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  • VERDADE, TRANSPARÊNCIA E PRÁTICA EM DEFESA DA VIDA

    VERDADE, TRANSPARÊNCIA E PRÁTICA EM DEFESA DA VIDA

    VERDADE, TRANSPARÊNCIA E PRÁTICA EM DEFESA DA VIDA

    Por Francisvaldo Mendes, presidente da FLCMF

    Vivemos em tempos que os sentidos são tomados pelas mentiras, pelas ilusões, pelas verdades escondidas e pelo desrespeito à vida. Lamentável as páginas do tempo atual, pelo qual precisamos passar, superar e seguir vivos para mudar o mundo. Mas seguiremos e superaremos os limites avançando na democratização e fazendo a diferença.

    Há o predomínio das mentiras e a valorização da ignorância. Lamentavelmente essa postura organizada e implementada pelo governo federal só amplia a estética racista, machista e nazifascista, o que se torna, aparentemente, majoritária para os sentidos de brasileiras e brasileiros. Mas lembramos para todas as pessoas que esse não é o sentimento da maioria do povo, que é comprometido com o verdadeiro e com a vida. E vale dizer que já há várias iniciativas da sociedade civil organizada de solidariedade e exigindo transparência de dados e que o governo tenha comprometimento com a saúde da população. Principalmente as organizações que se mobilizam pela democratização e as das periferias, com destaque para as favelas. Organizações que já estão fazendo com que suas vozes, em defesa da verdade e de medidas consequentes, contribuam com a energia para a garantia da sobrevivência e da vida.

    A nossa ação deve fazer a diferença a favor da vida nesse marco histórico. Não podemos, não queremos e não seremos indiferentes frente aos problemas criados pela política assassina que transforma a vida em mercadoria e a mentira na voz que é imposta à sociedade. Nos juntaremos a todas as organizações que exigem transparência, respeito a ciência e a não flexibilização do isolamento social, para garantia da vida, assim como garantir a dignidade das pessoas com os empregos assegurados, com condições de sobrevivência com auxílio aos necessitados e a toda a população, o que deve ser, ao menos nesse tempo, o papel do Estado.

    O rumo do governo é o de esconder, manipular e disfarçar dados, informações e fatos, desrespeitando a verdade se sustentando nas mentiras expostas. Não nos calaremos, ter acesso às informações é mais que direito. No século XXI representa conquistas, assim como a vida.

    A mudança de ministros da saúde em tempos de pandemia demonstra o despreparo desse governo que atua com um ministro provisório com 40 mil mortes atualmente sem nenhum compromisso com a transparência e a verdade.

    Queremos a verdade e transparência nas informações para que quaisquer pessoas, grupos sociais, organizações, realizarem análises importantes desse momento político pelo qual passamos. Convictos somos que o momento é delicado e devemos atuar para evitarmos as mortes e não cabe aos “patrões”, sejam os da iniciativa privada ou do Estado, pressionar trabalhadoras e trabalhadores para arriscarem suas vidas e retornarem ao local de trabalho. Registra-se, que é necessário ir além. Pois a vida clama, neste verdadeiro momento de exceção, que as pessoas sejam protegidas, defendidas e tenham suas vidas asseguradas. Para além de preservar o isolamento social, é importante ações para que nas favelas e periferias do Brasil as pessoas tenham água, produtos de higiene e alimentação. O pequeno 600 reais, que é menos metade de um salário mínimo, deve ser garantido para que as pessoas tenham condições de viver, com suas vidas asseguradas pelo Estado. Inclusive para, em vida, possam fazer uso dos 600 reais.

    E tudo isso não é demais. É o básico necessário para defender a vida. Verdade, transparência, seguridade, não são favores, são conquistas de uma sociedade evoluída. Então que condições mínimas de sobrevivência sejam asseguradas, inclusive com investimentos necessários no SUS para que toda a vida seja importante e as pessoas continuem com vida.

  • A China e a pandemia: do Covid-19: do papel do Estado à estratégia global

    A China e a pandemia: do Covid-19: do papel do Estado à estratégia global

    A China e a pandemia: do Covid-19: do papel do Estado à estratégia global

    Por Valéria Lopes Ribeiro*

    Ainda é cedo para mensurar o impacto que a pandemia do vírus Covid-19 causará em todo o globo. Em termos de saúde pública e da vida de milhões de pessoas, os impactos já são evidentes, com a expansão do contágio alcançando diversos países e o número de mortes aumentando.

    Com relação aos impactos econômicos e geopolíticos, estes são mais difíceis de mensurar no presente momento. Ainda assim, levando em conta o ponto de onde partimos, o futuro é bastante desanimador.

    A pandemia pode provocar uma crise profunda na economia mundial, com consequências sociais difíceis de prever. No centro desse debate, dois temas são fundamentais. Primeiro, a discussão sobre o papel do Estado e as controvérsias do modelo neoliberal. Segundo, a forma como a China vem lidando com a pandemia e sua estratégia global

    Mesmo após mais de dez anos desde a crise de 2008, as taxas de crescimento econômico mundiais não tinham se recuperado completamente. O baixo crescimento suscitava debates acerca de uma possível “estagnação secular” e de características do capitalismo contemporâneo que acabavam por adiar a solução da crise, como “a inflação; […] o endividamento do Estado; […] a expansão dos mercados de crédito privados; e […] a compra de dívidas de Estados e de bancos pelos bancos centrais”. Alguns alertavam para a existência de uma crise de sobreacumulação, marcada pela contínua expansão dos instrumentos de acumulação financeira.

    Diante da crise, a insistência dos governos de diversos países na adoção de políticas de austeridade, já nos colocava em uma situação de baixo crescimento, concentração de renda e baixos níveis salariais.

    O cenário de crise manifestava-se também no acirramento das disputas interestatais, por meio da postura nacionalista de governos (como o caso da Inglaterra com o Brexit), das tensões entre EUA e Irã, além da contínua guerra comercial entre Estados Unidos e China.

    Diante desse cenário, a pandemia do Covid-19 pode provocar uma crise profunda na economia mundial, com consequências sociais difíceis de prever. No centro desse complexo debate sobre as consequências da pandemia, parecem-me fundamental dois aspectos diferentes, mas ligados entre si: primeiro a discussão sobre o papel do Estado e as controvérsias do modelo neoliberal; segundo, a forma como a China vem lidando com a pandemia e sua estratégia global. Falarei aqui sobre o segundo aspecto, na tentativa de ajudar no debate sobre o primeiro.

    Início do contágio

    A China foi o primeiro país a registrar o contágio do Covid-19. Em novembro de 2019 ocorreu o primeiro caso em Wuhan, província de Hubei. Até 15 de dezembro, o número total de infecções era 27 e até 20 de dezembro já havia 60 infectados. Em 30 de março a China registrou 81.470 casos e 3.304 mortes.

    Uma série de controvérsias se apresentaram a partir do surgimento do vírus na China, entre elas: o episódio em que o governo chinês teria controlado informações sobre o vírus, silenciando a denúncia feita pelo médico Li Wenliang, que depois acabaria falecendo pelo Covid-19; e a campanha realizada pela mídia ocidental, acusando a China de ser responsável pela pandemia global, ressoando em um ataque de xenofobia e racismo, com a divulgação de vídeos e acusações sobre hábitos alimentares e sanitários chineses.

    Após o surto inicial e as controvérsias sobre a origem da crise, a China começa um programa amplo de contensão da pandemia. Segundo o Relatório OMS, “diante de um vírus anteriormente desconhecido, a China lançou, talvez, o esforço mais ambicioso, ágil e agressivo de contenção de doenças na história”

    Após o surto inicial e as controvérsias sobre a origem da crise, a China começa um programa amplo de contensão da pandemia. Segundo o Relatório da Missão Conjunta OMS-China sobre Doença de Coronavírus 2019 (COVID-19) “diante de um vírus anteriormente desconhecido, a China lançou, talvez, o esforço mais ambicioso, ágil e agressivo de contenção de doenças na história”.

    Quais foram essas medidas? Como elas podem ser entendidas dentro do modelo de Estado e economia da China?

    Emergência nacional

    Segundo o Relatório da Missão Conjunta OMS-China, após a detecção de um conjunto de casos de pneumonia de etiologia desconhecida em Wuhan, o CPC, Comitê Central e o Conselho de Estado lançaram a resposta nacional de emergência. A partir daí foram criados dois grupos para coordenar os esforços de controle do vírus, o “Central Leadership Group for Epidemic Response” e o “Joint Prevention and Control Mechanism”.

    As medidas de prevenção e controle foram implementadas rapidamente, desde os estágios iniciais em Wuhan e outras áreas-chave de Hubei até o nível nacional. As medidas adotadas podem ser divididas em três fases:

    Na primeira fase, de início do surto, a principal estratégia esteve focada na prevenção da exportação de casos de Wuhan e outras áreas prioritárias da província de Hubei. O mecanismo de resposta foi iniciado com envolvimento multissetorial em medidas conjuntas de prevenção e controle. Mercados foram fechados e foram feitos esforços para identificar a fonte zoonótica. A formação epidêmica foi notificada à OMS em 3 de janeiro e sequências genômicas inteiras do COVID-19 foram compartilhadas com a OMS em 10 de janeiro. A partir daí, protocolos para diagnóstico de COVID-19 e para tratamento foram formulados, além do gerenciamento de contatos próximos de pessoas contaminadas e aplicação de testes laboratoriais.

    Na segunda etapa, durante a segunda fase do surto, a principal estratégia foi reduzir a intensidade de epidemia e retardar o aumento de casos. Em Wuhan e outras áreas prioritárias da Província de Hubei, o foco era o tratamento ativo de pacientes, a redução de mortes e a prevenção de exportações. Em outras províncias, o foco estava na prevenção de importações, restringindo a propagação da doença e implementação de medidas conjuntas de prevenção e controle. Nacionalmente, os mercados de animais silvestres foram fechados e as instalações de criação de animais em cativeiro foram isoladas. Em 23 de janeiro, estritas restrições de tráfego e um cordão sanitário foram estabelecidos em torno de Wuhan e municípios vizinhos, impedindo efetivamente a exportação de indivíduos infectados para o resto do país. Restrições de viagens foram impostas em 14 cidades próximas a Wuhan na província de Hubei.

    Apesar do combate bem sucedido diante da epidemia, não se sabe ainda os impactos da crise para o país. Em 2019, a China já vinha apresentando taxas de crescimento menores. Os primeiros dados após a pandemia mostram um cenário bastante complicado

    Nessa fase o protocolo para diagnóstico, tratamento, prevenção e controle de epidemias foram aprimorados; o isolamento e o tratamento dos casos foram reforçados. Foram tomadas medidas para garantir que todos os casos fossem tratados e contatos próximos fossem isolados e colocados sob observação médica. Segundo a OMS, a China tem uma política de identificação meticulosa de casos e contatos para o COVID-19. Em Wuhan, cerca de 1800 equipes de epidemiologistas, com um mínimo de 5 pessoas/equipe, rastreavam dezenas de milhares de contatos por dia.

    Além das medidas de controle de tráfego e controle da capacidade de transporte para reduzir o movimento de pessoas, informações sobre a epidemia e medidas de prevenção e controle foram divulgadas regularmente. A alocação de suprimentos médicos foi coordenada e novos hospitais foram construídos, como o Hospital Huoshenshan. Camas de reserva foram usadas e instalações foram redirecionados para garantir que todos os casos pudessem ser tratados, além de esforços para manter um fornecimento estável de mercadorias e seus preços para garantir o bom funcionamento da sociedade. (Report of the WHO-China Joint Mission on Coronavirus Disease 2019 (COVID-19), 2020).

    Na terceira etapa, as autoridades procuraram controlar a epidemia mediante o controle e prevenção. O foco foi no tratamento dos pacientes e na interrupção da transmissão, com ênfase em medidas para implementar plenamente o teste e prevenção de disseminação em lugares públicos. Para isso novas tecnologias foram aplicadas, como o uso de big data e inteligência artificial (IA) para fortalecer o rastreamento de contatos e o gerenciamento de populações prioritárias. Políticas de expansão dos seguros de saúde foram promulgadas, com pagamentos de seguros e liquidação e compensação financeira.

    Ainda que a China não tenha um sistema universal de saúde, e seu modelo seja baseado em seguros de saúde, a cobertura foi sendo ampliada ao longo dos anos 2000, de forma a atender a maioria da população

    Em meados de março a curva de contágio na China começa a se estabilizar. Em 7 de março não foram registrados novos casos na China. Novas manifestações surgem, mas importadas de fora, fazendo o país reforçar o controle da entrada de estrangeiros. O número de mortes pelo contágio caiu. Em 28 de março registraram-se cinco mortes na China.

    Como foi possível essa resposta chinesa e o sucesso em termos de redução do contágio?

    Planejamento estatal

    A discussão sobre as medidas adotadas pela China certamente ainda deverá ser aprofundada. Para iniciar esse debate parece fundamental apontar um aspecto essencial, qual seja, a capacidade do Estado chinês em responder ao desafio da pandemia. A trajetória chinesa das últimas décadas esteve amplamente ligada “à flexibilidade adaptativa diante das recorrentes transformações da conjuntura global – como num constante esforço de “gestão planejada do imprevisível”. Nesse sentido, assim como em diversos momentos de sua trajetória, a China procurou adaptar-se aos desafios, a partir da capacidade de planejamento estatal, que sempre esteve no centro da trajetória, mesmo após a abertura econômica dos anos 1980.

    Assim, ainda que convivendo com uma série de contradições (como a desigualdade de renda entre a população, a degradação ambiental, a ascensão de uma burguesia cada vez mais forte) diante da pandemia, a capacidade de planejamento do Estado e o controle da gestão de sua economia, inclusive em termos fiscais, certamente foram essenciais para responder aos desafios de expansão do atendimento aos pacientes infectados, disponibilização de testes, criação de novos postos de saúde, ampliação dos investimentos em infraestrutura como construção de hospitais, além da ação coordenada de gestão da crise, como o controle da mobilidade de pessoas e tráfego.

    Vale ressaltar um aspecto importante nessa discussão: a atual estrutura do sistema de saúde na China. O país enfrentou um desmonte considerável no sistema de saúde que vigorou durante o período socialista, sob Mao Tsé-Tung.

    A partir das reformas de Deng Xiaoping, no final dos anos 1970, diversos direitos sociais foram atingidos, inclusive a oferta de saúde pública. O descuido ficou evidente com a epidemia de SARS em 2003, quando a China enfrentou o desafio semelhante a pandemia atual. A epidemia de SARS marcou um ponto de inflexão da política governamental chinesa ligada a saúde, e desde então o governo vem procurando estender o sistema de saúde, na esteira da construção da “sociedade harmoniosa” empreendida pelo presidente Hu Jintao. Ainda que não tenha um sistema universal de saúde, e o modelo seja baseado em seguros de saúde, a cobertura foi sendo ampliada ao longo dos anos 2000, de forma a atender a maioria da população.

    Hoje, existem três principais seguros sociais de saúde vigentes na China que cobrem quase a totalidade da população: o Urban Employee Basic Medical Insurance (UEBMI), para trabalhadores formais urbanos, o New Rural Cooperative Medical Scheme (NRCMS), para residentes rurais, e o Urban Resident Basic Medical Insurance (URBMI), para trabalhadores não formais. O sistema tem muitos problemas do ponto de vista de não corresponder a um sistema universal e até mesmo reforçar a desigualdade, mas houve uma melhora importante no fornecimento de saúde na

    China, o que também deve ser considerado quando se pensa em como o Estado chinês conseguiu responder a epidemia do Covid-19.

    Impactos incertos

    Apesar do combate bem sucedido diante da epidemia, não se sabe ainda os impactos da crise para o país. Em 2019, a China já vinha apresentando taxas de crescimento menores. Os primeiros dados após a pandemia mostram um cenário bastante complicado. Houve uma queda dos lucros industriais de 38,3% nos dois primeiros meses de 2020. O investimento concluído por empresas estatais caiu 23,1% em fevereiro. A taxa de crescimento acumulado do valor agregado da indústria caiu 13,5%. A taxa de desemprego urbano aumentou de 5,3% em janeiro para 6,2% em fevereiro.

    Nos anos mais recentes a taxa de crescimento menor da economia chinesa refletia, para além dos efeitos da crise de 2008, uma mudança do perfil do crescimento. Apesar do investimento permanecer sempre alto como proporção do PIB, observa-se maior convergência, principalmente desde 2010, entre as taxas de expansão do PIB, do investimento e do consumo das famílias, o que sinaliza para o fato de que o consumo das famílias começava a avançar em paralelo ao investimento. Ou seja, a China estaria tentando adequar o crescimento a partir do fortalecimento do mercado interno, aliado à modernização da indústria via programas como o China Manufacturing 2025.

    Nesse sentido, é possível que enfrente uma queda brusca na economia, mas o futuro dependerá de como ela responderá a própria crise, em termos de ações estatais, políticas de manutenção e investimento, do emprego e do mercado interno. Essa resposta será fundamental não apenas para a dinâmica do crescimento chinês, mas de todo o mundo, além dos impactos em termos políticos, na medida em que diante da crise a resposta neoliberal de países ocidentais tende a ser desastrosa.

    Finalmente, outro aspecto fundamental com relação à China e à pandemia diz respeito a projeção global.

    Protagonismo global

    Até o momento os Estados Unidos têm fracassado na resposta global à crise. Isso se refere à capacidade de fornecer bens públicos globais e apresentar vontade de coordenar uma resposta global. A pandemia estaria assim testando os elementos da liderança dos EUA. Até agora, Washington estaria falhando e ao mesmo tempo abrindo uma espécie de vácuo global.

    Por outro lado, a China está se movendo, aproveitando esse vácuo e buscando se posicionar como líder global em resposta à pandemia. O presidente Xi Jinping afirmou na abertura do Congresso do Partido Comunista Chinês realizado recentemente que chegou a hora de o país assumir uma posição central no mundo.

    A pandemia está testando os elementos da liderança dos EUA. Até agora Washington estaria falhando e ao mesmo tempo estaria se abrindo uma espécie de vácuo global. A China está se movendo, aproveitando esse vácuo e buscando se posicionar como líder global

    Diante disso, a China vem fortalecendo a narrativa de que está disposta a ajudar o mundo a combater a pandemia. Em março, o governo chinês forneceu assistência material a diversos países, incluindo máscaras, roupas de proteção, kits para testes, respiradores, ventiladores e medicamentos enviados a países como Sérvia, Libéria, Filipinas, Paquistão, República Checa, Itália, Espanha, Irã, Egito, Iraque, Malásia, Camboja, Sri Lanka. Empresas chinesas, como Alibaba, prometeram enviar grandes quantidades de kits de teste e máscaras para os Estados Unidos, além de 20.000 kits de teste e 100.000 máscaras para cada um dos 54 países da África.

    Apesar da postura mais assertiva da China, ainda é cedo para afirmar algo no sentido de uma ruptura hegemônica norte-americana. A capacidade dos Estados Unidos de enfrentar os impactos da pandemia internamente será crucial para manter a posição global, mesmo sem apresentar uma solução, uma vez que sua força está assentada em aspectos estruturais, sejam eles militares ou monetários.

    Ainda assim, o sucesso da resposta da China à pandemia e seu reposicionamento global podem contribuir para acentuar as críticas ao modelo neoliberal, como aquele incapaz de fornecer soluções para a pandemia e à crise global. Aqui a discussão sobre o papel do Estado no combate a pandemia e na recuperação social e econômica será crucial. As ações da China ligadas à centralidade do Estado e ao planejamento podem influenciar significativamente essa discussão.

    *Valéria Lopes Ribeiro é professora do Programa de Pós-graduação em Economia Política Mundial e do Programa de Pós-graduação em Relações internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC)

  • O POVO SEMPRE É MAIORIA E VAMOS ACUMULAR FORÇAS PARA O AMANHÃ!

    O POVO SEMPRE É MAIORIA E VAMOS ACUMULAR FORÇAS PARA O AMANHÃ!

    O POVO SEMPRE É MAIORIA E VAMOS ACUMULAR FORÇAS PARA O AMANHÃ!

    Por Francisvaldo Mendes, presidente da FLCMF

    Nós somos maioria social no Brasil. Sobre isso não há dúvidas. Todas as pessoas que precisam viver da venda de sua força de trabalho, sejam as que conseguem ou as que não conseguem trabalho. Estejamos onde estivermos, nas várias áreas, sejam as que usam as canetas, os braços, os corpos, em cenas ou contracenas diárias, somos a grande maioria no mundo e, também, nesse país.

    Somos mais que setenta porcento, se juntos estivermos na política e com o projeto unificado em mãos, não há o que ou quem nos impeça. Temos, sim, a potência criativa e o vetor simbólico de transformar para melhorar a vida. Mas o fardo do projeto político com ímpeto, força e inteligência transformadora do grupo social que compomos pesa agora, como em poucos momentos históricos, pela ausência. Temos, portanto, o grande desafio de fazer o projeto da nossa classe existir.

    Vivemos, na cronologia do tempo, uma unificação entre o pior, mais conservador, autoritário e cultuador da ignorância neste governo federal, que o país já experimentou! Por outro lado, uma pandemia que surfa nessa onda tosca contra a vida e massacra com doenças e mortes os setores mais pauperizados da classe. Somos nós, sim, os principais alvos nesse momento destas balas intangíveis que matam e aterrorizam a vida. Na periferia, espalhada por todo o país, principalmente nas favelas, estão mulheres e homens, negras e negros, pessoas do norte e nordeste, pessoas indígenas de múltiplas etnias, as que trabalham para sobreviver. Somos esse povo todo que se espalha pela necessidade da venda da força de trabalho para a sobrevivência, somos números na sociedade do comércio, do consumo e do lucro forjada nos traços do capitalismo.

    Segundo o IBGE, nos tempos atuais, somos mais de 211 milhões de brasileiras e brasileiros no país e cerca de 64% da população está entre as pessoas consideradas economicamente ativas, nós somos, pelo menos, aproximadamente, 135 milhões de pessoas. Na vasta e múltipla realidade do Brasil é necessário que registremos que, para o IBGE, aproximadamente 60% das pessoas que não podem se resumir a números, sobrevive em condições precarizadas de trabalho. Assim sendo, pode-se afirmar que estamos tratando de uma base social em potencial para construirmos um projeto político para assumir como maioria política no Brasil. Construindo assim acúmulo de forças políticas para as transformações socialistas ou que pavimentem o caminho de um projeto de esquerda.

    Mas como o tempo atual é devastador, é preciso afirmar que todo movimento que denuncie os absurdos, as destruições institucionais e as práticas autoritárias do governo federal, com ênfase para o Fora Bolsonaro, são bem-vindos. Vivemos, sim, um momento de grande importância em que chuvas de democracia precisam cair sobre as pessoas e colocar um fim nos rompantes de autoritarismo do governo federal atual. Não há dúvidas que, para defender a vida e ter mais investimento em ciência, inteligência, saúde e educação, para fortalecer o enfrentamento da pandemia, salvar o Brasil deste governo é questão de grande importância. Portanto, movimentos como 70% e Estamos Juntos, nos dias de hoje, são bem-vindos e merecem apoio, porém é importante ressaltar que não são movimentos da classe trabalhadora, pois esse desafio persiste para nós. Mas são movimentos que defendem a democracia, seja a liberal ou popular, e se juntam na corrente contrária ao nazifascismo que sobressai na estética do governo federal e tem sua importância momentânea, mas não o que almejamos para enfrentar as formas de dominação, exploração e controle dos setores sociais explorados e oprimidos.

    O presidente consegue unificar vários elementos negativos: a relação com o braço armado do crime, uma estética nazifascista, o alinhamento com o imperialismo decrépito dos EUA e a destruição das instituições que é falha, incompleta e ineficaz república brasileira construiu em mais de 100 anos. Não bastasse o patrimonialismo estrutural que toma as instituições, com forte carga estrutural no machismo e no racismo, o chefe do governo e do Estado, eleito no Brasil de hoje, acaba reproduzindo e ampliando a versão mais preconceituosa e atrasada da ideologia na formação social brasileira. É, sim, necessário retirar esse representante bonapartista do vácuo que abre espaço para o atraso das políticas e das relações sociais e do lugar que ocupa no centro do poder do Estado. Portanto, quem vier nessa estrada será bem-vindo e contará com nossa energia para as ações que são necessárias no tempo atual. Mas nossa dedicação ativista será para ampliar e instrumentalizar a organização e a consciência da classe trabalhadora.

    Não se pode esquecer que o fascismo é um movimento que, ao contrário da democracia burguesa, pretende ANIQUILAR as organizações autônomas dos trabalhadores, interditando suas ações e impedindo-as de existir. O fascismo tem como principal objetivo impedir que as trabalhadoras e os trabalhadores deste país se organizem e disputem, na sociedade, os seus projetos. Na democracia burguesa coexistem projetos divergentes e antagônicos. No fascismo os projetos divergentes e antagônicos são exterminados e, portanto, as organizações autônomas dos trabalhadores na sociedade civil são aniquiladas e impedidas de existir. E, nesse rumo, o ingrediente que sustenta o movimento fascista é o ódio e ele é historicamente um movimento encabeçado, principalmente, por setores pequenos e médios da burguesia. Não se trata de um ódio individual (que todas as pessoas podem ter em algum momento, como um amor adoecido). É um ódio de classe, construído, organizado e partilhado coletivamente como o motor de sua tática política. Portanto, todos os movimentos que beirem a democratização e a defesa da democracia são bem-vindos nesse momento, aliados táticos que nos unificaremos na jornada por democracia e contra o autoritarismo exposto pelo governo central. Certamente temos que avançar para não sermos empurrados a posição de observadores em disputas eleitorais que coloquem na centralidade conservadores versos liberais. A classe trabalhadora precisa ocupar o Estado e garantir as frestas para acumular forças na superação do capitalismo

    Mas nós, do vasto, múltiplo e potente setor que são as pessoas que vivem da venda da força de trabalho, temos o desafio de ir além. Muito importante é fazer crescer a organização, a formação, a consciência de classe e a potência para ações da luta democrática, em todos os seus aspectos e, principalmente, com o viés da classe trabalhadora. Inclusive para que a disputa da centralidade do Estado não fique restrita a uma arena de disputa entre conservadores e liberais. E para que possamos conquistar rachaduras que façam crescer, ao menos, o público no Estado, a participação política em escalas cada vez mais amplas e a dignidade da vida. Assim, abriremos veias para disputar o hoje e acumular forças para o amanhã.

  • O Brasil e a crise econômica da Covid-19

    O Brasil e a crise econômica da Covid-19

    O Brasil e a crise econômica da Covid-19

    Por Rosa Maria Marques e Marcelo Depieri*

    A paralisação das atividades como resposta ao Sars-CoV-2O provocou a maior recessão da história do capitalismo. Em 16/05/2020, a OMS informou que 215 países registravam casos desse novo coronavírus. O FMI, o Banco Mundial e a OCDE são unânimes quanto às consequências negativas dessa crise sanitária sobre a economia. Em abril, o relatório do FMI estimava que o impacto sobre o nível das atividades, emprego e renda provocaria uma retração de 3%, mesmo que a economia mundial se recuperasse a partir do segundo semestre. Mas em maio, sua economista-chefe, Gita Gopinath, alertou, em entrevista à imprensa, que a instituição deveria rever suas previsões, tal o tamanho da redução do consumo que estava sendo observado.

    Vários analistas compararam a crise que se desenhava com a dos anos 1930 ou com a de 2007-2008. Não há como assim proceder. Em relação à Grande Recessão, a conformação do capitalismo era outra, bem distinta da consolidada sobre o período do neoliberalismo. Além disso, foram crises que se manifestaram na esfera da circulação, revelando profundas dificuldades do capitalismo na esfera da produção, especialmente sua incapacidade de recompor taxas de lucro adequadas e, por isso, sua convivência com elevadas taxas de ociosidade.

    Em 2019, a economia mundial não havia, ainda, se recuperado de sua última crise. Não por acaso, em 10/2019, a diretora do FMI, Kristalina Georgieva, alertou para o fato de o crescimento mais lento esperado no ano se apresentar de maneira sincronizada, afetando 90% dos países.  No período 2009 a 2018, o crescimento do PIB mundial foi bastante modesto, de 2,56%. Em 2019, registrou 2,9%. E isso considerando o desempenho da China e a de Índia, com crescimento médio de 7,95% e 7,12%, de 2009-2018, e de 6,1% e 4,9% em 2019. Sem esses países, os resultados ainda seriam menos expressivos.

    Os constrangimentos vividos pelo capitalismo antes da pandemia não explicam a crise de 2020. Eles constituem uma base, bastante problemática, sobre a qual atuou a paralisação das atividades. A crise foi provocada por algo que podemos chamar de um choque de oferta, e não fruto de um desfuncionamento da economia, agudizado em uma determinada atividade e/ou esfera, para, a seguir, se propagar no conjunto das atividades de um país e no mundo. Um evento (a chegada do novo coronavírus) que exigiu, de repente, sem aviso prévio, a parada parcial ou total das atividades (com exceção das consideradas de primeira necessidade).

    A economia mundial dos anos 1930 não é comparável à de 2020. Naquele momento, o capitalismo estava internacionalizado e havia a proeminência do capital portador de juros. Atualmente, o quadro em que se desenvolve a atual crise é aquele da mundialização do capital e o capital portador de juros está novamente no centro das relações econômicas e sociais, mas em nível nunca visto. Além disso, faz parte da mundialização do capital as cadeias globais de valor e a extrema especialização da produção ou de parte de suas etapas em determinados países, criando um sem número de relações de interdependência entre produtores, atacadistas e sistema financeiro no plano global. Essa configuração, até então vista como uma vantagem, transformou-se em obstáculo no momento da chegada da pandemia. A extrema concentração da produção em alguns países, como é o caso dos respiradores na China e de reagentes de testes na Índia, criou um caos no suprimento de equipamentos e de componentes necessários ao combate à Covid-19. A seriedade da interrupção de elos das cadeias de valor ocorrida durante a crise pode levar a dificuldades para que a economia se recupere no momento seguinte.

    No Brasil, o processo de desindustrialização provocado por essa especialização afetou a área da saúde que, de autossuficiente na produção de vacinas, passou a depender de sua importação. Quanto aos respiradores, tão essenciais para o tratamento intensivo dos casos graves da Covid-19, o fato de quase todos os países terem demandando da China, levou a que contratos realizados pelo governo federal brasileiro fossem rompidos, que trajetos criativos fossem realizados pelo estado do Maranhão para que a carga não fosse desviada, e que parte dos respiradores comprados pelo estado do Pará chegassem apresentando problemas técnicos . A dificuldade em prover equipamentos necessários ao combate à Covid-19 revelou, também, a impotência da OMS tal como está configurada, colocando na ordem do dia a construção de um organismo que seja capaz de coordenar ações no plano internacional. A ação de indústrias em consertar aparelhos danificados e a produzir novos, numa tentativa de reconverter parte de suas fábricas, foi digna de nota, mas incapaz de suprir a necessidade na velocidade exigida, bem como substituir um processo de coordenação centralizada pelo governo federal, que optou pela omissão.

    No Brasil, a partir do início de abril 2020, as estimativas para o PIB começaram a ser sucessivamente revistas para pior. Inicialmente, as previsões apontavam para um fraco crescimento ou uma retração discreta. Já em 18/05, as instituições financeiras consultadas pelo Banco Central, que integram o Boletim Focus, consideraram que, em média, a economia brasileira registrar uma queda de 5,12%, chegando próximo ao previsto pelo FMI (5,3%), em seu cenário mais otimista.

    Quando a pandemia chegou ao país, a economia estava semiparalisada (há três anos crescendo pouco mais que 1%), registrando elevado nível de desemprego, ampliação do mercado informal do trabalho, crescimento da pobreza absoluta e aprofundamento da desigualdade de renda. Para se entender a importância desse último aspecto, é preciso lembrar que, em 2017, o Brasil estava situado no topo do ranking da desigualdade (7º lugar), perdendo apenas para países africanos. Os bolsões de pobreza e de concentração de população submetida a péssimas condições de vida, que sempre se fez presente no território nacional, especialmente nas grandes metrópoles, haviam aumentado significativamente durante os últimos anos. Além disso, desde 2016, a condução da política econômica caracterizou-se por ser ultraliberal, cujos exemplos maiores foram o congelamento do nível de gastos do governo federal por vinte anos (Emenda Constitucional 95) e a realização das reformas trabalhista e previdenciária.

    As políticas sociais foram afetadas por essa orientação, entre elas a área da saúde pública, do Sistema Único de Saúde (SUS). Apesar disso, o SUS, mesmo combalido, foi chamado a ser o principal protagonista da luta contra a Covid-19, a ele se dirigindo recursos financeiros para atender demandas de toda ordem, mas ainda insuficientes para dar conta de sua perda histórica. Além disso, houve (há) uma clara falta de coordenação entre o Ministério da Saúde (MS), os Estados e os Municípios. Embora o SUS constitua um sistema organizado nos três níveis de governo, sendo claramente definidas suas competências, era de se esperar que o MS assumisse protagonismo durante a pandemia e que, em conjunto com as demais esferas de governo, coordenasse as ações e o planejamento necessário. Esse protagonismo e coordenação, no entanto, não aconteceu, dado que parte das ações necessárias implicava (e implica) o isolamento social e, caso necessário, o lockdown.  Isso recebia (recebe), de parte da Presidência da República, não só rejeição como campanha ativa contrária. Para Jair Bolsonaro, a economia não pode parar, apesar de que as mortes só aumentam. O resultado disso é a coexistência de duas orientações: a de governadores e prefeitos, que por diversos motivos se posicionaram firmemente no sentido de promover o isolamento social com vista a diminuir o ritmo de contaminação; e preparar o sistema de saúde para o momento seguinte.

    Resultado disso é que, em 25/05, o número de mortos pela Covid-19 atingiu 23.473, e pelo menos 4 Estados estavam próximos ou já haviam registrado colapso de seu sistema de saúde, em que pese as medidas adotadas em alguns deles – ampliação de leitos de enfermaria e de unidades de terapia intensiva (UTIs), incorporação de leitos do setor privado ou a instituição de fila única.

    As curvas de novos casos de contaminação e mortes confirmadas pela Covid-19 estão em franca ascensão. E o quadro de pobreza e de desigualdade, traço estrutural da sociedade brasileira, tem se manifestado nessa pandemia no maior número de mortos entre a população mais desfavorecida.

    Entre as tarefas a serem feitas, depois que o pesadelo acabar, certamente encontram lugar prioritário o enfrentamento da desigualdade e o fortalecimento do SUS.

    *Professora titular de economia da PUCSP e ex-presidente da SEP; professor titular de economia da Universidade Paulista (Unip). 

  • IGNORANCIA: CAMPO FERTIL PARA MENTIRAS E FANTASIAS

    IGNORANCIA: CAMPO FERTIL PARA MENTIRAS E FANTASIAS

    IGNORANCIA: CAMPO FERTIL PARA MENTIRAS E FANTASIAS

    Por Francisvaldo Mendes, presidente da FLCMF

    O último absurdo do desgoverno, que faz piorar a vida de todas as pessoas que vivem da venda da força de trabalho, foi o vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril de 2020. Mais um fato lamentável vivido pela sociedade brasileira que encara os mais escancarados absurdos, pois o desgoverno federal segue investindo em ignorância. É justamente com investimentos em ilusões e fantasias para pavimentação das fake news, que as mentiras seguem dançando em uma amostra tosca e ridícula.

    Na situação política pela qual passa o Brasil é fundamental afirmar a importância de um projeto de educação escolar que assegure o acesso universal ao conhecimento acumulado. Com condições e ferramentas para se valer do que são as pessoas, seres políticos que são cada vez mais potentes com repertório para problematizações crítico-social. Fator esse fundamental para se avançar na dialética da vida e assegurar que as ciências são sim o sustentáculo para a organização histórico-institucional dos acontecimentos. Já ultrapassamos a fronteira da neutralidade na história da humanidade, sabemos que os conhecimentos são impregnados de ideologias, sejam para libertar ou para escravizar (como acontece nesse país que unifica exploração com racismo).

    No mundo, totalmente tomado pelo capitalismo, com escalas, como o tardio e decrépito que prevalece no Brasil ou o dissimulado, que persiste nos chamados países desenvolvidos. Não há desenvolvimento no capitalismo, pois, em nome do lucro criam-se verdades que tomam conta da vida e a dominação autoritária segue com os seus assassinatos e extermínios das mais diversas formas. Assim, as escolas são destruídas, servindo apenas ao poder institucional e da Elite que organiza o mundo da escravidão do nosso tempo em uma superestrutura que com falsidades ilude a grande maioria das pessoas. Os poderosos se lambuzam na acumulação de riquezas e os setores populares padecem da ausência de uma república honesta e verdadeira que assegure, para a grande maioria das pessoas, o acesso ao conhecimento e ao crescimento na lógica de um permanente aprendizado. Mas desde criança, na adolescência e mesmo na juventude, a maioria das pessoas vive com o impacto da exploração organizada pelo capitalismo e com as piores consequências das desigualdades sociais, com a falta de água, a ausência de comida na mesa e da violência desse sistema patrimonialista, racista e machista, que predomina historicamente no Brasil.

    Mas para que absurdos sejam aceitos pelos sentidos humanos, como na reunião ministerial de 22 de abril de 2020, faz-se necessário que o desgoverno invista em ignorância, na destruição de todas as Instituições, na aniquilação dos avanços conquistados, impondo o padecimento da educação à saúde. Cenário lamentável, ainda mais nos tempos atuais com ajuda do inimigo invisível que se prolifera na pandemia que toma o Brasil, por responsabilidade da política destruidora de vidas, operada pela a grande maioria dos governantes atuais em todas as dimensões do Estado.

    Há acumulado, na história da humanidade, condições para que a unidade entre educandos e educadores, moradores e familiares, ativistas e pesquisadores, o povo de maneira geral, cresçam com a potência da educação. As escolas tem que ser pública, mas acabam, por conta da política da ganancia por dinheiro que predomina no país, e de alguma forma no mundo, atuando para o desmonte da educação e da capacidade de desenvolvimento intelectual. No lugar de conhecimento acabam servindo para o controle e a dominação, criando somente o bastante para ser utilizado como prestador de serviço um pouco mais qualificado, com os mais ferozes preconceitos e fazendo predominar os conteúdos mais nocivos que brotam na estrada da má formação e do conhecimento incompleto e falso, frutificando a ignorância.

    Não há dúvidas, portanto, que a ignorância é o investimento dos desgovernos que predominam no país, principalmente o federal, para que a cidadania ativa e a formação do sujeito não se façam com o volume necessário para mudanças profundas e significativas. O conhecimento é fundamental para a inteligência coletiva da transformação das pessoas e com as pessoas que são sujeitos estratégicos e determinantes para que a vida alcance o patamar da dignidade.

    A vida digna, formada na arquitetura coletiva da criação humana, é indispensável para superar as múltiplas formas de exploração, que colocam o lucro como o mais importante objetivo, como imposto pelos poderosos que controlam a economia e os serviços que deveriam ser produto de políticas públicas.

    A escola é um espaço fundamental para o aprendizado e é justamente o acesso crítico e dialético do conhecimento histórico e científico que precisa prevalecer. Assim como nós, sujeitos para transformações, que podemos elevar a vida em todas as suas dimensões e potencialidades, precisamos investir em formação e não deixar passar os absurdos que operam contra a vida, desnaturalizando e mostrando, com nitidez de compreensão, que o conhecimento é um instrumento fundamental para que alcancemos a defesa e a manutenção da vida com dignidade e não aceitemos que um bando de mal intencionados e ignorantes governe nosso pais.

  • O papel dos cristãos diante do fascismo

    O papel dos cristãos diante do fascismo

    O papel dos cristãos diante do fascismo

    Qual a relação da esquerda com os evangélicos? Ribamar Passos, da Assembleia de Deus e dirigente do PSOL, comenta os dilemas entre igrejas e política no Brasil de hoje

    Por Ribamar Passos

    Vivemos em tempos sombrios, com o avanço do fascismo, a retirada de direitos vitais para os pobres e o acúmulo de riquezas em poucas mãos. Isso tudo exige que o povo cristão, sobretudo os líderes, tenham lado nessa história. Em qual lado deve estar a igreja de Cristo?

    “Assim diz o Senhor: por causa de três transgressões de Israel, e por causa de quatro, não voltarei atrás, porque vendem o justo por prata, e o pobre por um par de sandálias” (Amós 2:6)

    Se seguimos os preceitos bíblicos históricos, não temos dúvida de que a igreja deve estar ao lado do povo pobre e necessitado, dos sem-teto, dos sem-terra, dos desempregados, das prostitutas, dos idosos, dos órfãos. Foi esse o exemplo que Deus, nosso criador, nos deixou quando da edição das tábuas da lei Mosaica, “E, quando teu irmão empobrecer, e as suas forças decaírem, então sustentá-lo-ás, como estrangeiro e peregrino viverá contigo”. (Levítico 25:35).

    Se seguimos os preceitos bíblicos históricos, não temos dúvida de que a igreja deve estar ao lado do povo pobre e necessitado, dos sem-teto, dos sem-terra, dos desempregados, das prostitutas, dos idosos, dos órfãos

    Foi esse o ensinamento passado pelos diversos profetas que viveram antes da era cristã, e foi esse o exemplo daquele que deu a vida na cruz por nós. “E quando Jesus ouviu isto, lhe disse: ainda te falta uma coisa; vende tudo quanto tens, reparte-o com os pobres, e terás um tesouro no céu; vem e segue-me” (Lucas 18:22).

    Por isso, devemos estar ao lado desse povo sofrido. Isso significa ser contra esse governo nefasto, contra esse sistema opressor que joga milhões de pais e mães de família na miséria extrema e que destrói os sonhos de nossa juventude.

    O pior para o povo

    O governo Bolsonaro, representa o que há de pior para o povo brasileiro. Se o compararmos aos governantes bíblicos da antiguidade, poderíamos nos lembrar de Nabucodonosor, um tirano que blasfemava e usava o povo de Deus para satisfazer seus delírios.

    Como filhas e filhos de Deus precisamos contribuir para a manutenção do bem-estar social e da paz. Devemos lutar e assegurar que nossos contemporâneos tenham seus direitos garantidos, pois assim, garantimos também a dignidade humana. “Vede que ninguém dê a outrem mal por mal, mas segui, sempre, o bem, tanto uns para com os outros como para com todos” (1 Tessalonicenses 5:15).

    O Brasil é um país de maioria cristã, os evangélicos somam mais de 42 milhões de pessoas no Brasil. Destes, em torno de 80% são assalariados que vivem nas periferias das grandes cidades, são idosos que sonham com uma aposentadoria digna, para que possam ter uma velhice sem tantos sofrimentos, são jovens que sonham com uma educação pública digna e que pensam em ter uma carreira promissora.

    As eleições de 2018

    No ano de 2018 vivenciamos uma situação inusitada, para não dizer outra coisa. Nas eleições para presidente da República e para governadores dos estados, os cristãos apoiaram candidaturas de extrema direita.

    No ano de 2018 vivenciamos uma situação inusitada. Nas eleições para presidente da República e para governadores dos estados, os cristãos apoiaram candidaturas de extrema direita

    A pergunta imediata é: o que está acontecendo com os cristãos no Brasil? A resposta pode demandar muito tempo de estudo e análises. A esquerda no Brasil passou por um momento de inércia nos últimos 13 anos, tendo deixado de lado a formação política da juventude e da militância em geral e se distanciado da base formadora, como por exemplo as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) da Igreja católica. Por outro lado, a crítica aos evangélicos e a defesa das pautas identitárias se tornaram as principais bandeiras de algumas organizações. Com isso, parte dos evangélicos se deixou levar por aqueles que se dizem defensores do povo cristão, da moral e dos bons costumes. Nós Evangélicos, que militamos na esquerda, compreendemos e defendemos as pautas identitárias. Elas são vitais para que esses setores conquistem direitos. No entanto, representamos um número ainda pequeno de cristãos na esquerda.

    Ainda há tempo

    Hoje, partidos como o PSOL e o PT têm um número grande de evangélicos em seus quadros. Alguns são apenas membros de alguma igreja outros são pastores e dirigentes de congregações. Faltam, no entanto, à esquerda brasileira, projetos que façam com que esse grupo social se sinta representado e acolhido. Os cristãos e evangélicos são partes do povo pobre que está nos sindicatos, nas associações de moradores, nos movimentos de sem-terra e sem-teto. “Mas deixarei no meio de ti um povo humilde e pobre; e eles confiarão no nome do Senhor.” (Sofonias 3:12)

    Os cristãos e a esquerda mundial

    A esquerda se caracteriza classicamente pela defesa da justiça, igualdade social e liberdade para todos os povos. Nas últimas décadas, acrescentaram-se a afirmação da pluralidade social, em todas as suas expressões não discriminatórias e não impositivas. No Brasil há desigualdades injustificadas que devem ser abolidas, particularmente quando elas envolvem hierarquias e ordenamentos sociais opressivos e exploradores, sancionados por argumentos baseados na “natureza”, no “costume” ou na “vontade de Deus”. Não restam dúvidas que os cristãos por natureza são de esquerda, ou ao menos deveriam ser, pois seguem preceitos bíblicos, que nos conduzem à prática de ações, que hoje são pautadas pela esquerda no mundo todo. As maiores riquezas que Cristo nos ensinou foi o amor aos pobres e se fazer pobre. Devemos aprender a enxergar Jesus no pobre.

    Há um bombardeio televisivo, com alguns canais de TVs voltados quase que exclusivamente para a transmissão de programas evangélicos, com pastores cada vez mais reacionários. Em sua maioria tais personagens defendem as políticas neoliberais, a teologia da prosperidade e que exibem um Deus que odeia os pobres. Falam o tempo todo em riqueza material, pregam o ódio a homossexuais, presidiários e prostitutas.

    Os cristãos e evangélicos são partes do povo pobre que está nos sindicatos, nas associações de moradores, nos movimentos de sem-terra e sem-teto

    Por isso, é importante que o povo de Deus fique atento aos discursos e às candidaturas políticas que utilizam os anseios e angústias do povo para sua autopromoção. Acabam por colocar em mãos perigosas e muitas vezes criminosas a direção política do país.

    Utilitarismo fascista

    Em tempos anteriores o povo Cristão já foi usado por políticas fascistas, como nos regimes fascista e nazista, na primeira metade do século XX. Precisamos de estudo que nos leve a criar e disseminar a teologia dos direitos sociais, baseados exatamente nas lições extraídas da bíblia.

    Vejamos: “Não oprimirás o teu próximo, nem o roubarás: o salário diário do trabalhador não ficará contigo até a manhã seguinte. (Levítico 19:13);
    “Não oprimas um assalariado pobre, necessitado, seja ele um dos teus irmãos ou um estrangeiro que mora em tua terra, em tua cidade.” (Deuteronômio 24:14-15);

    É muito difícil dialogar com o povo evangélico, mas não é impossível. Hoje, no Brasil, temos diversas frentes que se criaram com o objetivo de organizar esse povo cristão, com diferentes ideologias políticas e religiosas.

    As frentes em ação

    Temos as seguintes organizações religiosas em atuação:

    – Frente de Evangélicos pelo Estado Democrático de Direito
    Coordenação: Pr. Ariovaldo Ramos e Nilza Valéria Zacarias.
    É um movimento nascido no meio cristão evangélico, com os objetivos de promover a justiça social, a defesa dos direitos garantidos pela Constituição (direitos civis, políticos, sociais, econômicos, culturais etc.) e pela legislação internacional de Direitos Humanos.

    – Cristãos Contra o Fascismo
    Coordenação: Tiago Santos e Heber Farias.
    Movimento cristão plural, ecumênico, suprapartidário, radicado na defesa da democracia e contra intolerâncias.

    – Aliança de Batistas do Brasil.
    Coordenação: Pr. Paulo Cesar Pereira.
    Organismo de identidade batista e com caráter ecumênico, constituído por pessoas e comunidades identificadas com os princípios expressos na “Carta de compromissos e princípios”.

    Lugar na esquerda

    No evangelho de Mateus vemos o relato do jovem rico, que não conseguiu se desprender de suas posses materiais, e as declarações de Cristo sobre o perigo das riquezas. Depois que o jovem se retirou triste, Cristo afirmou: “Em verdade vos digo que um rico dificilmente entrará no reino dos céus. E ainda vos digo que é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus” (Mt. 19:22-24).

    A afirmação de Cristo é mais verdadeira que nunca em nossos dias. Se assim não fosse, os 206 bilionários brasileiros já teriam aberto mão de parte de suas riquezas para ajudar o povo pobre que vive em situações de extrema pobreza no país.

    Claro que cada um cria sua própria interpretação para o que lê, mas não temos dúvidas que nosso lugar é na esquerda.

    Ribamar Passos é presbítero da Assembleia de Deus ministério Madureira Campo de Vila Industrial, Secretário de Política Sindical da Intersindical CCT, membro da comissão de PCCS da Federação Nacional dos Trabalhadores dos Correios, graduando em Química Industrial no IFSP-SZ e presidente do PSOL em Ferraz de Vasconcelos – SP.

  • Confinamento e os limites do capitalismo

    Confinamento e os limites do capitalismo

    Confinamento e os limites do capitalismo

    Esta é a primeira vez na história de 300 mil anos do homo sapiens que todas as sociedades do mundo se concentram ao mesmo tempo sobre o mesmo acontecimento, com tamanho grau de mobilização e impacto econômico

    Por Guilherme Prado Almeida de Souza

    Na batalha contra o covid-19, enquanto as figuras políticas de alto escalão do sistema desejam criar um Leviatã sanitário – como bem classifica a socióloga argentina Maristella Svampa -, na busca por devolver uma situação de estabilidade para o sistema, – algo impossível -, nossa tarefa deve ser diferente. É preciso situar a importância do covid-19 como resultado e como ponto agravante de dois problemas que o atual sistema histórico em declínio enfrenta em sua dissipação. Ambos se denominam os limites do crescimento capitalista e seus limites ecológicos. Ao fazê-lo temos mais possibilidades de eleger reais alternativas sistêmicas.

    Os limites do crescimento capitalista e a emergência do capitaloceno

    Revisitando os “peakists”, como Richard Heinberg, intelectuais que consideram os picos de recursos e limites ecológicos em suas análises, lembramos que as possibilidades para a volta do crescimento estável como nos ditos “anos dourados” do século XX, parecem acabadas. Podemos elencar principalmente três dos limites para o crescimento tal qual conhecíamos:

    O esgotamento de recursos minerais e fósseis ou escassez de suas fontes de fácil extração (que são mais rentáveis), além da instabilidade nos preços dessas commodities. Mercados tranquilos e que favorecem o crescimento “sustentável” são aqueles nos quais os preços sobem devagar.

    Não há apenas um sistema mundial com uma economia regente, há também uma ecologia-mundo. Vermos ecologia e economia em unicidade nos ajuda a entender melhor a atual crise

    A proliferação de impactos ambientais negativos devido à exaustão dos ecossistemas, o que consumirá cada vez mais o orçamento dos Estados e a produtividade das empresas. Os EUA desde 1980 possuem gastos com desastres climáticos que excedem US$ 1.1 trilhão. Só no ano de 2016, foram gastos US$ 46 bilhões.

    Crises financeiras, como a que aconteceu em 2008. Elas poderão ser motivadas inclusive por fenômenos climáticos, como o relatório “The Green Swan”, de atores desse mercado.

    Como tais afirmações antecipam, estamos também diante de limites ecológicos, como:

    • A maior taxa de perda de biodiversidade já registrada.
    • Os impactos do aquecimento global que mata, por exemplo, 5 indianos por dia em eventos relacionados às chuvas.
    • A queda generalizada de 23% da produtividade das terras agricultáveis no mundo.
    • Uma pegada ecológica global de 1,75, ou seja, que torna necessário quase dois planetas por ano para sustentar o atual metabolismo econômico.

    Tal cenário crítico fez o geógrafo britânico Jason W. Moore afirmar estarmos diante do capitaloceno, era geológica na qual as forças produtivas do capitalismo – forças destrutivas, como diz Michael Löwy -, alteram o destino da vida na Terra. Ele inclusive complementa a teoria criada pelo grande sociólogo Immanuel Wallerstein, dizendo que não há apenas um sistema mundial com uma economia regente, há também uma ecologia-mundo. ermos ecologia e economia em unicidade nos ajuda a entender melhor a atual crise.

    Covid-19: um vírus que piora os sintomas do Capitalismo

    Em ligação com essa perspectiva, o marxista argentino Enrique Dussel defende que dentro desse cenário dramático, o coronavírus inaugura um momento único. Seria a primeira vez na história de 300 mil anos do homo sapiens que todas as sociedades do mundo se concernam ao mesmo tempo sobre o mesmo acontecimento, com tamanho grau de mobilização e impacto econômico.

    Isso revela o lado nefasto e regressivo da globalização criada pela modernidade capitalista. Ela exporta cada vez mais rapidamente prejuízos, doenças, desemprego e perdas para a maioria. Consequentemente, não é culpa de nossos coabitantes da terra o fato de 70% das novas doenças em humanos terem origem animal, mas do sistema histórico que nos rege.

    Do ponto de vista ecológico, portanto, essa é mais uma das epidemias zoonóticas que se somam à gripe aviária, suína, e tantas outras decorrentes, dentre outros motivos, do modo capitalista industrial de produzir, e de nossa intrusão ou destruição dos ecossistemas de animais silvestres. Esses espaços se encontram cada vez mais restritos pela urbanização ou expansão das fronteiras das commodities.

    Nesse sentido, estudos mostraram que o surgimento do ebola, por exemplo, está relacionado com os morcegos. Esses animais, também ligados a outras epidemias, já voam para as cidades em busca de comida devido ao desmatamento de suas florestas, entrando em contato com seres humanos. Assim, como nos antes raríssimos extremos climáticos, as epidemias graves têm se tornado cada vez mais comuns e letais. Apesar de tudo isso, de Alberto Fernández, na Argentina, a López Obrador, no México, provavelmente não apareceu nenhuma palavra sobre a questão ecológica até agora.

    Do ponto de vista ecológico, esta é mais uma das epidemias zoonóticas que se somam à gripe aviária, suína, e tantas outras decorrentes, dentre outros motivos, do modo capitalista industrial de produzir, e de nossa intrusão ou destruição dos ecossistemas de animais silvestres

    Nascido na China, o coronavírus resultou em medidas drásticas do governo local, visando isolamento social e fechamento de empresas. Uma das consequências foi a redução da poluição do ar, o que pode ter poupado cerca de vinte vezes mais vidas do que as perdidas pela doença. Esses dados mostram que, longe de dizer que o vírus tenha impacto ambiental positivo, o caos sistêmico já estava instalado muito antes de seu primeiro caso ter sido constatado.

    Na questão mais estritamente econômica, ele acentua as tendências já mostradas antes de sua ascensão. Para a pesquisadora estadunidense Gail Tverberg, que há tempos estuda as taxas declinantes do crescimento econômico, se a redução na produção do petróleo já foi de cerca de 1,6% em 2019, o impacto do vírus pode ser muito mais terrível do que estamos vendo.

    Queda dos preços do petróleo

    Em pouco mais de dez anos o petróleo bateu seus mais altos índices de preço da história (US$ 147 por barril em 2008), e também os mais baixos, chegando recentemente a preços negativos. Tamanha instabilidade pode tornar a produção em alguns lugares um total prejuízo, além de levar produtores até a desativar poços. Tal quadro tornaria ainda mais complicado o casamento entre oferta e demanda. Como estamos diante de um capitalismo fóssil, onde grande parte dos bens e serviços que acessamos para sobreviver é profundamente dependente de energia suja, essa instabilidade deve levar a grandes impactos.

    Se antes muitos economistas analisavam uma crise financeira, a queda ainda maior do crescimento, ou mesmo o encolhimento da economia mundial, tornará insolúvel o mercado financeiro. Somando-se ao endividamento das famílias e empresas, teremos pilhas de dívida estatal ainda maiores, feitas para combater os impactos do coronavírus.

    No terreno social, vemos a incapacidade dos sistemas de seguridade em lidar com o novo cenário de crises e pandemias constantes que enfrentaremos.

    Os benefícios geralmente são cedidos apenas mediante a alguma condicionalidade às pessoas, sejam elas contribuintes ou pobres o bastante. É por isso que o debate sobre renda básica deve se manter para além da atual crise, tendo em vista superar o falido Estado de bem-estar social.

    Nos EUA, um chefe executivo regional do FED diz que os níveis de desemprego podem chegar a 30% e o PIB cair incríveis 50%. Muito menos que isso já tornaria possível uma depressão bem mais séria que a de 1929, quando a economia mundial era muito menos globalizada.

    Mas o que isso tudo representa, sabendo-se que ondas de coronavírus podem manter em alguma proporção parte do isolamento e do fechamento de empresas até 2022?

    Crescimento contínuo

    A atual economia é feita para não parar de crescer. Assim, paradas intermitentes se tornam caóticas. Se olharmos para o caos global, constatando que o desabastecimento de máscaras produzidas na China ou o de cartelas de ovo na Inglaterra são resultado de uma globalização nefasta, tiraremos algumas lições. Talvez uma economia viciada em dogmas como eficiência e escala, – onde mais segurança consiste em maior produção e produção concentrada em um local com menos custos -, terá que dar lugar a resiliência em comunidade e diversidade produtiva local.

    Os tempos de coronavírus nos darão mostra de que conexões locais e circuitos cooperativos e solidários terão maior capacidade de absorção de choques que esta velha economia nos dá. Talvez estejamos diante de um fenômeno maior, de uma grande transição sistêmica

    Os tempos de coronavírus nos darão mostra de que conexões locais e circuitos cooperativos e solidários terão maior capacidade de absorção de choques que esta velha economia nos dá. Talvez estejamos diante de um fenômeno maior, de uma grande transição sistêmica que só nos daremos conta mais adiante. Resta-nos construir o caminho para o lado mais democrático e igualitário na bifurcação diante de nós.

    Guilherme Prado Almeida de Souza é mestre em Ciências Humanas e Sociais pela UFABC.

     

  • A DEMOCRACIA EXIGE RADICALIDADE DAS INSTITUIÇÕES

    A DEMOCRACIA EXIGE RADICALIDADE DAS INSTITUIÇÕES

    A DEMOCRACIA EXIGE RADICALIDADE DAS INSTITUIÇÕES

    Por Francisvaldo Mendes, presidente da FLCMF

    O tempo que vivemos exige a radicalização da democracia para a vida melhorar. Criar condições para a democratização não parar de se desenvolver é uma tarefa difícil, ainda mais no momento no qual vivemos. As piores partes se juntaram, em meio de uma pandemia que extermina vida como se fosse uma guerra, o Governo Central e o Estado abraçam a estética autoritária do mais desprezível pensamento conservador. E nessa quadra, os setores comprometidos com a democratização, precisam romper as mais gélidas e densas barreiras.

    Mas é possível romper as barreiras, afinal uma das frases mais repetidas, em ambientes progressistas, de esquerda ou que cultivam o pensamento crítico, é “tudo que é sólido desmancha no ar”. Não há estruturas, sistemas econômicos e ordens de organização da vida que não sejam superados e transformados. Mas os sujeitos que assim podem fazer precisam estar organizados e com energia no coletivo para que esse processo ocorra. Portanto, desde agora, os ambientes populares e comprometidos com a democratização precisam ser ampliados e superar, unificadamente, a ideologia do indivíduo, que fortalece o individualismo, o narcisismo e os preconceitos mais cruéis. O coletivo precisa se erguer e construir a maior inteligência que costura saberes, conhecimentos e identidades, para que se possa galvanizar a estrada da democratização em favor da vida.

    A Ideologia da meritocracia individual suplantou as construções coletivas e as instituições sucumbiram a ideologia liberal do indivíduo. Nesse processo são fechadas as frestas para a democratização e abertas as veias autoritárias, como estamos vendo o presidente propagandear. Por outro lado, acaba-se vivendo ambientes sectários e limitados em repetir o jogo da guerra e não da política. Não se pode fortalecer as ideologias de dominação e os pensamentos conservadores, nem por um minuto. Enxergar a decadência das instituições do Estado é tão necessário quanto construir bases para sustentar a consciência sobre o papel do coletivo e o objetivo do Estado na sociedade capitalista. Não se pode, portanto, disseminar confusões que contribuirão com o conservadorismo autoritário que predomina, ainda mais nesses tempos. E para enfrentar a situação atual, precisamos nutrir de energia uma cultura de convivência com a diferença que fortaleça o coletivo e o conhecimento existente entre nós oprimidos.

    Uma das questões fundamentais é saber que o Estado cumpre o papel da dominação e que esse é seu principal objetivo. Fissuras precisam ser rasgadas no Estado, sem ilusões de que o “bem estar social” vai prevalecer na sociedade capitalista. Mas convictos que rachaduras para uma vida melhor são possíveis.

    Ocorre que mesmo as Instituições do Estado estão sucumbindo ao autoritarismo, sem conseguir se impor enquanto instrumento de preservação das próprias Instituições democráticas. O congresso acovardou-se diante do exército miliciano do presidente, O STF faz o papel dele de preservar apenas suas benesses, estampando vista grossa para constituição e acaba servindo apenas como alavanca para retirar direitos da classe trabalhadora.

    A grande maioria das pessoas, todas as que vivem da venda da força de trabalho, querem garantir a comida, o transporte, a moradia, a saúde, condições de vida com água potável em cada domicílio. Porém o Estado e o Governo apenas querem preservar seus nichos e pouco ou nada planejam para a defesa da vida da população.

    A democracia deve ser preservada e seu objetivo fundamental será, por meio da garantia da harmonia entre os poderes, assegurar a vida das pessoas para que seja realmente garantida. Nesse sentido, seria medida lógica para um consenso nacional, afastar quaisquer representantes e gerentes do poder que atentasse contra a vida das pessoas. Assim, deve-se sustentar no que é cientificamente comprovado, privilegiando a racionalidade humana e não a ignorância e o despreparo educacional propositadamente incentivado junto a população.

    Portanto, todos os aspectos que envolvem a garantia da saúde, a qualidade da vida, a sustentação digna das condições materiais, deveriam ser questões fundamentais para construir uma nação, um povo. As pessoas precisam saber que nossa disputa política é para uma vida plena, com moradia digna, garantia de saúde, transportes que respeitem as pessoas e educação de qualidade.

    Há uma aposta política no caos, para implementação de um sistema autoritário onde aumente ainda mais a espoliação do Estado por parte e a favor de alguns grupos. Nesse sentido, devemos cobrar o funcionamento pleno das próprias instituições do Estado para que não seja tarde e tenhamos que obedecer a supostos “déspotas esclarecidos”. E a mesma lógica serve para a nossa classe, pois, as personalidades não podem representar a todos e todas sem bases reais de construção coletivas de sustentação para conquistar um mundo melhor para viver. Será assim, com solidariedade ativa e cidadania mobilizadora, assegurando transparência nas regras, que faremos instituições serem respeitadas e o coletivo ganhar o patamar de sujeito para construir conquistas que atuem a favor da vida digna e plena.

  • A esquerda em seu labirinto: considerações sobre o Brasil em crise

    A esquerda em seu labirinto: considerações sobre o Brasil em crise

    A esquerda em seu labirinto: considerações sobre o Brasil em crise

    Neste ensaio, pretendo apresentar as movimentações dos setores dominantes de modo a fazer uma crítica da inação ou abstenção da esquerda socialista.

    Por Frederico Henriques*

    São inúmeros os impasses que a recessão econômica e da Covid-19 causam à humanidade. No Brasil, eles aparecem intensificados por termos um obscurantista na Presidência da República. As mensagens desencontradas e o enfrentamento às instituições do regime fazem com que a capacidade política de Bolsonaro seja a todo o momento questionada, provocando o seu isolamento. Esse clima piora com a deterioração exponencial do cenário econômico e o avançar do colapso sanitário, causados pelo coronavírus e pela saturação do sistema de saúde.

    Mesmo nessa crise orgânica de grande proporção, quem mantém o protagonismo político em todos os momentos é Bolsonaro, com alguns enfrentamentos com a direita tradicional e os setores liberais da burguesia brasileira. A oposição de esquerda, observando a conflagração social e política ocasionada pelo governo, acredita que o povo irá resgatar seus políticos como salvadores nesse momento crítico. Na palavra de deputados petistas, o povo resgatará Lula dos escombros da economia e dos caixões.

    Esse tipo de pensamento não é novidade na história. Em diversos momentos, a política da não intervenção nos processos históricos foi tentada e testada com retumbante fracasso. A partir de casos concretos, Gramsci viu essa experiência diversas vezes no caso italiano e em sua sanha antipassiva, de forma a criticar esse procedimento de maneira contundente. No trecho a seguir ele traduz sua visão:

    Ocorreu frequentemente essa transposição para o campo político e parlamentar de concepções nascidas no terreno econômico e sindical. Todo abstencionismo político em geral, e não só o parlamentar, baseia-se numa tal concepção mecanicamente catastrófica: a força do adversário ruirá matematicamente se, com método rigorosamente intransigente, ele for boicotado no campo governamental (à greve econômica se conjugam a greve e o boicote políticos)[1].

    Para Gramsci, nenhum resultado é automático ou iminente. Ele desenvolve essa crítica a partir da análise das sociedades ocidentais contemporâneas e de sua sociedade civil. O centro da reflexão do sardo está em elaborar uma teoria da constituição dos sujeitos políticos e das condições subjetivas para a realização da ação política ou da práxis política.

    Em texto anterior, Interregno como chave para compreender a crise[2], busquei caracterizar a noção de crise orgânica para pensar o problema da construção dos sujeitos. Neste ensaio, pretendo apresentar as movimentações dos setores dominantes, para tentar estabelecer um novo normal, de modo a fazer uma crítica de uma inação ou abstenção da esquerda socialista a uma práxis política. Além disso, pretendo também compreender os movimentos mais estruturais, o que nos ajudará a observar os caminhos do capital, bem como das elites, e, assim, apontar derrotas e possibilidades para nos movimentar em tempos em que a conjuntura nos empurra a debater somente o dia seguinte, dificultando um olhar mais a longo prazo.

    Nesse sentido, este breve texto busca apresentar uma interpretação a partir das categorias de Gramsci para as profundas transformações que estamos sofrendo nas últimas duas décadas, mas que se aceleraram nos últimos cinco anos. Buscarei observar tendências e, dessa forma, subsidiar nossa práxis política no momento de maior crise da humanidade desde a Segunda Guerra Mundial. Para desenvolver esse raciocínio, dividirei o texto em três partes, quais sejam: 1) apresentar brevemente o Brasil na nova divisão internacional do trabalho; 2) discutir brevemente o regime da Nova República, os elementos da divisão internacional do trabalho e o seu impacto em nossa burguesia dependente; e, por fim, 3) abordar a aceleração dos tempos e o caso brasileiro pós-junho de 2013, a partir dos conceitos gramscianos.

    Imperialismos e a divisão internacional do trabalho

    O nosso país não pode ser entendido por si só, mas apenas a partir da divisão internacional do trabalho e de seu lugar no mundo. A história das economias periféricas é marcada por uma forte influência das dinâmicas do capitalismo mundial e pela forma como as nações imperialistas organizaram os processos de acumulação. Toda a formulação de Prado Jr., desde a primeira metade do século XX até suas produções tardias, é ancorada de forma consistente nesta elaboração:

    Essas relações capitalistas de produção em que fundamentalmente se estrutura a economia brasileira em conjunto se entrosam no sistema internacional do capitalismo de tal forma que relegam essa economia a uma posição periférica e marginal. Esse entrosamento e essa situação dependente da economia brasileira com respeito ao sistema internacional do capitalismo se revelam hoje, sobretudo e essencialmente, nas relações comerciais e financeiras externas. E se isso representa modificação do primitivo e originário sistema colonial que tivemos no passado, ainda assim o continua e perpetua sob novas e mais complexas formas[3].

    Logo, combinam-se formas atrasadas internas, que mantêm processos de coesão e dominação, com elementos modernos, com base na inserção da nossa economia nas cadeias de produção mundial.  Neste sentido a relação com as classes subalternas num determinado Estado, no caso brasileiro, se dá a partir das relações autoritárias com nenhum resquício igualitário do capitalismo nas potências ocidentais. Isso ocorre exatamente pelo caráter dependente e subordinado da nossa burguesia em relação ao imperialismo e a forma como sempre se deu a nossa inserção na divisão internacional do trabalho.

    E a burguesia nacional converte-se, estruturalmente, numa burguesia pró-imperialista, incapaz de passar de mecanismos autoprotetivos indiretos ou passivos para ações frontalmente anti-imperialistas, quer no plano dos negócios, quer no plano propriamente político e diplomático[4].

    A esse respeito, Plínio de Arruda Sampaio Júnior[5], com base nestes clássicos, define a nossa burguesia dependente[6] como afeita aos negócios. Longe de ter um tipo de ganho a priori, ou uma ética do trabalho, o centro de nossa elite é a manutenção dos ganhos com o objetivo de manter um padrão de vida das elites do centro. Exatamente por isso elas estão dispostas a se submeter de forma subordinada ao imperialismo e aos mercados internacionais, ou seja, elas não são a priori afeitas ao comércio, indústria ou agronegócio e são construídas à base dos melhores ganhos nos mercados. Desse modo, não se entende o Brasil sem entender as movimentações que acontecem no capitalismo mundial e no imperialismo.

    Após a Segunda Guerra Mundial, o ciclo expansivo do capital, sob o imperialismo norte-americano e a disputa com a União Soviética, teve como base a transferência de unidades produtivas para espaços nacionais a fim de ter acesso privilegiado a mercados consumidores sem a concorrência internacional. Porém, com a queda da União Soviética e a expansão do capital para todo o globo, essa dinâmica muda, impactando diretamente o Brasil como as demais nações periféricas. A partir do final da década de 1970, há uma profunda reestruturação com a decadência do fordismo e da União Soviética, gerando uma série de conflitos econômicos e políticos que começou a minar algumas bases dos Estados nacionais, fortalecendo ainda mais as relações de dependência com as nações centrais e imperialistas, assim surge a nova fase de desenvolvimento capitalista, a neoliberal.

    A nação-Estado, embora seriamente ameaçada como poder autônomo, retém mesmo assim grande parte de disciplinar o trabalho e de intervir nos fluxos de mercados financeiros, enquanto se torna muito mais vulnerável a crises fiscais e à disciplina do dinheiro internacional. Estou, portanto, tentando a ver a flexibilidade conseguida na produção, nos mercados de trabalho e no consumo antes como um resultado de busca de soluções financeiras para tendências de crise do capitalismo do que o contrário. Isso implicaria que o sistema financeiro alcançou um grau de autonomia diante a produção real sem precedentes na história do capitalismo, levando este último a uma era de riscos financeiros igualmente inéditos[7].

    Em relação à expansão das dimensões produtivas e financeiras da mundialização do Capital, Chesnais[8] aponta um processo de expansão sem precedentes que, por sua vez, implica uma nova forma de organização da alocação e acumulação, e mudanças quantitativas e qualitativas que se imbricam. Estamos diante de novos operadores, imersos em fundos de pensão ou mútuos títulos imobiliários, grandes bancos de investimentos, entre outros. Ademais, deve-se observar a forma como os processos de produção se transformam, pois o centro também são os ativos financeiros como um todo. O capital financeiro no manche tem como principal objetivo gerir os mercados de forma mais flexível. Logo, grande parte dos serviços e empresas estatais, seja no centro, seja na periferia, é privatizada e esses operadores são os investidores que alocam os recursos em busca de mais retorno. Chesnais também irá destacar que, longe da ideia de pulverização, a consequência direta é o sistema hierarquizado da economia mundial, ou seja, ocorrem o fortalecimento dos Estados imperialistas que detêm os processos de operação dos fundos financeiros e, por sua vez, a fragilidade da periferia do sistema.

    Os Estados Unidos[9], a partir de diversos parceiros[10] desde 1980 até o início do século XXI, conseguiram exercer seu papel imperialista, construindo consensos e, quando conveniente, usando a força para impor uma nova dinâmica global. Apesar das crises recorrentes, especialmente na periferia do sistema, as políticas de liberalização econômica e privatização dos serviços públicos ditaram a toada no Brasil e no mundo. Apenas no início dos anos 2000, outro país passa a despontar como um importante ator global, com tendências imperialistas: a China. A mudança de patamar desse país asiático, agora puxador do crescimento global, transforma o comércio internacional e cria outra dinâmica econômica no mundo.

    A entrada da China como membro na Organização Mundial do Comércio[11], com o seu forte poder de barganha e investimento, transforma esse país em motor do crescimento global tendo, dos anos de 2003 até 2008, um processo com elevadas taxas de crescimento. Políticas de atração de investimentos diretos, principalmente pela expansão do parque produtivo com o arrocho salarial, avanço nas parcerias com países exportadores de commodities e, no momento seguinte, com a expansão do seu mercado consumidor, a transformaram numa potência imperialista.

    A entrada em cena da China, a partir de um processo gradual de desregulação dos mercados, teve um impacto muito grande no Brasil. No ano 2000, o país asiático detinha cerca de 2% do comércio exterior com o Brasil; já em 2009, o índice chegou a 13%, emparelhando com o principal parceiro, os EUA. Os números de 2019 já mostram a China como a principal parceira, com 21,45 bilhões de dólares de balança comercial positiva para os brasileiros, segundo a Agência Brasil[12]. A demanda por matérias-primas do gigante asiático não apenas alavancou o preço das commodities, como ainda fez o Brasil ter sucessivas entradas de divisa e ganhos comerciais. Em contrapartida, o avanço das manufaturas chinesas sobre o Brasil e a América Latina fez com que a indústria nacional retrocedesse não apenas no comércio exterior como também internamente. A esse respeito, Cunha[13] destaca que, por um lado, “sinaliza para uma especialização produtiva que faz eco ao modelo primário-exportador anterior a 1930; por outro, e intensificando os riscos dessa especialização regressiva, a concorrência chinesa impõe perdas de mercado para produtores e exportadores industriais do Brasil”.

    Após 2008, com a ascensão da China e a crise na principal potência imperialista, a dinâmica mundial passa por novos períodos de conturbação, os regimes passam a ser questionados e o impasse imperialista se transforma em uma crise de hegemonia[14]. Apesar de a crise de divisas e a crise econômica iniciarem em 2009 no mundo, é em junho de 2013 que existe uma profunda ruptura entre representantes e representados no Brasil. Essa dinâmica econômica, sob influência sino-americana, é a chave para entender as movimentações de nossas elites, não apenas no momento anterior, mas também para apontar tendências para o futuro e para termos mais clareza sobre as nossas tarefas.

    Contrarreformas, transformismo e crise da Nova República

    A década de 1980, no Brasil, foi construída sob a égide da queda da ditadura e da crise econômica. O aumento da participação popular do cenário político – como as greves do ABC paulista, as greves gerais do final dos anos 1980, passando pelo movimento das “Diretas já” – apontava uma crise de hegemonia de um regime em decomposição. A existência de partidos de esquerda populares, como o PT, com projetos de democratização, e a mobilização popular promoveram a incorporação de diversas vitórias na Constituição de 1988. Porém, essas concessões não foram suficientes para estabelecer uma nova hegemonia. Em realidade, ela só pôde ser estabelecida após 1993.

    A eleição de 1989 e o governo Collor apontavam um regime que ainda tinha pouca capacidade de se estabilizar. Como já assinalavam os clássicos marxistas do pensamento brasileiro, um país estruturado em um regime de escravidão e desigualdade gigante encontra enormes dificuldades para manter uma hegemonia. Mas o fim da ditadura e a implementação de uma nova constituição deram bases para isso. A abertura, no governo Collor, com as primeiras privatizações, tornou evidente a “burguesia de negócios”, um novo caminho para recuperar seus ganhos, o rentismo, a partir das operações financeiras, na forma de moeda, fundos ou outros mercados. Porém, é durante o processo de impeachment de Collor, em 1992, que o acordo é estabelecido e se começa a desenhar uma nova estabilidade no regime, que duraria 20 anos. A montagem do governo Itamar Franco, o acordo entre boa parte das elites políticas e o estabelecimento do PT na oposição estabeleceram o desenho que Marcos Nobre[15] chamou de PMDBismo e Coutinho[16] de hegemonia da pequena política.

    A seguridade social, conquistada pela Constituição de 1988, em conjunto com a estabilização da moeda foram elementos centrais para a estabilização das classes subalternas, enquanto a nossa elite buscava desmontar o “antigo Estado varguista”, fazendo negócios na operação de fundos, ou liberando mercados para os “operadores financeiros”. Inicialmente, eram negócios com base na importação e na moeda, passando pelo processo de privatizações, até chegar aos títulos do governo. Aos poucos, as elites foram se adaptando, construindo relações de subalternidade em relação aos centros econômicos e ganhando suas fatias no mercado. Com setores médios tendo acesso a produtos importados e populares com o mínimo de garantias dadas pela Constituição da Nova República, os ganhos se mantinham salvos e o PT poderia assumir o governo.

    Durante toda a década de 1990, a direção do Partido dos Trabalhadores já vinha se transformando. A experiência em prefeituras e a gestão de fundos de seguridade, pensão e saúde, nos grandes sindicatos e centrais foram criando, no início dos anos 2000, uma gama de dirigentes completamente distinta daquela que havia enterrado a ditadura. Com a chegada do Lula ao poder, em 2003, essa adaptação muda de patamar, com ao acesso às estatais e aos fundos e bancos públicos. Chico de Oliveira, em seu texto clássico, O ornitorrinco (2003), anuncia bem esses gestores: “A nova classe tem unidade de objetivos, formou-se no conceito ideológico sobre a nova função do Estado, trabalha no interior dos controles de fundos estatais e semi-estatais e está no lugar e faz a ponte com o sistema financeiro”[17]. Para nós, cabe menos o debate sobre ser uma nova classe (algo muito polêmico), e mais compreender a mudança na atitude desses dirigentes e o seu novo espaço de formação nas principais escolas de economia e administração do país com o seu papel como setor subordinado na relação direta com os operadores financeiros. Nesse mesmo texto, Oliveira vai além e destaca como os lugares que ambos frequentam são os mesmos. Bianchi e Braga[18] desenvolveram os argumentos de Oliveira a partir do processo de financeirização da burocracia sindical, mostrando como o processo de adaptação não era algo abrupto, mas algo que já gestava nesses dirigentes sindicais.

    Partindo de Gramsci, o que podemos observar é a cooptação e mudança molecular mais ampla de setores ligados aos trabalhadores para agentes e operadores das políticas das classes dominantes e dirigentes. Note-se que a adaptação revisionista e reformista é algo amplamente debatido ao longo da história, a exemplo das polêmicas de Lenin com Bernstein, Kautsky e Plekhanov e a outros teóricos da II Internacional como um todo. Porém o sardo vai buscar a sistematizar este fenômeno a partir da elaboração do conceito de transformismo:

    Os moderados continuaram a dirigir o Partido de Ação mesmo depois de 1870 e 1876, e o chamado “transformismo” foi somente a expressão parlamentar desta ação hegemônica intelectual, moral e política. Aliás, pode-se dizer que toda vida estatal italiana, a partir de 1848, é caracterizada pelo transformismo, ou seja, pela elaboração de uma classe dirigente cada vez mais ampla, nos quadros fixados pelos moderados depois de 1848 e o colapso das utopias neoguelfas e federalistas, com a absorção gradual mas contínua, e obtida com métodos de variada eficácia, dos elementos ativos surgidos dos grupos aliados e mesmo dos adversários e que pareciam irreconciliáveis inimigos[19].

    Esse processo de absorção que acontece entre adversários ou inimigos irreconciliáveis, como bem destaca o marxista italiano, não está ligado apenas a um processo eleitoral, mas também ao afunilamento de um projeto comum a partir da vivência. O “transformismo” – de forma molecular, a partir de importantes dirigentes – já ocorria no período anterior à ascensão de Lula ao Governo Federal, mas muda de proporção na direção da máquina da União e passa a construir uma intelectualidade intensa que sai do campo radical para aquilo que ficou conhecido mais tarde como social-liberal. Uma parte importante de intelectuais fundadores do PT começa a construir narrativas que combatiam todos que criticavam o governo, defendendo a manutenção das políticas governamentais, mesmo que similares àquelas defendidas por agentes de mercados tradicionais. Ao longo dos anos, novos intelectuais e economistas, autodenominados desenvolvimentistas ou neokeynesianos, passam a defender a estrutura da dívida brasileira, assim como o tripé econômico. Nesse processo, a ação hegemônica dos operadores financeiros ganhou tamanha força a tal ponto que trocou seus intelectuais tradicionais por aqueles que eram seus antigos adversários ou inimigos[20].

    Essa mudança de governos – sem transformações estruturais, pautados na conciliação, que fez com que as disputas se localizassem à margem dos projetos globais de sociedade – foi nominada por Coutinho de hegemonia da pequena política. Com o estabelecimento do regime, durante toda a década de 1990 e dos anos 2000, houve um processo de consenso passivo das classes subalternas que aceitaram de forma resignada o jogo eleitoral. Nesse momento, o espaço da política se restringe muito aos pleitos eleitorais e a política se restringe à administração do cotidiano. Nos termos de Gramsci:

    A grande política compreende as questões ligadas à fundação de novos Estados, a luta pela destruição, pela defesa, pela conservação de determinadas estruturas orgânicas econômico-sociais. A pequena política compreende as questões parciais e cotidianas que se apresentam no interior de uma estrutura já estabelecida em decorrência de lutas pela predominância de diversas frações de uma mesma classe política[21].

    Uma das características da pequena política, para Gramsci, vai além da aceitação passiva; ela consiste num consenso tal que os valores e ideais da classe dominante se transformam em senso comum, inclusive nas grandes massas subalternas. Esse tipo de indagação fica evidente quando analisamos diversas pesquisas qualitativas e quantitativas sobre valores ligados ao consumismo e empreendedorismo focalizadas na dita “classe C”, assim como as políticas pró-consumo do governo Lula que a própria Fundação Perseu Abramo[22], ligada ao Partido dos Trabalhadores, veio observar quando o projeto dos governos petistas foi colocado em xeque.

    Esse conceito de hegemonia, ligado a uma prática e não a um agente histórico, foi muito criticado por importantes pesquisadores[23] dos postulados de Gramsci. A fração das elites que se organiza como setor dirigente e dominante, como busco apresentar neste texto, são os “operadores financeiros”, que, a partir do cenário internacional, estruturam os seus ganhos. Como a tradicional “burguesia de negócios”[24], eles migram seus investimentos e apostas conforme o jogo. Assim, a relação dos gestores de fundos de estatais e trabalhadores com esses agentes e a formação em espaços comuns cria uma simbiose. Sua acumulação de capital sempre buscou incorporar antigos serviços e fundos públicos; e os investimentos, as dinâmicas dos mercados internacionais e o imperialismo.

    Ao apresentar a ideia de pequena política, Carlos Nelson Coutinho também propõe o conceito de contrarreforma para entender o aprofundamento das medidas neoliberais sem ganhos estruturais para as classes subalternas. A desconstrução dos direitos sociais se torna evidente quando trabalhamos com o desmonte na previdência social, o repasse da gestão de toda a saúde pública para a iniciativa privada e o fortalecimento da suplementar, ou com processos de privatização ou concessão de empresas e serviços públicos. Para Coutinho, esses processos são restaurações como meta de instalar “condições próprias do capitalismo selvagem” que são regidas exclusivamente pelas “leis do mercado”. Normalmente, ao abordar essas contrarreformas, apenas nos atentamos ao parlamento ou ao executivo, mas elas também abarcam diversas estruturas institucionais como o judiciário, outorgando novas formas de contratos trabalhistas[25] retirando direitos sociais.

    Como já destacado anteriormente, com o início do governo Lula, também entra em cena um novo peso global, a China, que intensifica as transformações nos negócios e na estrutura produtiva brasileira. Os negócios baseados em privatizações, moeda e juros passam a ser vistos tendo como eixo commodities, mercado imobiliário e juros. Logo, sem grandes reformas estruturais, os governos petistas abriram a porteira para uma reorganização produtiva e social que já vinha se dando desde o início da década de 1990.

    Reinaldo Gonçalves, em seu livro Desenvolvimento às Avessas[26]apresenta uma série de dados que são interessantes para mostrar esse processo. As exportações de produtos manufaturados caíram de 56,8% da balança comercial em 2002 para 45,6%, acompanhando o boom do preço das commodities até 2008, com o avanço do mercado chinês. Além da queda de 18% para 16% da indústria de transformação durante o governo Lula, a indústria também teve o seu menor crescimento, ainda mais em relação à mineração e ao agronegócio. Por fim, é importante destacar o diferencial de acumulação de capital e de setores: enquanto no início do governo petista os 50 maiores bancos tinham ativos totais iguais às 500 maiores empresas, em 2010, tais ativos aumentaram em 74%, mostrando mais uma vez a acentuação da tendência anterior.

    O processo de expansão dos gastos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) com o financiamento de fusões e aquisições não apenas resultou em criação de oligopólios como ainda garantiu cadeiras e espaço de gestão e participação em muitas dessas empresas[27]. Os operadores dos fundos estatais expandiram sua atuação para essas outras áreas. Um caso interessante para se destacar é a relação com as empreiteiras, não apenas pelo financiamento, mas também pela construção de programas que possibilitaram manter aquecido o mercado imobiliário, como o Programa Minha Casa, Minha Vida[28], ou os grandes eventos esportivos.

    Ademais, a crise de 2008 expõe o processo de financeirização e os ativos mundiais com pouco lastro na realidade, apesar de iniciar, pelo mercado imobiliário, nos EUA, a desconfiança de difundir sobre os mais variados tipos de investimento. Muitos textos[29] já foram produzidos sobre o assunto, mostrando como a relação sino-norte-americana foi a chave para compreender esse momento e será o caminho para enxergar novas tendências. No caso concreto, foi o crédito que permitiu, grosso modo, grande parte do consumo das famílias norte-americanas, consumo este que tem 70% de participação no PIB da maior economia do mundo. O consumo norte-americano, diga-se de passagem, foi também a garantia dos superávits comerciais de inúmeros países, entre eles, a China, e o próprio Brasil, razão pela qual se pode considerar o déficit comercial dos EUA existente até então como fator de equilíbrio do crescimento mundial[30].

    Ao invés de aumentar a regulamentação, o que se viu foi a aceleração da exploração das formas de trabalho mais arcaicas e a precarização dos contratos de emprego para retomar os antigos níveis de acumulação. A incapacidade das elites de dar respostas fez com que a crise econômica se transformasse numa crise de hegemonia, em que os regimes dos mais diversos países fossem contestados e as massas saíssem de uma posição de passividade para ocuparem as ruas, mesmo que de forma desorganizada[31]. Assim foi a Primavera Árabe, na praça Taksim, em Istambul; e a forma como, da Espanha ao Occupy Wall Street, as revoltas se generalizaram pelo mundo.

    No Brasil, não foi diferente. A expansão da política fiscal, principalmente com desonerações e a expansão de crédito logo após a crise mundial de 2008, fez com que os impactos fossem segurados por alguns anos. Porém, diversos economistas já apontavam o crescimento da vulnerabilidade externa estrutural e a deterioração das contas do governo, especialmente após 2011[32]. A crise estourou em junho de 2013, quando as massas, não conseguindo se manter nos patamares de ganho de renda do período anterior e com a péssima qualidade dos serviços públicos, saem às ruas.

    Enquanto a esquerda buscou fingir que nada estava acontecendo, apontando apenas algumas propostas[33] num primeiro momento, mas recuando logo em seguida, a direita tradicional se apoiou fortemente na pauta da corrupção como alternativa, dando apoio à Operação Lava-jato. Foi junho que revelou o quanto a esquerda tradicional, ligada ao regime, já não era dona das ruas[34]. Para além do transformismo do PT, Francisco de Oliveira[35] aponta que um dos motivos da derrota da esquerda está na desorganização da classe, já que um dos elementos estruturais de contrarreforma e da reestruturação produtiva foi a capacidade de o Lula transformar classe em pobreza: aparece, então, a ideia de cuidado com os pobres e criação de consumidores, com quase supressão de identidade de classe e a geração de autonomia para um país que “cuida dos pobres”, invertendo, nesse sentido, a lógica da esquerda revolucionária de transformar pobreza em classe.

    Jacobinismo às avessas e bolsonarismo

    A saída das massas da passividade no Brasil, com um colapso econômico, colocou em xeque todo o regime anterior, gerando o que tratamos como “crise orgânica”[36]. Nesse cenário, observamos uma direita jogando para criar novos acordos e acelerando transformações estruturais para manter suas taxas de lucros, enquanto a esquerda se mantém sob a ilusão de que ainda vai conseguir resgatar o período que passou. Dessa forma, desde o início pós-eleição da Dilma, com o anúncio da política de austeridade, o PT tem dado as costas para as demandas apresentadas pelas manifestações que tomaram as ruas desde 2013 e tenta manter o jogo que o fez subir o planalto.

    O primeiro elemento do transformismo passa por entender que aqueles que foram absorvidos pelas classes dominantes e pelos dirigentes, num projeto de hegemonia mais amplo, não fazem parte dessa classe. O processo de moderação e aplicação das contrarreformas faz com que as massas os vejam como parte do velho regime, assim como as elites buscam esses atores como os primeiros a ser eliminados. Ainda sobre transformismo, Gramsci explica:

    Neste sentido, a direção política se tornou um aspecto da função de domínio, uma vez que absorção das elites dos grupos inimigos leva a decapitação destes e a sua aniquilação por um período frequentemente muito longo. A partir da política dos moderados, torna-se claro que pode e deve haver uma atividade hegemônica mesmo antes da ida do poder e que não deve contar apenas com a força material que o poder confere para exercer uma pressão eficaz…[37]

    O fenômeno do transformismo foi analisado de maneira mais sistemática por Gramsci durante períodos de crise como um processo de acordos por cima ou momentos de modernização-conservadora. Porém, como lembra Coutinho[38] em diversos trechos, ele também pode ser encontrado em momentos de contrarreforma e em regimes estabilizados. No caso do petismo, como o partido foi parte da estabilização do período anterior, essa mudança se deu antes e se consolidou no período em que ele passou a governar. Nesse sentido, parece-me claro que a “aniquilação” do PT como projeto de poder nacional se deu no momento da crise de hegemonia. A esquerda do regime no governo federal foi o primeiro setor a ser rifado, o que culminou no projeto de impeachment da Dilma. Além disso, vale destacar que apesar do seu fim como projeto geral, o PT se manteve como partido eleitoral. Num país continental como o Brasil, com desenvolvimento desigual e combinado de experiências distintas, é natural que regiões reflitam processos em tempos e de formas distintas com as mudanças em curso, como é o caso do Nordeste em relação ao restante do país.

    A perda da capacidade de ser dirigente da burguesia rentista, ocasionada pela ruína do regime da Nova República, não fez com que ela deixasse de ser dominante, mas que passasse a utilizar do expediente da força de forma mais incisiva. Logo, coerção, fraude e corrupção se fortalecem como signos desse período que se iniciou após junho. A crise em cena foi o espaço encontrado para avançar de forma acelerada os processos de contrarreforma, a fim de retomar os ganhos e os processos de acumulação, utilizando dos expedientes de força e dos acordos entre elites tradicionais, haja vista a fragilidade do petismo pós-eleição de 2014, seja pelo estelionato eleitoral, seja pelo golpe de 2016. Como resultado, a agenda liberal conta com o desmonte das leis trabalhistas, a reforma da previdência, a liberalização das terceirizações e a PEC do Teto. Essas são apenas algumas das reformas que entraram em curso.

    Nesse sentido, não bastava a força para seguir implementando essa agenda, passou a ser fundamental também acolher parte das exigências das classes subalternas que passaram a participar da política. Enquanto a esquerda tentava estabilizar o regime como era antes, a direita focou no mar de exigências e insatisfações que junho apontou: a corrupção. Como é sabido, essa pauta, mesmo longe de ser central, foi apresentada naquele momento, e a forma como foi construída pelos setores dominantes, trazendo a Rede Globo com papel-chave, alçou-a ao centro, enquanto a esquerda simplesmente a negava, misturando-se com o regime em ruínas.

    Nesse contexto é que surge a Operação Lava-Jato (OLJ), como chave para garantir uma das exigências dos de baixo. Ao entender esse momento como interregno é que se pode entender o modus operandi de instituições como a Polícia Federal, o Ministério Público e o Judiciário. A fratura estabelecida pela crise de hegemonia enfraqueceu a capacidade da classe dominante de comandar o Estado como um todo, acabando por gerar autonomia de instituições que antes estavam sob controle direto do setor dirigente. Desse modo é que vemos, durante todo o período, embates entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e a Polícia Federal de Curitiba, com atuação de Janot contrapondo-se a decisões do Supremo, ou polícias federais de estados distintos dando prioridades a diferentes operações. Em contrapartida, podemos ver como, no período anterior, o surgimento dessas fraturas era rapidamente sufocado pelo regime, como o caso das operações Satiagraha ou Castelo de Areia. A articulação dos governos Lula, por meio de figuras como do ex-ministro Thomaz Bastos, com o Supremo, por meio de Gilmar Mendes, e setores do Ministério Público e da mídia conseguiram abafar os casos que, por sua vez, foram engavetados.

    O setor da classe dominante, que tem como um dos centros a Rede Globo, foi um dos primeiros a entender o processo e que passou a pautar a construção de uma nova legitimidade para as mudanças em curso. Logo, a incorporação de algumas pautas de costumes e identidade foi inserida pelo recorte liberal, que Nancy Fraser trabalha de maneira precisa com o termo “neoliberalismo progressista”[39], se combina com o combate a corrupção. Enquanto a esquerda tradicional simplesmente negava todo o processo em curso, esse setor passou a tratar Sérgio Moro e a OLJ como eixo de propaganda e coesão social para as mudanças estruturais, prometendo, com uma mão, o combate à corrupção e o punitivismo, e, com outra, o desmonte do Estado varguista e a seguridade social de 1988. Desse modo, foram criando os tidos “novos jacobinos” como símbolos do republicanismo e da nova sociedade.

    Sob essa ótica, Gramsci tratou o jacobinismo como uma das suas principais temáticas, desenvolvendo-a em princípio como uma ideia crítica no seu trabalho antes do caderno a um conceito-chave para entender os processos revolucionários, em especial, os comportamentos dos partidos no processo francês e seus paralelos. Em trabalho análogo, para entender o “lavajatismo”, vou tomar como base as formulações dos Cadernos do Cárcere[40]:

    As velhas forças não querem ceder nada e, se cedem alguma coisa, fazem-no com a vontade de ganhar tempo e preparar uma contraofensiva. O terceiro estado cairia nestas “armadilhas” sucessivas sem a ação enérgica dos jacobinos, que se opõem a qualquer “parada” intermediária do processo revolucionário e mandam à guilhotina não só os elementos da velha sociedade, que resistem até morrer, mas também os revolucionários de ontem, hoje tornados reacionários.

    Nesse processo, a incapacidade de conter as massas que entraram no jogo da política fez com que a classe dominante apostasse em dois jogos: por um lado, o de fortalecer os expoentes da OLJ como forma de eliminar qualquer tipo de pressão de bases populares para manter o antigo regime; por outro, entregar os setores ligados aos governos petistas como troféus no combate à corrupção e tentar gerenciar um acordo nacional com setores das elites políticas tradicionais, ancorado no habilidoso Michel Temer. Porém, esse setor conservador não conseguiu conter a “ação enérgica” dos agentes da operação que transbordaram suas ações e “mandaram para a guilhotina” setores da velha política, entre eles, parceiros da antiga ordem, podendo-se destacar, como exemplos emblemáticos, Eduardo Cunha, Michel Temer e Aécio Neves (apesar das diferenças institucionais, típicas do interregno, criarem uma barreira para a punição deles no Supremo). Logo, as aparências e a forma como se comportam esses setores nos fazem lembrar dos jacobinos pelo vórtice, que engole todos. Mas, no conteúdo do programa, eles se separam radicalmente da categoria gramsciana. No trecho a seguir, o autor debate as dificuldades da construção da Itália como uma nação:

    Esta função e a consequente posição determinam uma situação interna que pode ser chamada de “econômico-corporativa”, isto é, no plano político, a pior das formas de sociedade feudal, e a forma menos progressista e estacionária: nunca se formou, e não se poderia formar-se, uma força jacobina eficiente, precisamente aquela força que, nas outras nações, criou e organizou a vontade coletiva nacional-popular e fundou os Estados modernos[41].

    Para além da ação enérgica de levar às últimas consequências o processo revolucionário, e na radicalidade do programa, o movimento conseguiu envolver subalternos, operários e camponeses num projeto radical que levou a burguesia a se tornar classe dirigente e dominante no processo francês. Em sentido análogo, os “jacobinos” da Lava-Jato se projetam como farsa, pois eles enterram a direção política do regime de 1988, não para representar novos setores nem incorporar setores populares, mas para ressignificar a dominação dos operadores financeiros e dos setores dominantes a partir de outras formas ou aparências. A relação cotidiana com a intelectualidade, os agentes do Estado norte-americano e operadores do sistema financeiro; palestras e financiadores revelados na Operação “Vazajato”[42]; assim como as sabidas posições liberais e antipopulares na economia mostram o jacobinismo às avessas, destruindo o antigo regime para dar nova cara e direção à classe dominante.

    Além disso, é importante destacar que as forças liberadas em junho de 2013 trouxeram para a rua e para as redes a disputa política antes restrita aos palácios. Os dois principais campos desse período foram à esquerda tradicional, sob a hegemonia do PT, como principal partido; e a direita, a partir de um campo vasto que continha autoritários, conservadores e liberais. É importante ressaltar que, no período de março de 2015 a outubro de 2018, com breves exceções, a nova direita constituída, sob a bandeira do combate à corrupção, teve larga vitória sobre a esquerda tradicional, o que ficou expressado nas eleições de 2018 e nos projetos pautados no momento seguinte.

    É importante destacar, entretanto, que, para além dos dois campos referidos acima, foram constituídos protestos e formas de manifestações progressistas que se impuseram nas disputas de maioria a partir das consignas de junho. A primeira foi a “Primavera Feminista”, que ainda em 2015 surge como alternativa para derrotar o Congresso, impor o feminismo e dar visibilidade à direção feminina nas novas lutas em curso. Entender o movimento feminista e as mulheres como um dos setores mais avançados dos subalternos e assim elas portadoras de uma pauta de emancipação universal são reflexos deste salto no Brasil e no mundo.

    Afinal, além do trabalho reprodutivo, as mulheres também cumprem papel fundamental no trabalho produtivo, já que são parcela importante do mercado de trabalho no Brasil. E esta combinação entre trabalho reprodutivo e produtivo que compõe a dupla e tripla jornadas de trabalho das mulheres faz com que elas trabalhem mais do que os homens — tarefa que, com a crise, se torna ainda mais árdua. E, à medida que isso acontece, torna-se mais latente a consciência das mulheres sobre sua condição de opressão, exploração e discriminação, bem como sua disposição para luta[43].

    Em seguida, as ocupações de escolas derrotaram governos estaduais por todo o país, destacando o protagonismo juvenil e pautando um novo projeto de educação. Não é à toa que a principal manifestação contra Bolsonaro, nos dias 15 e 30 de maio de 2019, tenha vindo desse setor. Em relação à pauta antirracista, apesar de não se expressar como força única numa determinada ocasião, de forma molecular, vem pautando o debate em outro patamar na sociedade brasileira. Vale mencionar que uma das figuras que expressa esse novo movimento radicalmente democrático e popular vindo dos de baixo, em sua totalidade, é a ex-vereadora Marielle Franco, como expressou sua luta e seu brutal e injusto assassinato.

    Outro evento importante, do ponto de vista das lutas da classe trabalhadora, foi a greve geral realizada durante o governo Temer e que barrou naquele momento a reforma da previdência, colocando em xeque o governo instaurado, que já possuía o pior índice de popularidade da história e foi enterrado no momento seguinte pela OLJ. O breve intervalo do governo Temer foi um período no qual os setores dominantes tentaram uma saída conservadora, mais gradual, para a constituição de um novo regime e de uma nova legitimidade. A radicalidade das “reformas” liberais sinalizava, para os operadores do mercado financeiro, as transformações nas estruturas do regime que vinham desde o varguismo, porém, a fragilidade com que os dirigentes se ligavam ao antigo regime mostrou a debilidade da legitimidade e da força para se mostrarem viáveis.

    Além disso, para a caracterização das condições objetivas e subjetivas que permeiam a conformação da classe trabalhadora como um sujeito da luta política desde junho de 2013, é fundamental resgatar a noção do proletariado precarizado, ou, como se refere Braga, precariado[44]. Pode-se destacar a mudança de patamar que os movimentos de moradia tiveram durante o primeiro governo Dilma, no período dos grandes eventos, especialmente com o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra – MTST na região metropolitana de São Paulo; e o movimento de caminhoneiros, que parou o Brasil no primeiro semestre de 2018. Apesar das diferenças enormes de organização e de projeto político, o setor social do proletariado, que se movimenta de maneira explosiva[45], tem sido este, e se encontra cada vez mais vulnerável. Por outro lado, a reorganização do mundo do trabalho e a incapacidade da esquerda reinventar as suas formas de organização mostram as dificuldades para que se construa uma resposta de direção radical, ou aos dilemas subjetivos, que não seja o retorno à política de expansão do consumo ligado ao lulismo. Essa incapacidade reforça o quadro que apresentei de interregno e crise de hegemonia ao longo do texto.

    O colapso da Nova República e a não constituição de um setor dirigente no período anterior faz com que o interregno se prorrogue e “fenômenos patológicos” apareçam como resposta. Desta forma, a reorganização das forças reacionárias e autoritárias no entorno de Jair Bolsonaro permitiram que ele se viabilizasse como alternativa no vácuo de poder. A aproximação junto a setores liberais, em especial, Paulo Guedes, viabilizou sua eleição com a consigna de que, como os outros, ele seria domado pelas forças do mercado e da política.

    Sem o distanciamento histórico necessário, é mais difícil apresentar e debater o presente, sendo inevitável partir da própria caracterização dos grupos políticos, apontar suas políticas e tentar observar tendências. Como este texto tem como objetivo tentar observar essas tendências, a fim de alimentar a práxis política num momento de grandes transformações estruturais, é importante destacar a movimentação dos operadores financeiros para realizar uma solução por cima para resolver a crise de hegemonia no Brasil, o papel da pandemia e as tarefas da esquerda socialista.

    Este momento de interregno não é algo que uma nação ou país consiga sobreviver de forma perene: mesmo que com breves momentos de estabilização é fundamental para os setores dominantes, no embate com os subalternos, que reestabeleçam uma nova normalidade, a partir de movimentos de inovação e restauração. Esta movimentação, longe de ser algo linear ou simples, só pode ser entendida por em efeito de um longo arranjo político. Não existe mecanicismo e, nesse sentido, o sistema e a burguesia trabalham constantemente para estabilizar e manter suas posições como dominantes e dirigentes dos processos[46]. Neste caso, o centro da modernização-conservação está na estrutura de relações de produção, que passaram dos períodos de contrarreforma do período anterior para uma mudança de natureza do Estado, assim como suas novas formas de estruturação e regulamentação. O impasse está ainda na estabilização do regime político, que, apesar de serem alçados na saída modernizadora-autoritária, se encontra por um lado com setores tecnocráticos e por outro reacionários, o que pretendo desenvolver mais à frente.

    Para descrever melhor e caracterizar as transformações do nosso período e na estrutura-superestrutura do Estado brasileiro pretendo apontar três eixos: 1) as transformações nas relações entre capital e trabalho a partir do desmonte da estrutura varguista nos três poderes – executivo, legislativo e judiciário; 2) a reorganização da seguridade social a partir da gestão privada dos fundos e serviços públicos, tendo centralidade na organização da transferência de renda condicionada; 3) o fortalecimento do aparelho de segurança do Estado, devido ao prestígio do punitivismo, com o objetivo de manter a coesão social.

    A conquista da capacidade dirigente da classe dominante ou de novos setores não é algo trivial e simples numa crise nas proporções em que vivemos. Momentos como este, de deterioração das velhas instituições e da falta de consolidação das novas, primam pela presença de figuras bonapartistas[47] como exemplos para mediar soluções entre o velho e o novo. É a partir dessas lideranças carismáticas que os programas são expressos e novas hegemonias são inseridas. Diferentemente do momento anterior, elas agora não são estabelecidas por movimentos militares, como no período anterior: “No mundo moderno, as forças sindicais e políticas, com meios financeiros incalculáveis de que podem dispor pequenos grupos de cidadãos, complicam o problema”[48]. É neste contexto, e no vazio da esquerda que surgem alternativas como o bolsonarismo e os dirigentes da OLJ.

    No marco do interregno, devido à falência dos partidos do regime em questão e à ausência de uma alternativa política apresentada pela OLJ, é que surge Bolsonaro. Ele faz parte de um grupo autoritário e reacionário que não estava expresso na política da Nova República, mas que representava a política do baixo oficialato dos órfãos do regime militar[49]. A composição com Paulo Guedes – representando setores do mercado financeiro e operadores de fundos, com visões arcaicas do liberalismo econômico – e com setores religiosos conservadores deu concretude à sua viabilidade política como figura autônoma nesse momento de crise.

    Alguns elementos são fundamentais para entender o bolsonarismo. Primeiro, a constante política de agitação e propaganda – em relação à sua base mais orgânica, que deve estar no entorno de 20% da população –faz com que ele mantenha a sua força independentemente de ter maioria social ou não. Em segundo lugar, os militares: apesar de não serem fiadores últimos dos projetos, são parte do acordo e comungam de ideais similares, a ver o caso de Tarcísio Gomes de Freitas, responsável pela agenda de privatização, e o seu prêmio da LIDE[50]. Por fim, o fato de ser movido por uma política permanente ligada ao reacionarismo cultural e ao armamentismo. Até o estouro da crise sanitária da Covid-19, os operadores financeiros[51] viam com bons olhos sua capacidade de implementar as políticas liberais, sem levar em conta o autoritarismo e o reacionarismo cultural.

    Assim como aconteceu com outros líderes carismáticos bonapartistas, o grande trunfo de Bolsonaro para conseguir manter-se foi sua força ideológica, que é capaz de movimentar e agir sobre um setor de massas. Assim, serve como um trunfo na “guerra de posição”[52], no campo econômico a serviço das classes dominantes, que ainda tentam se consolidar como classe dirigente. Então, mesmo com o processo recessivo e as condições econômicas se deteriorando para a grande maioria da população, sua popularidade foi pouco impactada e os projetos econômicos ultraliberais e autoritários se mantinham em voga. Como o bolsonarismo se apresenta como farsa do regime anterior mal resolvido, um sintoma mórbido deste interregno, sua característica, é a instabilidade além das dificuldades de se estabelecer como hegemônico. A chegada da Covid-19 ao Brasil acelera esse processo colocando em xeque a capacidade deste setor se segurar no poder.

    Apesar de apresentar um projeto de moralização e punição como resposta aos anseios populares de grande parte das massas, que passou a participar da política, a Operação Lava-Jato tinha atores como Deltan Dallagnol, Procurador da República, e Sérgio Moro, à época juiz federal, que eram amplamente conhecidos, mas não podiam se postular como alternativa. Logo, a crise orgânica e a forma como o movimento mais à direita se organizou fizeram com que Bolsonaro, como figura antirregime, tomasse esse papel. Moro, ao aceitar ser Ministro da Justiça do presidente eleito, clarifica seu projeto, ainda confuso como juiz, e se insere no tabuleiro como alternativa de poder para grande parte da elite que não vê mais a possibilidade dos velhos jogadores estabilizarem o regime em outro patamar.

    Após 16 meses de governo, houve o rompimento de Moro[53] com Bolsonaro, algo que embaralhou novamente as cartas e fragilizou o governo reacionário e autoritário de plantão. Agora, outro jogador se coloca em condições de levar adiante o projeto dos setores dominantes que precisa de uma liderança carismática para se concretizar. Em tempos de crise, ainda mais sendo esta a maior da história da República brasileira, em termos sanitários, econômicos e sociais, muito vai depender da ação política. Os políticos de direita da velha ordem se mostram muito frágeis como alternativa e Moro, a depender de como se movimenta e postula, pode ocupar esse espaço ideológico. Porém, com a deterioração das condições da sociedade brasileira e a posição de poder ocupada neste momento, talvez seja difícil fazer previsões em médio prazo.

    Nesse sentido, os setores dominantes jogam com os dois setores, o reacionário e o tecnocrático. Por mais que o segundo tenha uma relação mais orgânica e uma capacidade maior de estabilizar o regime com Moro, a incapacidade de movimentação dos outros setores e o tamanho do colapso social e econômico ainda colocam Bolsonaro como uma alternativa.

    A esquerda tradicional, que tem Lula como a sua principal figura pública, mantém-se inerte esperando que, das ruínas, ela possa surgir como salvadora. Sem conseguir intervir no agora, a esquerda do regime espera confiante que 2022 chegue e a crise econômica e social leve algum deles ao poder. Talvez pelo medo de fortalecer o bolsonarismo[54], ou pela cumplicidade com os setores dominantes[55], com a espera de uma unidade nunca chega, a inércia vai fazendo desaparecer a esquerda do cenário político. Enquanto isso, a partir de um transformismo molecular, a Rede Globo contrata figuras dos movimentos culturais da periferia e lideranças das ocupações de escola; além disso, as fundações passam a financiar figuras do movimento negro e de mulheres; e deputados combativos são absorvidos pela lógica parlamentar, com conchavos da pequena política. Sem projeto alternativo, ou com o olho no retrovisor tentando propagandear um regime que virou morto vivo, a esquerda se comporta como se nada estivesse acontecendo.

    É difícil descrever ou falar sobre a crise humanitária, sanitária, econômica, ambiental e social em que vivemos no Brasil. Não pretendo pautar o desastre humano que se avizinha, apenas suas consequências políticas. Um elemento é a aceleração do tempo da política, por isso, gostaria de, por fim, destacar as tendências que estão se acentuando[56]. A primeira contradição é que enquanto se afirma que o serviço público é essencial, existe um profundo desmonte das carreiras dos servidores. Assim, provavelmente com a desculpa da crise econômica, projetos de fim de estabilidade e redução dos salários podem entrar em pauta, além da manutenção das privatizações e da estratégia de transferir diversos serviços para a gestão privada[57]. A segunda contradição é o avanço das políticas sociais focais em detrimento das universais que, num país como o Brasil, podem cumprir um papel muito importante, mas, a partir do desenho como a classe dominante as estruturam, serão uma forma mais barata de manter a coesão social[58]. A última e mais importante é o controle populacional. Desse modo, com o avanço das câmeras de reconhecimento facial e de temperatura, a ampliação do controle tributário e fiscal com a expansão dos auxílios, a instalação de programas de celular e rastreamento, a crise vai colocar o controle dos governos sobre as pessoas num outro patamar[59].

    No Brasil, com a diferença econômica e social abissal e um déficit democrático gigante, é difícil falar em estabilização, ainda mais por um longo tempo, como bem apontam Caio Prado Júnior e Florestan Fernandes. O que vemos em curso é a tentativa de estabelecer um novo normal acordado pelos de cima. Além de um transformismo molecular, a partir de captura de novas lideranças do “subversivismo esporádico, elementar, não orgânico, das massas populares”, observa-se a acolhida de elementos das exigências que esses setores fazem, como o punitivismo, a moralidade na vida pública e, agora, a ampliação de programas de transferência de renda.

    Por fim, o que se observa é um processo agudo de flexibilização das relações de produção e a financeirização dos serviços públicos por gestão privada, ou seja, os grupos dominantes tentam recuperar a sua capacidade dirigente a partir de uma estrutura mais adequada para seus negócios. Assim como Gramsci via o corporativismo como ideologia capaz de dar direção aos grupos dominantes, hoje, vemos a biopolítica[60] e os controles populacionais estruturando o Estado moderno. No caso brasileiro, eles estão avançando nos processos de acumulação. No Brasil, pode-se dizer que é o fim do Estado corporativo fundado por Vargas e o surgimento de um Estado com características neoliberais sobre novas fundações, com políticas mínimas de transferência de renda e gestão e alocação de recursos dada pelos mercados. É fundamental que a esquerda socialista note a profundidade das mudanças, que, ao final, poderão ter elementos de restauração, mas serão muito distintos do que conhecemos anteriormente.

    Todas essas mudanças, longe de impulsionarem processos de resignação e apatia, têm de ser transformadas em disputas de projetos. A crise orgânica que se mantém em curso e as dificuldades que os grupos dominantes têm para controlar a situação são brechas a ser disputadas, porém, a forma reativa como a esquerda tradicional responde a cada passo ou a maneira fragmentada e esporádica como os setores radicalizados respondem indicam pouca capacidade de enfrentar os assédios do transformismo ou o fatalismo que anuncia o fracasso do Bolsonaro como a nossa vitória. Nesse cenário, deve sair do movimento de mulheres, da negritude e da relação orgânica com o precariado o projeto a ser apresentado. De forma orgânica, várias organizações e intelectuais, como Eliane Brum[61] e Vladimir Safatle[62] já vêm há um tempo nos provocando.

    Parece claro, e para cada vez mais setores, que a nossa primeira tarefa é derrotar o projeto reacionário, autoritário e obscurantista de Bolsonaro, inclusive articulando com amplos setores da sociedade. Porém, a práxis política não pode se limitar a isso, ver as tendências e ter política para o horizonte será central na disputa do futuro.

    Nesse cenário, a única coisa que me assusta é ver uma esquerda apática, que, assim como Dom João VI, espera de forma tranquila o exército de Napoleão chegar a terras portuguesas, mas, diferentemente dele, não temos e não podemos nos trasladar de terras brasileiras. Num momento como esse, é fundamental que a esquerda socialista se apresente, pois é dos grandes invernos que podem surgir as primaveras. “De resto, todo colapso traz consigo desordem intelectual e moral. É necessário criar homens sóbrios, pacientes, que não se desesperem diante dos piores horrores e não se exaltem em face de qualquer tolice: pessimismo da inteligência, otimismo da vontade”[63].


    [1] GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. v. 3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p. 104-105. (Edição de Carlos Nelson Coutinho, com a colaboração de Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira).

    [2] HENRIQUES, Frederico. Interregno como chave para compreender a crise. Revista Movimento, 16 fev. 2020. Disponível em: https://movimentorevista.com.br/2020/02/interregno-como-chave-para-compreender-a-crise/. Acesso em: 6 maio 2020.

    [3] PRADO JR, Caio. A revolução brasileira. 4ª edição. São Paulo: Editora Brasiliense, 1972: 86.

    [4] FERNANDES, Florestan. A Revolução burguesa no Brasil: Ensaio de interpretação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar editores, 1975: 305.

    [5] SAMPAIO JÚNIOR, Plínio de Arruda. O Impasse da “formação nacional”. In: FIORI, J. L. (org.). Estados e Moedas no Desenvolvimento das Nações. Petrópolis: Vozes, 1999.

    [6] Termo amplamente debatido nos textos de Florestan Fernandes, em especial na sua obra clássica A Revolução Burguesa no Brasil.

    [7] HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 15. ed. Tradução de Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves. Rio de Janeiro: Edições Loyola, 2006: 181.

    [8] CHESNAIS, François. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1996.

    [9] O fim do padrão-ouro, a instituição do dolár como moeda de troca internacional, plano de injeção de crédito em antigas potências e o colapso da União Soviética são alguns elementos que, ao longo dos 40 anos do pós-segunda guerra, fixaram os Estados Unidos como potência imperialista global.

    [10] Como o caso da Alemanha e da Inglaterra, na Europa, ou do Japão na articulação com os Tigres Asiáticos na Ásia.

    [11] CUNHA, André Moreira. A China e o Brasil na Nova Ordem Internacional. Rev. Sociol. Polit., Curitiba, v. 19, supl. 1, p. 9-29, novembro de 2011.

    [12] https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2020-04/balanca-comercial-teve-saldo-positivo-de-us-47-bi-em-marco

    [13] CUNHA, André Moreira. A China e o Brasil na Nova Ordem Internacional. Rev. Sociol. Polit., Curitiba, v. 19, supl. 1, p. 9-29, novembro de 2011: 25.

    [14] “Logo, a crise de hegemonia, autoridade ou interregno inicialmente também se expressa no campo internacional. Primeiramente, na crise econômica de 2007-2008, mas, a partir de 2011, passa para o âmbito político. Crises dos regimes, como a decadência dos Estados Unidos como potência hegemônica, fortalecimento da China e diversos atores regionais, apontam para aqueles elementos que Gramsci destacava na década de 20. O conflito entre um crescente “cosmopolitismo da vida econômica” e o “nacionalismo da vida estatal”. Guerras regionais, crise em blocos comerciais, Brexit, Trump e governos de extrema direita expressam muitos destes movimentos.” (HENRIQUES, 2020).

    [15] NOBRE, Marcos. Choque de democracia: razões da revolta. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

    [16] COUTINHO, Carlos Nelson. A hegemonia da pequena política. In: OLIVEIRA, Francisco de; BRAGA, Ruy; RIZEK, Cibele. Hegemonia às avessas: economia, política e cultura na era da servidão financeira. São Paulo: Boitempo, 2010.

    [17] OLIVEIRA, Francisco de. Crítica à razão dualista/O ornitorrinco. São Paulo: Boitempo, 2003. p. 148.

    [18] BIANCHI, A.; BRAGA, R. Capitalismo patrimonial nos trópicos? Terceira via e governo Lula. Universidade e Sociedade, v. 13, n. 31, p. 205-216, 2003.

    [19] GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. v. 5. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p. 63. (Edição de Carlos Nelson Coutinho, com a colaboração de Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira).

    [20] Ao analisar o Risorgimento, Gramsci, detalha esse processo de transformação em diversas lideranças e partidos populares como elemento histórico do processo de unificação e construção da Itália.

    [21] GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. v. 3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p. 21. (Edição de Carlos Nelson Coutinho, com a colaboração de Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira).

    [22]  FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO. Disponível em: https://fpabramo.org.br/publicacoes/publicacao/percepcoes-e-valores-politicos-nas-periferias-de-sao-paulo/. Acesso em: 6 maio 2020.

    [23] Ver, por exemplo, BIACHI, Alvaro. Hegemonia da pequena política: uma fórmula errada que deu certo. Junho Blog, 2015. Disponível em: http://blogjunho.com.br/hegemonia-da-pequena-politica-uma-formula-errada-que-deu-certo/. Acesso em: 6 maio 2020.

    [24] Termo utilizado por Plínio de Arruda Sampaio Junior para caracterizar a burguesia brasileira.

    [25] Nadya Guimarães e Jonas Bicev fazem estudos sistematizados da pulverização de tipos de contratos com carteira assinada, mostrando a flexibilização dentro do setor formal durante os governos petistas. Ver GUIMARAES, Nadya Araujo. O que muda quando se expande o assalariamento (e em que o debate da Sociologia pode nos ajudar a compreendê-lo)? Dados, Rio de Janeiro, v. 54, n. 4, p. 533-568, 2011. GUIMARAES, Nadya. A.; CONSONI, F. L.; BICEV, Jonas T. Os Intermediários no Mercado de Trabalho: qual o local do Brasil frente as recentes tendências internacionais? In: CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO LATINO-AMERICANA DOS ESTUDOS DO TRABALHO ALAST, 7., 2013, São Paulo. Anais […]. São Paulo: ALAST, 2013. v. 1. p. 1-33.

    [26] GONÇALVES, Reinaldo. Desenvolvimento às avessas: verdade, má-fé e ilusão no atual modelo brasileiro de desenvolvimento. Rio de Janeiro: LTC, 2013.

    [27] A Revista Movimento número 5, na entrevista com Plínio de Arruda Sampaio Júnior, assim como o texto de Bernardo Correia trabalham bem esse debate.

    [28] Para entender melhor o processo de amarração entre o capital financeiro e imobiliário, ver ROLNIK, Raquel. Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças. São Paulo: Boitempo, 2015.

    [29] Para citar duas importantes referências: 1) David Harvey. O Enigma do Capital: e as crises do capitalismo. Tradução de João Alexandre Peschanski. São Paulo, SP: Boitempo, 2011. 2) François Chesnais. Finance capital today: corporations and banks in the lasting global slump. Boston, Brill Academic Pub., 2016.

    [30] Para entender melhor esse movimento, vale ver o texto de ROBAINA, Roberto. O giro histórico. Revista Movimento, 15 set. 2018. Disponível em: https://movimentorevista.com.br/2018/09/um-giro-historico-na-situacao-mundial/. Acesso em: 6 maio 2020.

    [31] Conforme já citado anteriormente no texto “Interregno como chave para compreender a crise” eu busco detalhar os conceitos e a movimentação dessa crise (HENRIQUES, 2020).

    [32] GONÇALVES, Reinaldo. Desenvolvimento às avessas: verdade, má-fé e ilusão no atual modelo brasileiro de desenvolvimento. Rio de Janeiro: LTC, 2013

    [33] Dilma acena com um plebiscito e 5 propostas para responder às ruas, mas logo em seguida recua. http://g1.globo.com/politica/noticia/2013/06/dilma-propoe-5-pactos-e-plebiscito-para-constituinte-da-reforma-politica.html

    [34] Os estudos de Ângela Alonso, pesquisadora do CEBRAP, falam de três setores que mobilizaram e organizaram as ruas: esquerda tradicional, ligada aos partidos e movimento populares; autonomistas, com pautas específicas e identitárias; e os patriotas, que organizaram a direita em torno das pautas contra a corrupção.

    [35] RIDENTI, Marcelo Siqueira; MENDES, Flávio da Silva. Faça dualismo ao ornitorrinco: entrevista com Francisco de Oliveira. Cafajeste. CRH, Salvador, v. 25, n. 66, p. 601-622, dezembro de 2012. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-49792012000300014&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 29 abr. 2020.

    [36] No momento em que a crise orgânica combina-se com a de hegemonia, nas palavras do Gramsci: “(…) o conteúdo é a crise de hegemonia da classe dirigente, que ocorre ou porque a classe dirigente flui em determinado grande empreendimento político pelo qual pediu ou impôs pela força o consentimento das grandes massas (como a guerra), ou porque amplas massas (especialmente camponeses e de pequenos burgueses intelectuais) passaram de repente da passividade política a certa atividade e apresentaram reivindicações que, no seu complexo desorganizado, constituem uma revolução” em: GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. v. 3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p. 60. (Edição de Carlos Nelson Coutinho, com a colaboração de Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira).

    [37] GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. v. 5. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p. 63. (Edição de Carlos Nelson Coutinho, com a colaboração de Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira).

    [38] Ver COUTINHO, Carlos Nelson. A hegemonia da pequena política. In: OLIVEIRA, Francisco de; BRAGA, Ruy; RIZEK, Cibele. Hegemonia às avessas: economia, política e cultura na era da servidão financeira. São Paulo: Boitempo, 2010.

    [39] https://movimentorevista.com.br/2018/02/do-neoliberalismo-progressista-a-trump-e-alem-nancy-fraser/

    [40] GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. v. 5. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p. 79-80. (Edição de Carlos Nelson Coutinho, com a colaboração de Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira).

    [41] GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. v. 3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p. 17. (Edição de Carlos Nelson Coutinho, com a colaboração de Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira).

    [42] Série de reportagens publicada em 2019 sobre a Operação Lava-Jato que apresentava a relação promíscua entre interesses privados e agentes públicos.

    [43] https://movimentorevista.com.br/2019/05/por-um-feminismo-anticapitalista/

    [44] BRAGA, Ruy. A política do precariado: do populismo à hegemonia lulista. São Paulo: Boitempo, 2012.

    [45] BRAGA, Ruy. Rebeldia do Precariado:trabalho e neoliberalismo no Sul global. São Paulo: Boitempo, 2017.

    [46] Nesse caso é interessante apontar o conceito de “revolução passiva” em Gramsci: “O conceito de ‘revolução passiva’ deve ser deduzido rigorosamente dos dois princípios fundamentais da ciência política: 1) nenhuma forma social desaparece enquanto as forças produtivas que nela se desenvolveram ainda encontrarem lugar para um novo movimento progressista; 2) a sociedade não se põe tarefas para cuja solução ainda não tenha germinado as condições necessárias, etc. Naturalmente, estes princípios devem ser, primeiro, desdobrados criticamente em toda a sua dimensão e depurados de todo o resíduo de mecanicismo e fatalismo”. em: GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. v. 5. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p. 321. (Edição de Carlos Nelson Coutinho, com a colaboração de Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira).

    [47] Note que estamos falando do momento de colapso da Nova República. Neste período, bonapartistas ainda muito ligados a ela, como Lula, Ciro ou Doria, têm pouco espaço para recomposição. Isso não significa que, no momento de restauração seguinte, eles não possam cumprir um papel-chave.

    [48] GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. v. 3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p. 77. (Edição de Carlos Nelson Coutinho, com a colaboração de Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira).

    [49] Os textos de Vladimir Safatle vem tratando bem deste assunto no último ano, como, por exemplo, nesta entrevista: https://dialogosdosul.operamundi.uol.com.br/brasil/64010/safatle-bolsonaro-vem-dos-poroes-da-ditadura-e-se-acha-capaz-de-esconder-os-corpos.

    [50] Um dos principais grupos empresariais brasileiros.

    [51] O exemplo mais emblemático foi a declaração de Candido Bracher, então presidente do Itaú, de que a manutenção do desemprego garantia o controle inflacionário e de que “o que tenho notado é que o avanço das reformas não tem sido influenciado pelas turbulências políticas”, sendo conivente com as políticas machistas e racistas do Presidente da República.

    [52] Esse papel é similar ao que Gramsci coloca no fascismo italiano, inclusive descrevendo de forma assertiva em GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. v. 1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p. 298-300. (Edição de Carlos Nelson Coutinho, com a colaboração de Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira).

    [53] Diferente de setores que colocavam Moro e Bolsonaro na mesma chave, o rompimento, com uma série acusações, mostrou que o ex-juiz federal sempre estava colocado como um “plano B”, caso Bolsonaro não estabilizasse ou implementasse o projeto como os operadores financeiros esperavam.

    [54] Como muitos setores que acreditam ser o abstencionismo uma posição política.

    [55] Veja-se o caso do PT, por meio de seus governadores e de grande parte de sua bancada federal, que simplesmente homologa planos de ajuste, pois sua relação com os setores financeiros e dominantes são orgânicas.

    [56] Estas mudanças já estão sendo bem destacadas pelas feministas marxistas como Verónica Gago, em: http://revistaanfibia.com/ensayo/deuda-vivienda-trabajo-una-agenda-feminista-la-pospandemia/, e Tithi Bhattacharya, em: https://www.dissentmagazine.org/online_articles/social-reproduction-and-the-pandemic-with-tithi-bhattacharya.

    [57] É impressionante como boa parte das políticas do SUS de combate à Covid-19 em São Paulo está sendo gerenciada por organizações sociais e outras iniciativas privadas, como redes de farmácias.

    [58] Nas entrevistas de Francisco de Oliveira, ele sempre cita que, quando a elite financeira brasileira descobrisse os Programas de Transferência de Renda Condicionada (TRC), seria uma verdadeira crise para a esquerda. Também vale a pena citar que parte importante dos operadores financeiros já vem defendendo os TRC há algum tempo, o mais ilustre é Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central de FHC.

    [59] A exaltação dos modelos asiáticos como formas de controle de população e transmissão são elementos debatidos todos os dias na grande imprensa e junto a formuladores de políticas públicas.

    [60] Forma por excelência de controle no neoliberalismo apontado por Foucault. Tema desenvolvido por DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016.

    [61] BRUM, Eliane. O futuro pós-coronavírus já está em disputa. Como impedir que o capitalismo, que já nos roubou o presente, nos roube também o amanhã? El País, 8 abr. 2020. Disponível em: https://brasil.elpais.com/opiniao/2020-04-08/o-futuro-pos-coronavirus-ja-esta-em-disputa.html. Acesso em: 7 maio 2020.

    [62] SAFATLE, Vladimir. A esquerda que não teme dizer seu nome. 1. Ed. São Paulo: Três Estrelas

    [63] GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. v. 2. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p. 267. (Edição de Carlos Nelson Coutinho, com a colaboração de Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira).