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  • Uma assembleia de povos defende a Amazônia

    Uma assembleia de povos defende a Amazônia

    Uma assembleia de povos defende a Amazônia

    Como ocorreu no passado, o coronavírus está sendo instrumentalizado para promover o etnocídio e o ecocídio, em diversas regiões, com particular destaque para a Amazônia. Estes sinais também são percebidos nos demais países que compõem a Panamazônia

    Por *Luiz Arnaldo Campos e **José Correa Leite

    “Com estes que fizemos cristãos saltou a morte de maneira que nos matou três principais e muitos outros índios e índias”.

    Desta forma um jesuíta, sediado em São Vicente, descrevia um dos surtos de sarampo e varíola que, entre 1560-1565, devastava aquela que era então uma das capitanias hereditárias mais promissoras do Brasil. Estas epidemias que se repetiram sazonalmente por séculos afora, chamadas de “cataclisma biológico” pelo antropólogo Henry F. Dobbins, são o legado mais permanente deixado pelos europeus para os povos originais do continente, mais tarde chamado de América.

    Esse legado etnocida volta agora, em 2020, a assolar, com o Covid- 19 os povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais de nosso continente. E são eles, que na era das mudanças climáticas, enfrentam o agronegócio e o extrativismo; são eles que vem, com suas vidas, defendendo a Amazônia e outros bens comuns indispensáveis à manutenção de uma vida próspera em nosso planeta. Mas dessa vez não estão lutando isolados e tomam a dianteira para construir as iniciativas e alianças necessárias para derrotar os invasores. Esse é o sentido da Assembleia Mundial pela Amazônia, cuja primeira reunião ocorrerá em 18 e 19 de junho.

    A Guerra Bacteriológica

    As epidemias sempre foram a mais eficiente arma dos colonizadores no seu afã de se apoderar das terras indígenas, simplesmente eliminando ou expulsando populações inteiras de seus territórios ancestrais, permitindo que estes fossem incorporados ao espólio de guerra do conquistador. São muitas as histórias e os relatos que noticiam a devastação das epidemias de varíola, sarampo e gripe entre os povos originais, do século XVI ao XX.

    Mas de todos o mais impressionante é o Relatório Figueiredo, documento de sete mil páginas de autoria do procurador Jader Figueiredo Correia, que recolhe as violações cometidas contra os povos indígenas do início do século XX até os anos 60. Não por acaso este documento produzido para uma CPI da Câmara dos Deputados, instalada em 1967, ficou desaparecido até 2013, quando foi resgatado pelo pesquisador Marcelo Zelic, de um arquivo perdido no Museu do Índio, no Rio de Janeiro. Neste relatório são listadas dezenas de ocorrências, onde agentes dos latifundiários mancomunados com funcionários do próprio Serviço de Proteção ao Índio-SPI entram em aldeias isoladas ou de contato recente e deliberadamente introduzem a varíola e o sarampo através de roupas e objetos contaminados. Em outros casos, o expediente utilizado foi o arsênico, misturado ao açúcar ofertado aos indígenas.

    O relatório Figueiredo comprova de maneira cabal que a guerra bacteriológica e química foi utilizada até bem pouco tempo no Brasil contra os povos indígenas, com o objetivo de despovoar regiões que foram posteriormente ocupados por grandes fazendeiros.

    Passando a Boiada

    Agora, em 2020, quando a pandemia do coronavírus aparece exatamente no momento em que o governo federal lança uma pesada ofensiva contra as terras indígenas, há muitas razões para se botar as barbas de molho. Nos últimos ano e meio o governo Bolsonaro tem estimulado processos de alienação de terras públicas (entre as quais os territórios indígenas e quilombolas) em favor de sua apropriação privada por fazendeiros e mineradoras. Neste sentido vão suas repetidas declarações em favor da liberação da exploração garimpeira em terras indígenas e o desmantelamento dos órgãos públicos destinados a defender as reservas dos povos originais, os parques e reservas florestais.

    Os dados são eloquentes: segundo o Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia, o desmatamento da região em abril de 2020 foi o maior dos últimos dez anos, com um aumento de 171% em relação aos números de abril de 2019. Enquanto isso as multas por desmatamento ilegal foram praticamente suspensas desde outubro de 2019, por causa de um decreto presidencial estabelecendo que as penalidades, aplicadas pelos órgãos de fiscalização, devem ser revistas em audiências de conciliação nas quais podem ser oferecidas descontos ou até anulações das infrações. Em consequência, desta data até hoje, em apenas cinco casos foi imposto aos infratores a obrigação de pagar seus mal feitos, ficando milhares de multas sem nenhum efeito. Uma política deliberada de destruição da floresta vem sendo estimulada pelo governo e efetivada pelos fazendeiros: em 10 de agosto de 2019 eles desencadearam o “Dia do Fogo”, um movimento conjunto para incendiar áreas da maior floresta tropical do mundo.

    E não foi só isso: em 30 de abril O Ministério do Meio Ambiente e o IBAMA exoneraram Renê Luiz de Oliveira e Hugo Loss, responsáveis por operações contra crimes ambientais no país. Os dois foram demitidos depois de ordenarem ações que fecharam garimpos ilegais nas terras indígenas Apyterewa, Cachoeira Seca, Trincheira Bacajá e Ituna Itatá, no Sul do Pará. Nestas operações foram destruídos mais de 70 tratores, pás carregadeiras e outros equipamentos. A perseguição aos defensores da natureza estimulou a agressividade dos grupos criminosos, registrando-se nos primeiros meses deste ano tentativas de emboscadas contra os fiscais do IBAMA em Uruará, na Transamazônica paraense e no Parque Estadual Guajará-Mirim, em Rondônia. Além destes ataques, a invasão de territórios indígenas e quilombolas, por parte de garimpeiros e todo tipo de intrusos, se multiplicou, espalhando o vírus por áreas que deveriam estar protegidas.

    O desmantelamento das estruturas da FUNAI segue de forma acelerada. No governo Bolsonaro, a FUNAI passou do Ministério da Justiça para o Ministério da Família, da Mulher e dos Direitos Humanos, dirigido pela “terrivelmente evangélica” Damares Alves. A responsabilidade sobre a demarcação de terras indígenas e pareceres sobre o licenciamento ambiental de projetos que impactam as terras indígenas, passou da FUNAI para a Secretaria de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, cujo secretário, Luís Antônio Nabhan Garcia é presidente licenciado da UDR, que tem indígenas, quilombolas e camponeses sem terra no rol de seus inimigos.

    Tudo isso é um estímulo a ataques e invasões de garimpeiros e fazendeiros não só às terras indígenas como também aos quilombolas. Recentemente, na Chapada dos Veadeiros, em Goiás, áreas quilombolas de cerrado nativo, correspondente a 1400 campos de futebol foram postas abaixo por funcionários de duas fazendas vizinhas. Desassistidos pelo Estado, sem planos de emergência e extremamente vulneráveis, as populações indígenas, quilombolas e ribeirinhas são o alvo de uma nova ofensiva contra suas terras e o seu direito de existir, onde a pandemia é apenas mais uma arma, de caráter bacteriológico, no arsenal do governo, dos latifundiários, garimpeiros e empresas de mineração. Como disse o Ministro do Meio-Ambiente, Ricardo Salles, “o governo precisa aproveitar o momento onde a mídia só fala do covid-19 para ir passando a boiada”.

    Os Povos Defendem a Amazônia

    Como ocorreu no passado, o coronavírus está sendo instrumentalizada para promover o etnocídio e o ecocídio, em diversas regiões, com particular destaque para a Amazônia. Estes sinais também são percebidos nos demais países que compõem a Panamazônia.

    É por isso que diversas redes, movimentos sociais e articulações de povos indígenas, com atuação na região, como o Fórum Social Panamazônico (FOSPA), Rede Eclesial dos Povos da Amazônia (REPAM) e a Coordenadora das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (COICA) e seu capítulo brasileiro, a COIAB estão organizando uma Assembleia Mundial pela Amazônia, evento/processo virtual que ocorrerá nos dias 18 e 19 de julho focado em três objetivos: exigir dos governos a execução de programas concretos de apoio aos povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e moradores das cidades amazônicas atingidos pela pandemia; uma campanha mundial de boicote às empresas e produtos frutos da destruição da Amazônia; e realização de ações de caráter mundial que difundam os perigos pendentes sobre a Amazônia e seus povos.

    Como uma espiral, a Assembleia Mundial pela Amazônia pretende se desenvolver como um espaço aberto onde possam se congregar centenas de organizações com lutas concretas no terreno amazônico e outras tantas forjadas na solidariedade com a Amazônia e suas populações.

    Na verdade, a Assembleia Mundial pela Amazônia é uma espécie de grande trincheira onde vão se agrupando todos e todas com consciência de que na Amazônia se trava uma batalha decisiva para os destinos da Humanidade. Por sua natureza e pela riqueza cultural e espiritual dos seus povos a Amazônia é um território onde a construção de um mundo igualitário e não predatório pode hoje ser concretamente experimentado. Se o ecocídio e o etnocídio triunfarem na região, as esperanças para a Humanidade se tornarão ínfimas.

    A Assembleia Mundial pela Amazônia pretende mobilizar todas e todos para essa batalha urgente e necessária.

    *Luiz Arnaldo Campos é cineasta, membro da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco e esteve recentemente na Venezuela.
    **José Correa Leite é, desde 1998, professor da Faculdade de Comunicação da Fundação Armando Álvares Penteado – FAAP. 

  • A VIDA NÃO É MERCADORIA E AS PESSOAS NÃO SÃO COISAS

    A VIDA NÃO É MERCADORIA E AS PESSOAS NÃO SÃO COISAS

    A VIDA NÃO É MERCADORIA
    E AS PESSOAS NÃO SÃO COISAS

    Por Francisvaldo Mendes, presidente da FLCMF

    O coronavirus está tirando o pano da cabeça da medusa e podemos virar pedra a qualquer momento, acimentados por doenças e mortes. Mas não se enganem, a cabeça da medusa estava exposta e os problemas que aparecem hoje não chegam por responsabilidade do COVID, mas por responsabilidade da política e da organização do sistema no mundo, conhecido como capitalismo. O impacto dos países colonizados e de capitalismo tardio com a doença é desastroso, pelas conquências para a vida ou pelo roubo da vida que a doença causa, principalmente pela política implementada.

    As notícias são alarmantes certamente, pois, o país do império decadente, os EUA, possui o maior índice de óbitos na pandemia; mais de 126 mil pessoas já morreram. O Brasil está na fila em segundo lugar com mais de 60 mil mortes. E ainda que vírus mate e não exista corredor ou atleta que possa se esquivar, as razões da morte são pela política implementadas nestes países antes da situação de pandemia, o que infelizmente foi agravado. Há de sobra exemplos empíricos para demonstrar a lamentável situação que nos toma nos dias de hoje.

    Nesse cenário monstruoso, com o mercado vivendo interrupções totais ou parciais, o impacto mais pesado cai sobre as cabeças de quem trabalha na condição de pequeno ou micro empresário ou mesmo como vendedores da força de trabalho. A mercadoria onde impacta maior paralisação é sim a diretamente ligada aos corpos com consequência drástica para as pessoas empobrecidas materialmente pelo sistema. E neste caso, tanto as pessoas que são trabalhadoras quanto as que vivem do belo nome inventado para terceirização ou precarização – microempreendedores – sentem o maior peso do impacto violento de um Estado que não investe na vida.

    Segundo o SEBRAE, as micro e pequenas empresas representam 99,1% do total de empreendimentos registrados. Isso significa mais de 12 milhões de negócios, entre os quais 8,3 milhões são de MEI – microempreendedores individuais. E são esses tais de pequenos negócios – belo nome para o capitalismo seguir a exploração de várias formas no século XXI – os geradores de mais 52% de empregos existentes no Brasil. Ou seja, a grande maioria das pessoas do país passam pelo mal estar do desgoverno que aprofunda e multiplica as doenças existentes na vida.

    Segundo o SEBRE haverá recessão desenfreada e os países mais ricos do mundo tomarão conta dos mais pobres ou com menor poder financeiro, ampliando o imperialismo e os efeitos das colonizações massacrantes das vidas. O Brasil está entre o grupo de países que se estima grande número de caso de falências concentradas nos tais micros, pequenos e médios “negócios”. Mas a vida não é uma mercadoria e não pode ser restringida a um mercado de negócios onde vende quem tem e compra quem pode.

    O SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às micro e pequenas empresas – demonstra, em suas últimas pesquisas e levantamentos, que cerca de 600 mil micros e pequenas empresas fecharam as portas e 9 milhões de funcionários foram demitidos neste período que o país vive a pandemia. Se diz que isso ocorre em razão dos efeitos econômicos da pandemia do novo coronavírus. Mas não é verdade, isso ocorre pela política econômica imposta pelos governos autoritários que colocam o lucro acima da vida. Com a situação atual os efeitos empíricos negativos das políticas desastrosas só ampliam o impacto e o alcance.

    O levantamento do SEBRAE realizado entre os dias 3 e 7 de abril, que envolveu microempreendedores individuais, micro empresas e empresas de pequeno porte, acessou 6.080 empreendimentos e as notícias são desastrosas. Nem os empréstimos, todos que são feitos com juros abusivos, estão acontecendo. Mais de 59% já tiveram os pedidos de ajuda, em forma de empréstimos, negados e mais de 29% ainda aguardam uma resposta, que tende ser negativa. Isso significa portas fechadas, demissões, vidas mais fragilizadas. A ideologia mentirosa e irresponsável de que as pessoas que individualmente correm atrás resolvem suas vidas cai por terra na pior situação.

    É fácil lembrar da onda de ataques contra bolsa família e os diversos auxílios de vida. Muitos desses ataques que foram facilmente acolhidos por esse importante grupo social, com frases do senso comum desrespeitosas às pessoas, como “não se pode dar o peixe, se tem que ensinar a pescar” ou “aumento de vagabundos que ganham sem trabalhar”, retorna violentamente contra a vida. Há filas e filas para os 600 reais que o Estado disponibiliza para os mais empobrecidos, inclusive recheadas de micro e pequenos empresários. Em tempos de fake news as mentiras são mesmo aterrorizantes pois facilmente, com ajuda do desconhecimento e da ignorância, tornam-se verdades que empurram para a morte.

    Então vai mais uma conclamação, um alerta e uma atenção solidária: vamos unificar em defesa da democracia e da vida. A inteligência coletiva é a saída possível para superar o Estado em sua organização decadente e, sem dúvidas, a solidariedade é uma condição humana indispensável para manter e ampliar a vida. Vamos avançar em estudos, formação, organização e ações que mostrem a força da multidão que somos e quanto nós, que do trabalho vivemos, somos seres vivos importantes e não mercadorias como produto exposto em mercado de trocas. Não é o mercado do capitalismo a salvação e sim a unidade das pessoas para um grande mar de vida se impondo contra o lucro.

  • Só as ruas podem superar o caos econômico e sanitário

    Só as ruas podem superar o caos econômico e sanitário

    Só as ruas podem superar
    o caos econômico e sanitário

    Como no mito da caverna, de Platão, uma parte da esquerda olha de dentro do confinamento as sombras gigantes do governo Bolsonaro e conclui tratar-se de um monstro imbatível. Mas se formos olhar a realidade, como nos propõe o grego, o mundo mudou muito da posse para cá. Um ano e meio depois, as expectativas em seu governo e na “nova política” prometida já não empolgam o eleitor que votou preocupado com o futuro do Brasil

    Por Mario Azeredo

    O desprezo com a situação dos mais necessitados, com os desempregados, com os setores médios e, principalmente, o trato com a saúde da população em plena pandemia, desidratou parte da base eleitoral de Bolsonaro. A prisão de Queiroz, as investigações da CPI sobre fake news e as detenções de bolsonaristas que atacam as instituições devem chegar à família Bolsonaro e ampliar o desgaste. É por isso que os generais do governo saíram às pressas para comprar deputados do “Centrão”, tentando evitar um possível impeachment.

    Se até agora a disputa de alternativas se concentrava entre os dois setores da elite brasileira, daqui para frente as ruas vão dar o tom do embate e nosso prognóstico é que Bolsonaro não deve terminar o mandato e sua tropa de fanáticos e criminosos milicianos vão acirrar os ataques. A esquerda consequente, mesmo aquela em quarentena, tem a obrigação de chamar ao enfrentamento para derrubar Bolsonaro. É com um programa com medidas anticapitalistas, sem Bolsonaro na Presidência, que o Brasil poderá enfrentar a grande depressão econômica e o dissabor das mortes pela Covid-19, fruto das criminosas políticas de governo que negam a ciência e as orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS).

    Uma trajetória desastrada

    Há um ano, Bolsonaro estava na ofensiva. Parte considerável dos 57 milhões que nele votou, ainda tinha muitas expectativas no novo governo. Mas, uma sucessão de fatos vem desgastando o presidente. As crises econômicas, social, ambiental e, principalmente, a sanitária se entrecruzam. Nesse último ano, vimos estarrecidos Brumadinho ser engolida pela lama da Vale do Rio Doce e o dia do fogo, que fez São Paulo anoitecer no meio da tarde. Na Amazônia a ordem foi: matem líderes indígenas e ocupem as terras.

    No terreno econômico, os indicadores davam mostras de desaceleração da produção industrial e do investimento. O mesmo acontecia com os indicadores da construção civil. O emprego formal praticamente desapareceu e o Brasil vê saltar o trabalho informal para 39,5 milhões de trabalhadores, sendo 14 milhões ocupados em aplicativos.

    Na arena internacional, o Brasil foi rompendo pontes, uma atrás da outra. Bolsonaro lamentou a vitória de Alberto Fernández na Argentina e disse que o povo escolheu mal o presidente. No Oriente Médio ofendeu palestinos ao anunciar a transferência da Embaixada do Brasil de Tel Aviv para Jerusalém e, agora, o ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub, desagrada israelenses comparando a prisão de seus apoiadores com a Noite dos Cristais

    Na arena internacional, o Brasil foi rompendo pontes, uma atrás da outra. Bolsonaro lamentou a vitória de Alberto Fernández na Argentina e disse que o povo escolheu mal o presidente. No Oriente Médio ofendeu palestinos ao anunciar a transferência da Embaixada do Brasil de Tel Aviv para Jerusalém e agora o ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub, desagrada israelenses comparando a prisão de seus apoiadores com a Noite dos Cristais. O mesmo ex-ministro criou um incidente internacional com piadas sobre os chineses, desagradando o poderoso agronegócio.

    No terreno político Bolsonaro é um verdadeiro “bombeiro louco” que, à falta de água, joga gasolina ao fogo. A promessa de reduzir o número de ministérios foi pelos ares. No desespero para evitar o impeachment, ampliou para 24 os ministérios, para acomodar corruptos do Centrão, da velha política do toma lá dá cá. Chama manifestações pelo AI-5 e guerra contra o Congresso e o STF.

    Economia, pandemia e milícia

    No meio deste “novo normal” na política de Brasília, três fatos são centrais para seu desgaste: a crise econômica, a resposta à pandemia e a relação da família Bolsonaro com as milícias (assassinato de Marielle, laranjal, morte do miliciano Adriano e prisão de Queiroz). Afirmamos que os mais de 50 mil mortos e a brutal crise econômica estão derretendo o capital eleitoral de Bolsonaro, afastando setores importantes da burguesia tradicional e da classe média que veem na administração do ex-capitão e nas relações entre os poderes da República um verdadeiro desastre para seus negócios.

    A reunião ministerial de 22 de abril último foi a gota d’água, um verdadeiro “circo dos horrores”, para uma gestão em turbulências sérias.

    Em nenhum momento, os participantes trataram das dificuldades do SUS para enfrentar a pandemia e nada foi dito sobre o atraso no pagamento do auxílio emergencial. Na verdade, ficou evidente que os mercenários, encabeçados por Bolsonaro e Paulo Guedes, só trataram de expor seus projetos íntimos. Intervir na Justiça e na Polícia Federal para proteger familiares e amigos.

    Enquanto a mídia divulga as mortes, eles aproveitam para “passar a boiada” de destruição da legislação sobre a preservação ambiental, reservas naturais, território dos povos originários e quilombolas; venda do patrimônio público, incluindo o Banco do Brasil e prender os ministros do STF.

    Uma corrente fascista minoritária

    Bolsonaro é parte de um processo internacional que veio se formando na esteira da crise de 2008. Não é um fenômeno isolado. A xenofobia cresceu assustadoramente com a maior onda migratória que a Europa presenciou desde a II Guerra Mundial. Muros para conter refugiados e imigrantes, que fogem de guerras, miséria, fome e perseguições, foram levantados em diversos países. Partidos fascistas e ultranacionalistas viram seus votos aumentarem na Itália, França, Espanha, assim como, grupos neonazistas proliferam na Alemanha e em outras regiões do mundo. Governos como de Modi na Índia e de Viktor Orbán, na Hungria, são também expressões desse fenômeno de intolerância religiosa, nacionalista e com traços fascistas como Bolsonaro. Donald Trump é a expressão mais perigosa dessa vertente, porque preside os EUA, o centro do capitalismo e, consequentemente, influencia os demais países.

    Bolsonaro é parte de um processo internacional que veio se formando na esteira da crise de 2008. Não é um fenômeno isolado. A xenofobia cresceu assustadoramente com a maior onda migratória que a Europa presenciou desde a II Guerra Mundial. Grupos neonazistas proliferam na Alemanha e em outras regiões do mundo

    Esse fenômeno se expressou também na negação desses governos em seguir as orientações da OMS para conter a propagação da Covid-19. Defenderam o efeito rebanho, indo contra o que cientistas de todo mundo apontavam – e que na prática se mostrou correta – política do isolamento. Bolsonaro, mesmo com mais de um milhão de contaminados segue a política da “gripezinha”.

    O importante para nós militantes políticos e lutadores sociais é que independentemente da manutenção ou não de Bolsonaro na presidência, o bolsonarismo é uma corrente que vai seguir atuando na política, no submundo e nas ruas. Tais movimentos respondem a uma base objetiva. Portanto, enquanto não os enfrentarmos politicamente com um programa radical contra as desigualdades e que ataque aos milionários deste país, Bolsonaro seguirá sendo porta-voz de milhões. O líder é o fruto podre de uma sociedade historicamente injusta, que jamais enfrentou o passivo de mais de 300 anos de escravidão e o fato de ser o último país em nosso continente a construir universidades, campeão em concentração de renda e de um Estado autoritário e violento, com a polícia que mais mata e que mais morre e que foi administrado, na maior parte de sua história pelas Forças Armadas ou no mínimo tutelado por elas.

    O golpe aconteceu em 2016

    A existência do bolsonarismo como corrente fascista no país não significa que não podemos derrotá-lo. Para alguns setores da sociedade o grande perigo que corremos é de um golpe que feche mais o regime. Para nós, o golpe já ocorreu. Pouca gente viu esse processo ou quando viu ele já estava consolidado. Pode haver mais restrições às instituições democráticas, claro que sim. No entanto, o que vemos hoje é um movimento inverso. O bloco golpista dividido, as instituições como o STF, Congresso Nacional e frente de governadores enfrentando o governo em diversas pautas democráticas e de combate à pandemia. Por outro lado, todos seguem com a agenda neoliberal de ataque aos direitos e privatizante. Por isso, o “novo” bloco formado por FHC/PSDB, Folha de São Paulo, Estadão, Luciano Huck, Governadores, Maia e STF, não tem nada de novo. Representam a velha elite brasileira que articulou o golpe e foi vítima dele também.

    Como chegamos até aqui?

    O bolsonarismo tem bases objetivas na realidade recente. As insuficientes respostas à crise econômica nos governos de conciliação de classes, em especial de Dilma, somadas à política de descartar o PT como gestor dela, setores do Judiciário com a Lava Jato e a grande mídia impulsionaram o impeachment e a prisão de Lula. Tudo isso com muita fake news.

    Mas, o golpe só foi vitorioso porque Dilma fez escolhas erradas.

    Perry Anderson, em um artigo de 2016, já apontava que a presidenta, ao assumir o segundo mandato, implantou medidas de austeridade que causaram uma profunda recessão, derrubando o PIB em -3,4% ao ano entre 2015/2016. Ela optou por assumir o projeto de seu adversário derrotado nas eleições. Um verdadeiro estelionato eleitoral que cobrou seu preço. Três meses depois da posse, mais de dois milhões de pessoas estavam nas ruas pedindo o impeachment.

    O líder é o fruto podre de uma sociedade historicamente injusta, que jamais enfrentou o passivo de mais de 300 anos de escravidão e o fato de ser o último país em nosso continente a construir universidades, campeão em concentração de renda e de um Estado autoritário e violento, com a polícia que mais mata e que mais morre

    Esse processo foi arquitetado pelos partidos de oposição, pela mídia corporativa e por grande parte dos aliados do governo de coalizão de Dilma, inclusive o MDB do vice Michel Temer. Eles se apoiaram em setores da classe média e dos trabalhadores que viram suas expectativas de consumo e melhoria de vida serem frustradas com o governo da petista.

    Temer, na transição, anunciou o Projeto “Ponte para o Futuro”, que nada mais era do que o ultraliberalismo em defesa do capital financeiro e dos grandes empresários, em detrimento dos direitos e conquistas dos trabalhadores. O plano golpista da burguesia tradicional, no entanto, deu errado. Não foi Alckmin que se beneficiou do golpe e da campanha contra o PT e a esquerda de conjunto, mas um ex-capitão com discurso fascista e defensor da ditadura militar.

    Pós-pandemia promete o caos

    A crise econômica não é produto da crise sanitária, como tenta passar a mídia coorporativa. A pandemia da Covid-19, acelerou todos os sintomas da “gripe” econômica anterior. Vivemos uma gigantesca crise humanitária. Ela tende a aumentar muito até que se consiga uma vacina para aplacar essa tragédia. Mas a crise econômica, que já víamos sintomas desde meados do ano passado, teve um crescimento exponencial com a pandemia. David Harvey já havia alertado de que a política dos juros infinitos levaria a uma explosão da economia.

    A pandemia expôs as contradições do ultraliberalismo. Os representantes no governo diziam não ter dinheiro para investir em saúde, educação, transporte público ou no aumento do salário mínimo. Mas do nada surgiram R$ 1.2 trilhão para os bancos e mais de 50 milhões de brasileiros estão recebendo, com atraso, uma ajuda emergencial de R$ 600,00.

    O bolsonarismo tem bases objetivas na realidade recente. As insuficientes respostas à crise econômica nos governos de conciliação de classes, em especial de Dilma, somadas à política de descartar o PT como gestor da mesma, setores do Judiciário com a Lava Jato e a grande mídia impulsionaram o impeachment e a prisão de Lula. Tudo isso com muita fake news. Mas, o golpe só foi vitorioso porque Dilma fez escolhas erradas

    A promessa pós-pandemia é de milhões de desempregados, subempregados e de miseráveis no mundo. Em um país como o Brasil de economia dependente, será explosivo. Agora sabemos, dinheiro há. Por isso, organizar nossa tropa, estimular e participar das mobilizações que virão em resposta ao ataque a nossa classe será uma grande tarefa.

    Quem vai pagar a conta no pós-pandemia?

    Se depender dos banqueiros, dos Trump e dos Bolsonaro da vida, seremos nós, numa “superexploração” jamais vista. Com ampliação geométrica da miséria e com repressão redobrada sobre as populações pobres e periféricas. Hoje, estamos a passos largos em direção a um limite: superação do capitalismo ou o aumento da repressão sobre as populações periféricas e pobres, por parte das forças policiais, com restrições de espaços democráticos.

    O assassinato de George Floyd nos EUA, assim como o de Marielle Franco se constituíram em sementes de uma rebeldia da população negra e periférica que não aguenta mais a repressão policial, os políticos corruptos que servem ao patrão, as injustiças e a falta de perspectiva num mundo formatado para uma minoria. Agora, estamos assistindo a uma onda internacional contra o racismo e em defesa da saúde pública, como foi o levante em mais de 200 cidades francesas. O Brasil é parte dessa mudança de ânimo das massas.

    Nessa fase tensa da luta de classes onde a extrema direita se organiza para ocupar cada vez mais espaços de poder e legitimidade numa parte da sociedade, faz-se necessário, mais do que nunca, apresentar saídas que apontem para a superação do capitalismo.

    Organizar nossa tropa: Fora Bolsonaro!

    Mas nada acontecerá por fora da luta encarniçada inter e entre classes. Portanto, não é secundário o dilema colocado a nós em plena pandemia. Sair ou não sair às ruas?

    Ninguém quer sair às ruas. A maioria vai trabalhar porque precisa ou porque os patrões obrigam. Os trabalhadores da saúde, os garis, os policiais e milhares de trabalhadores envolvidos diretamente na produção só saem, diariamente, para trabalhar porque suas tarefas são consideradas serviços essenciais. O auxílio emergencial de R$ 600,00 aprovado pelo Congresso Nacional, além da demora, deixou de fora milhões de famílias por questões burocráticas que nada têm a ver com a emergência da vida das pessoas. Então, é claro que o povo pobre sairá e continuará saindo às ruas, mesmo sabendo do risco de ser infectado e de colocar a vida em risco. Outros milhões sequer têm casa ou água e sabão.

    A pandemia expôs as contradições do ultraliberalismo. A promessa pós-pandemia é de milhões de desempregados, subempregados e de miseráveis no mundo. Em um país como o Brasil de economia dependente, será explosivo. Agora sabemos, dinheiro há. Por isso, organizar nossa tropa, estimular e participar das mobilizações que virão em resposta ao ataque à nossa classe será uma grande tarefa

    Todos saem em busca de sobrevivência, de comida para não morrer de fome. Fazem isso porque o Brasil está entre as nações com pior distribuição de renda, com um governo que nega a pandemia, se recusa a seguir as orientações da OMS e mantém o projeto ultraliberal de desmonte da saúde e educação públicas, para entregar aos tubarões do “mercado”. De nossa parte, da esquerda, de movimentos sociais e das próprias torcidas antifascistas que começaram a sair às ruas, também somos parte de um serviço essencial para combater o vírus: derrotar Bolsonaro.

    Portanto, a luta de classes determina a impossibilidade de termos um isolamento social total. Inclusive os grupos bolsonaristas estão submetidos a essa lógica. Se eles não forem às ruas mostrar apoio ao presidente, se não radicalizarem a luta, tendem a ver a base eleitoral de seu chefe se esvair por completo.

    Nessa guerra, acreditamos que mais do que nunca temos que fortalecer o PSOL como parte fundamental da reorganização do movimento de esquerda no Brasil e de um novo bloco histórico.

    *Mário Azeredo é dirigente estadual do PSOL-RS

  • A vida clama pelo tempo do bom senso: vamos construir!

    A vida clama pelo tempo do bom senso: vamos construir!

    A vida clama pelo tempo
    do bom senso: vamos construir!

    Por
    Publicado originalmente em www.pressenza.com

    Vivemos no tempo do senso comum. Tempo este que os sentidos se apoderam do empírico como se tudo fosse natural. E, simplesmente, por ser natural, exista! É lamentável que a morte, que natural é para os vivos, seja imposta às pessoas. Mas não são quaisquer pessoas. As pessoas, as quais a morte é imposta, são empobrecidas pelo mesmo vetor de opressão. São as pessoas que estão nas ruas e não possuem casa e assim precisam viver, ou esperar a morte, mesmo em uma pandemia. São as pessoas da periferia, lugar que é visto pela distância de um centro, pela ausência e carência, como reflexo do predomínio ideológico que se forma como senso comum na mente da maioria das pessoas. Por isso é fácil brotar do grupo social que chamam classe média, medidas que demonstram a pena dos carentes ou a monstrualização dos indigentes, tratando como uma gangorra, as pessoas da periferia;

    Precisa-se, cada vez mais, construir o bom senso hegemônico nesse mundo, e não como um suspiro individual!  Até porque, com um pouco de bom senso lambendo os corpos, fica fácil saber que o indivíduo é uma criação ideológica para empurrar as pessoas para o isolamento. É sim, pode ser lamentável para algumas pessoas, mas o indivíduo não existe! Como já diziam os filósofos gregos da vertente mais crítica, a começar por Aristóteles, somos todos zoon politikon. Somos, portanto, seres históricos. Sujeitos! E, a história, o objeto em questão.

    O bom senso ganha corpo no mundo, historicamente, socialmente, culturalmente e politicamente, quando se investe no conhecimento coletivamente e se supera os raios da ignorância impostos que predominam na organização deste mundo no qual vivemos. E notem bem: agindo para abrir a caixa do cérebro para o bom senso e organizar o vetor da formação histórica, se movimentam corpos pela dignidade humana.

    O pensamento dos gregos possui muito para nos ampliar, assim como o que vem acumulado de bom senso dos pensamentos e das formulações com influências africanas.  Tanto a ôntica humana sustentada em uma humanidade plena, como o trabalho criativo, opus em potencial, nos são negados nesse mundo. Tanto nos é necessário, para inspirar o bom senso a predominar nas pessoas que vivem nesse mundo, a compreensão dos conhecimentos, sem hierarquias, mas também sem deixar misturar as diversas e distintas contribuições para ler, compreender e agir sobre o tempo para transformar esse mundo. São contribuições, inspirações, ensinamentos e energias, para que sejamos sujeitos da vida plena e do trabalho criativo. Assim tanto o conhecimento ancestral passado oralmente, quanto o conhecimento, principalmente escrito, sustentado na pesquisa e formulação científica, nos são fundamentais.

    Notem, construir bom senso no poço da ideologia dominante é um movimento que nos exige investir e ampliar uma inteligência coletiva. Pensar coletivamente, por sua vez, nos exige investimento em acesso aos conhecimentos, formação, compreensão dos diferentes conhecimentos que se ampliam na ação coletiva. Quanto mais coletiva a ação mais multidão seremos na mudança para uma vida digna. Afinal, não pode ser demais para qualquer ser vivo, humano ou não, ter dignidade em viver.

    Não é por menos que nós, homo sapiens, precisamos cada dia aprender mais e mais para transformar a natureza sem destruir. Mas, para isso, precisamos ressignificar nossa relação com a natureza e com nós mesmos, ou seja, uma alteração profunda que coloque o comum em acesso e a favor da vida de todas as pessoas e não de poucos, como há muito vem permeando o tempo dos vivos.

    Sinta-se sujeito de sua vida! E esse movimento tem, ao menos, que construir o bom senso, de que as pessoas com direitos, ampliam os direitos de todas as outras pessoas que padecem do direito roubado. Ou seja, o direito do outro não me faz calar, mas amplia a minha voz. O senso comum exposto na frase “meu direito termina quando começa o do outro” deve ser profundamente superado. Pode-se, sim, perguntar que outro, afinal vivemos em um mundo onde há os iguais, os diferentes, os contraditórios e os antagônicos.

    E os antagônicos?  Estes, sim, são os que empurram a multidão de pessoas para os maiores fardos materiais e espirituais que existem nessa vida. O desafio de ser sujeito na história, nos empurra para a necessária potência criativa que temos, inspirada na ancestralidade e no acesso ao conhecimento. Mas que tenhamos bom senso e muito bom senso, para saber que nada há de natural nesse mundo dos homo sapiens e que os sentidos nos dão prazer de viver, mas não podem organizar, banhados por baldes empíricos, a nossa vida.

    Vamos juntos, então criar uma consciência e inteligência coletiva, que nos amplie para um bom senso que faça a vida ser vencedora e, quem sabe, nos aproxime da crítica criativa, profunda e com a pedagogia da convivência nos organizando. Assim, nos construiremos historicamente, socialmente, culturalmente e politicamente na terra do senso crítico coletivo, criativo e que transforma o comum em comum pra a satisfação material e espiritual de todas as pessoas.

    *Nasceu na periferia da cidade do Rio de Janeiro e desde os 14 anos atua em ações democráticas. Fez parte da Teologia da Libertação e atua com formação política desde os 18 anos, em partidos de esquerda, movimentos sociais e organizações da sociedade civil. Cursou Ciências Econômicas na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e Ciências Sociais na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi da direção do Observatório de Favelas, coordenador da ESPOCC – Escola Popular de Comunicação Crítica – e colaborador do IMJA-Instituto Maria e João Aleixo – desde a sua fundação. Nos dias atuais é colaborador e organizador do IPAD e identifica-se como intelectual orgânico da periferia.

  • INTERNET É O NOVO CAMINHO NEGADO AOS DESPOSSUIDOS

    INTERNET É O NOVO CAMINHO NEGADO AOS DESPOSSUIDOS

    INTERNET É O NOVO CAMINHO
    NEGADO AOS DESPOSSUIDOS

    Por Francisvaldo Mendes, presidente da FLCMF

    O crescimento de 40% a 50% na utilização da INTERNET no Brasil, segundo a ANATEL, com o crescimento de 57% nas reclamações das pessoas por falta de acesso ou péssimas condições no acesso, é um dado importante para a sociedade se debruçar na nova forma de relacionamento social que se estabelece a partir desta pandemia.

    O papel do Estado é importante, principalmente no acesso as informações oficiais para que os cidadãos possam construir caminhos de convivência e superação da desigualdade em que vivemos. O IBGE afirma, por meio de suas pesquisas, que no ano de 2018 cerca de 46 milhões de pessoas no país não tinham acesso a internet. Note-se, estamos falando de uma população que corresponde mais de 25% de todas as pessoas acima de 10 anos de idade.  Mas, seguindo os rumos da naturalização dos sem direitos, o governo federal e seus seguidores no Estado, atuam para aumentar a desigualdade social e agora principalmente no âmbito cibernético, o que privilegia parte da sociedade.

    A hiper ampliação das redes sociais do século XXI, a corrida em busca do universo da internet disparou, principalmente nessa situação em que as pessoas precisam ficar isoladas e confinadas em suas casas para se prevenir do COVID-19. Isso para fala das pessoas que possuem casa, pois, é estrondoso o número das que não possuem uma habitação ou residem em condições desumanas. Mas o Estado, de maneira geral – parlamento, judiciário e executivo – deveria investir em legislações e ações ativas para criação de condições mínimas de sobrevivência da população, garantindo residência para todas as pessoas e proteção da vida.

    Após a garantia do básico para sobrevivência, deveria investir novo meio de relacionamento assegurando acesso à internet de forma livre e gratuita aprimorando as comunicações, investindo em informação e formação que envolve esse universo.

    Nesse momento, que devemos evitar as aglomerações, a internet cumpre um papel ainda mais importante. Se por meio da internet já se havia descoberto um canal de diálogos e conhecimentos em nível internacional para todas as pessoas com um Smartphone em mãos, equipamento que só cresce em produção e lucro no mundo, nos tempos atuais é fundamental, para se ter a saúde do corpo e da mente garantidas a internet é indispensável.

    Encontros, diálogos, comunicações, convivências diversas, são construídas por meio da internet. Assim como a internet tem sido meio para acesso a remédios, alimentos, direitos diversos. E mesmo para as pessoas organizadas pela ideologia, ou na atuação da compra e do consumo, a internet tem sido solução, evidentemente sendo aplicada pelos capitalistas, que estão investindo nisso. Ou seja, internet nos tempos atuais esta sendo aprimorada para acelerar a exploração em detrimento de quem já é explorado.

    Mas por que não se protege as pessoas exploradas em nosso país, inclusive  sobre o uso da internet?  Afinal, só pode ter acesso a internet por meio da “banda larga” quem paga. Então é o grupo que pode pagar e, justamente nesse grupo, os que podem pagar e comprar, consumir mais e mais, ainda mais em tempos de depressão, que se concentra o foco de investimentos do sistema. O mínimo de dignidade ética seria o papel mínimo do Estado para garantir acesso a quem não pode pagar, que com seus “poderes” – governo, parlamento e judiciário – deveria investir em todas as ações para a vida e saúde, que seja nesse tempo de exceção ao menos. A internet é uma dessas ações que precisa de investimentos. E nós que apostamos e investimos na formação e no conhecimento sabemos o quanto é precioso o acesso a internet, principalmente  neste momento.

    Não podemos perder de vista e facilitar o acesso aos sistemas e a tecnologia. O aprimoramento de leis e práticas deve avançar para a tecnologia do 5G, essa nova geração de telecomunicação móvel, que ainda não chegou no Brasil, que já é negociado e existente em mais de 30 países no mundo. Mas nós da periferia do mundo, os mais atingidos pelas desigualdades e os moradores da nossa periferia são duplamente mais atingidos por desigualdades ampliadas nesse país desigual. Mas não podemos nos furtar da nossa potência, pois, tudo que temos de mais “desenvolvido” e com mais direitos é produto de nossa inteligência coletiva, de nossa organização social e da nossa mobilização. As melhores coisas do mundo são conquistas criadas e organizadas por nós, trabalhadores e trabalhadoras.

    Por essas razões o estudo sobre as novas formas de trabalhos via mundo cibernético é primordial para a saúde e a vida de todos os profissionais das mais diversas áreas. A dedicação e o entendimento desta nova realidade evidencia que é importante para todas as pessoas que vivem da venda de sua força de trabalho preservar sua saúde e condições de vida e demais direitos fundamentais quanto ao trabalho por meio de plataformas virtuais e/ou em home office durante e depois do período da pandemia  COVID-19.

    Não podemos ter dúvidas, nossa mobilização é necessária agora, tanto para apoiar medidas de proteção das condições de trabalho, quanto para se contrapor ao Estado Opressor que predomina no Brasil. Não há dúvidas, precisamos avançar. É sim um direito o uso da internet e agora é um direito que faz diferença para preservar e manter a vida. Nós, setores democráticos, populares e que investem em organização, formação e mobilização precisamos ser sujeitos fundamentais nessa luta para garantir a vida, a qualidade de vida, e a condição minimamente humana de nosso povo em nosso país.

  • O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO EM TEMPO DE PRÁTICAS FASCISTAS

    O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO EM TEMPO DE PRÁTICAS FASCISTAS

    O ESTADO DEMOCRÁTICO
    DE DIREITO EM TEMPO DE
    PRÁTICAS FASCISTAS

    Por Valdir Medeiros, Membro da Secretaria de Comunicação Licenciado da Intersindical/CE

    Nunca foi tão necessário defender a nossa “Democracia” como agora. As instituições que são os pilares do nosso “Estado Democrático de Direito” vêm sendo aviltada e provocada constantemente.  O Poder Judiciário e o Congresso Nacional não podem recuar um milímetro por conta desses fascistas de plantão.  Esses ataques vêm sendo orquestrado e patrocinado por grupos extremistas de direita e fascistas.  Entendemos que os membros das instituições cometem erros e devem sim serem criticados e questionados no âmbito da justiça brasileira. Jamais com ameaças pessoais e ataques à honra dos que representam os poderes constituídos. Quem não atenta para esses princípios do nosso “Estado Democrático de Direito” deve ser duramente penalizado de acordo as leis vigentes deste país.

    Em linhas gerais, o conceito de “Estado Democrático de Direito” preza pela liberdade civil, o direito imediato dos direitos humanos ao cidadão, a garantia das instituições democráticas, através de uma proteção ao ordenamento jurídico do país. Cabe a cada uma das autoridades a respeitar e cumprir os ditames desse direito. O Estado Democrático é originário dos antigos povos gregos e seus antigos pensadores, que, no século V a Ia. C., como Sócrates, Platão e Aristóteles, defendiam e idealizavam um estado perfeito, onde se devia pensar no bem coletivo.

    A ideia do “Estado Democrático de Direito “como é propagado nos dias atuais, de fato, nada mais é de um processo de evolução e luta de toda sociedade brasileira. Remete-se aqui ao momento histórico daqueles que pagaram com sua vida nos tempos sombrios da “Ditadura Militar”. Essa luta culminou com a promulgação da Constituição Federal de 1988. A Constituição Federal atual constitui-se como uma grande conquista do povo e dos movimentos sociais, das entidades de classes e jurídicas do Brasil.

    O Estado Democrático é de fato uma posição contrária ao estado de absolutismo em qualquer governo. Já tivemos vários exemplos desastrosos de tirania e ideias absolutas no ato de governar: A França é um exemplo clássico, em razão das Revoluções Burguesas nos séculos XVII e XVIII. A postura autoritária dos governantes, acelerou um misto de revolta nas camadas pobres da época, que lutavam por novos modelos de organização e poder. A burguesia lutava por mais liberdades justamente para manter os negócios comerciais em franco crescimento.

    Cumpre ressaltar que, não se deve confundir “Estado Democrático de Direito” simplesmente pelo fato de o cidadão respeitar as leis vigentes. O ato sublime democrático vai muito além de falácias ou simbolismo (ou seja, isso deve ser acompanhado de uma defesa na prática cotidiana dos governantes). Propostas e ideias autoritárias não cabem mais nesse momento.

    Nesse sentido, o grande Jean – Jacques Rousseau, em fins do século XVIII, defendia que todos fossem livres, onde a liberdade seria algo sublime para o ser humano. Pensou-se na ideia de organização e luta social como um bem que todos têm direito. Essa proposta de soberania social teve uma objetiva realização do bem geral da nossa sociedade. O Momento vivido de ameaças ao “Estado Democrático de Direito” deve ser um exercício diário de todos nós para combatê-las.

    Em síntese, é importante fazermos um destaque importante no artigo 2º da Constituição Federal, cuja relevância nos mostra que os “Poderes da União” são independentes e harmônicos entre si, ou seja, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.  Percebe-se como muita clareza a fundamentação cabal desse tripé que dá sustentação à nossa democracia.

    Essa harmonia é assegurada quando cada um dos poderes tem suas decisões respeitadas. Proíbe-se a interferência nas atribuições constitucionais de cada poder. Cabe ao Legislativo criar leis, o Executivo cumpri-las, por último, o Judiciário cumprir o papel de juiz para dirimir os conflitos. Observa-se que o legislativo tem a função social de criar leis e exercer a atribuição primordial de receber todas as demandas de pautas da nossa sociedade.  Fora desse contexto não é democracia.

    A luta por esse modelo de estado igualitário para todos vai continuar. A busca permanente por uma “Democracia Participativa” e defendida por todos é o caminho. Devemos proporcionar e estimular a participação de pessoas de bem nesse propósito. Isso, passa, também, pela busca incessante de oportunidades, saúde de qualidade, segurança e paz social, moradia e principalmente o direito à educação para todos. Reiteramos, mais uma vez, que a forma de “Estado” da nossa constituição é a paz social, isso posto, cada cidadão ou entidade jurídica tem o dever constitucional de denunciar seus opositores.

  • O Estado na crise da Covid-19

    O Estado na crise da Covid-19

    O Estado na crise da Covid-19

    A crise sanitária provocada pela Covid-19 e o impacto sobre o nível de atividade econômica levaram governos do mundo inteiro a se colocarem como protagonistas no combate à doença e a adotarem uma série de medidas com o intuito de mitigar a grave crise econômica e social que assola os países. O volume de recursos envolvido nessas ações não é desprezível, com destaque para os realizados pelas economias mais fortes. Esse fato levou muitos a caracterizarem essas ações como keynesianas e a considerarem que o mundo pós-pandemia não seria mais neoliberal. É sobre isso que trata este artigo

    Por Rosa Maria Marques

    As medidas adotadas

    Em março, mês em que a Organização Mundial da Saúde (OMS), diante da propagação do novo coronavírus no globo, definia que estávamos vivendo uma pandemia. Importantes instituições como o Banco Mundial e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) defenderam enfaticamente que as perdas decorrentes da crise fossem assumidas pelo Estado, ou seja, que ele atuasse como emprestador de última instância, e que houvesse uma ação conjunta dos governos para vencer as ameaças sanitária, econômica e social provocadas pela Covid-19, respectivamente.

    O Banco Mundial destacou, ainda, a necessidade de as cadeias de pagamento serem protegidas, a simplificação da reestruturação extrajudicial da dívida ou de formas mais radicais como moratória ou programas de adiamento dos pagamentos (para países da América Latina e Caribe) e a possibilidade dos governos, para garantir empregos e apoiar empresas, assumirem participações de propriedade em empresas estratégicas. Já a OCDE, por meio do secretário geral, Angel Gurría, defendeu, além do esforço científico conjunto para garantir o desenvolvimento da vacina, a necessidade de os governos reforçarem a economia, atenuando o impacto negativo imediato mediante três categorias de despesas.

    A primeira, em cuidados da saúde: financiar o uso intensivo de testes, o tratamento universal dos pacientes, o fornecimento de equipamentos de proteção individual para os profissionais da área e a disponibilização necessária de unidades de cuidados intensivos e de respiradores, entre outros.

    É necessário financiar empregos temporários, permitir condições mais flexíveis para a obtenção do seguro-desemprego, destinar transferências de renda para trabalhadores por conta própria e garantir assistência aos mais vulneráveis

    A segunda, dirigida aos trabalhadores e suas famílias: financiar empregos temporários, permitir condições mais flexíveis para a obtenção do seguro-desemprego, destinar transferências de renda para trabalhadores por conta própria e garantir assistência aos mais vulneráveis.

    A terceira, voltada às empresas: considerar o adiamento do pagamento de encargos e impostos; reduzir ou diferir temporariamente o imposto sobre o valor adicionado (IVA – principal imposto na Europa); garantir acesso mais amplo ao capital de giro com a criação de linhas de crédito ou garantias estatais; criar dispositivos especiais de sustentação às pequenas e médias empresas, especialmente nos setores de serviços e turismo.

    Essas ações seriam combinadas com esforços de regulação e supervisão financeira pelos bancos centrais e com o combate ao alto endividamento das empresas e à desigualdade econômica entre as empresas.

    E, assim, procederam os governos pelo mundo, dos mais progressistas aos que têm seus presidentes claramente identificados como sendo de direita.

    Políticas fiscais e monetárias

    O conjunto de medidas adotado pelos países pode ser agrupado em duas categorias, além daquelas relacionadas ao isolamento social: políticas fiscais e monetárias; e políticas de emprego e social.

    De maneira geral, as medidas visaram manter os contratos, adiando e cancelando pagamentos e propondo, em certos casos, a renegociação; manter a liquidez na economia mediante o aumento da oferta monetária; introduzir linha de crédito mais favorável às pequenas e médias empresas; fomentar o crédito para o capital de giro das empresas, especialmente com vista ao pagamento dos salários dos trabalhadores; apoiar os setores de atividade mais afetados pela crise econômica; manter empregos; aumentar a faixa de isenção dos serviços essenciais; ampliar a cobertura da transferência de renda para a população para os novos necessitados, imediatamente prejudicados pela paralisação das atividades econômicas; flexibilizar o acesso ao seguro desemprego; aumentar a disponibilidade de recursos para as ações da área de assistência social e serviços de saúde, nisso incluída a compra de materiais e equipamentos necessários ao combate à Covid-19, entre outras medidas. Parte dessas ações foram objeto de crítica em diversos países, seja pela demora da aplicação e/ou pela baixa efetividade.

    Ao mesmo tempo, quando se tornou evidente a profundidade da crise econômica e a dificuldade que os países teriam para retomar a atividade, o que implicaria a permanência por um longo tempo de um amplo segmento da população em condição de pobreza, houve a retomada da discussão em torno da proposta de uma renda básica. Diferentemente do que ocorreu em outros momentos, essa proposta passou a ser defendida por economistas e personalidades até há pouco identificados com o pensamento neoliberal. No máximo, para sermos generosos, situados em um campo bastante heterodoxo, mas que dificilmente justificam a renda básica como um direito nascido do reconhecimento de que a sociedade deve garantir a todos o acesso ao que se considera o mínimo necessário não só para as pessoas sobrevirem, mas para poderem participar integralmente de todas as atividades, nisso incluído o lazer, a cultura, a educação, a saúde, etc.

    Será o fim do neoliberalismo?

    Frente a esse evidente protagonismo do Estado (realizado por governos com diferentes orientações), não foram poucos os que começaram a dizer que a pandemia teria enterrado o neoliberalismo e que, de certa forma, todos os governos teriam se tornado keynesianos. Os que assim procederam estão equivocados e o erro deriva da não compreensão de pelo menos três aspectos:

    1 – DE QUE O NEOLIBERALISMO NÃO CONSTITUI um “regime” de acumulação e sim a expressão, no plano da política econômica e no plano do ordenamento e da reprodução societal, de um específico regime de acumulação.
    2 – DE QUE A CONDUÇÃO NEOLIBERAL DO ESTADO não implica um Estado Mínimo e sim uma clara escolha das atividades onde ele atua, entregando outras ao setor privado, especialmente aquelas identificadas com o período dos trinta anos que se seguiram à II Guerra Mundial, conhecido como Estado do Bem-Estar.
    3 – DE QUE O ESTADO É UM INSTRUMENTO de dominação de classe (das classes capitalistas e proprietárias), que deve prezar pela manutenção da dominação.
    Há mais ou menos quarenta anos, o capital que está no centro das relações econômicas e sociais é o capital portador de juros (chamado de capital financeiro pela mídia). Esse capital, especialmente na forma de capital fictício, não tem nenhum comprometimento com a geração de emprego e renda, colocando-se numa posição de exterioridade à da produção. Como dizia Marx, dinheiro que faz dinheiro sem passar pelas agruras da produção. E desde que esse capital readquiriu liberdade para atuar (quando foram procedidas as desregulamentações financeiras), o crescimento foi descomunal, principalmente enquanto capital fictício, equivalendo a dez vezes o PIB mundial.

    A liberdade de ação desse capital somente pôde ser promovida se, simultaneamente, fosse defendida a liberdade de todos os capitais, isto é, se fosse colocada em marcha uma ampla desregulamentação, de modo a eleger o mercado “locus” da alocação ótima de recursos. É o que aconteceu.

    A supremacia definidora

    São esses os fundamentos que nos permitem afirmar que, nas últimas décadas, a reprodução do capital ocorreu sob a supremacia do capital portador de juros, o que acarreta um conjunto de consequências no plano econômico e social que, no espaço deste artigo, não podemos aqui aprofundar.

    Apenas para lembrar as principais, mencionamos: baixo crescimento; baixo nível de investimento; elevado desemprego; queda da participação dos salários na renda nacional dos países; e aumento da desigualdade e da pobreza. A dominância desse capital expressa-se, no plano ideológico e das políticas empreendidas pelos Estados, como neoliberalismo, de modo que um não pode existir sem o outro.

    A condução neoliberal do Estado não implica um Estado Mínimo, mas uma clara escolha das atividades onde ele atua, entregando outras ao setor privado, especialmente aquelas identificadas com o período dos trinta anos que se seguiram à II Guerra Mundial, conhecido como Estado do Bem-Estar

    Pensar que a pandemia encerrou o neoliberalismo e que o mundo pós-pandemia pode se organizar de uma outra forma pela simples razão de o Estado ter assumido o protagonismo no combate à Covid-19 e à crise por ela provocada é esquecer este fato básico: que a dominância do capital portador de juros e neoliberalismo constituem uma unidade indissociável. Além disso, considerar o neoliberalismo superado é desconsiderar que o período anterior, o dos trinta anos dourados, foi resultado de uma especial configuração de fatores econômicos, políticos e sociais que se seguiram ao final da II Guerra Mundial, os quais não estão presentes no atual cenário mundial.

    Ademais, o aumento do gasto dos governos observado no mundo todo – para lastrear as medidas mencionadas – não é sinônimo de abandono do neoliberalismo.

    O Estado das finanças

    Ao contrário do que muitos dizem, o neoliberalismo não propõe a construção de um Estado Mínimo, mas o abandono pelo Estado de certas áreas ou atividades e a entrega da economia ao setor privado. Isso, em geral, é acompanhado do aumento do Estado, sobretudo, na área de segurança e de produção de armamentos. Os Estados nacionais, mesmo aqueles que promoveram acentuada privatização de suas empresas e que diminuíram a responsabilidade nas áreas sociais, privatizando quase que totalmente a saúde e a educação, não viram o tamanho ser reduzido como percentual do PIB.

    Um terceiro aspecto que precisa ser levado em conta – para se analisar o significado dos Estados terem assumido o protagonismo nesse momento de pandemia – decorre da sua natureza enquanto instrumento da manutenção da forma de dominação vigente. Na situação do avanço da Covid-19, seria totalmente inimaginável supor que os governos nada fizessem para frear a contaminação, para garantir as ações e serviços de saúde e mesmo para mitigar os efeitos da crise econômica decorrente da crise sanitária. O custo político disso seria enorme, provocando um cenário de desestabilização num segundo momento.

    O papel assumido pelos diferentes governos, mesmo aqueles que agiram de forma mais tímida ou descompromissada, é o de garantidor da soberania nacional, o qual o inimigo externo foi substituído pela Sars-CoV2. Permitir a entrada sem nada fazer é atestar a incapacidade de manter a ordem constituída, isto é, a manutenção da dominação das classes dominantes sobre o conjunto da população trabalhadora e, para isso, é fundamental a manutenção da coesão social. Mesmo se colocando na coluna da frente da batalha contra a Covid-19, aqueles que cometeram erros e titubeios durante a condução da pandemia não passarão impunes e serão cobrados em um momento futuro.

    No mundo pós-pandemia, é possível que os Estados das principais economias do mundo concedam especial atenção aos sistemas de saúde, fortalecendo o lado público e elevando o nível do gasto da assistência social em geral

    Uma última observação se faz necessária. No mundo pós-pandemia, é possível que os Estados das principais economias do mundo concedam especial atenção aos sistemas de saúde, fortalecendo o lado público e elevando o nível do gasto da assistência social em geral.

    A expansão do gasto na pandemia

    A ressignificação do sistema público decorre do fato de esta não ser a última pandemia a que estaremos submetidos. Frente a essa possibilidade, os governos procurarão estar preparados, inclusive mantendo ou desenvolvendo a indústria da saúde para não ficar dependente, como foi o caso da maioria dos países, da produção de equipamentos e reagentes dos testes altamente concentrada na China e na Índia. A expansão do gasto com assistência social, por sua vez, será obrigatória, decorrente da necessidade da manutenção da coesão social em um mundo em que a população pobre terá aumentado significativamente como resultado da crise.

    *Rosa Maria Marques é professora titular do Programa de Estudos Pós-graduados em Economia Política da PUCSP e ex-presidenta da Associação Brasileira de Economia da Saúde (ABrES)

  • O POLICIAL E A MÃO OPRESSORA DO ESTADO, QUE TAMBEM É EXPLORADO!!!

    O POLICIAL E A MÃO OPRESSORA DO ESTADO, QUE TAMBEM É EXPLORADO!!!

    O POLICIAL E A MÃO OPRESSORA DO ESTADO, QUE TAMBÉM É EXPLORADO!!!

    Por Francisvaldo Mendes, presidente da FLCMF

    Destaca-se nos noticiários os grandes índices de mortes. Mas atenção, nem todas as mortes são embaladas pelo COVID-19. Evidente que mortes pelo vírus se dá por conta da ação equivocada ou ignorante que predomina no Brasil, principalmente em nível federal com o desgoverno do tempo atual. Mas, para aumentar a revolta há ampliação de morte de jovens, negros, da periferia, principalmente das favelas cariocas e periferias de São Paulo. Para além de se revoltar e se entristecer, precisamos enfrentar a brutalidade enraizada nas policias.

    Desde 1987 é articulado o dia internacional contra a tortura. Ações como essa são fundamentais para unificar e conscientizar as várias razões empíricas e ampliar a inteligência coletiva, com solidariedade, ações e formulações que nos façam superar esse regime opressor ao qual o povo é submetido, hoje conhecido como capitalismo. Os modos de produção estão em transformação, mas o comum continua privado, apropriado por poucos, na sua maioria homens brancos que cultuam o lucro acima da vida. Mas somos sujeitos nesse mundo e, portanto, devemos atuar para superar essa ordem de “escravidão” em favor da vida.

    A vida, tão em questão nos dias de hoje, principalmente por conta do inimigo invisível conhecido por CONVID-19, é, e sempre foi, ponto principal e fundamental de nossas organizações populares. E podemos afirmar, sem risco de errar, que a formação social brasileira possui na exploração e no racismo elemento chave para a manutenção dessa ordem torturadora. Esse motivo é emblemático para que estejamos juntos nas bandeiras contra tortura em escalas nacional e internacional. E vamos além, trata-se de um simbolismo fundamental para organizar a defesa da vida em todos os aspectos e para que seja possível ampliar nossa potência coletiva para superação do capitalismo.

    Nós, trabalhadoras e trabalhadores, moradores da periferia, que alcança todos as geografias físicas brasileiras, do Sul ao Nordeste, somos sim sujeitos fundamentais para superar toda a ordem que se sustenta na tortura. Seja a exploração que ocorre no local de tralho, seja o racismo que ocorre quando se assassina as pessoas de pele preta. Mas essas ações representam muito mais, pois, todos nós, que vendemos nossa força de trabalho para sobreviver e sofremos as mais injustas crueldades, principalmente orquestradas pelo Estado em favor de uma Elite, precisamos estar unificados em todos os dias na organização e luta contra tortura, contra exploração e contra esse sistema.

    No Brasil, não há dúvidas, a polícia que mais mata é também a que mais morre. A polícia é a mão do Estado agindo para fins de garantir as benesses de uma minoria e que os próprios policiais não fazem parte, pois os policiais são manipulados com regimes e leis para que eles se sintam diferentes da população, sintam-se autoridade, manipulando sua consciência para garantir o lucro e as ações do Estado. Os policiais são trabalhadores, explorados, operários do Estado, como os demais trabalhadores, que independente de quem paga o salário e das funções executadas. Todos nós, somos operários para sobreviver do salário que paga nossa força de trabalho.

    Não há oposição ou desigualdades no grande grupo social que fazemos parte, a classe trabalhadora. Por isso precisamos nos unificar em todos os aspectos e sentidos, com nossas diferenças, para superar as chagas da exploração e do racismo, inclusive dentro do aparato policial.

    Jovens, adolescentes, muitas vezes crianças, na maioria os meninos, que são sujeitos criativos, mas como potentes sujeitos não são reconhecidos por quem domina e organiza o poder. A população de nossa periferia e das nossas favelas, é o grupo social que mais sofre com o peso de todas as formas de torturas e exploração. Sejam os que estão mais vulneráveis à doença sejam os que recebem, em suas próprias casas, o desfecho de suas vidas por balas de policiais manipulados, despreparados, utilizados intencionalmente. E, assim como a doença parece que sai vitoriosa, parece que há vitória em chacinas e assassinatos de policiais, mas é uma mentira, pois, não há vitória, só derrota do povo empobrecido e marginalizado por todos os tipos de discriminação, que só crescem com o atual desgoverno federal. Nós temos que ser sujeitos do fim desse processo unificados, organizando com formação e ação as nossas jornadas em favor da vida, inclusive apoiando policiais que já estão organizando consciência politica e sabem pra que o Estado os utilizam.

    As barbaridades mais descaradas, que sempre ocorreram, agora tomam a imprensa e as redes sociais, nos EUA e no Brasil. O número de pessoas, na maioria negras,  empobrecidos, moradores de setores populares, aumenta em período de confinamento. O confinamento se torna tão igual quanto a quantidade absurda de pessoas mortas, que por sua vez só aumentam. Afinal, os dois países estão liderando tanto as doenças e as mortes, seja por COVID ou pelas balas que disparadas nas armas de propriedade do Estado e com as ações organizadas pelos poderosos dos Estados.

    Os números são alarmantes e divulgados pelos chamados dados oficiais do Estado e pelos meios de comunicação formais. Nos Estados Unidos e no Brasil, durante o confinamento, os assassinatos, que possuem em policiais os principais executores, são alarmantes. Rio de Janeiro e São Paulo são epicentros de tais atrocidades. Mas nós, por nossa vez, não podemos nos embebecer nos grandes números, temos que ficar atentos e focados na vida das pessoas, que em sua maioria são jovens, negros, trabalhadores explorados e oprimidos.

    Devemos lutar contra essa realidade sombria que coloca a tortura, em todas as dimensões, acima da vida e só tem olhos para o lucro e para as discriminações mais insanas. Nós podemos e vamos mudar essa realidade, nos unificando, todos nós explorados, todos nós marginalizados e oprimidos na grande periferia do mundo que possui a multidão para formar uma nova sociedade. Para que o discurso de defender a vida predomine nas cidades, nos trabalhos, no Estado, nós precisamos assumir a direção do processo e fazer valer a vida acima de tudo. Somos um povo potente e forte e a exploração, o racismo e as formas múltiplas de discriminação que nos empobrece, sendo imposta pelos poderosos, serão superados pela solidariedade, a inteligência coletiva e uma nova organização onde nossa diferença seja nutrição de crescimento para nossa potencialidade transformadora.

  • O VELHO NORMAL REAPARECE. ISSO É MUITO BOM!

    O VELHO NORMAL REAPARECE. ISSO É MUITO BOM!

    O VELHO NORMAL REAPARECE. ISSO É MUITO BOM!

    Por Maringoni Gilberto, professor da UFABC

    Em meio à escalada de mortes causadas pela incúria do governo federal – a causa central é esta e não a pandemia – e diante do crescente desespero popular com o contágio da miséria e do desespero, há uma mudança significativa na conjuntura. Bolsonaro perdeu o domínio da agenda do caos.

    Até semanas atrás, bastava uma cavalgada presidencial em frente ao seu gado, arreganhos golpistas nas calçadas de um quartel ou uma nota ameaçadora de um inútil fardado para que céus e terras tremessem. Bolsonaro governava desestabilizando a sociedade e aumentando tensões, o que incentivava maltas fascistas por todo o país. Em uma linha, a diusseminação do caos era a chave essencial para sua manutenção no poder.

    MAS NA MANHÃ DESTA QUARTA, ao chegar em Palácio, o psicopata afirmou o seguinte: “Está chegando a hora de tudo ser colocado no devido lugar”.

    Ninguém mais tenta interpretar o que seria “o devido lugar” . Um golpe? Uma sargentada? O fechamento dos poderes?

    AS SUCESSIVAS DERROTAS que o governo sofreu nos últimos quinze dias fizeram murchar o tamanho do porrete que anunciava possuir.

    Vamos lembrar os fiascos oficiais recentes: desmonte da falsificação dos números da Saúde, recuo na recriação da aviação do Exército, devolução pelo Congresso da MP dos reitores, fim da transferência de recusrsos do bolsa-família para a publicidade, posições altivas do STF nas investigações de fake news, de terrorismo fascista e de tentativa de constitucionalização de intervenção militar, tiro no pé ao ensaiar o enquadramento de um chargista na LSN, respostas atravessadas da diplomacia chinesa e outras. O quadro se completa, no plano global, com a perspectiva crescente de derrota de Donald Trump nas eleições americanas. Não há dúvidas: as marcas principais da administração Jair Bolsonaro são o fracasso, a vergonha e o vexame.

    SIM, CLARO, ELE TEM A CANETA e pode fazer barbaridades com ela, como vem fazendo. O auxílio emergencial não chega a todos, o crédito não alcança pequenas e médias empresas e verbas vitais para a Saúde seguem bloqueadas. Mas a possibilidade de o governo fazer política de verdade acabou.

    Bolsonaro segue com seu colchão de popularidade ao redor de 25% da população. Isso se deve muito à ausência clara de alternativas aos olhos das maiorias. Mas essa aprovação está em queda.

    COM ISSO, A AGENDA DO CAOS MURCHOU. A agenda que desnorteava oposições, desequilibrava sentidos e criava no país um eterno clima de barata-voa embatumou. A luta política está se ajustando aos seus parâmetros – digamos – normais. O velho normal está voltando, com a percepção cartesiana de correlação de forças, disputa de hegemonias, uso de tática e estratégia, formação de aliança e frentes etc. por parte de quem vai à luta. Governo é governo, patrão é patrão, trabalhador é trabalhador e fascista não é gente. Em uma frase, a luta política civiliza-se e readquire lógica.

    Tenho escrito há mais de um mês que o enfrentamento político na sociedade vive uma situação de empate. Lancei mão até – de maneira torta – do conceito gramsciano de “empate catastrófico”, no qual nenhum dos atores em jogo teria condições de avançar ou dar um lance definitivo sobre outro, criando um clima insuportável de tensões.

    POIS O QUADRO PARECE ESTAR MUDANDO com a volta do velho normal. O governo se isola e recua a olhos vistos. A direita tradicional está se articulando a mil, por fora dos partidos. Trata-se de gente como FHC – que volta ao jogo aos quase 90 anos! – Tasso jereissati, Clóvis Carvalho, José Anibal, Armínio Fraga, Edmar Bacha, Gilmar Mendes, Alexandre Moraes, Celso Mello e outros, em linha com a Globo e parte da grande mídia. O traço comum: querem mudar a situação, sem mudanças econômicas substantivas. Expressam setores do capital financeiro e produtivo que começam a perder dinheiro e a ver o Boçal como estorvo aos negócios.

    Parte da esquerda – aquela que vive do passado e do vitimismo – fecha-se em bunker e decide ir para a arquibancada reclamar da vida. Outros setores desenvolvem heroicamente atividades incessantes nas redes e nas ruas – algo perigoso em tempos de curva ascendente de contágio. O movimento sindical se reorganiza e novos atores sociais aparecem. Com todas as dificuldades, buscam entrar em campo.

    Os peões se movem. Em meio ao morticínio, movimentos importantes estão sendo feitos. O fundamental é: reabriu-se a disputa política diante do fascismo. Bem vindos ao velho normal.