos. Ao evocá-la, num país em crise, Sanders atrai cada vez mais apoio
    Houve, nos EUA, uma tradição hoje ignorada: impostos progressivos, com alíquotas de até 91% para os mais ricos. Ao evocá-la, num país em crise, Sanders atrai cada vez mais apoio

    Como podemos interpretar o incrível sucesso do candidato “socialista” Bernie Sanders nas primárias dos EUA? O senador de Vermont está agora à frente de Hillary Clinton entre eleitores de tendência democrata com menos de 50 anos de idade, e é apenas graças à geração mais velha que Clinton consegue manter-se à frente nas pesquisas.

    Sanders pode não vencer a competição, por estar enfrentando a máquina dos Clinton, assim como o conservadorismo da velha mídia. Mas já foi demonstrado que um outro Sanders – possivelmente mais jovem e menos branco – poderia num futuro próximo vencer as eleições presidenciais e mudar a fisionomia do país. Em vários aspectos, estamos testemunhando o fim do ciclo político-ideológico iniciado com a vitória de Ronald Reagan nas eleições de 1980.

    Vamos dar uma olhada pra trás, por um instante. Dos anos 1930 aos 1970, os Estados Unidos estiveram na vanguarda de uma série de ambiciosas políticas com o objetivo de reduzir as desigualdades sociais. Em parte para evitar qualquer semelhança com a Velha Europa, vista então como extremamente desigual e contrária ao espírito democrático norte-americano, o país inventou no entre-guerras uma tributação altamente progressiva sobre a renda e o patrimônio, e instituiu níveis de progressividade nunca utilizados no outro lado do Atlântico. De 1930 a 1980 – durante meio século – o percentual para a tributação da renda mais alta dos EUA (acima de 1 milhão de dólares anuais) era em média de 82%. Chegou a 91% entre os anos 1940 e 1960 (de Roosevelt a Kennedy); e era ainda de 70% quando da eleição de Reagan, em 1980.

    Essa política não afetou, de forma alguma, o forte crescimento da economia norte-americana do pós-guerra. Certamente, porque não faz muito sentido pagar a super gestores 10 milhões de dólares, quando US$ 1 milhão dá conta. Os impostos sobre patrimônio eram igualmente progressivos. As alíquotas chegaram a 70% a 80% sobre as maiores fortunas durante décadas (elas quase nunca excederam 30% a 40%, na Alemanha ou na França) e reduziram enormemente a concentração do capital norte-americano, sem a destruição e as guerras que a Europa teve de enfrentar.

    A restauração de um capitalismo mítico

    Nos anos 1930, muito antes dos países da Europa, os EUA instituíram um salário mínimo federal. No fim dos anos 1960 valia 10 dólares a hora (no valor do dólar em 2016), de longe o mais alto naqueles tempos.

    Tudo isso foi obtido quase sem desemprego, pois tanto o nível de produtividade quanto o sistema educacional possibilitavam. Esse é também o período em que os EUA finalmente colocam um fim na antidemocrática discriminação racial legal ainda em vigor no Sul, e lançam novas políticas sociais.

    Toda essa mudança detonou uma oposição musculosa, particularmente entre as elites financeiras e os setores reacionários do eleitorado branco. Humilhados no Vietnã, os EUA dos anos 1970 estavam mais preocupados com o fato de que os derrotados da Segunda Guerra Mundial (liderados pela Alemanha e pelo Japão) ganhavam terreno em alta velocidade. Os EUA sofreram inclusive com crise do petróleo, a inflação e a sub-indexação das tabelas dos impostos. Surfando nas ondas de todas essas frustrações, Reagan foi eleito em 1980 com um programa cujo objetivo era restaurar o capitalismo mítico existente no passado.

    O ápice deste novo programa foi a reforma fiscal de 1986, que pôs fim a meio século de um sistema de impostos progressivos e reduziu a 28% a alíquota sobre as rendas mais altas.

    Os democratas nunca desafiaram de fato essa escolha, nos anos dos governos Clinton (1992-2000) e Obama (2008-2016), que estabilizaram a alíquota de impostos em cerca de 40% (duas vezes mais baixa do que o nível médio no período 1930-1980). Isso detonou uma explosão de desigualdade, ao lado de salários incrivelmente altos para aqueles que podiam consegui-los, e uma estagnação da renda para a maioria dos norte-americanos. Tudo isso foi acompanhado de baixo crescimento (num nível ainda pouco mais alto que o da Europa, lembremos, pois o Velho Mundo encontrava-se atolado em outros problemas).

    Uma possível agenda progressista

    Reagan decidiu também congelar o valor do salário mínimo federal, que desde 1980 foi sendo lenta, porém seguramente corroído pela inflação (pouco mais de 7 dólares por hora em 2016, contra perto de 11 dólares em 1969). Também nesse caso, esse novo regime político-ideológico foi apenas mitigado nos anos Clinton e Obama.

    O sucesso de Sanders, hoje, mostra que a maioria dos norte-americanos está cansada do aumento da desigualdade e dessas falsas mudanças políticas, e pretende reviver tanto uma agenda progressista quanto a tradição norte-americana de igualitarismo. Hillary Clinton, que posicionou-se à esquerda de Barack Obama em 2008, em questões como seguro de saúde, aparece agora como defensora do status quo, como apenas mais uma herdeira do regime politico de Reagan-Clinton-Obama.

    Sanders deixa claro que deseja restaurar a progressividade dos impostos e aumentar o salário mínimo (para 15 dólares por hora). A isso acrescenta assistência de saúde e educação universitária gratuitas, num país onde a desigualdade no acesso à educação alcançou níveis sem precedentes, e destacando assim o abismo permanente que separa as vidas da maioria dos norte-americanos dos tranquilizadores discursos meritocráticos pronunciados pelos vencedores do sistema.

    Enquanto isso, o Partido Republicano afunda-se num discurso hiper-nacionalista, anti-imigrante e anti-Islã (ainda que o Islã não seja uma grande força religiosa no país) e o enaltecimento sem limites da fortuna acumulada pelos brancos ultra-ricos. Os juízes nomeados sob Reagan e Bush derrubaram qualquer limitação legal da influência do dinheiro privado na política, o que dificulta muito a tarefa de candidatos como Sanders.

    Contudo, outras formas de mobilização política e crowdfunding podem prevalecer e empurrar os Estados Unidos para um novo ciclo político. Estamos longe das tétricas profecias sobre o fim da história.

    Tradução: Inês Castilho

    Fonte: Outras Palavras, 17/02/2016

    pikettyThomas Piketty (Clichy, 7 de maio de 1971) é um economista francês que se tornou figura de destaque no meio acadêmico internacional com seu livro “O Capital no século XXI” (2013), no qual defende, através da análise de dados estatísticos, que o capitalismo possui uma tendência inerente de concentração de riqueza nas mãos de poucos. Sua obra mostra que, nos países desenvolvidos, a taxa de acumulação de renda é maior do que as taxas de crescimento econômico. Segundo Piketty, tal tendência é uma ameaça à democracia e deve ser combatida através da taxação de fortunas.

  • Sylvia Rivera: Ela foi mais do que Stonewall

    Sylvia Rivera: Ela foi mais do que Stonewall

    Sylvia Rivera é amplamente reconhecida pelo atirar do primeiro sapato (ou garrafa, cocktail Molotov, etc) em Stonewall. Contudo, como a maioria das grandes figuras da história, Sylvia foi uma verdadeira revolucionária da justiça social.

    Sylvia Rivera e Marsha P Johnson com cartaz a dizer “poder para as pessoas”.
    Sylvia Rivera e Marsha P Johnson com cartaz a dizer “poder para as pessoas”.

    Quando o nome Sylvia Rivera é mencionado, um dos primeiros pensamentos, comentários ou reflexões que se tem é, sem dúvida, que “Sylvia é amplamente reconhecida pelo atirar do primeiro sapato (ou, dependendo das recordações, a primeira ou a segunda garrafa, cocktail Molotov, etc) em Stonewall.”

    A partir desse ponto, a memória e análise de Sylvia é fortemente influenciada por este momento pivot na história queer. Muito pouco daquilo que é recordado, falado ou escrito sobre Sylvia se desvia muito do seu envolvimento em Stonewall e no movimento LGBT de condução predominantemente branca e de classe média que se lhe sucedeu.

    E, tristemente, mesmo no interior da comunidade Trans* à qual Sylvia dedicou a sua vida, ela é essencialmente branqueada, junto com a marginalização ou mesmo total omissão das suas políticas radicais.

    Contudo, como a maioria das grandes figuras da história, Sylvia foi uma verdadeira revolucionária da justiça social, se não insurrecta, uma figura cuja vida, ideias, ações e palavras abarcavam uma essência interseccional.

    Em 2007, um artigo de Jessi Gan no Centro Journal tinha por título “Ainda na parte detrás do autocarro”: A luta de Sylvia Rivera é um dos poucos artigos que critica a memória de Sylvia Rivera por muitos escritores à luz da sua clara omissão da interseccionalidade de Sylvia. Sylvia permaneceu predominantemente uma figura desconhecida – apesar disso, o seu ativismo, os seus escritos e a sua influência dentro do movimento “gay e lésbico” de Nova Iorque do final dos anos 60 e início dos 70, embora breves, foram de grande influência.

    Foi só com a publicação de Stonewall, de Martin Dubermans, que o seu papel nos motins de Stonewall se tornou amplamente conhecido. E, não muito depois disto, Sylvia ressurgiu no meio nova-iorquino com a sua revolta e paixão inatas, lutando ruidosamente pela juventude queer sem-abrigo e pelas pessoas Trans* não-brancas, até à sua prematura morte, em Fevereiro de 2002.

    No entanto, mesmo após a sua morte, os nomes Sylvia Rivera e Stonewall estavam tão interligados que muito do seu trabalho revolucionário pela justiça social nunca foi reconhecido.

    Felizmente, devido à extensa pesquisa e subsequente publicação de The Gay Liberation Movement in New York (O Movimento de Libertação Gay em Nova Iorque), Stephan L. Cohen coloca em contexto um retrato de Sylvia que vai muito para além de Stonewall e nos permite um relance sobre a sua vida e as suas ações através de um excelente tratado em S.T.A.R. (Street Transvestite Action Revolutionaries – Travestis de Rua em Acção Revolucionária). Com o surgimento das políticas Transgénero durante os anos 1990, Sylvia tornou-se na matriarca deste movimento ressurgente.

    Porém, a sua envergadura neste movimento foi antes de mais devida ao seu documentado papel nos motins de Stonewall, o que foi utilizado por bastantes ativistas trans* para exigirem um assento no movimento gay e lésbico e a inclusão das pessoas transgénero nas organizações e lutas pelos direitos civis gays e lésbicas existentes.

    Contudo, regressando à análise de Jessi Gan, reproduzo o excerto abaixo, que vai ao coração do facto de Sylvia ter sido muito mais do que Stonewall. De facto, os alicerces da rebelião de Stonewall reflectem mais as questões raciais e de classe enfrentadas pela juventude queer sem-abrigo do que a visão tradicionalmente abraçada que permitiu a gays e lésbicas branc*s de classe média verem-se a si mesm*s como resistentes e radicais.

    “… tal como “gay” tinha excluído “transgénero” no imaginário de Stonewall, a alegação de que “também houve pessoas transgénero em Stonewall” possibilitou as suas próprias omissões de diferença e hierarquia dentro do termo “transgénero”. Rivera era pobre e latina, enquanto algum*s ativistas trans* que fizeram reivindicações políticas com base na sua história eram branc*s e de classe média. Ela foi louvada por se tornar visível como trans*, enquanto a sua visibilidade racial e de classe era simultaneamente oculta.

    Alguns projetos de recuperação oleados pela memória de Rivera – no seu esquecimento simultâneo das lógicas supremacista branca e capitalista que construíram a sua alteridade racializada e de classe – serviram para unificar as políticas transgénero em torno de um eixo genderizado. As omissões permitiram a* ativista trans* Leslie Feinberg, no seu livro Trans Liberation (Libertação Trans), invocar uma ampla coligação de pessoas unidas exclusivamente por um desejo político de levar o género “para lá do azul ou rosa.”

    Esta abordagem pluralista celebrou a luta de Rivera como um “rosto” num mar de rostos do “movimento trans”. Da mesma forma, a antologia “Gender Queer: Voices from Beyond the Sexual Binary” (Vozes de além do Binarismo Sexual), apelou a um “movimento de género” que garantiria a “igualdade plena para tod*s *s american*s, independentemente do género.” A inclusão da história de vida de Rivera na perspectiva Gender Queer, largamente branca, uma “diversidade”multicultural e auteticidade histórica para a juventude, identidade unitária não marcada racialmente,“genderqueer”, emergida do ambiente universitário de classe média.

    Mas a supressão da intersecionalidade em nome da fabricação de mitos unitários serviu para reinscrever outros mitos. O mito de que toda a opressão trans* é igual deixou o capitalismo e a supremacia branca por desafiar, excluindo frequentemente alinhamentos unitários não ancorados na análise de género e permitindo simultaneamente às pessoas transgénero evitarem considerar a sua cumplicidade na manutenção de sistemas de opressão simultâneos e entrelaçados.

    Rivera é, para além disso, profundamente importante numa historiografia Latina, transgénero e queer na qual as histórias das pessoas transgénero não-brancas são poucas e distanciadas. (…) Eu gostaria, no entanto, de concluir com o seguinte excerto de Cathy Cohen, como detalhado no grande artigo de Jessi Gan sobre Sylvia no Centro Journal. A cientista política Cathy Cohen sugeriu que as políticas queer falharam, não estando à altura da sua promessa inicial de transformação radical da sociedade. Mais do que libertar de sistemas de opressão, Cohen diz que a agenda queer procurou a assimilação e a integração nas instituições dominantes que perpetuaram esses sistemas. Agarrando-se a um único modelo de opressão que divide o mundo em “hetero”e“queer” e insiste que *s hetero oprimem enquanto *s queer são oprimid*s, as políticas queer negligenciaram a análise de como “o poder informa e constitui sujeitos privilegiados e marginalizados em ambos os lados desta dicotomia.”

    Por exemplo, ao fechar os olhos à forma como o Estado continua a regular as capacidades reprodutivas das pessoas não-brancas através da encarceração. Cohen sugere que isto se deve ao quadro teórico das políticas queer se amarrarem a categorias identitárias rígidas e redutoras que não permitem a possibilidade de exclusões e marginalizações dentro das categorias. Sendo igualmente colocada de parte a possibilidade de as próprias categorias poderem ser instrumentos de dominação necessitados de destabilização e reconceptualização.

    Notas da Transzine:

    Nota de linguagem

    A linguagem desta zine tenta ser inclusiva e não-binária. O que quer isto dizer? Que evitamos masculinizar e/ou feminizar os pronomes e as palavras. Escolhemos usar o * (asterisco) porque sabemos que existem múltiplas identidades e pronomes pelos quais preferimos que nos tratem. Desejamos que toda a gente sinta que a sua identidade e pronome escolhido são igualmente visíveis e valorizados (quer sejam enquanto “ele”, “ela” ou outras opções). Acreditamos, ainda, que esta interrogação da linguagem é uma parte importante de uma prática trans* crítica.

    A utilização de trans* (com asterisco) ou trans (sem asterisco) é feita, regra geral, indiscriminadamente por esta utilização estar a ser objeto de reflexão e pela edição não ter tomado nenhuma medida normativizadora dos textos nesse sentido. Todavia, quando utilizada, segue a intenção de Lucas Platero (2014), de marcar a diversidade de experiências, vidas e conhecimentos, por forma a incluir uma multitude de corpos e vidas tidas como fora da norma e/ou que a rejeitam.

    Nota sobre as nuances na utilização do termo“queer”

    Ao contrário do ativismo político mais radicalizado, de base feminista, que tem por referência a “teoria queer” – baseada na fluidez de identidades sexuais e de género e da crítica da homonormatividade dos movimentos LGBT tradicionais institucionalizados – nestes contextos “queer” é usado como referência a esses mesmos movimentos institucionalizados que buscam uma “normalização” baseada em binarismos identitários rígidos. Fazemos então uma nota para as nuances na interpretação do termo “queer” que deve ler-se, quando assinalado e contextualmente, como“LGBT”, pois referem-se aos movimentos tradicionais. Pedimos a* leitor* redobrada atenção para não se confundir esse temo com a denominação política radical originada pela “teoria queer”.

    Artico publicado originalmente em Queers Without Borders em 2010. Tradução de Sérgio Vitorino para a Transzine 2, a fanzine sobre questões trans do colectivo Panteras Rosa (frente de combate contra a lesbigaytransfobia), lançada a 30 de outubro de 2016.

    Fonte: Esquerda.Net, 14 de fevereiro de 2016