Categoria: Artigos

  • NEOLIBERAIS EM PÂNICO?

    NEOLIBERAIS EM PÂNICO?

    NEOLIBERAIS EM PÂNICO?

    Por Milton Temer

    Tudo indica, a valer o que nos diz na coluna de hoje uma das principais porta-vozes do conjunto de contra-reformas anti-sociais aprovadas na sequência da PEC da morte: “Ao fim desta pandemia, pouca coisa vai sobrar da agenda com a qual o ministro Paulo Guedes chegou ao governo. As reformas foram engavetadas, o plano Mansueto foi deixado de lado por outro que socorre os estados na emergência, a empresa que está para ser privatizada ajudou a fazer o caminho para o pagamento do auxílio emergencial, a proposta de zerar o déficit público se transformará no maior déficit da nossa história”.

    O QUE SERIA DITO por alguém de esquerda – embora alguns nem cheguem a tanto – é da lavra de Miriam Leitão. Nada mais nada menos, E que me poupa do esfoço sempre imenso que me obrigo a fazer para contestar as bazófias de Paulo Guedes, em seus convescotes com oo embevecidos maganos do grande capital, quando vamos a outro parágrafo: “(…) A VERSÃO DO GOVERNO, dita em várias entrevistas, que o país estava decolando quando foi abatido pela crise. Não é verdade. O primeiro trimestre já não vinha dando bons sinais de recuperação da economia. O comércio caiu 1,4% em janeiro e subiu menos em fevereiro, 1,2%. O setor de serviços vinha de duas quedas no final do ano passado, subiu apenas 0,4% em janeiro e voltou a cair 1% em fevereiro. Na indústria, as duas altas dos meses de janeiro e fevereiro não recuperaram as perdas de novembro e dezembro”.

    CONHECEU, PAPUDO? para usar expressão brasileira da primeira metade do século passado, é o mínimo que posso dizer aos que, no campo da esquerda, se oferecem como assessores da gestão empanicada do governo no combate “a crise pandêmcca atual. Não é esse o paoel dessas liderançcas.

    MELHOR FARIAM se atentassem para algo publicado no Al Jazeera, e que se encaixa como desdobramento palpável ao ato de confissão de \Miriam Leitão.

    “A CORONAVIRUS SINALIZA O FIM DO CAPITALISMO? é o título do ensaio que recupera fato histórico do século XIV, a peste bubônica iniciada na Ásia, estendida depois ‘a Europa, que teria marcado o início do fim do feudalismo, em função dos abalos que veio a causar nas instituições feudais, então absolutamente hegemônicas. O título e um parágrafo bem expressivo seguem como ilustração desta postagem.

  • É HOJE, MAIS QUE SEMPRE OU NUNCA, O TEMPO DA UNIDADE E DA TRANSFORMAÇÃO

    É HOJE, MAIS QUE SEMPRE OU NUNCA, O TEMPO DA UNIDADE E DA TRANSFORMAÇÃO

    É HOJE, MAIS QUE
    SEMPRE OU NUNCA,
    O TEMPO DA
    UNIDADE E DA
    TRANSFORMAÇÃO

    Por Francisvaldo Mendes, presidente da FLCMF

    É tempo de unidade de todas as pessoas que vivem da venda da força de trabalho. É justamente esse movimento, o da unidade, que pode mudar o amanhã. As pessoas que já acumularam níveis de consciência para fazer da cidade, do país e do mundo ambientes para viver melhor, já identificaram a importância da unidade do maior grupo social que existe no planeta. A multidão que vende sua força de trabalho para viver para um grupo de poucas pessoas que compra e lucra com a exploração da venda dessa força de trabalho; e para além disso submete todos e todas à ideologia recheada com as piores mentiras para manter a dominação das pessoas e o culto a ignorância, faz desse grupo minoritário uma maioria na política. Assim move-se o capitalismo.

    O que vivemos no Brasil de hoje, experiência que quase a totalidade das pessoas do mundo estão se lamentando e atormentando, contra o inimigo comum, um vírus, o COVID-19, que coloca a saúde e a própria vida de todas as pessoas em risco. Mas não coloca da mesma forma, nem com o mesmo peso, muito menos com os mesmos riscos. O mundo sofre pela grande mancha branca das desigualdades. Os maiores pesos, os grandes riscos da perda da saúde e da perda da vida, pressionam, como poucas vezes na história, a cabeça e os sentimentos das pessoas que vivem da venda da força de trabalho, ou seja, trabalhadoras e trabalhadores. E nesse processo há escala diferentes, certamente, mas todas essas pessoas podem perder suas vidas nessa evidente situação de exceção.

    Quaisquer análises do momento atual, desse tempo do medo para quem vive ainda, exige identificar as desigualdades em todos os seus aspectos. Não é verdade que quem possua maiores recursos, passe pela pandemia que nos toma o dia a dia, do mesmo jeito que as pessoas que buscam todos os dias recursos para se alimentar, para viver, para se sustentar. O risco universal de perdas de vida e saúde não é igual, ao contrário, é desigual também na pandemia e impõem, para todos nós trabalhadoras e trabalhadores, desafios e fardos do tempo histórico poucas vezes vivido.

    Nas diferentes escalas dos acessos aos recursos há as pessoas iguais, as diferentes, as desiguais e as antagônicas. Grupos distintos que exigem tratamentos distintos do Estado para que a vida, de fato, seja garantida. Mas essa compreensão demanda, principalmente, a maior unidade de todos os tempos dos iguais e diferentes, de todas as escalas de quem vende a força de trabalho para manter a vida, esteja onde estiver na cidade.

    A disputa política do momento nos exige o desafio de mostrar e conquistar que as grandes riquezas e o avultantes lucros sejam taxados para investir no combate do vírus. Por outro lado, também nos é exigido, neste tempo, a superação das ideologias do individualismo e do consumo que sempre nos foram impostas.

    Estamos no Brasil, país no qual o Estado organiza a vida a favor dos que vivem do lucro de forma ampliada, com um capitalismo tardio esmagador e com nutrições constantes da ignorância, haja vista o comportamento do atual Presidente da República, que privilegia a desinformação e menospreza a ciência. Nosso desafio aumenta e nossa unidade é mais que urgente e necessária para demonstrarmos as contradições e antagonismos do sistema para, coletivamente, superá-lo.

    A disputa em pauta nos exige romper com todas as propagandas mentirosas que o sistema capitalista produz, tais como a taxação de salários, sejam de trabalhadores pagos pelo Estado ou pela iniciativa privada, a tributação regressiva que existe, e a garantia de livre aplicação na Bolsa de valores. Na contra mão do que afirmam o presidente e chefes do executivo federal, essa logica que o Brasil sempre viveu fragiliza a vida de milhões de pessoas, como os já ainda mais fragilizados que vivem nas periferias, favelas e nas ruas dessa imensa geográfica física que desenha o Brasil.

    Superar todas as ideologias de consumo, de correr aos montes em farmácias, mercados e shoppings, do desejo obtuso de ter a melhor TV, carros novos e a melhor roupa, as várias mercadorias que não trazem a felicidade, só nos coloca como alimentadores do lucro. Faz-se necessário superar o individualismo mentiroso que, em tempos de confinamento necessário, amplia o isolamento humano e esmaga a vida. É tempo que a solidariedade clama com força aos nossos corpos e sentidos. Para isso a unidade de todas as pessoas que vivem da venda da força de trabalho é um movimento fundamental e estratégico para a ação política democrática e revolucionária, principalmente no tempo atual.

    Que seja visto como exceção, que seja tralhado como momentâneo, que seja para o tempo em que a vida precisa, de fato ser garantida para todas as pessoas: é hora de taxar as grandes fortunas e os aviltantes lucros para que saiamos vivos desse processo. O Estado, organizado pelos sujeitos que se ajoelham ao lucro e ao capital, não fará isso espontaneamente, muito pelo contrário. E essa é a hora de assumir a organização, a unidade, o companheirismo e a solidariedade, como um grande ato de mãos dadas para que nosso direito, de fato, se amplie naquilo que foi sempre roubado do suo do trabalhador para o bolso dos exploradores.

    Somos unidade. E o conhecimento será mais forte se coletivo e as ações mais assertivas nos encontros de identidades que garantirão a vida e a dignidade. Vamos apostar na unidade e superar, juntas e juntos, esse momento com a vida acima do lucro e de todas as ideologias que nos isolam e nos afastam. Nós somos os sujeitos principais para garantir e conquistar a vida em todos os aspectos e dimensões. Sabemos o caminho da solução, sempre investindo no conhecimento e no sistema educacional e do fazer assertivo, o Estado precisa assumir com sabedoria, conhecimento e ações que preservem a vida e a dignidade humana, com direitos para todas as pessoas, o combate dessa epidemia desastrosa. Esse é o desafio político do nosso tempo e, da nossa parte, vamos construir uma grande unidade que garanta essa direção de transformação deste sistema que não atende a humanidade e deste vírus que chegou e deixou o conteúdo mesquinho e opressor do sistema mais evidente.

  • A VIDA PRECISA SER GARANTIDA

    A VIDA PRECISA SER GARANTIDA

    A VIDA PRECISA SER GARANTIDA

    Por Francisvaldo Mendes
    Presidente da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco

    O inimigo ainda desconhecido chamado de coronavirus-covide19, continua se destacando no cenário mundial. A desigualdade existente, principalmente em países com o lastro do populismo, como o Brasil, faz com que a epidemia atinja as pessoas de forma brutalmente distintas, pois as condições matérias são objetivamente diferentes para cada pessoa. O Estado precisa enfrentar essa situação e combater o vírus respondendo as desigualdades para que a vida seja universalmente assegurada.

    O lugar estratégico que o Brasil ocupa na América Latina gritou mais alto e economia fez valer sua estratégia. No pronunciamento do dia 31 de março o presidente fez um movimento totalmente distinto do que os anteriores, que o colocou em confronto com todo o Estado e com o próprio Ministro da Economia. Mesmo com pouca fidelidade as posições do diretor-geral da OMS, sustentou-se em suas posições para afirmar que salvar vidas é a grande prioridade. E, é necessário que se lembre, todas as vidas. Que assim seja, portanto, esse deve ser o papel e o compromisso do Estado, mas com ações verdadeiras e não apenas com bravatas, o que é peculiar deste governo Federal.

    Recuperar o Bolsa Família e falar de um auxílio de 600 reais, para as pessoas que chamou de vulneráveis, não é suficiente, precisa-se ir além. Certamente que ninguém pode ser demitido na pandemia, já que o emprego é tão importante quanto o enfrentamento do vírus. Todas as medidas em defesa da vida precisam ser tomadas pelo Estado, em todo o seu conjunto, tanto nos níveis federativos quanto nas diversas instancias de governo: judiciário, parlamento e executivo. O Estado precisa garantir a universalidade do direito à vida e para isso deve tratar com as diferenças necessárias as desigualdades existentes no país e no sistema capitalista. Assim não poderá haver diminuição de nenhum salário, sejam os pagos pelo Estado, sejam os pagos pela iniciativa privada.

    As medidas emergenciais são bem maiores do que o congelamento por dois meses dos preços de medicamentos e de recursos parcos para a manutenção da vida, ainda mais na situação atual. Os medicamentos não podem aumentar preços de venda enquanto houver pandemia, assim como os alimentos e todos os produtos necessários para limpeza e higiene das pessoas. Para que a vida se aproxime da dignidade, para além de continuar com o confinamento e isolamento e apostar no fortalecimento do SUS, como disse o presidente em seu pronunciamento, deve-se ter ações que qualifiquem realmente que toda a vida é importante.

    Assim, não há dúvidas, que junto a tais medidas acima o fortalecimento da saúde, para além do combate das doenças, de transportes no qual as pessoas não se amontoem, da educação e de moradias, são medidas fundamentais. E nesse sentido é mais do que urgente que todos os espaços físicos tenham água, principalmente nas periferias, com destaque nas favelas, onde falta esse item básico de enfrentamento da doença. A garantia de água para todas as pessoas, em todos os seus locais, é uma medida estratégica e urgente. Assim como o Estado deve, imediatamente, ter um procedimento de acolhimento para todas as pessoas que não contam com residências e vivem nas ruas. Nenhuma pessoa na rua, com a coerência que o confinamento exige, demanda do Estado, imediatamente, uma postura assertiva e combativa, a favor de quem se encontra abandonado a má sorte.

    O vírus adoece e mata, mas não é natural e não pode ser tratado com naturalidade, demanda-se então, ao menos nesse momento de exceção, medidas que o combata com firmeza para que as pessoas tenham vida e saúde. E, como disse o próprio presidente em seu pronunciamento, todas as pessoas, ou seja, todas as pessoas mesmo!

    Para que, de fato, sejam todas as pessoas abraçadas pelo cuidado e por um pouco de cultura de seguridade, que pouco existiu no Brasil, precisa-se medidas diferenciadas. Enquanto os salários e empregos precisam ser garantidos e assegurados, a taxação dos super ricos é uma medida necessária para que mais recursos se tenha no combate do vírus. As chamadas pessoas mais vulneráveis não podem, nessas condições, pagar luz, agua, gás, além de ficarem solitários as faltas de elementos e produtos básicos para higiene e cuidados pessoais. Assim reafirmamos: imediata anistia das contas dos tributos cobrados pelo próprio Estado nesse momento se faz fundamental.

    Vários locais da periferia, principalmente nas favelas, já demonstram suas potências e apostam e organização e solidariedade. Haja vista, que a solidariedade popular é a maior arma contra os desmandos que o Estado faz com os pobres desse País. É hora de apostar e apoiar todas essas iniciativas e fazer da solidariedade entre as pessoas, principalmente de todas que vivem da venda de sua força de trabalho, um alimento fundamental para manter e qualificar a vida. Nossa unidade é mais que necessária, para fazer das ações nos dias de hoje alimentos para transformar a vida, para mais dignidade e qualidade, em todos os tempos. Colocar a vida acima dos lucros é uma ação fundamental e, ao menos neste momento, o Estado precisa tratar os diferentes como diferentes e os desiguais como desiguais, para que, de fato, toda a vida seja garantida. Nossa organização, formação e ação conjunta é potência para manutenção da vida em escala universal, para além dos discursos de momentos e contra os oportunistas de plantão. Precisa-se construir garantias de continuidade de uma nação soberana e viva.

  • DEFENDER UNIVERSALMENTE A VIDA

    DEFENDER UNIVERSALMENTE A VIDA

    DEFENDER UNIVERSALMENTE A VIDA

    por Francisvaldo Mendes, presidente da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco

    O mundo, agora, se volta para a pandemia causada por um inimigo desconhecido: o coronavirus, covid-19. O cenário mundial é o de disputa imperialista, no qual o bloco ocidental entra em declínio com suas potências dominantes em decadência diante das novas potências no oriente. No desenvolvimento desigual do capitalismo no mundo, a correlação de forças muda no decorrer do desenvolvimento de novas potências e, com isso, a disputa pela partilha territorial no mundo ganha novos contornos.

    O Brasil ocupa, neste cenário, um lugar estratégico na américa Latina e, consequentemente, nesta disputa, tanto como fonte de produção de riqueza quanto de energia, esta última essencial para o desenvolvimento das forças produtivas capitalistas, sem a qual um país não desenvolve os meios de produção à altura da concorrência mundial e, também, regionais. A recente estratégia estadunidense salta aos olhos desde o impeachment de Dilma: retirar a resistência do Brasil e da América Latina ao império em decadência. Com isso, uma guerra híbrida se iniciava, com o apoio de estratégias midiáticas, terroristas, com uma ideologia conservadora que deu a unidade de uma base para o projeto de desestruturar os esforços do Brasil em manter um bloco fortalecido na América Latina de modo a garantir-lhe uma posição singular e mais forte no cenário mundial.

    Neste sentido, a pandemia nos revela as duas faces da conjuntura no Brasil: em primeiro lugar, a impossibilidade do neoliberalismo garantir os direitos socias básicos da população brasileira, demonstrando que são os mais vulneráveis a sofrer o impacto da pandemia. Trabalhadoras e trabalhadoras mais precarizados e pauperizados na divisão social do trabalho, negras e negros da periferia, são os que mais sofrerão e morrerão. Em segundo lugar, a estratégia estadunidense de garantir-lhe a manutenção de seu projeto, o que incide sobre o Brasil no pronunciamento do presidente da república em reforçar que a economia não pode parar e que devemos voltar à normalidade. Esta medida demonstra, também, o verdadeiro propósito da política adotada e a concepção que a subjaz: a vida da periferia não importa e que morram mais pobres e pretos, para salvar a tática econômica em curso.
    Esta pandemia nos revela o fracasso do neoliberalismo como projeto societário, de estado mínimo e de mercantilização de todas as relações, incluindo os direitos sociais. A pandemia também nos revela o mais importante: que as milhares de pessoas que morreram e que ainda morrerão, no mundo e no Brasil, não morreram por causa do covid-19, mas pela ausência e falência de garantia de seus direitos sociais básicos, sobretudo o direito à saúde. Não é o vírus que mata. É a falta de atendimento, recursos, planejamento, hospitais, sistema de saúde, realidade esta que não nos é nova tampouco surpreendente, pelo modelo de desenvolvimento do capitalismo adotado.

    O vírus chegou para nos dizer o que precisa ser mudado, que esta lógica precisa ser transformada para que os direitos sociais das trabalhadoras e trabalhadores do país sejam garantidos. Para isso, é fundamental transformar esta lógica e somar forças para um projeto de sociedade em que os lucros não estejam acima da vida e que todas as vidas importam.

    O isolamento e o distanciamento permanecem sendo as principais medidas adotadas, como recursos para baixar a curva epidêmica, para evitar o pior colapso do sistema de saúde, para que a tragédia seja mais branda e para que menos pessoas sejam contaminadas. Pela vida dos mais vulneráveis. Pela vida dos trabalhadores. Por todas e todos nós.

    Há medidas emergenciais a serem assumidas pelo Estado. Entre as medidas estão em destaque as principais são: SUS fortalecido, bem como investimento em todas as áreas de políticas públicas, educação, saúde, transporte, lazer, moradia; Taxação dos super ricos; Anistia de contas de água, luz e gás, com garantia de água, luz e produtos de higiene para todas as pessoas; Benefício emergencial para o setor informal; Licença remunerada para a medida de isolamento e plano para garantir o emprego formal; Revogar o teto dos gastos, suspender os despejos, plano de emergência para os moradores de rua, com acolhimento e condições de manutenção da vida. Há também medidas emergenciais para garantir o mínimo necessário de humanidade, dignidade e sanidade, que é imediatamente tirar o atual presidente e assumir um sopro de solidariedade para garantir que a doença e a morte, que espreitam as pessoas na esquina, não tenham êxito. A vida assim pode seguir colocando a política no seu lugar da disputa de projetos.

  • O governo Bolsonaro: um balanço da destruição do Estado Brasileiro

    O governo Bolsonaro: um balanço da destruição do Estado Brasileiro

    O governo Bolsonaro: um balanço da destruição do Estado Brasileiro

    por Fundação Claudio Campos, Fundação Dinarco Reis, Fundação João Mangabeira, Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, Fundação Leonel Brizola-Alberto Pasqualini, Fundação Maurício Grabois, Fundação da Ordem Social e Fundação Perseu Abramo

    Da posse em janeiro de 2019 até este mês, o ex-capitão Jair Bolsonaro atuou cotidianamente em várias frentes para desmontar as instituições e retirar os direitos da maioria da população brasileira. No acompanhamento mensal das ações governamentais, pelo Observatório da Democracia, as fundações pontuaram e analisaram as engrenagens políticas deste projeto de destruição do país, com apoio de setores ultraconservadores como os ligados às igrejas neopentecostais e aos interesses internacionais da extrema-direita.

    Passados um ano e três meses, os resultados deletérios na vida cotidiana e na vida institucional do país estão sendo sentidos, ainda que o governo Bolsonaro conte com uma relativa boa vontade de grupos econômicos e políticos que, em troca de limitar cada vez mais a democracia, garantem lucros e poderes. Bolsonaro conduz o país promovendo a perseguição contra seus opositores, tentado impedir que opiniões e ideias divergentes sejam expressas na esfera pública. Seu governo tem um traço autoritário grave, que violenta profundamente o Estado Democrático de Direito.

    Congresso e Bolsonaro: relações truncadas

    Transcorridos este um ano e três meses, a atuação do governo em seu relacionamento com o Poder Legislativo, assim como em outras áreas, é desastrosa. As incontáveis falhas de diálogo, a forma intransigente com a qual tratou de agendas importantes ao país, e o desrespeito público às instituições brasileiras foram, para citar alguns, elementos cruciais que justificam essa qualificação.

    Cabe destacar a saída de Bolsonaro e de seus filhos do PSL, partido que o elegeu presidente e ampliou a presença da legenda no Congresso, como a maior bancada na Câmara. Esse movimento, marcado por trocas de acusações internas entre parlamentares da tropa de choque bolsonarista e disputa pelos fundos públicos partidário e eleitoral, resultou na tentativa de criar uma nova legenda: a Aliança pelo Brasil, que ainda não está consolidada para as eleições municipais deste ano.

    A CPMI das Fake News expôs o notório racha na base do presidente Jair Bolsonaro, colocando, inclusive, correligionários em lados completamente opostos no espectro político do Congresso Nacional. Os duros embates protagonizados entre Alexandre Frota x Eduardo Bolsonaro, Joice Hasselmann x Filipe Barros/Carla Zambelli durante reuniões da CPMI, expuseram a fragilidade estrutural à qual é sustentada a base política do presidente Bolsonaro no Congresso Nacional.

    O principal entrave do Planalto neste primeiro ano de governo foram justamente as crises auto produzidas, muito embora um ano possa ser considerado pouco quando se pensa em projeto de governo ou de poder, é tempo satisfatoriamente suficiente para se aprender com os erros e iniciar um projeto de governança, deixando para trás as trapalhadas ações com o Legislativo, os embates internos que fragilizaram e minaram sua força política, e o desrespeito às instituições democráticas e às forças opositoras que compõem nossas liberdades democráticas.

    Privatizações, precarização do trabalho e exclusão social

    No primeiro ano de Bolsonaro, a gestão da política econômica foi desenhada para instalar os princípios do neoliberalismo mais radical. O Ministério da Economia, capitaneado por Paulo Guedes, foi estruturado para priorizar as privatizações de estatais e das instituições do Estado brasileiro. O Programa de Parcerias e Investimentos – nome dado ao plano de privatizações do governo — inclui mais de 50 empresas, subsidiárias e ativos públicos para serem vendidos ao setor privado. São um elenco de empresas de atividades econômicas distintas, algumas de caráter estratégico, de ponta na área de tecnologia e outras que atuam em áreas sensíveis para a democracia e inclusão social, que Jair Bolsonaro quer privatizar e que pode trazer graves prejuízos econômicos e para a soberania do país.

    Levantamento realizado pelo jornal Folha de S. Paulo revelou que nos dez primeiros meses de governo a equipe de Paulo Guedes já vendeu R$ 91,3 bilhões em ativos das empresas estatais sob o comando da União. A maior parte desse valor (R$ 70,9 bilhões) corresponde a vendas realizadas pela Petrobras, que desfez de operações importantes para o funcionamento integrado da empresa, mas que, no seu afã privatista, o governo decidiu entregar a empresas privadas.

    Um amplo projeto de privatização foi iniciado com a venda de ativos da Petrobras (TAG e BR distribuidora), leilões de campos do pré-sal e concessões de aeroportos. Foi anunciada a intenção de venda da Eletrobras, Correios, Casa da Moeda, Dataprev, Serpro. Os bancos públicos estão na mira da agenda de Guedes e sua equipe. Entre as medidas anunciadas e algumas já efetivadas estão a venda de ativos da Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e outras instituições financeiras públicas. Apesar de estar em consonância com a agenda de redução do Estado, a privatização e “enxugamento” dos bancos públicos não se encaixa no discurso de redução de gastos e nem mesmo de ineficiência, uma vez que estas instituições financeiras são lucrativas, eficientes e cumprem função central para a execução de políticas públicas.

    A privatização do sistema de água e esgoto, aprovado pelo Congresso no final de 2019, é um retrocesso sem precedentes na área de controle dos recursos hídricos, passando a água a ser tratada como uma mercadoria qualquer e não como um direito básico de todo o povo. A Eletrobras é a maior empresa do setor elétrico da América Latina e é líder em geração e transmissão de energia elétrica no Brasil. A capacidade geradora da Eletrobras equivale a cerca de um terço do total da capacidade instalada do país. Tem 14.532 funcionários. Em 2018, lucrou R$ 13,3 bilhões. O acesso à energia elétrica é um direito fundamental da população brasileira, serviço essencial de interesse coletivo e que não pode ter sua geração e transmissão nas mãos do setor privado. As resistências políticas e os entraves legais para o governo vender a Eletrobras impediram o governo de executar seu plano neste ano. Enquanto em todo mundo acontecem processos de reestatizações de serviços públicos na área de saneamento e energia, demonstrando que as experiências internacionais com privatizações dos serviços de água e esgoto são bastante negativas, o Brasil caminha na direção contrária.

    Outras empresas que estão na mira do projeto privatizante de Guedes são: Telebras, Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre (Trensurb), Centrais de Abastecimento de Minas Gerais (Ceasaminas), Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), Porto de São Sebastião, Porto de Santos, Companhia Docas de São Paulo (Codesp), Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa), Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores (ABGF) e Empresa Gestora de Ativos (Emgea) e Centro de Excelência em Tecnologia Eletrônica Avançada.

    O Ministério do Trabalho e o da Previdência foram extintos, suas atribuições foram colocadas sob o guarda-chuva do superministério. A tentativa de desmonte da liberdade de organização dos trabalhadores se intensificou com a promulgação da MP 873, tema do relatório de março. A medida proibiu arbitrariamente o pagamento de mensalidade associativa por folha salarial, alterando dispositivos da CLT e da Lei No. 8.112/90.

    A reforma da Previdência, levada em abril pelo governo para o Congresso e aprovada, reduziu valores de pensões e aposentadorias de trabalhadores/as na iniciativa privada e dos servidores/as da União. As regras de transição foram mais duras, houve aumento das faixas de contribuição dos/as trabalhadores/as e a idade mínima para aposentadoria foi elevada tanto para mulheres (62 anos) como para os homens (65 anos). No entanto, o regime de capitalização que substituiria o regime de repartição e que se tratava da grande aposta do ministro da Economia Paulo Guedes para “recuperar os investimentos” foi barrada na CCJ da Câmara.

    A meta de fazer caixa para a União com as vendas e a reforma da previdência e assim estimular o investimento privado no Brasil, no entanto, não alavancou a economia neste primeiro ano de governo. As taxas de desemprego continuam elevadas (superiores a 11%), ainda que haja algum aumento do emprego informal ou de assalariados no regime intermitente (sem garantia de jornada nem de renda). Ao longo de 2019, as sucessivas revisões para baixo da taxa de crescimento do PIB indicam que pelo terceiro ano consecutivo a economia permanece em ritmo de semi estagnação, com a taxa anual rastejando em torno de 1%.

    Seguindo a receita neoliberal, a equipe de Guedes propôs via Medidas Provisórias, como a da Liberdade Econômica, um pacote de desregulação das normas para estimular a abertura de empresas, a desoneração de folha de pagamento e outros tributos. Trata-se de uma MP com forte carga ideológica – “proteção à livre iniciativa e ao livre exercício da atividade econômica”. Paralelamente, através de contingenciamento em várias áreas (educação, saúde, ciência e tecnologia, infraestrutura) desestruturou os investimentos em políticas públicas, desmontando programas como Mais Médicos, Minha Casa, Minha Vida, o que agravou a desigualdade entre ricos e pobres no país. Em maio, estudantes, trabalhadores e entidades ligadas à educação realizaram enormes manifestações em todo o Brasil em protesto contra o corte de verbas destinadas ao ensino público. O corte afetou milhares de trabalhadores que atuam na área da educação – infraestrutura, limpeza, segurança, administração, além dos professores.

    Como medida de estímulo da economia interna, Guedes retomou a liberação do FGTS para as/os trabalhadoras/es, iniciativa adotada anteriormente no governo Temer. Em novembro, Bolsonaro encaminhou a MP 905, chamada de Contrato de Trabalho Verde e Amarelo, para o Congresso para estimular a contratação de jovens de 18 a 29 anos pelas empresas, tendo como contrapartida uma série de desonerações e redução de direitos como recolhimento de FGTS, INSS, dentre outros. A MP foi questionada pelos partidos progressistas no STF por alterar e retirar direitos trabalhistas consolidados na Constituição. Uma análise dos efeitos da MP 905 permite vislumbrar um cenário em que uma parcela da população brasileira terá um conjunto de direitos assegurados pela CLT e outro conjunto que irá aderir à Carteira de Trabalho Verde e Amarelo, constituído por jovens, com os direitos reduzidos pela recente MP.

    Desmatamento, queimadas e ameaças à soberania

    Dois aspectos chamam de imediato a atenção sobre as mudanças efetuadas na política externa do Brasil por Bolsonaro neste primeiro ano de mandato. A primeira e mais relevante foi o rompimento com toda a tradição efetivada ao longo dos governos pós-ditadura militar como o respeito à soberania dos povos, a não ingerência, defesa da paz, a universalidade nas relações exteriores, a integração continental, o não alinhamento, entre outros princípios. Todos eles inscritos direta ou indiretamente na Constituição de 1988. O segundo aspecto foi escolher como ministro das Relações Exteriores um inexperiente profissional de carreira, Ernesto Araújo, que não era sequer embaixador de primeira classe e tampouco chegou a chefiar qualquer embaixada. Ele se insere no grupo de ministros que conduzem a luta ideológica mais obscurantista e conservadora nos costumes.

    O fato é que esse novo ministro teceu uma série de teorias sobre o combate ao “marxismo cultural”, decadência da civilização ocidental e ausência de Deus na formulação da política externa. Os desdobramentos destas posições foram o alinhamento incondicional e automático com o governo Trump dos Estados Unidos, Netanyahu de Israel e em menor grau com os governantes da Polônia e Hungria. Na prática estes alinhamentos têm causado desgastes para o Brasil, não apenas do ponto de vista político, mas também econômico, pois a adesão às políticas destes governos tem sido sem reciprocidade e contrapartidas. Por exemplo, o apoio tímido dos EUA à filiação do Brasil à OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que não é vantajosa para nós, em troca de abandonarmos o status de país em desenvolvimento na OMC, que era um benefício comercial importante que tínhamos.

    Da mesma forma a intenção de mudar a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém em apoio à política israelense de colonização da Palestina e o posicionamento contrário às decisões da ONU sobre a ocupação ilegal dos territórios árabes e da Palestina, criaram atritos com vários países árabes que são os principais importadores de carne do Brasil, assim como o apoio às sanções estadunidenses contra o Irã que também poderá prejudicar um importante comércio bilateral. Bolsonaro ainda tentou fazer um agrado aos governos árabes do Oriente Médio visitando a Arábia Saudita, cujo governante é acusado de mandar matar e esquartejar um jornalista, os Emirados Árabes e o Catar. Os três governos mais conservadores da região.

    Na América do Sul, o governo brasileiro hostiliza a Venezuela, sai da Unasul e une-se aos governos mais à direita no continente como os da Colômbia, o atual da Bolívia, do Chile e do Paraguai. Opinou sobre candidatos preferenciais na Argentina e Uruguai, o que não convém, pois no primeiro caso “perdeu o voto” e consequentemente arranjou atrito com o vencedor, Alberto Fernández, parceiro fundamental no Mercosul. O vencedor do pleito uruguaio, Lacalle Pou, de direita, dispensou esse apoio, pois somente prejudicaria sua campanha.

    Por fim, nas reuniões internacionais que discutem temas como trabalho (OIT), direitos humanos (Conselho da ONU) e meio ambiente (COP) as posições brasileiras têm se somado aos dos países com déficit de democracia e reacionários quanto a possíveis avanços nestes temas.

    Em setembro, as queimadas na Amazônia alarmaram o mundo. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), as queimadas no Brasil aumentaram 82% em relação ao ano de 2018. Se compararmos esse mesmo período (de janeiro a agosto), foram registrados 71.497 focos de queimadas neste ano, contra 39.194 no ano passado. Bolsonaro desqualificou os dados apresentados pela equipe do Inpe, demitiu seu diretor e reestruturou o Instituto em retaliação. Com a desestruturação promovida no início de seu governo nos órgãos de fiscalização e acompanhamento do desmatamento, os números da devastação ambiental explodiram neste primeiro ano de governo.

    Outra frente atacada foi a defesa das reservas indígenas e quilombolas. O governo desmontou a estrutura de proteção aos povos indígenas existentes nos ministérios da Saúde e Educação, colocou à frente da Funai dirigentes identificados com a visão de destruição e exploração das terras e do modo de vida destes povos, e o presidente fez inúmeras críticas públicas no Brasil e no exterior, preconceituosas contra a preservação das reservas.

    O tema da Operação Lava Jato reapareceu com força nos noticiários por conta dos áudios divulgados pelo jornal The Intercept Brasil. Quando se observa as consequências da Operação Lava Jato para o mundo do trabalho, o que se nota é que ela tem promovido o desmonte de importantes setores da economia nacional, principalmente da indústria petrolífera e da sua cadeia de fornecedores, como a construção civil, a indústria naval, além do programa nuclear brasileiro.

    Ciência, Tecnologia e Inovação: 60 anos destruídos em um

    Passaram-se 37 anos entre a descoberta da Relatividade e sua utilização para produção de energia nuclear (1905-1942). Para encaminhar a destruição do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI), construído ao longo dos últimos 60 anos, o atual governo brasileiro levou apenas um ano.

    Na década de 1950, o Brasil entrou na era do conhecimento, com a criação, em 1951, do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), voltado à concessão de bolsas para formação de pesquisadores no país e no exterior e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), para formação de pessoal especializado através da oferta de cursos de pós-graduação. Aliados à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), também provedora de bolsas de pesquisa, a partir de 1961, e apoio financeiro inicial do Fundo Nacional de Desenvolvimento Técnico-Científico (Funtec), através do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico (BNDE), substituído pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) em 1967, agência operadora do novo Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) instituído em 1969, o Brasil passa a ter um SNCTI e a ver a formação de seus primeiros mestres e doutores.

    Com o advento dos Fundos Setoriais a partir de 1998, sendo o primeiro o Fundo do Petróleo (CT-Petro), a Finep passou a fazer a articulação institucional entre CT&I, transversalmente, com outras áreas de governo, atuando como secretaria- executiva dos 16 fundos instituídos. Em 2010, os fundos foram executados em sua totalidade, fato que permitiu ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) passar de um orçamento de R$ 3 bilhões em 2002, para mais de R$ 8,5 bilhões em 2010. O FNDCT expandiu de R$ 500 milhões em 2002 para R$ 3 bilhões em 2010. O orçamento da Capes cresceu oito vezes, de R$ 500 milhões em 2002 para R$ 4 bilhões em 2010.

    Afora a estapafúrdia ideia de extinguir o FNDCT em 1989, o que geraria uma mísera economia de Cz$ 30 milhões, e de transferir a Finep para o Ministério da Indústria e Comércio e o CNPq e seus centros de pesquisa para outro órgão, o SNCTI desenvolveu-se consideravelmente e de forma estável nestes últimos 60 anos.

    Nesta conta entram o ganho de produtividade da agricultura brasileira, diretamente relacionado ao investimento em pesquisa realizado pela Embrapa e universidades, a exemplo do desenvolvimento da fixação do nitrogênio por meio de bactérias, estudo que permitiu eliminar adubos nitrogenados e aumentar fortemente a produtividade da cultura da soja, gerando recursos anuais da ordem de R$ 15 bilhões. Parcerias entre Petrobras e universidades com recursos do FNDCT (CT-Petro), Fundo Verde-Amarelo (transversal) e outros recursos públicos, possibilitaram a exploração do petróleo em águas profundas (7 Km), o que desencadeou a exploração do pré-sal, fonte responsável por 54% da produção de óleo brasileiro, gerando R$ 60 bilhões a cada ano para o país.

    Igualmente, nestes 60 anos de investimentos em CT&I e Educação, chegou o país à produção de energia por fontes renováveis, à medicina de alta tecnologia, ao lançamento de startups, ao desenvolvimento de uma base industrial diversa e ao aparecimento de empresas unicórnio. Empresas brasileiras transnacionais, como E mbraer (carteira de R$ 60 bilhões), inobstante desnacionalizada, Embraco e WEG foram alavancadas através de parcerias e investimentos cruzados com universidades para formação de pessoal e geração de pesquisa inovadora. Na epidemia causada pelo zika vírus, pesquisadores brasileiros descobriram em apenas quatro meses a vinculação entre o mosquito e a infecção provocadora da microcefalia, conforme estudos publicados pelos periódicos Science e Nature. Entre 2011 e 2016, o Brasil publicou mais de 250 mil artigos na base de dados Web of Science, o que colocou o país na 13A. posição na produção científica global. As áreas de maior impacto foram agricultura, matemática, medicina e saúde, física, ciência espacial, psiquiatria e odontologia.

    Entretanto, no caso do Brasil, nada é tão escancaradamente antinacional que não possa ser repetido. Vale, neste país, a profecia do filósofo irlandês Edmund Burke: “um povo que não conhece sua história está condenado a repeti-la”. Vamos repeti-la, pois. Em apenas um ano do atual governo, excluíram 15 mil bolsas do sistema CNPq e Capes, e 84 mil bolsistas do CNPq penaram para receber o financiamento para suas pesquisas. Volta e meia, retoma-se a proposta de transferência da Finep para o BNDES, assim como a fusão do CNPq com a Capes. O FNDCT viu 80% seus recursos esterilizados, inseridos na reserva de contingência.

    Netas condições, segundo o Índice Global de Inovação, publicado anualmente desde 2007 pelo Instituto Europeu de Administração de Empresas (INSEAD) e pela Organização Mundial de Propriedade Industrial (WIPO) o Brasil, que ocupava em 2011 a 47a posição mundial, em uma lista de 127 países, caiu em 2019 para 66a. posição, entre 126 economias.

    A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 187, de 2019, propõe (como em 1989), a extinção do FNDCT, tirando-lhe R$ 4,2 bilhões. Somado a outros 240 fundos não constitucionais, objeto da emenda, “custam”, anualmente, R$ 60 bilhões.

    Desses, 50% vem do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), R$ 31,9 bilhões. Somado à extinção do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES), R$ 13,6 bilhões, destinado a financiar estudantes pobres em cursos de graduação presencial oferecidos por instituições de ensino superior não gratuitas, a PEC causa um estrago irreversível ao SNCTI do país e produz um futuro fracassado, tudo isso em apenas um ano.

    Violações aos direitos humanos fundamentais

    Neste primeiro ano de gestão, Bolsonaro demonstrou o desprezo do seu governo pelos direitos fundamentais previstos na Constituição de 1988, seu desapego à democracia e a falta de respeito com a qual se dirige a amplos setores sociais.

    O país, a partir de janeiro de 2019, presencia a institucionalização das violações à liberdades civis e direitos fundamentais. As iniciativas do governo (projetos de lei, medidas provisórias, decretos) somadas às declarações e atitudes que partem da presidência e de seus ministros, criam um grave ambiente de estímulo à violência e ao autoritarismo.

    Os ataques aos professores, às universidades, à ciência e tecnologia, aos meios de comunicação e a jornalistas, ao direito de manifestação e organização da sociedade e a participação social nas discussões, decisões e acompanhamento de políticas públicas, bem como os pontos do Pacote Anticrime têm todos o mesmo sentido: restringir a democracia e concretizar um golpe para consolidar um estado ditatorial.

    A violação à liberdade de imprensa já foi percebida durante a sua posse, quando os jornalistas não puderam circular livremente pelos espaços do Palácio do Planalto, foram privados de água e ameaçados caso desrespeitassem as rígidas regras de comportamento determinadas pelo governo recém-empossado. Em seus pronunciamentos e entrevistas coletivas, Bolsonaro trata os jornalistas com desrespeito, dando respostas ofensivas ou ignorando as perguntas, quando o tema abordado o incomoda. Além disso, usa suas contas e as contas oficiais do governo nas redes sociais para promover ataques diretos a profissionais da imprensa. Destaque para as ações contra o jornalista Glenn Greenwald do The Intercept Brasil, as ações e ataques contra a jornalista Patrícia Campos Mello da Folha de S. Paulo, a perseguição contra o jornalista Adécio Piran, que denunciou o dia do fogo na Amazônia e neste ano, a agressão contra a jornalista Vera Magalhães, de O Estado de S. Paulo, por ela ter divulgado a convocatória para o ato contra o Congresso e o STF. Mesmo a comunicação pública está ameaçada, com a portaria 216/2019 que unificou as emissoras NBr e TV Brasil.

    O Pacote Anticrime promovido pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, representa mais um ataque os direitos humanos fundamentais. Apesar de o Congresso ter derrubado alguns pontos do projeto, que legalizavam a licença para matar das forças de segurança e atentavam contra direitos civis — como o plea bargain, o excludente de ilicitude e a prisão em segunda instância — a lei mantém o viés da escalada punitivista do governo no país, aumentando ainda mais os mecanismos para o encarceramento em massa da população.

    Para inibir possíveis protestos populares contra as medidas tomadas pelo governo, Moro determinou em abril, por meio da portaria nº 441, o uso da Força Nacional de Segurança na Esplanada dos Ministérios. E, por meio de um Projeto de Lei, Bolsonaro pretende retomar o excludente de ilicitude em operações de garantia da Lei e da Ordem. Segundo o presidente, a medida “impedirá certo tipos de protestos” e também a possibilidade de seu uso em casos de reintegração de posse, chamada por si mesmo de “GLO do campo”.

    A extinção de Conselhos Participativos que formulavam políticas públicas em vários ministérios e órgãos administrativos federais evidencia o menosprezo pela participação da sociedade neste governo. Com o decreto nº 9.759, de 11 de abril de 2019 que extinguiu e estabeleceu diretrizes, regras e limitações para colegiados da administração pública federal. A censura aos dados públicos e assuntos considerados “ideológicos” tem sido adotada com política de Estado. O Ministério das Relações Exteriores barrou o acesso a documentos sobre a posição do Brasil em debates na Organização das Nações Unidas (ONU). Alegando risco à segurança nacional e à “posição negociadora” do país, o Itamaraty impôs censura de cinco anos, até 2024, aos textos nos quais teria baseado sua posição retrógrada de negar proteção aos grupos LGBT e mulheres.

    Ataques às instituições jurídicas e ameaças de reeditar atos autoritários da ditadura militar também foram recorrentes neste primeiro ano de governo. Destacam-se o ataque ao presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, as mudanças na composição e atuação da Comissão da Verdade e o retorno do Ato Institucional nº 5, defendido publicamente pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro para reprimir manifestações.

    A educação e a cultura: censura e perseguição

    Desde os primeiros dias de seu governo, Bolsonaro e seus ministros elegeram a educação e a cultura como terrenos para uma “guerra santa ultraconservadora” contra os ideais progressistas e democráticos. Sob o discurso de defesa da “família, da Pátria , contra o “marxismo cultural”, atacaram em várias frentes a estrutura educacional e cultural, com cortes e contingenciamento em orçamentos, propostas de mudanças no funcionamento e nas direções dos ministérios da Educação, (destacando aqui a extinção do Ministério da Cultura). Foram extintos também os conselhos de participação social destes setores, interditando a participação da sociedade e dos movimentos setoriais na elaboração e no acompanhamento das políticas públicas.

    As universidades e os institutos federais foram alvos de medidas coercitivas como: nomeação de reitores não respeitando a ordem da lista tríplice, para garantir dirigentes alinhados ideológica e politicamente com o governo, o uso de critérios ideológicos para seleção de bolsistas e direcionar recursos para instituições federais de ensino, perseguição a professores com abertura de sindicância e estímulo à denúncia através de linhas criadas pelo governo com esse objetivo.

    As propostas educacionais do atual governo giram em torno das escolas cívico-militares que começaram a ser implantadas em alguns Estados, fundamentadas na presença de militares e policiais no cotidiano escolar e da escola em domicílio. Por outro lado, Bolsonaro e Guedes querem retirar a obrigatoriedade do investimento da União, Estados e municípios na estrutura educacional, com a desvinculação das receitas no orçamento.

    As manifestações autoritárias dos membros do governo Bolsonaro contra a cultura foram ganhando contornos nazistas ao longo do ano passado, quando o agora ex-secretário de Cultura Roberto Alvim, com visual e performance aos quais só faltavam a suástica, afrontou a consciência cívica nacional com um vídeo, propondo (pela primeira vez no atual governo, diga-se) um projeto cultural que faria Joseph Goebbels babar de inveja. Esqueceu apenas de combinar com a sociedade brasileira, que reagiu à altura: em menos de seis horas o projeto foi suspenso e o secretário demitido.

    Fora as manifestações fascistas, a área da Cultura foi vítima também de uma gestão inoperante, incompetente, anti- intelectual e, principalmente, que prega o ódio à democracia. Além da extinção do Ministério da Cultura que, transformado em Secretaria de Cultura, ficou à deriva, sendo jogado de um ministério a outro, tendo neste período vários titulares, sendo que o primeiro demitiu-se por discordar da censura pretendida pelo ministro da pasta; outros, não tiveram sequer como esquentar a cadeira para a qual foram nomeados. Enquanto isso, nada acontecia na pasta. Até que veio Alvim, que levou para o órgão uma plêiade de agentes culturais, muitos pouco conhecidos ou familiarizados com as áreas que administrariam, para dirigir a Funarte, a Biblioteca Nacional, a Fundação Palmares, dentre outros. Os critérios para a escolha destas pessoas foram, marcadamente, a identificação com o discurso de extrema-direita de Alvim.

    Já neste ano, um grupo de artistas visitou o Planalto para apoiar Bolsonaro e pedir-lhe alguns favores, como o fim da meia- entrada para estudantes e idosos e o corte do pagamento de direitos autorais em eventos dados como “culturais”. Soube-se depois que tais artistas estavam a serviço de empresários do ramo de vaquejadas e rodeios, quando não eram, eles próprios, também empresários. Enquanto rejeita dialogar com outros segmentos culturais, Bolsonaro acolheu estes agentes, que tiveram a desfaçatez de pedir ao governo que seus lucros sejam aumentados pelo fim de subsídios sociais e obrigações legais, para que possam, em nome da “cultura”, inclusive maltratar animais.

  • Coronavírus: A falência do sistema capitalista e a defesa radical do SUS

    Coronavírus: A falência do sistema capitalista e a defesa radical do SUS

    Coronavírus: A falência do sistema capitalista e a defesa radical do SUS

    Algumas reflexões sobre a pandemia do COVID-19 e as respostas políticas.

    Vivemos uma crise sanitária que tem se consolidado como uma crise política internacional. Uma análise da questão coerente com os princípios socialistas visa identificar as raízes que determinam os processos de adoecimento na sociedade capitalista e a busca por enfrentamentos que pautem a saúde enquanto emancipação humana a partir da solidariedade internacional e da ruptura desse sistema político. Em tempos de especulação midiática e pânico social, é necessário ter uma posição consistente e não-alarmista, afirmando a necessidade de respostas políticas radicais, na defesa do sistema público e universal de saúde e em prol das necessidades de saúde das pessoas. Este texto pretende, brevemente, reunir algumas reflexões a respeito da atual pandemia do novo Coronavírus e apontar algumas respostas necessárias para tal.

    A pandemia COVID-19

    O primeiro alerta do governo chinês à Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre a possibilidade de um novo vírus em circulação foi dado em 31 de dezembro de 2019. Eram casos de pneumonia de causa desconhecida na cidade de 11 milhões de habitantes, Wuhan capital da província de Hubei, cuja origem provável detectada posteriormente seria um mercado de carnes de animais silvestres. Logo o vírus recebeu o nome de COVID-19 e fez milhares de vítimas no país, se alastrando por diversos continentes e chegando ao Brasil em fevereiro de 2020.

    A OMS declarou a situação gerada pela COVID-19 como emergência de saúde de importância internacional, devido ao seu grande potencial de propagação internacional e da necessidade de ações de resposta coordenadas. A essência da ameaça das pandemias de vírus respiratórios, como as causadas por Influenza ou Coronavírus, que assustaram e assustam o mundo ao longo da história, é justamente sua alta virulência e a rápida mutação das cepas que podem passar longos períodos incubadas e viajar pelo mundo à velocidade pandêmica, infectando uma humanidade que hoje é densamente urbanizada e majoritariamente pobre.

    Os Coronavírus são uma grande família de vírus que infectam principalmente animais, mas podem causar infecções em seres humanos, com sintomas que se assemelham aos resfriados ou gripes, podendo levar a complicações respiratórias em pessoas imunodeprimidas ou com doenças crônicas como hipertensão e diabetes. Apesar de fora dos grupos de risco, o curso da doença ser relativamente rápido e de baixa gravidade, os indivíduos infectados podem contribuir na disseminação do vírus, o que tem grande importância epidemiológica, já que o mecanismo de transmissão entre humanos pode ser via aérea ou por contato com secreções ou objetos contaminados.

    As experiências internacionais sobre o impacto do coronavírus são devastadoras. Em menos de três semanas no norte da Itália a COVID-19 sobrecarregou e colapsou completamente o sistema de saúde. Assim, medidas que visem a diminuição do ritmo de propagação do vírus e a curva de novos casos de pessoas infectadas, com o objetivo de dar condições aos serviços de saúde para atenderem a demanda progressiva que devem receber, são fundamentais, sobretudo considerando que em breve o Brasil estará em período de outono e inverno, período no qual aumenta a circulação dos vírus respiratórios.

    O isolamento e o distanciamento social têm se mostrado como importantes estratégias de contingenciamento da pandemia, somados a higienização das mãos, restrições a aglomerações, eventos de grande porte, viagens e modificações nos turnos de trabalho. Entretanto, há diversas contradições nas respostas dos países ao avanço da doença, considerando que por muitas vezes as decisões governamentais são tomadas com base em critérios políticos e não científicos e epidemiológicos.

    O esgotamento do sistema capitalista e a Determinação Social da Saúde

    O modelo de organização social reflexo do modo de produção capitalista determina o perfil de adoecimento da sociedade. Isso significa dizer que as doenças que enfrentamos e a forma com que os diferentes grupos sociais se impactam por elas têm ligação direta com o arranjo estrutural de organização do trabalho e das condições de vida das pessoas. É nesses marcos que compreendemos a atual crise sanitária do novo Coronavírus.

    No capitalismo neoliberal globalizado, é quase impossível que doenças infecciosas não assumam proporções pandêmicas. Pandemias dessa dimensão são na verdade resultado do esgotamento do modo de produção capitalista que enfrenta uma dura crise desde 2008, com intensificação da exploração da força de trabalho, precarização completa das condições de vida das populações, especialmente nos países de capitalismo periférico e ampliação da desigualdade social.

    A infraestrutura dos centros urbanos é dependente de aglomerações e grandes fluxos de abastecimento e suas periferias concentram pobreza e condições de vida precárias, com deslocamentos diários em meios de transporte lotados. Os limites das grandes cidades estão escancarados e as saídas de controle da pandemia atual colocam em questão a necessidade de se repensar a lógica das metrópoles e o tema do direito à cidade.

    Soma-se a isso o colapso das estruturas e a retirada de direitos sociais cada vez mais intensivas, especialmente os ataques aos serviços públicos. Vivemos um neoliberalismo marcado pela crescente privatização dos sistemas de saúde, que não são capazes de dar respostas, nem na lógica do capital, às crises sanitárias e políticas que estamos enfrentando, tal como o protagonismo da indústria farmacêutica que visa o lucro em detrimento da identificação de tratamentos a doenças infecciosas que ressurgem no perfil epidemiológico global.

    Vivemos uma crise política, econômica e ambiental do capitalismo

    A pandemia COVID-19 escancara uma crise política internacional de grandes proporções, principalmente porque o caráter intimidador da pandemia não se deve necessariamente ao potencial patogênico do vírus, mas ao estado precarizado dos sistemas públicos de saúde no Brasil e no mundo. O desfinanciamento dos sistemas a partir de medidas de austeridade e cortes de direitos sociais, e os incentivos ao desenvolvimento do setor privado em saúde promovidos pelas últimas décadas de governos neoliberais, revelam uma dificuldade concreta de contingenciamento de epidemias.

    No Brasil, o mecanismo de teto de gasto público em saúde a partir da Emenda Constitucional 95 e outras medidas implementadas pelo governo no último período como a mudança de financiamento do orçamento da Atenção Básica (Portaria 2.979/2019) que retiram recursos da saúde e dificultam a atuação em casos como a COVID-19. Da mesma forma o déficit de profissionais acompanha um projeto de desmonte do sistema público de saúde no Brasil que sobrecarrega os trabalhadores e infringe o direito à saúde das pessoas que acabam se aglomerando nas filas dos hospitais e postos de saúde para receberem cuidados.

    Contraditoriamente, justamente em um período de redução da máquina pública, há a necessidade de investimento dos Estados na proposição de medidas de saúde pública de contingenciamento da crise sanitária e de resgate da economia.

    A interrupção da produção e do comércio, que começou com a paralisação da economia chinesa, que representa um quarto da produção industrial do planeta, 19% do PIB global e 13% de todo o fluxo de comércio, atingiu diversos países. A crise econômica avança derrubando bolsas de valores, expressa em successivos acionamentos de “circuit breaker” e impactando diversos setores da economia como transportes, tecnologia, eletrônicos, automóveis e alimentos, com bloqueio das cadeias de produção e circulação de mercadorias.

    Além disso, é impossível entender essas pandemias virais sem atentar para o quanto as ações humanas têm contribuído para que os surtos cíclicos de infecções causadas por novas mutações genéticas possam se alastrar com cada vez mais rapidez. Os choques ambientais induzidos pelo ser humano, que incluem poluição das águas, uma “revolução na criação de animais”, o intenso adensamento urbano dos países de capitalismo periférico, o enorme trânsito internacional de pessoas e produtos são parte do conjunto de fatores que podem transformar surtos em epidemias e pandemias.

    Compreender a emergência da crise climática atual é fundamental para alcançar as raízes dessa pandemia. A destruição ambiental só agrava a possibilidade de novos microorganismos infecciosos emergirem e terem mais condições de atingirem com gravidade o ser humano. Ruptura das cadeias naturais de circulação de doenças, aumento de vetores e as grandes destruições de meio ambientes, como reflexo das queimadas, desmatamentos e rupturas de barragens, por exemplo, tem resultado em maior vulnerabilidade à doenças infecciosas, como arboviroses (dengue, febre amarela, zika e chikungunya) ou infecções respiratórias, como as gripes ou as síndromes agudas graves.

    A pauta climática tem mobilizado o mundo com iniciativas que compreendem que a ruptura do sistema capitalista e a mudança das formas de produção é imperativa para que se tenha melhores condições ambientais e climáticas. A Greve Mundial do Clima marcou o final de 2019, antecedendo o caos sanitário que seria causado meses depois pela emergência da COVID-19.

    A necropolítica e o racismo e desigualdades desvelados

    São tempos de governos neoliberais que carregam um forte sentimento nacionalista e xenofóbicas, agravados pela crise imigratória. Muitos são os países, inclusive o Brasil, que ainda contam com líderes autoritários e protofascistas, e que se aproveitam do momento de crise sanitária do novo coronavírus para reforçar fechamento de fronteiras e medidas restritivas, com posições anticientíficas. Parece ser o pretexto ideal a pandemia, a motivação para a instauração de medidas de exceção pelos Estados.

    Apesar da fala recorrente na mídia de que o vírus é “democrático” e atinge igualmente a pobres e ricos, não há como negar que qualquer doença reforça e escancara a desigualdade social e racial. Primeiramente, se considerarmos as condições de vida da parcela mais pobre da população, a ausência de condições de saneamento básico e rede de abastecimento de água impossibilitam a base da prevenção que é a higienização das mãos. Para além disso, a parcela mais pobre da população, que no Brasil, é majoritariamente negra, também enfrenta as dificuldades para cumprir as medidas de distanciamento social, considerando a necessidade de se manter trabalhando e utilizando os serviços públicos sucateados, como transporte lotado e serviços de saúde deficitários. Pelos dados de 2018, 33,% da população branca do país trabalhava na informalidade. Entre a população negra, o índice chega a 47%, revelando as condições completamente desiguais para garantir saúde. Os idosos negros também são os que menos têm acesso a direitos previdenciários e estão em condições piores de vida e trabalho, criando um horizonte aterrador quando pensamos previsões a curto e médio prazo.

    A precarização dos direitos trabalhistas afeta diretamente as medidas de contingenciamento da COVID-19 na medida em que muitos trabalhadores sob suspeita da infecção mantêm suas rotinas de trabalho para garantir a subsistência de suas famílias. Sem proteção social para boa parte da classe trabalhadora que ocupa o mercado informal, a recomendação de isolamento social se torna uma falácia.

    A população vulnerável à pandemia, portanto, vai além daqueles indivíduos com menor imunidade, como idosos e pessoas com doenças crônicas e imunossupressoras, mas também engloba aqueles que vivem em extrema pobreza. Além disso, com poucas condições de promoção à saúde e prevenção, população mais pobre envelhece pior, aumentando as chances de risco e complicações para essa população. Para o capitalismo, as vidas improdutivas: idosas, doentes, pobres, valem menos do que as outras. Esse é o projeto da necropolítica em curso reforça a cada dia que algumas vidas valem menos do que outras, fazendo com que se viva no limite enquanto dá lucro pra quem o explora e deixando morrer quem não é mais produtivo.

    O enfrentamento é pela defesa do SUS, da Vigilância em Saúde e dos trabalhadores

    A pandemia evidencia o esgotamento do capitalismo neoliberal porque expõe o sistema a uma contradição. O controle da COVID-19 exige respostas que só podem ser dadas por sistemas públicos, gratuitos e universais de saúde.

    Segundo dados do Ministério da Saúde, até domingo, dia 15, tínhamos 200 casos confirmados, mais de 1913 suspeitos no Brasil. Em São Paulo e Rio de Janeiro já há transmissão comunitária da doença e as autoridades de saúde projetam que para os próximos meses um grande aumento de infectados, contando os casos que são assintomáticos no país.

    Boa parte dessas pessoas serão atendidas pelo SUS – Sistema Único de Saúde, que tem sofrido grandes ataques no último período, com o congelamento do orçamento e o desfinanciamento crônico. Ainda assim, somos o país mais bem preparado para atuar diante de uma emergência de saúde. O SUS é referência internacional e patrimônio do povo brasileiro, com acesso universal e larga cobertura geográfica, contando com prevenção de doenças e promoção de saúde.

    Uma questão fundamental é que toda a investigação e controle epidemiológico, sanitário e ambiental relacionado ao coronavírus ou outras doenças é realizado pela Vigilância em Saúde, que no Brasil é centralizada e coordenada pelo SUS. É a partir da centralização de dados sobre eventos relacionados à saúde que se tem o planejamento e a implementação de medidas de saúde pública para proteção, prevenção e promoção da saúde da população. Sem a coordenação da vigilância epidemiológica e sanitária em saúde, seria muito mais lento e ineficiente o processo de controle dos casos suspeitos e confirmados da COVID-19 no Brasil, impedindo as bases para tomada de decisões fundamentais de contingenciamento da epidemia. É fundamental o reconhecimento e o respeito ao trabalho da Vigilância em Saúde, que realiza ações com base científica e epidemiológica.

    Países sem sistemas centralizados e universais de saúde, como os EUA, sofrem grandes dificuldades de realizar o controle de epidemias. Além disso, a não gratuidade dos serviços de saúde onera grande parcela da população, que por muitas vezes opta por não se submeter a atendimentos em serviços de saúde, mesmo sob sintomas graves.

    Os trabalhadores da saúde têm cumprido no Brasil e no mundo papel protagonista no enfrentamento a epidemia. O trabalho em saúde, já muito precarizado e explorado, é grande sustentador do sistema capitalista, garantido a reprodução social do trabalho. Os trabalhadores da saúde que sofrem mais riscos são justamente os mais precarizados, como os profissionais de Enfermagem e os Residentes Multiprofissionais e Médicos em saúde, principal mão de obra do SUS. A foto da enfermeira, Elena Pagliarini, descansando sobre um computador no hospital de Cremona depois de 10 horas de trabalho se tornou símbolo do desgaste e esforço dos profissionais de saúde, esgotados com o excesso de trabalho na luta para salvar vidas contra o coronavírus.

    A enfermeira Elena Pagliarini descansando sobre um computador no hospital de Cremona depois de 10 horas de trabalho.

    A valorização da Ciência em tempos de Fake News

    Nossos tempos enfrentam a contradição de um desenvolvimento científico capaz de conter pandemias, convivendo com uma sociedade pautada no individualismo e um sistema político falido reflexo desse modo de produção exploratório e destruidor. Medidas de contingenciamento são fundamentais, mas elas sempre devem ser balizadas por critérios científicos e epidemiológicos. Mas nos governos fascistas e neoliberais, a Ciência tem perdido investimento e credibilidade. Bolsonaro aposta na farsa, no clima de obscurantismo e muitas vezes tem a desinformação enquanto discurso oficial.

    As pesquisas e a ciência nos dão condições de prever eventos com antecedência, para alertar a sociedade do perigo iminente e provocar mudanças nas políticas públicas e comportamentos sociais de maneira a proteger a vida, o meio ambiente e economia. Precisamos confiar nas medidas indicadas pelas autoridades sanitárias, desde que sejam feitas com base em evidências científicas. E pesquisas produzidas e compartilhadas socialmente, sem restrições das patentes impostas pela indústria farmacêutica e pelos mercados, que só podem ocorrer em universidades e institutos de pesquisa públicos, são muito mais eficientes e adequadas para responder aos desafios de crises sanitárias como a atual. A valorização das universidades públicas e dos cientistas é portanto, essencial para se garantir a produção compartilhada de conhecimento e o avanço na identificação, estudo e contenção do novo coronavírus, com qualidade, como ocorreu no sequenciamento genético em tempo recorde do novo vírus por pesquisadoras brasileiras.

    A anticiência caminha junto com a disseminação de falsas informações por meio das redes sociais, as chamadas “fake news”, que bombardearam os whatsapps da população de xenofobia, orientações errôneas e sem base em evidências, e propagação do pânico. As falsas notícias, método muito utilizado pelos que ocupam o governo brasileiro, são um desserviço absoluto à sociedade, não contribuindo para a confiabilidade nos órgãos competentes às recomendações sanitárias, que o fazem baseados em ciência e responsabilidade.

    Mesmo a grande mídia tem atuado de forma especulativa e alarmista, na maior parte das vezes, sendo raros os momentos que utilizam seu espaço privilegiado de comunicação para divulgar informações e orientações de qualidade. Isso gera uma avalanche social de pânico e histeria coletiva ao redor de um tema que é sim, preocupante, mas para os governantes e profissionais da saúde responsáveis pela Vigilância em Saúde, não para população geral, individualmente.

    A corresponsabilização dos governantes para com a sociedade nas medidas de contingenciamento da pandemia deve se dar de forma cautelosa e responsável, de forma a incentivar as ações preventivas e o cuidado solidário àqueles com vulnerabilidade. E é interessante analisar como as ações governamentais, por vezes até antecipadas em relação às indicações epidemiológicas, tem muito mais motivações políticas de contingenciamento da crise político-econômica internacional do que de fato preocupações sanitárias.

    Esta é a melhor hipótese para compreender porque o coronavírus se tornou objeto de intervenção das políticas de saúde tão mais rápido e intensamente que de outras doenças epidêmicas e endêmicas no Brasil. A recente epidemia de sarampo, as altas taxas de feminicídio e violência, a mortalidade por H1N1 e mesmo por SARS, o aumento dos casos de sífilis congênita e tuberculose, nada disso mobilizou tanto a mídia ou o governo quanto a COVID-19, talvez justamente por não serem questões em que se seja necessário conter a pressão social de pânico e a queda na economia, apesar de impactarem diretamente na vida das pessoas. A SARS em 2019 teve 40 mil casos e matou 5 mil pessoas no Brasil.

    A resposta passa pelo enfrentamento a esse sistema

    A pandemia de coronavírus em 2020 evidencia diversas contradições do sistema capitalista e evidencia a necessidade de superação e este modelo econômico e político. A crise sanitária revela a necessidade de sistemas de saúde universais e sistemas de proteção ao trabalhador, assim como independência da indústria farmacêutica e defesa da ciência nas universidades públicas. A crise política revela a necessidade de se repensar representantes, fronteiras e ideologias, de retomar a solidariedade internacional em detrimento do racismo e da xenofobia, de refazer laços comunitários de cuidado ao invés da valorização do individualismo e da meritocracia.

    A resposta está na cooperação entre os povos, em escala internacional, na radicalização política do enfrentamento a esta ordem mundial, na ruptura com a exploração humana e ambiental no planeta. No Brasil, a defesa do SUS é bastante estratégica nesse momento para os socialistas. A crise do capital tem gerado cada vez mais a necessidade de acirrar o nível de exploração sobre o povo e avançar sobre sistemas de direitos públicos como saúde, educação e assistência/previdência, de forma a abrir novos mercados. A tensão sobre o estado burguês feita pela classe trabalhadora, no sentido de preservar esses sistemas, é um fator importante de desestabilização de regimes protofascistas como o de Bolsonaro e dificulta aos donos do poder a encontrar saídas políticas estáveis para a crise.

    A defesa radical do SUS e a revogação imediata da EC 95 e dos demais ataques ao sistema universal de saúde são imperativos para garantia de uma saúde de qualidade à população. É necessário pensar a saúde enquanto reflexo das condições de vida e de trabalho das pessoas, mas também como necessária à emancipação humana.


    Referências


  • As mulheres do mundo contra a barbárie capitalista

    As mulheres do mundo contra a barbárie capitalista

    As mulheres do mundo
    contra a barbárie capitalista

    Para Berna Menezes, “o Brasil se transformou em um
    verdadeiro inferno para a vida das mulheres”

    Por Berna Menezes*

    O Dia Internacional da Mulher nasceu da luta por direitos políticos, sociais e trabalhistas iguais. Este ano não será diferente. Nossa luta se expandiu e diante da catástrofe que o capitalismo nos está impondo em todo o mundo, mulheres tem protagonizado o que ficou conhecida como a Primavera Feminista. Um onda internacional de lutas encabeçada por mulheres em gigantescos protestos nas principais cidades do mundo.

    O Brasil se transformou em um verdadeiro inferno para a vida das mulheres. Com um presidente machista e homofóbico, que estimula o armamento e a violência. O feminicídio aumentou com índices alarmantes, nos tornamos um dos países que mais mata mulheres. O drama do desemprego recai em primeiro lugar sobre nós mulheres. Os cortes nas verbas para saúde, educação e segurança também nos atinge em cheio, pois a “responsabilidade” com o cuidado com a família recai em quase sua totalidade, sobre os ombros das mulheres. Mesmo com tripla jornada de trabalho reconhecida socialmente, aumentaram a idade para nossa aposentadoria. Esses dados se tornam mais escandalosos quando se trata de mulheres negras e periféricas.

    As catástrofes climáticas não são obra da natureza, são decisões políticas e tem enorme impacto, novamente sobre mulheres e crianças que perdem tudo e ficam desabrigadas, sem nenhum amparo do Estado. Nas recentes inundações em Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, são as mulheres chorando por perder o que juntaram em uma vida e terão que começar do nada.

    Portanto, dia 8 no Brasil não será diferente. Iremos às ruas lutar contra este governo. Alguns fatos em fevereiro, jogaram Bolsonaro no isolamento. O assassinato do miliciano Adriano e as implicações da família do presidente, a poderosa greve dos petroleiros que contou com ampla solidariedade social e a verdadeira surra no Carnaval de Norte a Sul do país, com blocos gritando Fora Bolsonaro! Além do poderoso desfile da Mangueira e da São Clemente.

    Como uma fera ferida, ele ameaça fechamento do regime com ataques ao Congresso Nacional e STF, chamando sua tropa para as ruas no dia 15 de março. Alguém já disse: “ele pode muito, mas não pode tudo!” A resposta vai começar com o 8M, continuará com a exigência de justiça para Marielle e Anderson dia 14 deste mês, onde vamos exigir: quem são os mandantes deste assassinato que chamou a atenção do mundo! Também vamos unificar trabalhadores da educação, centrais e partidos políticos no dia 18 de março, contra a Reforma Administrativa e por Democracia!

    *Berna Menezes é da Executiva Nacional do PSOL e Direção da FASUBRA e da Assurgs

  • AMOR, COM AMOR SE PAGA – MARIA ARAGÃO: 110 ANOS

    AMOR, COM AMOR SE PAGA – MARIA ARAGÃO: 110 ANOS

    AMOR, COM AMOR SE PAGA – MARIA ARAGÃO: 110 ANOS

    Por Franklin Douglas*

    Há 110 anos nascia Maria José de Camargo Aragão: no dia 10 de fevereiro de 1910, em Engenho Central – atual município de Pindaré Mirim (MA).

    A moçada dos dias de hoje, os novos médicos, a juventude antifa da atualidade, os coletivos e grupos de meninas feministas e negras talvez pouco conheçam da história dessa maranhense, salvo que ela empresta seu nome a uma praça que fica na Beira-Mar, no Centro de São Luís.

    Maria esteve à frente de seu tempo. Por isso, sua mensagem ecoa até os dias de hoje. Tornou-se símbolo síntese de muitas lutas, por suas opções e pelo que a vida lhe reservou.

    Era negra, tal qual cerca de 74% da população do estado: mais de 5 milhões de maranhenses, conforme estimativa do IBGE (2019). Era mulher, como mais da metade de população maranhense, mais de 3 milhões de mulheres. O que não lhe garantiu vida fácil. Ao contrário, sofreu todo tipo de adversidade e preconceitos. Maria seria dessas que Euclides da Cunha muito bem poderia chamar de uma sertaneja forte.

    A força para enfrentar a vida veio de seu pai, descendente de africanos, e de sua mãe que, mesmo analfabeta, fez questão de enviar os sete filhos para a capital para estudar. Maria era a terceira, dentre os sete.

    Mulher… estudar… em plena década de 1930… era muita coisa para uma jovem negra do interior do Maranhão. Mas Maria era do tamanho de suas utopias. Pobre, sem livros – por exemplo, estudava Geografia no horário do recreio, no atlas fixado na parede da sala – realizou o desejo de sua mãe, de vê-la “doutora”, formada no curso Normal (o que lhe propiciaria ser professora), mas Maria sonhava ser outro tipo de doutora. Maria queria ser médica. Muita ousadia! E fez também um supletivo para o curso ginasial, para poder prestar vestibular. Em 1934, aos 24 anos, Maria passou para o vestibular para Medicina, no Rio de Janeiro. Era uma de cinco mulheres da turma. Uma de três maranhenses, junto com Antônio Dino e Carneiro Belfort.

    Maria fez medicina não para enriquecer, mas para ajudar ao próximo. Sobreviveu de seu consultório até os 60 anos, quando, só então, obteve seu primeiro emprego público no Maranhão, como médica. Dizia: “Falo mal do governo [José Sarney, 1966-1969], critico o governo, boto no jornal o que ele é e depois vou lá pedir emprego? […] Não tenho cara para isso!” (Antonio Francisco, “Maria Aragão: a razão de uma vida”, 1992, p. 196). Fora nomeada por Antonio Dino, que assumira o governo, como vice, quando José Sarney se afastou do cargo de governador para concorrer à eleição de Senador, em 1970.

    Ela orgulhava-se de dizer: “Minha clientela era constituída pelos desesperados dos bairros, que não tinham condições de pagar uma consulta. […] Foi tratando de gente pobre, sem nada na vida, que fiz meu nome como médica, e como boa médica” (idem p. 171).

    No Rio de Janeiro, em 1945, Maria tomou conhecimento de Luís Carlos Prestes pela primeira vez, no Comício dos 100 mil. Viu alguém que se dizia comunista, algo que Maria não sabia o que significava: “Que diabo é ser comunista? […] só pode ser coisa muito séria, porque ele [Prestes] só falou […] nos problemas do povo. E quem fala em povo, fala em miséria, fala em fome, fala em todas essas coisas que eu sempre soube. Decidi: vou entrar para o partido desse homem” (ibidem, p. 80).

    Não foi Prestes que tornou Maria comunista. A dureza da vida, as desigualdades pelas quais passou, o enfrentamento ao preconceito, a condição feminina/negra e a personalidade destemida forjaram Maria José Camargo Aragão como lutadora pela sociedade justa, igualitária, pela emancipação humana.

    Maria é símbolo da resistência de seu tempo. Exemplo para vários outros tempos, sobretudo para o atual, que também requer muita resistência, e no qual devemos reafirmar o exemplo de Maria Aragão, pois a razão da vida dela não era individualista, mas coletiva: “[…] sempre fiz o que quis, sem ninguém me apontar o dedo para dizer “vai!” […] Quando eu era jovem, não havia movimento organizado, mas eu achava que as mulheres tinham de ser como eu era, dona de minha vida”.

    Maria foi dona de si e de todos nós, gerações passadas, atual e futuras, porque nos amou como seres humanos.
    “Um dia me perguntaram por que, sendo comunista as pessoas gostavam de mim, eu dizia [inspirada no livro escrito por um escritor tcheco enquanto aguardava a execução pelos nazistas]: amor, com amor se paga, eu amo as pessoas!” (p. 221).

    *Franklin Douglas – professor e doutor em Políticas Públicas. E-mail: franklin.artigos@gmail.com

  • Cinco falácias anticomunistas e a conjuntura brasileira

    Cinco falácias anticomunistas e a conjuntura brasileira

    Cinco falácias anticomunistas
    e a conjuntura brasileira

    O artigo “Elogiar ditadores é a melhor maneira de a esquerda continuar perdendo”, de autoria de Tatiana Dias e Rafael Moro Dias publicado no portal “The Intercept Brasil” (TIB) no dia 22/01/2020 causou polêmica instantânea. Neste é realizada uma “crítica” às personalidades da esquerda brasileira que homenagearam publicamente Lênin (Vladimir Ilyich Ulianov),  na ocasião dos 96 anos de sua morte. Além disso, percorre temas da conjuntura brasileira e procura orientar o “caminho” da esquerda brasileira. Belas intenções. Proponho apenas um exame lógico do artigo, usando o recurso relativo a coerência de ideias e destaco aqui cinco falácias extraídas das diversas incongruências presentes. 

    Por Pedro Otoni

    1° FALÁCIA – ENVENENANDO O POÇO

    Pressuposto: Lênin liderou uma revolução comunista, logo é um ditador.

    O artigo parte da premissa que Lênin foi um ditador e por isso identifica como um erro as homenagens que recebeu de setores do PSOL e de uma de suas parlamentares.

    O artigo não apresenta nenhum argumento que explique o suposto caráter ditatorial de Lênin. Os autores resumem-se ao óbvio, Lênin foi um líder comunista, dirigente da Revolução de 1917, primeiro governante da União Soviética. Sim, o óbvio e nada mais é dito ou explicado. Como se o fato de ser comunista, ser um líder de uma revolução popular bem sucedida e ser dirigente de um estado proletário são argumentos suficientes para qualificar alguém como ditador. 

    O artigo publicado no TIB procura envenenar o poço: se é comunista e chega ao poder é ditador. 

    Sugiro a leitura do livro “Os dez dias que abalaram o mundo”, do jornalista estadunidense John Reed, ele mostra o processo pelo qual o poder de estado sai das mãos da oligarquia russa e é agarrado pelas assembleias de trabalhadores (os sovietes).

    Esta falácia é repetida em relação ao governo venezuelano: o artigo rotula contundentemente o governo Maduro de ditadura. Quais elementos podem confirmar o caráter ditatorial do governo venezuelano? Tempo de governo? Maduro está há 7 anos como presidente, e Ângela Merkel está há 14 anos como primeira-ministra da Alemanha. Poderia ser esta chamada de ditadora? Tanto Merkel quanto Maduro são submetidos ao sistema eleitoral de seus respectivos países; por que a diferença de tratamento? Será que é pela repressão à oposição golpista de Juan Guaidó? Qual repressão? Guaidó anda livre pelo mundo e faz discurso em Davos, enquanto isso Julian Assange, jornalista que abriu a caixa de pandora dos segredos de Estado das grandes potências,  está preso em Londres. Seria a Inglaterra uma ditadura? Qual é realmente o problema de demonstrar solidariedade a um governo que tem lutado por sua soberania frente ao gigante norte-americano?

    Por que os vetores de análise de regimes políticos e governos mudam de maneira discricionária? A quem serve tal método?

    2° FALÁCIA – O ESPANTALHO

    Pressuposto: Jones Manoel afirma que ocorre contingencialmente mortes em processos revolucionários, logo ele é a favor de fuzilar famílias, matar milhões de fome, torturar, assassinar indiscriminadamente e promover o terror. 

    Repare que o historiador pernambucano apenas foi rigoroso com a própria profissão e expôs a possibilidade forte de que em revoluções, mortes de ambos os lados do conflito possam ocorrer. Ele usou a palavra “contingência”, e a mesma está devidamente empregada. Em bom português – mas também na dimensão filosófica -, contingente é o caráter de algo que pode acontecer de maneira incidental e que não necessariamente deva acontecer fatalmente. Não é, portanto, uma condição necessária, mas uma possibilidade factível. Então o que está de errado?

    Jones Manoel não  afirmou a necessidade de mortes, muito menos com as qualidades, quantidades, formas de uso e detalhes indicados pelos autores da crítica. Isso é uma tentativa de desqualificação e distorção de um argumento, e nada mais; é a falácia do espantalho.

    A ocorrência e forma de fortes em processos revolucionários são determinados pela situação concreta do conflito e não por um método generalizável. Os Romanov foram executados durante a ofensiva do Exército Branco (pró-monarquia absolutista) contra o governo soviético: este foi o contexto dos fatos. A Revolução Francesa guilhotinou os Bourbons no contexto do forte movimento de restauração apoiado pelas monarquias européias contra a República Burguesa. 

    Já Pu Yi (o último imperador chinês) e os representantes da Dinastia Qing na China não foram executados por Sun Yat-sen (fundador da República da China em 1912), e viveram para serem fantoches dos japoneses no estado artificial de Manchukuo (1934-1945), instalado na Manchúria (território chinês) pelo Império do Japão. Este serviu de cabeça de ponte para as tropas nipônicas empreenderem o processo de conquista da China, uma política imperialista de terra arrasada, como ilustra tragicamente o episódio do “Estupro de Nanquim” (1937) onde os japoneses promovem o massacre dos homens chineses e o estupro de milhares de mulheres chinesas, estas metodicamente distribuídas pelo governo japonês em centenas de centros de “mulheres de conforto militar”, outro nome dado para bordéis estatais administrados por Tóquio. Após ser preso em 1945 por tropas soviéticas e algum tempo depois enviado para já liberta República Popular da China, Pu Yi, imperador que preferiu ser usado pelo inimigo contra seu povo, também não foi executado pelo governo revolucionário de Mao Tsé Tung, e viveu como jardineiro, posteriormente se tornou bibliotecário e morreu de causas naturais em 1967.

    Este são exemplos de circunstâncias diferentes criam medidas diferentes. A generalização proposta pelo artigo em tela vai contra o exercício do jornalismo profissional.

    3° FALÁCIA – FALSA CAUSALIDADE

    Pressuposto: Defender o comunismo alimenta o anticomunismo.

    O artigo diz que se o fato de parte da esquerda defender ideias, teorias ou proposta de caráter socialista ou comunista irá oferecer munição para o bolsonarismo. Ou seja, se nos escondermos, nos pintarmos de outras cores, apresentarmos um discurso moderado, iremos ter chance de derrotar o fascismo. Se ficarmos menos radicais não seremos atacados ou pelo menos o povo irá apoiar-nos. Logo a relação de causalidade é: “quanto mais formos comunistas, mais ‘eles’ serão fascistas”. “A culpa do surgimento do bolsonarismo é a existência do comunismo”: creio que Bolsonaro acredite nisso, mas alguém em sã consciência, com o mínimo de compreensão das relações causais poderia endossar tal nexo?

    O bolsonarismo é um fenômeno multifatorial, com duas dimensões importantes: na dimensão doméstica, a falência da direita “tradicional” em estabelecer uma agenda com aderência de massas e garantia de viabilidade eleitoral e, na dimensão externa, a estratégia de desestabilização promovida pelos EUA com o intuito de condicionar geopoliticamente os BRICS, subordinar a América Latina e controlar os recursos estratégicos regionais – no caso do Brasil, o petróleo. Nada disso tem absolutamente a ver com o comunismo.

    O anticomunismo de Bolsonaro é funcional para o projeto dele, mas o anticomunismo dentro do setores chamados “progressistas” serve a quem? Bolsonaro não parará de atacar a esquerda se esta abdicar da cor vermelha, deixar de apoiar os povos em resistência ao imperialismo ou recuar da crítica à injustiça social brasileira para compor de maneira rebaixada com o centro político. Ele ganhará terreno com sua minoria, não desprezível, mais ainda sim uma minoria de apoiadores como revelam as pesquisas. 

    Isso não significa que acredito que a atual situação da esquerda é positiva. Claro que não, estamos na defensiva. Temos estratégias de combate ao fascismo consistentes? Também creio que não, e cada organização age com as luzes que tem.  Agora, propor uma narrativa ao “centro” para acumular forças é um erro primário: o chamado Centro político reduziu drasticamente sua capacidade eleitoral nas últimas eleições, ao contrário da própria esquerda, que aumentou presença no parlamento, ainda que permaneça como minoria.

    A polarização arrasou o Centro político eleitoralmente, que agora tem conduzido a agenda econômica da extrema-direita neoliberal. As contradições entre o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional não possuem o caráter antagônico, mas de colaboração competitiva. A colaboração se dá em uma intersecção que tem principalmente a agenda econômica como base, e a competição é a diferença de interesses que se movimentam de maneira mais difusa, com pautas relacionadas ao controle social, coercitivo-repressivo ou ideológico.

    Então qual seria a possibilidade de composição com o Centro, sem necessariamente fortalecer a agenda localizada na intersecção deste com o fascismo? A resposta com alguma coerência, mesmo que pouco realista, seria procurar fustigar a intersecção, transformá-la indigesta para, pelo menos, parte do Centro. Parte esta composta por aqueles que sabem que no final, se a agenda de Paulo Guedes for atendida em sua integralidade, o Centro passará a não existir. Que mediação centrista será possível depois da decomposição da capacidade estatal brasileira?

    O artigo de Tatiana Dias e Rafael Moro Dias acusam de ingenuidade a esquerda brasileira. Mesmo que a esquerda seja sim ingênua, não o é pelas razões apresentadas por estes dois jornalistas.

    4° FALÁCIA – POST HOC

    Pressuposto: A radicalidade da esquerda fortalece as posições do fascismo.

    “Quando parte da esquerda ou centro-esquerda que tem visibilidade e cargos públicos usa esses pressupostos para defender o extremismo, ela alimenta a polarização.Com isso, fortalece a narrativa que criminaliza e desumaniza a esquerda como um todo, beneficiando mais uma vez o bolsonarismo e a extrema-direita que se alimenta disso.” diz o artigo do TIB.

    Primeiro, qual parte da esquerda ou centro-esquerda está defendendo o extremismo? Tal afirmação está sustentada no ar. A característica da esquerda brasileira, desafortunadamente, é a moderação ao extremo, principalmente quando a relacionamos com a radical desigualdade presente no país, um verdadeiro regime de apartheid social.

    Os autores do artigo, defendem a extração dos poucos dentes da banguela esquerda brasileira. Transformá-la definitivamente na esquerda sem dentes, “tolerada exclusivamente por ser inofensiva”. Quando não houver mais dentes, não haverá mais perigo e, segundo os jornalistas do TIB, o bolsonarismo não criminalizará ou desumanizará mais a esquerda.

    É falaciosa a suposta sucessão de fatos proposta pelos jornalistas do TIB. Não importa a aparência da esquerda: ela será sempre alvo do fascismo. Não há indícios de que a moderação da esquerda acalmará os 30% de brasileiros que apoiam Bolsonaro; esta minoria tomou posições muito extremas para mudarem rapidamente de comportamento. Só há uma setor social que os fascistas brasileiros odeiam mais que a esquerda: os pobres. A polarização política não pode ser compreendida na sua integralidade sem este elemento.  

    A polarização não é uma situação que possamos controlar unilateralmente. Ela é uma resultante de diversos vetores. No plano conjuntural é resultante das opções dos múltiplos atores do jogo político; não jogamos sozinhos. No plano estrutural, do padrão de distribuição de riqueza e poder entre as classes e setores de classe.

    O que é possível ser feito é estabelecer uma tática que procure condicionar a situação e objetive alterar os termos da polarização na dimensão conjuntural e manobrar para que esta incida na estrutura. Por exemplo, concentrar os esforços materiais e narrativos na denúncia da piora das condições de vida do povo, buscando uma polaridade que se expresse de um lado por uma maioria de pessoas que estão perdendo direitos, salário e capacidade de manutenção da vida e do outro lado por uma minoria que apoia o governo, e que não dá a mínima para o que se passa com o andar de baixo.

    Mas esta alteração não é instantânea, pode demorar mais do que um ciclo eleitoral, não há um caminho curto e sem perigos contra o fascismo. Quem sustenta o contrário são os ingênuos ou  demagogos.

    5° FALÁCIA: NON SEQUITUR

    Pressuposto: “Tudo o que eles querem é uma razão para nos jogarem ao extremo e minarem qualquer chance de aliança ou debate – e eles estão conseguindo. Estamos em uma guerra de narrativas e, se não agirmos estrategicamente agora, vamos inevitavelmente continuar perdendo”, diz o artigo do TIB. 

    Os fascistas não precisam de razão para agirem como fascistas. Eles agem e estão agindo conforme seus objetivos, não são condicionados pela ausência de motivos que justifiquem suas ações.  Não há explicação razoável nestes termos.

    A esquerda não foi jogada ao extremo, está no mesmo lugar que sempre esteve desde 1988, seja isso certo ou errado. Quem foi para o extremo foi a direita, foi o rentismo, foi a casa grande brasileira. 

    O artigo afirma que há uma guerra de narrativas; sim, é verdade. No entanto, é preciso completar que esta é componente de dois conflitos muito maiores, um conflito geopolítico e um conflito estrutural de classes. A narrativa é importante, porém não suficiente para uma vitória contra o fascismo. As décadas de 30 e 40 do século XX demonstram isso. A ascensão do fascismo no Brasil não é algo isolado, é parte de um fenômeno mundial.  Para agir estrategicamente é necessário ler a situação de uma maneira mais ampla e não pela superfície, sua parte visível, que por vezes é meticulosamente produzida pelo adversário para induzir ao erro, o que chamamos de diversionismo.

    ENFIM…

    Nenhuma atividade está isenta de posição política, e não se deve cobrar isenção ou neutralidade sobre qualquer trabalho. Assim como o juíz e os promotores envolvidos na Operação Lava-Jato foram postos a nu em seu ardil, ao extrapolarem os parâmetros constitucionais de sua atuação (graças ao TIB), também o jornalismo rompe com seu caráter profissional na medida que abstêm da análise objetiva do mundo.

    Pedro Otoni, cientista Político e Especialista em Economia Política. Fundador das Brigadas Populares. Membro da direção nacional da Intersindical – Central da Classe Trabalhadora.