Categoria: Artigos

  • ENQUANTO ELES BATEM CABEÇA, NOSSOS BIOMAS ARDEM!

    ENQUANTO ELES BATEM CABEÇA, NOSSOS BIOMAS ARDEM!

    ENQUANTO ELES BATEM CABEÇA, NOSSOS BIOMAS ARDEM!

    Por Chico Alencar

    O governo federal é o da devastação ambiental. Aos dados: de julho do ano passado para cá – em um ano, portanto – o desmatamento na Amazônia cresceu 34%. Os incêndios da estiagem deste ano, no Pantanal, calcinaram uma área igual a dez vezes o tamanho do município de São Paulo. Todos os nossos biomas, sem exceção, estão fragilizados. A ordem em vigor é desmatar (e, pelo armamentismo galopante, matar!). Destruição sem precedentes!

    E o que o “Sinistro” do Meio Ambiente, Ricardo Salles, fez? Anunciou que, a partir de setembro, todas as ações de combate a incêndios e desmatamento ilegal estavam suspensas!!! Alegava o bloqueio de R$ 60 milhões de sua pasta, para pagar o auxílio emergencial.

    Aí o vice Mourão entrou em cena: “essa suspensão é uma precipitação!”. Salles, então, depois de bater cabeça, bateu continência. Recuou.

    Os recursos serão efetivamente desbloqueados? Não se tem certeza…O histórico desse governo está marcado pela desconstrução. Um criminoso desmonte dos órgãos de fiscalização ambiental está em curso, faz tempo.

    Isso revela o caos que é o governo Bolsonaro, também na área ambiental. Alguém duvida que esse vai-e-vem facilita a vida dos piratas que exploram a Amazônia (como Bolsonaro quer fazer, em parceria com os EUA) e enfraquece o combate às queimadas? Até mesmo setores do agronegócio andam preocupados com suas exportações, dado o crescente do passivo ambiental nacional. O Brasil negacionista e “trumpista” vai virando um pária internacional.

    EM TEMPO: sempre é preciso juntar toda crítica geral, social, com atitude pessoal, por coerência. Jamais distanciar o que se prega do que se faz, por miúdo que seja. Daí procedem as indagações a seguir, que também me faço: o que temos efetivado no cuidado da nossa Casa Comum? Temos separado nosso lixo? Temos economizado energia e água? Temos buscado alimentos saudáveis, orgânicos, e valorizado a agricultura familiar? Temos reaproveitado materiais? Temos regado e protegido as plantas do nosso entorno? Praticamos, na nossa vida cotidiana, o belo lema “fazer do necessário o suficiente, e viver mais simplesmente, para que simplesmente todos possam viver”? Todo dia é um bom dia pra começar a fazer isso…

  • Que tipo de frente política o Brasil precisa?

    Que tipo de frente política o Brasil precisa?

    Que tipo de frente política o Brasil precisa?

    Milton Temer e Félix Sánchez apresentam suas posições nos próximos dois artigos

    1 – Bloco de esquerda, é com esse que eu vou!

    Por Milton Temer

    Frentes se formam contra um “quem” ou contra um “o que”; contra um déspota ou contra o regime como um todo. Contra a simples derrubada de Bolsonaro, ou contra ele e mais a essência de seu regime. Essa essência é fundada no pacote de contrarreformas antissocial e na degradação do patrimônio público e até da própria soberania territorial (como na entrega da base de Alcântara e na subalternidade militar a comandos estrangeiros).

    Para uma parte da oposição brasileira, o objetivo de derrubar Bolsonaro se limita a esse primeiro foco, numa solução lampeduseana para manter a essência do que vem sendo posto em prática pelo seu governo voltado a “tirar o Estado do cangote dos empresários”. Ou seja, em transformar o Estado em instrumento forte de opressão do capital sobre o mundo do trabalho.

    Nesse contexto, nada mais amplo do que defender um bloco de esquerda no confronto com os projetos autoritários em qualquer de suas formas. Contra o neofascismo, contra o neonazismo, ou contra algo mais próximo da realidade latinoamericana, o toscofujimorismo. É num Bloco de Esquerda que as forças populares se relacionam com as correntes moderadas para as ações táticas que se limitem à luta pela derrubada de Bolsonaro.

    Nada mais amplo do que defender um bloco de esquerda no confronto com os projetos autoritários em qualquer de suas formas. Contra o neofascismo, contra o neonazismo, ou contra algo mais próximo da realidade latino-americana, o toscofujimorismo

    Mas tais ações táticas não podem elidir o que já está em jogo nessa etapa preliminar. Qual o projeto para a fase posterior? Essa discussão já se dá no âmbito da direita e centro-direita quando se disputam nos diversos manifestos. Para alguns, uma formulação anódina, quase despolitizada, chegando até à necessidade de “correções” formais que não cheguem ao âmago da questão. Sem tocar na manutenção da essência do modelo macroeconômico radicalmente pró-grande capital, posto em prática a partir do segundo governo Dilma, aprofundado no governo golpista de Michel

    Temer, e radicalizado sob a égide do mercantilismo sem peias do Posto Ipiranga Paulo Guedes.

    Fim da legislação antipovo

    É a partir daí que a existência de um bloco de esquerda na frente se torna imprescindível. Pois, sem que ele se forme e se consolide, as lutas se manterão no terreno das notas e manifestos na pressão sobre as ditas instituições republicanas.

    Na saída lampedusiana do “muda tudo para não se mudar nada”, tudo se concretizaria em mais uma fatídica “transição pelo alto” com que fomos brindados na instalação da Nova República, que nos levou ao neoliberalismo tardio de Collor e FHC nos anos 1990, e à rendição ideológica de Luís Inácio já no século XXI. Desse caldo, o povo brasileiro não resiste a beber mais. E vai beber, mergulhando no desespero e na barbárie, se a esquerda combativa se mantiver nos limites retóricos, condenatórios da pressão que vale, nas mobilizações de rua, esperando que o candidato a ditador autorize suas iniciativas.

    Não há alternativa civilizatória para o Brasil pós-pandemia que não a que passe pelo fim da legislação predadora e antipovo dos últimos anos, sem o cancelamento do famigerado teto de gastos e da contrarreforma trabalhista, sem uma reforma tributária que vire de cabeça para baixo a escala de taxação do imposto de renda, aliviando os que vivem de salário, e impondo impostos pesados sobre o rentismo e sobre os lucros e dividendos, hoje isentos.

    Não há alternativa civilizatória sem uma investida sobre os privilégios do sistema de mercado. Não há alternativa civilizatória, enfim, ao restabelecimento do Estado como instrumento indutor, não do desenvolvimento voltado para um indefinido “crescimento”, mas para a garantia de políticas públicas estratégicas na área social.

    Não há alternativa civilizatória, enfim, enquanto não se colocar um fim na esbórnia dos meios de comunicação que operam por concessão de serviço público, e sustentando a verdadeira democratização da mídia por meio da garantia do ponto e contraponto em todos os temas que digam respeito ao interesse público.

    E isso tudo só será levado em conta se houver um bloco de esquerda disputando políticas na frente de esquerda. Luta que Segue!

    Milton Temer é jornalista e ex-deputado federal (1995-2002)

    2 – A tarefa da hora: uma ampla frente contra a Covid-19 e Bolsonaro

    Por Félix Sánchez

    Vivemos um tempo histórico peculiar, numa época de paradoxos que colocam a sociedade brasileira diante da degradação da uma vida democrática. Nossa democracia nunca foi plena, foi sempre dolorosamente incompleta a despeito do mantra que proclama uma suposta plenitude do funcionamento das instituições. É preciso reconhecer essa limitação histórica da democracia, mesmo diante do bolsonarismo encastelado no poder Executivo.

    A necessidade de massificar a campanha pelo Fora Bolsonaro é um óbvio ululante. Bolsonaro e o bolsonarismo ferem cotidianamente o mais elementar sentido de democracia, mesmo esta nossa, ainda mais limitada depois do golpe institucional de 2016, que derrubou um governo constitucionalmente eleito.

    Naquela ocasião, tivemos uma participação ativa em uma campanha conservadora intensa que, depois, já em 2018, diante do fiasco do governo Temer, promoveu a convergência da extrema direita proto-fascista com os cavaleiros da ordem que haviam cerrado fileiras no golpe de 2016 em nome de uma colossal reversão de direitos sociais e trabalhistas.

    Os golpistas e apoiadores da conspiração que resultou no último ataque tiveram a missão de definir uma nova correlação de forças entre as classes sociais. Era preciso precarizar direitos e, assim, aguçar as violências cotidianas e estatais, numa sociedade habituada a desconhecer e até renegar setores amplamente majoritários composto por negros, mulheres, idosos, migrantes e LGBTIQ.

    Grandes segmentos empresariais e políticos tradicionais apostaram, com Bolsonaro, numa opção capaz de aumentar estrondosamente a exploração da mão de obra livre do país e no sepultamento dos direitos e condições de vida em nome do fortalecimento da competitividade neoliberal do Brasil.

    Chegamos ao absurdo de o ministro da Saúde ser um general que não é médico. Algo que não se vê em nenhum lugar do mundo. O senso comum da sociedade clama em todo canto para o Brasil acabar com o governo Bolsonaro e suas políticas genocidas

    A resposta ao fracasso monumental da aposta golpista de 2016, expressa no fracasso do governo Temer, dinamitou a opção eleitoral tucana de Alckmin em 2018. E, assim, só restou a essa elite a solução do tenente expulso das Forças Armadas para ser capitão da reserva – figura que cultivou durante quase 30 anos concepções extremistas, anticientíficas, de violência saudosa da implantação de um amalucado gulag no país.

    Ultraliberal e antidemocrático

    Tudo isso fez de Bolsonaro o presidente. Seu governo é uma amálgama política alicerçada na implementação de uma política ultraliberal privatista, antidemocrática e antipopular. Na mal-ajambrada composição do bolsonarismo oficial, encontram-se os objetivos de preservar os interesses do agronegócio, de privatizar tudo o que for possível, de aplicar uma política econômica que estimule a lucratividade do capital financeiro e de dar continuidade aos ataques aos direitos sociais dos trabalhadores formais e informais precarizados da larga e quase unânime legião de milhões que compõem nossa poderosa classe trabalhadora.

    Para piorar a vida, abateu-se sobre a humanidade e o país uma pandemia que afeta a todas e todos. Isso gerou uma formidável crise econômica que se soma à crise da saúde, trazendo uma gigantesca onda de desemprego em todos os países e a demanda por serviços de saúde capazes de salvar as vidas ameaçadas pela Covid-19.

    Nunca como hoje foi tão necessário ter, em nosso país, um governo comprometido em priorizar recursos e esforços para enfrentar a pandemia.

    O governo Bolsonaro nada fez. Pior: negou a gravidade da doença, transformou o Ministério de Saúde em cabide de empregos de militares enquanto em todos os cantos do país só tem morte e abandono. Chegamos ao absurdo do Ministro da Saúde ser um general que não é médico. Algo que não se vê em nenhum lugar do mundo.

    Sem falar das populações que moram na Amazônia, que foram entregues ao garimpo, à mineração e ao desmatamento, que põem em risco o povo e a riqueza desse pedaço fundamental da vida do planeta.

    O senso comum da sociedade clama em todos cantos do Brasil e do mundo a acabar com o governo Bolsonaro e suas políticas genocidas responsáveis pela morte e o sofrimento da maioria. Nossa força deve promover a larga unificação de todos para acabar com o governo Bolsonaro já. Chega dele e seus aliados que promovem morte e destruição dos nossos direitos e das nossas vidas.

    Fazer uma ampla frente contra a Covid 19 e a morte que una todas e todos é a imensa tarefa nessa hora. Fora Bolsonaro!

    Félix Sánchez, paraguaio e paulistano por opção. Foi fundador e dirigente do Sindicato de Jornalistas do Paraguai. É professor de Sociologia e militante da Coalizão do Clima

     

  • A importância das trabalhadoras e trabalhadores dos CORREIOS que fazem a comunicação existir

    A importância das trabalhadoras e trabalhadores dos CORREIOS que fazem a comunicação existir

    A importância das trabalhadoras e trabalhadores dos CORREIOS que fazem a comunicação existir

    Por Francisvaldo Mendes, presidente da FLCMF

    As trabalhadoras e os trabalhadores da empresa CORREIOS estão em greve contra mais um ataque à classe trabalhadora. E o bom senso, que está em falta nesse momento, nos orienta a apoiar os trabalhadores que estão em luta.

    Neste tempo que há pessoas morrendo por falta de vacina e remédios, de água, de moradia, de acesso ao básico da seguridade, não falta o lucro na empresa, ainda que estatal. Infelizmente nada de empresa pública que deveria ser sob o controle da sociedade civil e com direcionamento do lucro em beneficio da sociedade.

    A defesa dos direitos e das condições para que a empresa CORREIOS seja efetiva em suas responsabilidades é evidente no documento enviado, pelos trabalhadores, para o STF:  “O catálogo de direitos constante da sentença normativa já figurava nos acordos coletivos celebrados em anos anteriores. Em nenhum momento, contudo, tal circunstância constituiu fator impeditivo para a obtenção de lucros pela ECT em 2017 (R$ 667 milhões), 2018 (R$ 161 milhões), 2019 (R$ 102 milhões) e, em 2020, até maio, lucro na órbita de R$ 383 milhões”. Ou seja, não se trata de prejuízos financeiros em questão para essa empresa do Estado. Trata-se sim de não permitir que retirem os direitos conquistados das pessoas que vendem sua força de trabalho para o CORREIOS e que fazem a empresa existir.

    Devemos ressaltar que os correios, e sua importância, existem desde quando o mar, e não o ar como é hoje, era o grande meio de encontro para as pessoas no mundo. Remonta-se assim ao século XV e XVI para pensar a importância dos correios. E mesmo aqui, nessa terra chamada Brasil, o tema estava local desde que o Alferes João Cavaleiro Cardoso foi nomeado Assistente de Correio-mor do Rio de Janeiro, em 1660.

    Os correios chamam muitos assuntos, variadas lembranças, múltiplos sentimentos, recordações e comunicação, surpresas, intimações; e na atualidade objetos, presentes, flores e até animais, mas o importante é esse meio de comunicação deve ser preservado. E assim será por meio de seus trabalhadores e por isso não é concebível que retirem um só direito de todas as pessoas que vivem da venda da força de trabalho para tal empresa estatal.

    Seja qual for o trabalho executado pela força humana que é vendida como mercadoria, não é, admissível, que os poderosos dos sistema transformem a condição humana em uma mercadoria. Seja onde for, seja como for, para além da exploração não pode haver a redução humana às coisas e é nossa vocação defender a potência humana criativa em todas as suas dimensões.

    Então é importante dizer que estamos ao lado das trabalhadoras e dos trabalhadores da empresa ECT, ou só CORREIOS. E que se registre que se trata de um trabalho fundamental que faz a comunicação assumir o potencial de mobilidade simbólica e, que apesar da internet, continua necessária e mais que isso, fundamental para que cada uma das pessoas chegue a todos os locais do mundo, com seus desejos e sentimentos, ainda mais no tempo de pandemia.

  • Bolsonaro: caos e continuidade

    Bolsonaro: caos e continuidade

    Bolsonaro: caos e continuidade

    Por Luís Felipe Miguel

    A continuidade do governo Bolsonaro significa mais crise, mais mortes e disseminação do caos. Seus apoiadores seguem propagando o confronto, sob a velha cantilena de defesa da “ordem”. A cúpula das Forças Armadas parece ter decidido permanecer fiel ao presidente, ao mesmo tempo em que ameaça o país com algum tipo de intervenção mais profunda. Os movimentos pela saída da extrema direita do poder não podem servir para sacramentar a manutenção de seu programa antipopular, retirando de cena as reivindicações democráticas e igualitárias do campo popular

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    Um dos temas centrais do discurso da direita, em particular do setor mais extremado, que funda boa parte do apelo de massas, é a ordem. A extrema direita promete esmagar o crime, restaurar as hierarquias e silenciar os movimentos contestatórios. Autoridade e disciplina garantiriam o bom funcionamento da sociedade. Na Itália de Mussolini, os trens partiam no horário: como certa vez escreveu Fernando Pessoa, “os fascistas matam seu pai, mas você tem a certeza que, metendo-se no comboio, chega a tempo para o enterro”. No Brasil, no entanto, um ano e meio de governo Bolsonaro nos empurraram na direção do caos. A pandemia global do novo coronavírus, que recebeu do presidente e de sua entourage uma resposta não apenas incompetente ou negligente, mas francamente criminosa que acelerou um processo já em curso.

    Herdeiro indesejado do golpe de 2016, cujos líderes projetavam uma saída “civilizada” à direita por meio de alguém com o perfil de Geraldo Alckmin, Bolsonaro se mostrou instrumental para o trabalho de destruição ao qual foi capaz de imprimir ritmo ainda mais veloz do que Temer

    Herdeiro indesejado do golpe de 2016, cujos líderes projetavam uma saída “civilizada” à direita, com alguém com o perfil de um Geraldo Alckmin, Bolsonaro se mostrou instrumental para o trabalho de destruição (dos direitos, das políticas sociais, da ordem constitucional pactuada em 1988), ao qual foi capaz de imprimir ritmo ainda mais veloz do que Temer. Mas o governo é congenitamente inapto para promover uma pacificação, seja entre os grupos integrantes da coalizão golpista, seja na relação com os grupos dominados. Para tanto, contribuem o comportamento belicoso e o etos machista que são centrais na identidade do bolsonarismo, a falta de traquejo político do núcleo do governo e, em especial, o descompasso entre as prioridades algo paroquiais do círculo íntimo de Bolsonaro e os projetos ambiciosos dos grupos que se aliaram a ele, vindos da aristocracia financeira, do agronegócio e do lavajatismo.

    Continuidade insustentável

    Com a crise sanitária, tornou-se insustentável a continuidade do governo Bolsonaro. A cada dia, ela se conta em mais mortes. Os esforços do sistema de saúde são sabotados por palavras, por exemplos, por omissões e por ações. As tensões com os outros poderes se transmutaram em conflito aberto. Sérgio Moro, que era surrealmente o principal ativo de credibilidade do governo, demitiu-se. Mesmo economistas conservadores admitem que o fundamentalismo de mercado esposado por Guedes é impróprio para enfrentar a nova situação. A Rede Globo e outros grandes veículos de imprensa passaram a advogar pela retirada do presidente. Diante disso, impõe-se a pergunta: por que Bolsonaro não cai?

    O primeiro fator a ser considerado é a manutenção de uma considerável, ainda que cada vez mais minoritária, base popular. Comentaristas políticos e jornalistas têm difundido uma suposta “lei” sociológica, de que um processo de impeachment só vinga caso as pesquisas de opinião detectem menos de 15% de apoio ao presidente. Não creio que seja algo tão mecânico, muito menos que as respostas a uma enquete resolvam a questão.

    O fato de que uma proporção tão expressiva de pessoas ainda avalie positivamente um governo tão grotesco merece atenção. Uma parcela tende a aprovar qualquer governo, por servilismo introjetado ou por confundir apoio ao presidente de plantão com “torcer pelo país”. Outra, é vítima da confusão, sabidamente usual, entre Estado e governo – assim, o auxílio emergencial de R$ 600 durante a pandemia, obtido pela oposição no Congresso contra forte resistência de Guedes, turbinou a popularidade de Bolsonaro. Por fim, há a fatia do “bolsonarismo raiz”, cativada pelo discurso de ódio e de reafirmação das hierarquias sociais e prisioneira dos circuitos de desinformações próprios da chamada “pós-verdade”.

    O confronto como métrica

    Mais importante do que a quantidade de adeptos, porém, é o ânimo aguerrido da base bolsonarista. Desde o começo do governo, mas crescentemente conforme sua posição fica mais incerta, Bolsonaro alimenta entre os seguidores a disposição para o confronto. Nos últimos tempos, tem estimulado a formação de grupos armados, o que converge para a antiga suspeita de uma relação íntima com milicianos do Rio de Janeiro. A radicalização se completa com os acenos, sempre encobertos, mas cada vez mais frequentes, a grupos neonazistas e supremacistas brancos, por parte de Bolsonaro e de seu círculo íntimo.

    Bolsonaro alimenta entre os seguidores a disposição para o confronto. Nos últimos tempos, tem estimulado a formação de grupos armados, o que converge para a antiga suspeita de uma relação íntima com milicianos do Rio de Janeiro. A radicalização se completa com os acenos, sempre encobertos, mas cada vez mais frequentes, a grupos neonazistas e supremacistas brancos. A estratégia é de intimidação

    A estratégia, portanto, é de intimidação. Converge para ela o segundo fator a ser considerado, o apoio das Forças Armadas e das polícias. Bolsonaro fala diretamente aos praças, suboficiais e oficiais inferiores do Exército, assim como aos policiais. São setores sensíveis ao discurso pró-violência, contrário aos direitos humanos e às minorias. Não é algo fortuito. Como observou Poulantzas, os dispositivos repressivos do Estado capitalista parecem em geral agir de forma “falha”, com excesso de brutalidade, racismo e viés de classe escancarado. Eles deixam sistematicamente de cumprir a lei pela qual deveriam zelar – mas é essa falha que permite que eles estejam sempre disponíveis nos momentos em que as classes dominantes decidem caminhar no rumo da fascistização.

    Com a cúpula militar, em especial da força terrestre, a relação é mais complexa, embora haja forte concordância no autoritarismo, no anticomunismo e mesmo no alinhamento automático aos Estados Unidos. Cabe observar que o vice-presidente, Hamilton Mourão, que é razoável ver como um dos principais representantes do generalato no governo, mudou de postura. Se no início do mandato fez movimentos para se apresentar como alternativa a Bolsonaro, adotando um discurso mais conciliador e mais racional, hoje marca distância de maneira muito mais sutil e não poupa ocasiões para afirmar de público sua lealdade e solidariedade.

    Generalato e governo

    Embora sejam reportadas tensões internas e constrangimento com atitudes e declarações, o generalato parece ter decidido cerrar fileiras com Bolsonaro. Isso tem tomado a feição de frequentes notas e declarações, cifradas e não tão cifradas, indicando que qualquer tentativa de deposição do presidente, por decisão do Legislativo ou do Judiciário, enfrentará oposição militar. Em interpretações mais ousadas, o sistema constitucional de controles é equiparado a um confronto entre poderes, que exigiria uma intervenção moderadora – papel que as forças armadas atribuíram a si mesmas em muitos momentos da história brasileira. Cumpre lembrar que, tendo adotado um perfil discreto durante a deflagração do golpe de 2016, os militares passaram a uma exposição maior já durante o governo Temer. Basta pensar no tuíte do general Villas-Boas ameaçando o STF no caso da prisão de Lula – e do agradecimento “misterioso” que Bolsonaro fez a ele durante a transmissão do cargo de ministro da Defesa.

    O generalato parece ter decidido cerrar fileiras com Bolsonaro. Isso tem tomado a feição de frequentes notas e declarações, cifradas e não tão cifradas, indicando que qualquer tentativa de deposição do presidente, por decisão do Legislativo ou do Judiciário, enfrentará oposição militar

    Muitas vezes a questão se coloca como sendo definir o quanto há de blefe nesses pronunciamentos e o quanto há de disposição efetiva para uma intervenção de força. Creio que, apresentada dessa forma, a questão está deslocada. O blefe, sobretudo quando surte efeito e quando não leva a uma punição, já é uma forma de intervenção. E permite tanto que os limites do papel político dos militares sejam paulatinamente distendidos quanto que um novo golpe seja construído como possibilidade dentro do generalato. As escaramuças entre ministros do Supremo e porta-vozes militares do governo sobre a interpretação do artigo 142 da Constituição – de fato um texto ambíguo, fruto ele próprio da pressão castrense – já mostram uma situação anômala. Afinal, pelo nosso ordenamento institucional não cabe dúvida de que a palavra final sobre a interpretação do texto constitucional caberia à corte máxima do país. Assim, a estratégia de intimidação toma com clareza a feição de uma chantagem, pela qual a continuidade do governo, a despeito das evidências que sustentam as iniciativas tanto para a cassação da chapa quanto para o impeachment, seria o preço a pagar para que não ocorra um novo golpe.

    Aceita a chantagem, a democracia brasileira, que nos últimos anos sofreu tantos reveses que é difícil justificar a permanência do rótulo, torna-se definitivamente tutelada. Partindo do entendimento de que a disposição das forças armadas para uma nova intervenção de força, nos moldes de 1964, não está formada, fica claro que a ameaça só será debelada com uma resposta vigorosa das instituições e da sociedade civil. A nova pergunta que se impõe, então, é por que a reação às ameaças do bolsonarismo se mostra tão pífia. Creio que aqui se torna central o terceiro e mais importante fator a ser considerado: o fato de que, entre os grupos dominantes do país, tanto no empresariado como na elite política, a necessidade de retirar Bolsonaro na presidência é sentida, sobretudo, dada a irracionalidade no combate à pandemia, mas contrabalançada por outras considerações.

    A inflexão do golpe

    Para entender isso, é necessário ter em mente que o grande momento de inflexão da política brasileira recente não foi a eleição de Bolsonaro, mas o golpe de 2016. Este colocou em marcha a criminalização da esquerda, a macarthização da vida política, a instrumentalização aberta do aparelho repressivo de Estado e a tolerância ou mesmo o estímulo à agressividade da direita radicalizada, elementos sem os quais não seria possível a vitória de Bolsonaro nas eleições de 2018. Seu sentido final foi fazer com que o campo popular deixasse de ser admitido como interlocutor legítimo no debate político, permitindo a retirada unilateral, sem qualquer espaço para negociação, de tantas conquistas históricas.

    Bolsonaro foi, de certa maneira, um acidente de percurso. Programada para ser uma coadjuvante, a tropa de choque acionada nos momentos necessários, a extrema direita ganhou o proscênio quando o eleitorado mostrou que se recusaria a cumprir o papel no script, elegendo para a presidência um conservador civilizado como Alckmin. Ao optarem pelo então candidato do PSL, em vez de por um moderado disposto a negociar como Fernando Haddad, as classes dominantes deixaram claro que não estavam dispostas a recuar um milímetro no programa de redução de direitos vitorioso com o golpe.

    Os excessos do ex-capitão eram desagradáveis, mas Guedes entregava as “reformas” desejadas e os movimentos populares eram mantidos na defensiva. A pandemia alterou o quadro. Bolsonaro está empurrando o país para um desastre sanitário inimaginável e mesmo Guedes, cuja incompetência como gestor econômico não pode mais ser disfarçada, ficou menos atraente.

    A solução para a crise, de acordo com o projeto da nova oposição de centro-direita, é retirar Bolsonaro e manter o Brasil do pós-golpe. Violência estatal menos escancarada, menos irracionalidade no poder e aceitação ritual dos direitos humanos. Tiramos Bolsonaro e seguimos em frente, com CLT despedaçada, desigualdades ampliadas, Estado subfinanciado e conspiração judicial contra a esquerda

    Há, então, um movimento duplo. Por um lado, tenta-se usar o que resta da institucionalidade derivada da Constituição de 1988 para impor limites ao bolsonarismo no poder. O Supremo, o Congresso Nacional e, em alguma medida, os governadores estaduais têm agido nesse sentido. É um caminho, no entanto, restrito, dados os amplos poderes que nosso arranjo legal confere ao presidente da República. Bolsonaro pode ser contido, mas não tutelado: sua margem de manobra permanece ampla.

    Por outro lado, tenta-se garantir que a eventual saída de Bolsonaro do cargo não implicará a perda do terreno conquistado pelas classes dominantes com o golpe. É o objetivo que preside a construção de uma “frente ampla” que não coloque em questão a retração de direitos, o desmonte do Estado social ou mesmo a aberta instrumentalização política de seu aparato repressivo.

    Bode na sala

    A necessidade imperiosa de imprimir uma direção menos irracional ao combate à crise sanitária, que dá sentido de urgência à retirada do ex-capitão da presidência, tornou tentadora a ideia da frente. A velha hierarquização das lutas, em que a obtenção das liberdades democráticas tem prioridade sobre a defesa dos direitos da classe trabalhadora e de outros grupos dominados, foi de novo posta em cena. Não cabe aqui discutir o equívoco dessa hierarquização, apoiada numa leitura redutora da separação histórica entre o político e econômico, esposada em geral por pessoas objetivamente privilegiadas pelo padrão de desigualdades vigente no Brasil. Basta anotar que, caso essa compreensão triunfe, Bolsonaro está pronto para cumprir o último serviço aos golpistas de 2016: ser o bode na sala.

    A solução para a crise, de acordo com o projeto da nova oposição de centro-direita, é retirar Bolsonaro e manter o Brasil do pós-golpe. Violência estatal menos escancarada, menos irracionalidade no poder e aceitação ritual dos direitos humanos. Tiramos Bolsonaro e seguimos em frente, com CLT despedaçada, desigualdades ampliadas, Estado subfinanciado, conspiração judicial contra a esquerda. Em especial, a disputa política continua tutelada de maneira a excluir, de antemão, o campo popular – e, portanto, deixar caminho aberto para o aprofundamento de todas as desigualdades. O paralelo com as Diretas Já, evocado no manifesto do “Juntos” publicado nos jornais brasileiros no dia 30 de junho, é equivocado. As Diretas Já foram um movimento amplo em busca de um objetivo pontual, a volta das eleições diretas para presidente, que visava alargar e democratizar a disputa política. Para que isso ocorra hoje não basta retirar Bolsonaro da presidência. É preciso, no mínimo, restaurar a plena vigência da Constituição de 1988, o que, por sua vez, requer o desfazimento do golpe. Trata-se de reabrir caminhos para a luta popular e para a construção de um Brasil menos injusto e menos violento. Abrir mão de assumir esse discurso é abrir mão da disputa política e aceitar os limites que a direita impõe.

    As classes dominantes apresentam essa plataforma limitada de ação conjunta como “pegar ou largar”. Ela negocia em condições de força – não é à toa que exibe o adjetivo “dominante”. Mostra que pode se acomodar com Bolsonaro, se nós não aceitarmos todas as suas condições. Não por acaso, no momento em que crescentes setores da esquerda demonstraram relutância em aderir à “frente ampla”, o presidente do PSDB, deputado Bruno Araújo, anunciou em entrevista que seu partido defendia a permanência de Bolsonaro e Mourão no cargo até o final do mandato.

    Há, porém, limites na possibilidade dessa acomodação com Bolsonaro. Se ela fosse tão tranquila, os acenos à derrubada não estariam nem sendo feitos. O Brasil está se tornando um pária no sistema internacional. Está caminhando para o colapso, com a gestão obtusa e criminosa da crise sanitária e econômica – e, embora as palavras sejam fortes, não há nelas exagero retórico.

    Objetivos e diferenças

    A classe dominante tem mais condições de pretender que pode prosseguir com essa situação indefinidamente do que de fato estendê-la. Por isso, submeter-se a seu programa não é a única alternativa. É possível afirmar a disposição por ação conjunta em relação a um objetivo pontual – derrubar Bolsonaro – sem deixar de reafirmar as diferenças profundas e irreconciliáveis, sem silenciar as reivindicações democráticas e igualitárias do campo popular, sem compactuar com a normalização dos retrocessos. Na verdade, a campanha do “fora, Bolsonaro”, articulando as premências do momento com um programa igualitário e democrático, tem condições de renovar o protagonismo do campo popular e de recolocá-lo do centro do tabuleiro político.

    O momento é desafiador para o campo popular, que acumula derrotas históricas nos últimos anos. A democracia eleitoral sob o capitalismo, como se sabe, une o voto como forma de legitimação política com o veto real da classe burguesa à ação do Estado. No Brasil, este veto se estendeu tanto que passou a interditar até mesmo o “reformismo fraco” do petismo no poder

    O momento é desafiador para o campo popular, que acumula derrotas históricas nos últimos anos. A democracia eleitoral sob o capitalismo, como se sabe, une o voto como forma de legitimação política com o veto real da classe burguesa à ação do Estado. No Brasil, esse veto se estendeu tanto que passou a interditar até mesmo o “reformismo fraco” do petismo no poder. Se o poder de veto não for contido, o que depende da força do movimento popular, o poder do voto será sempre irrelevante.

    Brasília, 15 de junho de 2020.

    *Luís Felipe Miguel é professor titular do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília e autor de O colapso da democracia no Brasil: da Constituição ao golpe de 2016 (Expressão Popular, 2019), entre outros livros.

  • CGU EXTRAPOLA SUAS FUNÇÕES

    CGU EXTRAPOLA SUAS FUNÇÕES

    CGU EXTRAPOLA SUAS FUNÇÕES

    Por Francisvaldo Mendes

    A Controladoria Geral da União – CGU – que se apresenta como órgão do Governo Federal responsável pela defesa do patrimônio público, transparência e combate à corrupção, tem agido, principalmente neste governo, como órgão predominantemente inquisidor e autoritário. Ou seja, trata-se principalmente de um instrumento de perseguição dos sujeitos que atuam pela democracia e voltado para diminuir ou destruir os direitos sociais conquistados.

    Estamos no século XXI, ainda que a algumas pessoas vivam com a cabeça no século passado. Mas, o importante aqui é dizer que já foi superado, socio-histórica-culturalmente a ideologia da neutralidade nas ciências, nas técnicas, nos pensamentos e nas ações humanas. Ainda que o rigor e o conhecimento científico, histórico, cultural acumulado sejam sempre necessários para o desenvolvimento humano, tal produção é desenvolvida com o peso das indisposições ideológicas. Ou seja, não há neutralidade, seja em quaisquer governos. Independente dos interesses políticos, os governos serão impactos pela ideologia dominante e agirão para aprofundar a ideologia hegemônica ou para acumular forças na superação da ideologia dominante.

    O governante de plantão do momento atual, atua para piorar as imposições do capitalismo. E atuamos para que todas as contradições apareçam, ainda mais em um país como o Brasil que os governos há tempos, desde o fim da ditadura militar, são eleitos pelas pessoas, cidadãos e cidadãs que fazem as cidades existirem.

    Nós disputamos outra sociedade, um mundo com outra organização econômica, onde predomine uma relação social na produção para satisfazer as necessidades humanas. Toda ação que assumimos frente ao Estado que existe é para conquistar espaços que defendam a vida, em todas as dimensões, para que a dignidade e os direitos não sejam exceções e os regimes autoritários não se instalem no poder de Estado.

    Para piorar, enfrentamos nesse momento no Brasil um governo com nuances autoritárias, conservador, que move todas as ações para ampliar o lucro dos grandes milionários e empurram o povo trabalhador para a super exploração, doenças e mortes. A postura da CGU demonstra esse viés autoritário, apesar de ser composto em sua maioria por profissionais do direito, instrumentalizando esse órgão para impor perseguições e impedir as manifestações de opiniões e a defesa da democracia. Trata-se do Estado atuando com sua pior faceta conservadora, no qual o lucro e o controle das pessoas predominam sobre quaisquer elementos de liberdade. Ainda mais em tempos que tributar as grandes fortunas é mais que necessário.

    Assim sendo, nas ações do Estado predominam uma enorme carga de ignorância para que o seu governo autoritário de plantão imponha a mentira e ataques para aqueles que são contra o fascismo ou todos os tipos de expressões políticas e ideológicas totalitárias. Por consequência, com todas as diferenças, são esses os mesmos sujeitos sociais que defendem a democracia, independente das inspirações democráticas. Ou seja, os poderosos que controlam o Estado, utilizando-se do aparelho estatal para movimentos de acinte contra o acúmulo da humanidade na defesa da vida, usam de mentiras e falsidades para justificar perseguições e opressões. Investe-se assim, via Estado, na faceta fake news de cínica notas técnicas para justificar ações e omissões e se colocam contra decisões judiciais quando lhes convém.

    Se não bastasse a escalada mundial, da política de notícias falsas, como predomina na linguagem atual, as tais FAKE NEWS, ainda se vive o controle, a cassação e a perseguição política cultivando a ignorância em uma desconfigurada cartilha ÉTICA do governo. Lamentável que o dinheiro dos cidadãos e a disposição do Estado sirva para práticas políticas autoritárias que disseminam as ideologias mais comprometidas com todos os modelos conhecidos de opressão vividos pelo mundo. Ou seja, afrontando a legislação existente no país, o Estado de direito e a constituição federal.

    Superar todos os aspectos de resistência e proteção se faz necessário para avançar em uma onda de radicalização democrática. Não se trata apenas de uma democracia institucional, mas sim de um processo ativo e intensivo de democratização que interfira favoravelmente na vida das pessoas.

    Neste tempo que a vida é ceifada por um vírus que se deleita da política comprometida com a morte e com as mais profundas formas de exploração e dominação, essa atitude da CGU quer intensificar o controle e a imposição das ideias de um governo que condena a maioria da população e empurra as pessoas para a morte. Nada de ético há, mas muito de uma moral repugnante e desrespeitosa aparece nas atitudes apresentadas por esse órgão do governo e do Estado. Abre-se assim uma nova mordaça com atestado para caçar e que fortalece as formas de dominação, exploração e controle. Trata-se da pior demonstração do poder de Estado para organizar o lucro e diminuir o tempo de vida das pessoas exploradas, atuando contra o cidadão, seja ele funcionário público civil, militar ou mesmo trabalhadores da iniciativa privada.

    Da nossa parte, precisamos criar a mais profunda, digna e respeitosa unidade para avançar na garantia da vida e da dignidade. Para isso garantir e lutar pela liberdade e a participação política ativa das pessoas na sociedade são passos fundamentais para ser garantido e ampliado na construção de uma nação. Vamos mudar o Brasil para um país que atue, com nossas ações de sujeitos sociais ativos, para a garantia e ampliação da dignidade humana e da liberdade política.

  • PEDRO CASALDÁLIGA PERMANECE

    PEDRO CASALDÁLIGA PERMANECE

    PEDRO CASALDÁLIGA PERMANECE

    Por Chico Alencar

    O coração de Pedro Casaldáliga, catalão do mundo, deixou de bater no dia 8 de agosto de 2020, após 92 anos de existência terrena. Católico ecumêmico, devoto de todas as missões de Justiça e Liberdade, bispo emérito de São Félix do Araguaia (MT), Pedro fez sua travessia.

    O coração de Pedro, pedra e flor, poeta e profeta, “combatente derrotado de causas invencíveis” – como ele gostava de dizer -, continuará pulsando, a inspirar a caminhada dos que virão depois dele. Dos que virão depois de nós, seus camaradas de fé, sonhos e lutas. Nunca é perdida a vida de quem dá largo testemunho.

    Nas vezes em que encontrei com Pedro – não foram muitas, infelizmente – eu brincava: “você devia ser nosso papa!”. Ele respondia no mesmo tom, com seu humor bom: “por isso mesmo, por gente como você querer, nunca vou ser; além do mais, não tenho vocação para príncipe”.

    Pedro via no papa Francisco, porém, no topo da instituição monárquica mais duradoura do Ocidente, uma benção, uma tentativa de retorno ao cristianismo das catacumbas, dos primórdios. Para Pedro, o coerente, ser cristão era ser despojado e descontente: “nada possuir, nada carregar, nada pedir, nada calar e, sobretudo, nada matar!”.
    Quem quis matar Pedro foi a ditadura, foi o latifúndio. Feriram de morte seu parceiro de evangelização, padre João Bosco Burnier, mas não o atingiram. Tentaram expulsá-lo do país, como fizeram com padre Francisco Jentel, seu igual na prelazia, mas por intervenção do papa Paulo VI, que o nomeara bispo, não conseguiram.

    Pedro foi um esperançado resistente: “somos a solidão que suportamos, que acolhemos, que partilhamos, que transcendemos!”.

    É simbólico de sua solidariedade visceral com os oprimidos que o corpo de Pedro tenha se apagado no dia em que, no Brasil, chegamos às 100 mil trágicas mortes pela Covid. Pedro está ali, luz nas trevas, confortando os aflitos, denunciando a insensibilidade dos podres poderes – como fez durante toda sua vida.

    Pedro foi bispo do anel de tucum, do báculo que era um cajado, do chapéu de palha como mitra. Pedro bispo dos comuns, do calcinado e imenso chão brasileiro, das águas profundas do Araguaia. Pedro dos pobres e oprimidos, dos camponeses, dos índios, dos deserdados da Terra: “no ventre de Maria, Deus se fez homem. Mas, na oficina de José, Deus também se fez classe”. Pedro da Libertação!

    Assim pregou, assim viveu. Por isso a morte, quando chegou, querendo algo de seu, nada encontrou para tomar. Tudo estava doado, entregue, compartilhado. Assim a morte foi vencida por Pedro, pedra angular.

    Muito mais densas do que as nossas, as palavras vividas de Pedro continuarão a nos orientar e animar – mistérios da fé:

    “Para descansar/ eu quero só esta cruz de pau/ como chuva e sol/ Estes sete palmos/ e a Ressurreição”. Pedro pediu para ser sepultado na sua terra de adoção, no cemitério dos Carajás, à sombra de um pé de pequi, entre os túmulos precários de um peão e de uma prostituta. Pedro sabia, como está escrito no evangelho de Mateus (21, 31), que eles nos procederão no Reino do Céu.

    Pedro Casaldáliga, amigo fiel do Jesus dos pobres, fragmento de Deus na terra, está plenificado no Corpo Místico, Cósmico e Eterno do Todo Poderoso Amor, a quem ele tanto serviu. Pedro está nas lutas de todos os povos, de todas as épocas, por sua/nossa emancipação.

  • Participe da Escola de Formação Sementes de Marielle

    Participe da Escola de Formação Sementes de Marielle

    Participe da Escola de Formação Sementes de Marielle

    Com muita energia de luta e resistência que o Setorial Nacional de Mulheres do PSOL e a Fundação Lauro Campos e Marielle Franco apresentam a Escola de Formação Política Sementes de Marielle.

    Sob o governo Bolsonaro, as eleições municipais de 2020 já seriam um grande desafio para as mulheres em luta. Com a pandemia, agravou-se ainda mais a retirada de direitos e a precarização da vida. Por isso, nossa escola de formação busca fortalecer as companheiras do PSOL de norte a sul do país, para ocupar a política e construir a disputa eleitoral com um programa feminista, antirracista, transinclusivo e anticapitalista, que coloque a vida acima do lucro, em defesa das vidas das mulheres.

    Datas: 15, 22 e 29 de agosto
    Público-Alvo: mulheres, filiadas ao PSOL, que serão candidatas em 2020 e/ou integrantes de equipes dessas candidaturas.
    Inscrições: no site da fundação até o dia 13 de agosto. www.laurocampos.org.br/curso/

    Participe e Construa a Escola de Formação Política Sementes de Marielle, seguiremos plantando nossa força e rebeldia pela vida das mulheres!

    Para mais informações, entre em contato pelo e-mail: formacaomulherespsol@gmail.com

    PROGRAMAÇÃO

    DIA 15
    MESA I – 9h às 12h – “A luta feminista antirracista e transinclusiva no mundo e a construção de um novo futuro”

    MESA II – 14h as 17h “Uma agenda feminista para a crise”

    DIA 22
    MESA III- 09h às 12h – “Qual é a função de uma campanha feminista? Mandatos feministas e o Papel da eleição em tempos de crise”

    GRUPOS DE DISCUSSÃO TEMÁTICA – 14h às 17h: “Construção de uma cidade para as mulheres”

    Eixos:

    1. Saúde
    2. Trabalho e Renda
    3. Educação
    4. Moradia
    5. Segurança pública
    6. Assistência Social
    7. Territorialidade
    8. Mobilidade Urbana e Acessibilidade

    DIA 29
    Oficinas de Comunicação e Jurídico/Contábil – uma em cada turno

  • DEVEMOS ORGANIZAR A GREVE GERAL SANITÁRIA

    DEVEMOS ORGANIZAR A GREVE GERAL SANITÁRIA

    DEVEMOS ORGANIZAR A GREVE GERAL SANITÁRIA

    Por Francisvaldo Mendes, presidente da FLCMF

    A pandemia do CORONAVIRUS não é uma “gripezinha”, mas poderia ser uma referência ao que foi chamada Gripe Espanhola ou, segundo a OMS, a GRANDE GRIPE. Evidente que não se sabe, pode ser o predomínio da ignorância em todas as dimensões. Certamente ainda que é muito provável que tal afirmação seja produto do peso da arrogância e do sentimento de “to nem ai para a vida das outras pessoas”, com muitos impactos simbólicos e materiais no momento atual do tempo. Seja como for, as muitas evidências diferentes não se firmam como fatos, mesmo se levando em conta que muito provavelmente, as duas últimas possibilidades misturadas apresentam uma imagem simbólica dos principais personagens da triste “festa” que toma o mundo e o Brasil. Basta sentir e constatar um palco no qual as principais personagens desse evento desastroso são arrogância e ignorância em meio ao salão de mortes.

    É importante conhecer e articular, na política atual, o significado real do impacto devastador da GRIPE ESPANHOLA, que nada de “gripezinha” representou. As enormes pancadas da pandemia no início do século XX foram na vida das pessoas e não na tal economia tão falada, situação pouco considerada nesse momento. Conhecer, estudar, pensar criticamente com repertórios e recursos no terreno da história não são práticas recorrentes no capitalismo e no momento atual diminuem a influência nas pessoas em escala mundial.

    Cabe sim registrar o significado e a importância que há em falar da GRANDE GRIPE ou Gripe Espanhola. Trata-se dos ventos de destruição que tomaram o mundo no início do século passado, mais precisamente nos anos de 1918, 1919 e 1920, que empurrou cerca de 50 milhões de pessoas para a morte. Um mundo com aproximadamente 2 bilhões de habitantes viveu o impacto da doença em cerca de 500 milhões de seres humanos existentes na época. Ou seja, cerca de 25% da população existente naquele tempo. Tratam-se de números expressivos, tanto pela quantidade quanto pelas as razões de sua existência.

    A quantidade de mortes, com o número alarmante de pessoas que sofreram a imposição da diminuição do tempo de vida na sociedade, é assustadora. Este devastador impacto no sentimento humano foi praticamente esquecido, principalmente no Brasil. O que ocorreu já apresentava condições absolutamente suficientes para criar uma intolerância com a organização do sistema e o modo de produção que se conceitua CAPITALISMO. Não vamos ver calados tratarem a economia como coisas e não como transformação da natureza e produção que só pessoas vivas podem realizar. Portanto, a economia que nos interessa é como as pessoas se relacionam entre si e com a natureza para manter suas vidas. E assim vendo vamos muito mal nos tempos atuais porque há de sobra a destruição da vida no globo terrestre, impulsionada pela política que predomina no Brasil e no mundo. E a problemática real para as pessoas está longe de ser as contabilidades de PIBs ou de quantidade de mercadorias que circulam no trágico mercado.

    Ou seja, tratam-se de razões políticas, inclusive o que motivou, no início do século passado, a primeira grande guerra. Não se pode esquecer, o período daquela pandemia estava encostado no que foi conhecido como primeira guerra mundial, e justamente em novembro de 1918, tempo que se conhece como data de fim da guerra. Registra-se, “desconhecida” para a maioria das pessoas, principalmente em países como o Brasil, que os grupos sociais mais afetados, são impossibilitados pelo Estado e pela política que predomina no capitalismo, ao acesso do conhecimento real acumulado. Estes são também os grupos sociais impedidos de viver.

    O Brasil viveu, no tempo da GRIPE ESPANHOLA, segundo as pesquisas, o impacto na vida de cerca de 100 mil pessoas ou mais. Na época a doença chegou em cerca de 0,5% do total da população. Era a época dos portos e não dos aeroportos e o foco, no início do século passado, foi em Recife, Salvador e Rio de Janeiro. A formação desigual que predominava na época e até hoje predomina no país, com desigualdades múltiplas que atingem até a distribuição da população no território físico nacional, fez com que em pouco tempo chegasse em São Paulo.

    Ainda que seja importante, para pensar os efeitos da política e do peso negativo da ausência do conceito de seguridade em nossos arcos ideológicos, a gripe espanhola é pouco estudada, mesmo nas poucas organizações populares que mantem viva a chama da formação política dos sujeitos. Na vida o natural está só em viver e morrer, mas nada de natural há em como se vive, no tempo de vida e em como se morre; fatores que são imposições da política. E a política que predomina no mundo pelos agentes do capitalismo, sejam os burgueses ou seus articuladores ou propagandista, é devastadora para os mais empobrecidos materialmente.

    O Brasil já ultrapassou dois milhões e meio de pessoas infectadas e noventa mil mortes. Estamos na escala de 1,5% de infecções e sabemos que as pessoas que moram em periferias e favelas, e a multidão que vive da venda de sua força de trabalho são os grupos sociais mais atingidos. Ou seja, o que a OMS batizou de grande gripe, a Gripe Espanhola, já perdeu seu lugar de maior destruição das vidas. Mas ainda que se trate no passado e no presente de gripes com efeitos biológicos contrários a vida, a razão para que isso ocorra como está tomando o mundo. E está se avolumando de forma brutal principalmente no decadente império dos Estados Unidos e na lamentável colônia Brasil, que juntos acumulam os principais números decrépitos desta assustadora pandemia. Segundo os mapas de mortes o mundo foi impactado com 667.084 pessoas que tiveram a vida ceifada até agora. Desse total, só EUA e Brasil juntos reúnem cerca de 250 mil, ou seja, esses dois países representam juntos mais de 37% das mortes. Mas essas são informações conhecidas, divulgadas, que pairam nas estatísticas de morte que, no tempo atual, sem guerra mundial, como ocorreu no passado, predominam em nosso tempo.

    Para além das tristezas, dos piores sentimentos de medo e pessimismos, temos que nos unificar e fazer o tempo viver a potência da grande maioria que somos: todas as pessoas que vivem da venda da força de trabalho, ou seja, trabalhadoras e trabalhadores. As pessoas que constroem e sustentam a vida nesse mundo não podem observar passivamente que os ricaços, em países como EUA e Brasil, em plena pandemia, aumentam suas fortunas enquanto os empobrecidos pelo sistema são empurrados para a morte. Sabemos o caminho: taxar as grandes fortunas, garantir renda básica universal e organizar uma grande greve geral sanitária. Essas são as práticas exigidas no presente para defender a vida com solidariedade e participação ativa.

  • Celso Furtado e a utopia da Nação

    Celso Furtado e a utopia da Nação

    Celso Furtado e a utopia da Nação

    Em 2020 comemoram-se os cem anos de um dos principais teóricos mundiais do desenvolvimento e o mais importante economista brasileiro do século XX. Celso Furtado sempre foi um homem ligado ao Estado e à atividade acadêmica, constituindo-se num raro e feliz caso de intelectual da ação. Para ele, só haveria transformação social com planejamento, industrialização e soberania

    Por Leda Maria Paulani

    Em meio a dias sombrios, de confinamento e impotência, é uma felicidade poder escrever sobre Celso Furtado (1920-2004). É como se despertássemos de um pesadelo e pudéssemos voltar a sonhar. Mas ao mesmo tempo, o desalento e a tristeza nos invadem.

    O que acontece com nosso país desde 2016 o está transformando no oposto daquilo que Celso Furtado esperava. Nascido há 100 anos, esse homem público de rara grandeza de espírito, jurista de formação, mas economista por opção, pensava que este florão da América não poderia ser pequeno. Para Furtado, um país qualquer, sem autonomia, geopoliticamente sem importância, esse destino tão mixo não combinava com a imensidão do território, a abundância de recursos naturais, o imenso mercado potencial do país.

    No grandioso imaginário nacional de meados do século XX, o futuro que se entrevia para o Brasil era o de um país forte, dono e senhor de seu destino, com economia e cultura próprias e com um lugar ao sol no comando dos rumos mundiais. Furtado acreditava nesse destino

    No grandioso imaginário nacional de meados do século XX, era outro, sem dúvida, o futuro que para o Brasil se entrevia: o de um país forte, dono e senhor de seu destino, com economia e cultura próprias e com um lugar ao sol no comando dos rumos mundiais. E Furtado acreditava nesse destino. Mas acreditava também que, para efetivá-lo, seria preciso, durante algum tempo, preservar o país das forças cegas do mercado, completar o processo de industrialização, planejar a redução das desigualdades regionais e de renda, e fortalecer a sociedade civil no sentido da preservação das instituições democráticas. O golpe militar de 1964 foi um enorme banho de água fria nesse sonho, mas a esperança ficou com Celso Furtado até quase o final de sua vida.

    Um encontro animador

    Tive o privilégio de conhecê-lo pessoalmente. Em 1997, com a Revista de Economia Aplicada dando os primeiros passos, o editor e colega, o professor Carlos Roberto Azonni convidou-me para entrevistar o grande economista. Numa iniciativa muito bem-vinda, o professor Azonni inaugurara na jovem revista uma seção chamada Como eu pesquiso, cuja finalidade era entrevistar grandes nomes da economia para que eles contassem de que modo haviam escrito seus livros mais famosos. No caso de Furtado, tratava-se, é claro, da Formação econômica do Brasil. Não é preciso dizer que fiquei felicíssima com o convite e aceitei na hora.

    O caráter inequivocamente gratificante da tarefa, ficou-me evidente mesmo antes de ir ao Rio de Janeiro, em companhia do professor Armênio de Souza Rangel, também da Faculdade de Economia e Administração da USP, realizar a entrevista. Sabendo que eu iria, Celso Furtado disse a seu interlocutor (professor Roberto Smith, encarregado pelo professor Azzoni de contatá-lo) que ficava muito contente de que fosse eu uma das pessoas a entrevistá-lo. Quando o professor Armênio me pôs a par disso, fiquei espantadíssima, pois não fazia a menor ideia de que ele me conhecia. Depois de muito matutar concluí que ele guardara meu nome por conta da polêmica que, um ano antes, eu travara com Gustavo Franco (então diretor da área externa do Banco Central) nas páginas da Folha de São Paulo, acerca de um texto que ele escrevera sobre a inserção externa do Brasil e que o presidente FHC tornara muito famoso ao dizer que, com ele, Franco “tinha feito a revolução copernicana na economia”.

    A abundância de mão de obra e a propensão a importar das camadas superiores da sociedade compuseram um movimento que por longo tempo aprisionou nossa evolução econômica numa dinâmica determinada completamente de fora, pelo vaivém dos ciclos de exportação

    O texto era um pastiche formalizado (ou seja, transformado em modelo matemático) das máximas neoliberais então em alta, e basicamente colocava no processo de substituição de importações e nas “veleidades nacionais” (essa preocupação com industrialização e com mercado interno, essa insistência em ter o Estado no planejamento e controle de tudo) como os grandes culpados pelo atraso do país.

    Dado o tema e o contexto dessa polêmica, concluí que só podia ser essa a explicação do fato de Furtado, que dividia o tempo entre o Rio e Paris, conhecer o nome de uma professora de economia iniciante que ensinava em São Paulo, e de ter gostado de saber que eu iria entrevistá-lo. Concluí isso, mas fiquei sem saber se estava certa, pois não tive coragem de perguntar quando da realização da entrevista, que foi interessantíssima.

    Lucidez e esperança

    Sua figura impressionava não só pela lucidez e raciocínio arguto, mas também pela esperança, que, apesar de tudo, continuava a demonstrar na realização, um dia, do futuro majestoso que julgava ser possível para o país.

    Esperança, por sinal, foi o nome que o professor Luís Carlos Bresser Pereira decidiu colocar na coletânea de artigos por ele organizada sobre Celso Furtado por ocasião de seus 80 anos, completados em 2000 (A grande esperança em Celso Furtado, São Paulo, Editora 34, 2001). O professor Bresser me contatara em meados de setembro desse ano para saber se eu escreveria um artigo para esse livro que ele estava organizando. Claro que disse sim, pois teria até fevereiro do ano seguinte para escrevê-lo, mas me arrependi depois.

    Antes que eu conseguisse levar a cabo a tarefa, a qual planejara para janeiro de 2001, veio o convite do professor João Sayad, meu colega de departamento na FEA, para assessorá-lo na

    Secretaria de Finanças da Prefeitura de São Paulo, para onde ele iria a convite de Marta Suplicy (então no PT), recém-eleita prefeita da cidade.

    Sabedora do tamanho do desafio que teria pela frente, pois pegaríamos as finanças municipais em difícil situação, depois de oito anos da dupla Maluf/Pitta, julguei que não teria condições de escrever o artigo. Minha intenção era conseguir terminar de ler a trilogia autobiográfica de Furtado, publicada alguns anos antes (Fantasia organizada, fantasia desfeita e Os ares do mundo, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1997) para melhor embasar minhas considerações sobre a obra e sua importância. Com aquele inesperado e gigantesco desafio pela frente, sem contar com as atividades na universidade (aulas, orientações) que não paravam, percebi que isso seria quase impossível, e escrever qualquer coisa eu não queria.

    Tentei recusar, mas o professor Bresser não aceitou; deu-me um pouco mais de tempo, disse que fazia questão do artigo. Fiquei sem alternativa e me desdobrei trabalhando alguns fins de semana e noites a fio para conseguir terminar de ler a citada trilogia (leitura deliciosa, por sinal) e escrever algo que eu julgasse à altura do homenageado.

    Melhores ideias

    Editado o volume, tive uma recompensa muito maior por esse esforço do que a mera publicação de mais um artigo. Para minha surpresa, recebo um dia, pouco tempo depois do lançamento do livro, uma mensagem eletrônica de Celso Furtado, dizendo que tinha gostado muitíssimo de meu artigo e que, pela primeira vez, alguém tinha conseguido colocar, em cerca de 20 páginas, de uma forma sistematizada, todas as melhores ideias que ele tinha tido na vida. Vindo dele era um elogio e tanto.

    É só a partir de 1930, afirma Furtado, que se pode efetivamente falar em industrialização no Brasil. É esse o Brasil que ele descobre, com sua economia nacionalmente constituída, com a consolidação do mercado interno, com seu centro dinâmico deslocado de fora para dentro do país e com o vasto território economicamente integrado

    Essa mensagem ficou como um troféu por muito tempo em meu computador, sem que eu tivesse a ideia de imprimi-la e guardá-la fisicamente. Em tempos em que se trabalhava com editor de mensagens e computação em nuvem ainda estava fora do horizonte, um belo dia, um vírus destruiu o HD da máquina e a mensagem se perdeu para todo o sempre no paraíso virtual, impedindo-me de comprovar a história. De qualquer maneira é com esse aval dado pelo próprio Celso Furtado, que vou tentar alinhavar, nos poucos parágrafos que me restam, a forma como conectei algumas de suas considerações teóricas, focando em seu diagnóstico de nosso país e nas possibilidades de sua construção como Nação.

    Os anos na Cepal

    Na Fantasia Organizada, Celso Furtado conta que “descobriu o Brasil” no final da década de 1940, escrevendo um ensaio que viria a ser publicado na Revista Brasileira de Economia e que daria origem, dez anos depois ao Formação. Já muito influenciado pelas ideias do economista argentino Raúl Prebisch (1901-1986), com quem viria a trabalhar na Comissão Econômica para a América Latina (Cepal) e sem dar ouvidos à admoestação de Eugênio Gudin (1886-1986), que dissera que ele apelava demais para a imaginação em suas análises, e que deveria ter sido romancista, não economista, nosso autor estava então obcecado pela ideia de compreender o Brasil, particularmente as causas de seu clamoroso atraso.

    Mas, ao invés de trabalhar com a ideia prebischiana de periferia, Furtado optou por fazer a análise a partir da ideia de economia colonial, que lhe permitia inserir o país num quadro histórico. Assim, a famosa deterioração dos termos de troca, conceito chave da economia cepalina, vai aparecer como um corolário natural da vinculação metrópole-colônia, constituindo dessa forma um aspecto particular da tendência geral do capitalismo de concentrar renda. Ele já vislumbrava aí o famoso mecanismo de socialização das perdas, que marcava os períodos de contração cíclica de nossa economia, e cuja dinâmica ele vai detalhar na Formação. Mas o que ele descobre sobre o comportamento da economia brasileira nas fases de prosperidade tem talvez ainda mais importância: dada a elevada propensão a importar das camadas superiores, a demanda efetiva aumentada desses períodos, ao invés de reverter para dentro, gerando produto e emprego e elevando a renda monetária, vazava para fora, gerando uma pauta de compras e vendas externas em tudo favorável à perpetuação do mecanismo de transferência de renda ao exterior. De outro lado, a oferta de mão de obra fortemente elástica tampouco contribuía para o fomento ao mercado interno, pois, mesmo nos momentos de ascenso cíclico, os salários não cresciam.

    Dinâmica aprisionada

    Esses dois elementos percebidos por Furtado (a abundância de mão de obra e a propensão a importar das camadas superiores) compuseram um movimento que por longo tempo aprisionou nossa evolução econômica numa dinâmica determinada completamente de fora, pelo vaivém dos ciclos de exportação. Esse círculo vicioso só vai ser quebrado com a grande crise dos anos 1930, que coloca em marcha o processo de substituição de importações e faz a indústria crescer de importância, deixando de ser mero apêndice do setor primário-exportador. É só a partir daí, afirma Furtado, que se pode efetivamente falar em industrialização no Brasil.

    É esse o Brasil que Furtado descobre, com sua economia nacionalmente constituída (a consolidação do mercado interno colara os cacos herdados de ciclos exportadores anteriores), com seu centro dinâmico deslocado de fora para dentro do país e com o vasto território economicamente integrado, graças à geração cada vez mais intensa de renda monetária em função do fortalecimento do mercado interno.

    As elites escolheram a tutela militar, que produziu um processo de crescimento econômico com retrocesso de desenvolvimento social e, depois disso, foram seduzidas pelas promessas da globalização e do neoliberalismo

    Jogou-se, a partir daí, no colo do país, a possibilidade histórica de se constituir como Nação soberana, já que o centro dinâmico da evolução material passara a ser a economia doméstica. Mas, coerente com a percepção de que o subdesenvolvimento é um tipo específico de desenvolvimento capitalista (e não uma etapa na história econômica dos países), Furtado considerava que, para essa possibilidade se transformar em realidade seria preciso planejadamente tomar as providências elencadas no início deste artigo: completar o processo de industrialização, planejar a redução das desigualdades regionais e de renda, e fortalecer a sociedade civil no sentido da preservação das instituições democráticas. Caberia a nossas elites dar conta dessa tarefa.

    A construção interrompida

    Mas a história não caminhou nesse sentido. As elites escolheram a tutela militar, que produziu um processo de crescimento econômico com retrocesso de desenvolvimento social, e depois disso foram seduzidas pelas promessas da globalização, e do discurso (neo)liberal que a acompanhou. Para Furtado, esse movimento viria interromper o processo de construção da Nação. Num pequeno livro lançado em 1992 (Brasil: a construção interrompida, Rio de Janeiro, Paz e Terra), Furtado escrevia: “Interrompida a construção de um sistema econômico nacional, o papel dos líderes atuais seria o de liquidatários do projeto de desenvolvimento que cimentou a unidade do país e nos abriu uma grande opção histórica”. Apesar de reconhecer “que o tempo histórico se acelera e que a contagem desse tempo se faz contra nós”, ele mantinha a esperança. Falava ainda em “projeto nacional” e se referia ao Brasil como um “país em formação”. É só no ano 2000 que Furtado parece finalmente ter sido tomado pelo desalento. Numa entrevista ao jornal Valor ele afirma: “Agora o Brasil chegou ao extremo (…) O triste é imaginar que um país em construção fosse entregue ao mercado.”

    Furtado não viveu o suficiente para testemunhar o sucesso, ainda que temporário, de um projeto reformista que, a despeito de fomentar a riqueza financeira e andar na contramão do que ele prescrevia com relação à importância da indústria e à necessidade de reverter o desenvolvimento tecnológico dependente, ao menos buscou combater com vontade e perseverança a miséria e a desigualdade. Tampouco teve o dissabor de ver nossa democracia e as instituições erigidas pela alvissareira constituição de 1988 serem destruídas por um golpe jurídico-civil-midiático, que teve como consequência a ascensão de um governo protofascista, além de ultraliberal.

    Furtado como todo bom nordestino, era antes de tudo, um forte. Mas se ele já estava desalentado pela entrega do país ao mercado, este último desfecho lhe causaria com certeza um desgosto infinito.

    *Leda Maria Paulani é professora titular (sênior) do Departamento de Economia da FEA-USP e pesquisadora do CNPq

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