Categoria: Artigos

  • Relatório Observatório da Democracia – Outubro/2019

    Relatório Observatório da Democracia – Outubro/2019

    Relatório Observatório da Democracia – Outubro/2019

    O Observatório da Democracia destaca, neste relatório de outubro, o avanço da desregulamentação da economia e privatização das empresas públicas que estão levando à desestruturação da indústria nacional e aumento da miséria no país. Também alerta para o aumento da escalada autoritária, a partir de medidas na área da educação, comunicação e nas ameaças contra o Estado Democrático de Direito.

    A Fundação Leonel Brizola – Alberto Pasqualini destaca o cenário de ideologização na Educação com o lançamento do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares e a escalada autoritária e entreguista do governo Bolsonaro. Leia mais

    Ainda sobre os ataques à democracia e à liberdade de expressão, a Fundação Maurício Grabois destacou as ameaças que o presidente Jair Bolsonaro continua fazendo a veículos de comunicação e as declarações criminosas do seu filho, deputado Eduardo Bolsonaro, reivindicado a reedição do Ato Institucional nº 5 para conter mobilizações sociais. Leia mais

    Analisando a relação entre os poderes Executivo e Legislativo, a Fundação da Ordem Social destaca as tensões entre o governo e a bancada do PSL, que rachou o partido do presidente da República e desencadeou uma onda de alterações nas representações partidárias na Câmara, inclusiva a troca da liderança do partido, que passou a ser exercida pelo filho do presidente, Eduardo Bolsonaro. Leia mais

     Na política econômica o governo segue a agenda de redução de gastos públicos e desregulamentação que atacam direitos trabalhistas e sociais. É este o alerta do relatório da Fundação Perseu Abramo, que traz dados sobre o aumento do endividamento das famílias, estagnação da renda e da inadimplência. Aponta para as iniciativa de facilitação da regularização fundiária, redução dos desembolsos do BNDES e o projeto de liberalização cambial. Leia mais

    A política privatista do orienta a agenda econômica do governo Bolsonaro foi analisada pelas Fundação Maurício Grabois e pela Fundação Lauro Campos e Marielle Franco.

    A Fundação Maurício Grabois destacou a 16ª rodada de licitações de blocos exploratórios de petróleo e gás. Dos 36 blocos ofertados, apenas 12 foram arrematados, mostrando as dificuldades de atração de investimentos. O relatório destacou a privatização da Eletrobras, que já vem sofrendo enxugamento e desestruturação, teve o Projeto de Lei para sua privatização encaminhado pelo governo ao Congresso Nacional. Leia mais

    O Plano de Privatizações, que colocou em processo de privatização 22 empresas, anunciado pelo governo federal em setembro foi objeto de análise do relatório da Fundação Lauro Campos Marielle Franco. Destaca que, além das privatizações houve uma queda dos investimentos nas empresas e redução de funcionários. Leia mais

    A Fundação João Mangabeira chama a atenção para os retrocessos nas políticas de Ciência e Tecnologia no país, que passam por um processo acelerado de desmonte. As declarações da possível unificação da Capes com o CNPq gera instabilidade para todo o campo de pesquisa nacional e aponta para um cenário de desfinanciamento do setor que pode ser ainda mais grave. Leia mais

    Índice dos relatórios

    Fundação João Mangabeira – Ciência e Tecnologia

    Fundação Lauro Campos e Marielle Franco – Mundo do Trabalho

    Fundação Leonel Brizola-Alberto Pasqualini – Soberania

    Fundação Maurício Grabois – Privatização Democracia

    Fundação da Ordem Social – Relação entre os poderes Executivo e Legislativo

    Fundação Perseu Abramo – Gestão da Política Econômica

  • Crise do Pacto Federativo: Lei de Responsabilidade Fiscal

    Crise do Pacto Federativo: Lei de Responsabilidade Fiscal

    Crise do Pacto Federativo: Lei de Responsabilidade Fiscal

    O presente artigo é o terceiro da série sobre a crise do Pacto Federativo Brasileiro. Nele serão apresentadas as razões pelas quais a Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF agride a autonomia dos entes federativo, reduzindo absurdamente a capacidade de governo de estados e municípios ao mesmo passo que amplia os privilégios econômicos do setor financeiro. 

    Por Pedro Otoni*

    Após apresentarmos, em artigos anteriores no Observatório da Democracia,  a Lei Kandir (ver aqui) e o Sistema de Dívidas Públicas Estaduais (ver aqui) como pilares da crise do Pacto Federativo, é o momento de apresentar o terceiro pilar: a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Usamos a metáfora do Cão Cérbero, o monstro tricéfalo, onde cada cabeça representa um mecanismo de interdição da federação. A terceira delas é a LRF. 

    O federalismo não cabe no orçamento

    A Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei Complementar 101 de 2000, foi sancionada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e tinha como argumento principal a busca por disciplinar os gastos dos governos evitando o endividamento público excessivo; além disso, como linha auxiliar da narrativa, pregava a moralidade e a transparência.

    Declaradamente seria enfrentado com a LRF o desequilíbrio fiscal presente nos entes da federação. O problema estaria nos executivos, mas sobretudo nos governadores e nos prefeitos, tachados, quase que automaticamente, como perdulários e irresponsáveis com o orçamento público. 

    Outro argumento utilizado foi que os executivos estaduais e municipais não se preocupavam com a situação de insolvência uma vez que a União sempre estaria pronta a socorrê-los na crise por eles produzida. Ou seja, os governadores e prefeitos ao perseguir objetivos de curto prazo e seus benefícios políticos com os gastos descontrolados colocariam em risco a estabilidade macroeconômica do país. Assim sendo, a União deveria intervir e disciplinar os entes subnacionais, a LRF foi o mecanismo escolhido.  

    A narrativa que envolvia a aprovação da LRF falava sobre a necessidade de se criar um marco legal tecnocrático de promoção do equilíbrio das contas públicas, porém, politicamente, significou a invasão da União nas prerrogativas estaduais e municipais. Em outras palavras, a LRF assumiu a responsabilidade de disciplinar o que as urnas, supostamente, seriam incapazes de fazer. 

    A visão de que a democracia e os direitos sociais não cabem no orçamento não começou agora, seu ponto de partida originário está nas “reformas” do estado de Fernando Henrique Cardoso. 

    LRF: o declarado e o real sobre o superávit primário

    A divisão ponderada de atribuições na prestação de serviços públicos e arrecadação de tributos, prevista no tipo de federalismo fiscal assumido pela Constituição Federal de 88, entrou em antagonismo com o tipo de “reformas” do estado implementadas pelos Governos de Fernando Henrique Cardoso, marcadamente comprometidas com o atendimento das demandas do capital financeiro. Tal compromisso se materializou na agenda de privatizações, na manutenção das altas taxas de juros, e, no que tange ao debate da LRF, na formação de superávit primário como ponto central.

    A demonização do déficit fiscal foi a principal obra dos neoliberais no Brasil, estes pretenderam e lograram derrotar o pensamento desenvolvimentista e criar as condições para a imposição de um regime político, social, ideológico e econômico controlado pelo setor financeiro-especulativo. Garantir a qualquer custo o superávit primário implicou em abrir mão de uma política econômica voltada para as garantias da cidadania (serviços públicos e direitos) e da economia real (geração de emprego). O pagamento da dívida pública, assentada em juros exorbitantes, se tornou, com a LRF, a razão de existência do sistema fiscal brasileiro. 

    O senso comum é errático, em especial porque tende a igualar coisas que são essencialmente diferentes. O déficit de uma empresa privada é algo distinto do que ocorre com o estado, por uma razão simples, o estado é um emissor de moeda, tem a capacidade de controlar, por iniciativa própria, as taxas de juros, e com isso equilibrar a formação de dívida com fomento à economia real, em especial o fomento ao trabalho, que por sua vez aumenta o volume de recursos tributáveis pelo próprio estado. O déficit produz riqueza para a sociedade como um todo se for orientado na direção do setor produtivo. Os neoliberais atacaram esta noção macroeconômica a substituindo por uma ideologia anti-estado e antipolítica. Conter os gastos passou a ser entendido como algo positivo aos olhos de grande parte da sociedade (trabalho feito pela grande mídia), pagar juros altos aos bancos se transformou em sinônimo de responsabilidade. 

    LRF X Constituinte de 88

    A proposta de austeridade e formação de superávit primário poderia ser apenas um programa de governo neoliberal, ou seja, passível de avaliação por meio do sufrágio. Com a LRF ela se transformou na regra articuladora do modelo de estado. A LRF deu perenidade a uma proposta de governo que deveria estar sujeita a avaliação e revisão pelo voto. Mas, a contrário, ela se impôs como um programa, por meio de lei, que percorreu todas as gestões dos executivos desde então, ou seja, feriu o regime pactuado pelos atores políticos da Assembleia Nacional Constituinte de 88, na medida que a LRF, que é uma lei complementar à Constituição, na prática, desfigurou a Carta Magna, alterando suas noções de estado e de governo. 

    A LRF não se trata, portanto, de um mecanismo de controle dos gastos públicos, mas sim de um instrumento de  imposição de um programa de governo específico, no caso o programa de FHC, sobre todos os governos posteriores, sejam eles federais, estaduais ou municipais. Após aprovada a Lei de Responsabilidade Fiscal os governos eleitos – independente do partido que tenha triunfado nas urnas –  na união, estados e municípios foram forçados juridicamente a seguir o programa neoliberal em alguma dimensão. 

    Sendo assim, a LRF não apenas atacou a autonomia dos entes federativos, como a própria democracia, uma vez que os eleitores são impedidos de escolher de maneira plena o programa de governo que melhor representa sua opinião. O repertório de ações de governos foi estreitado, a competição eleitoral passou a se dar entre as diferentes abordagens e possibilidade de governo dentro do paradigma imposto pela LRF.

    Uma lei que determina percentuais de orçamento dos entes federativos fora da pactuação constitucional, ou seja, do poder constituinte originário, está solapando do povo a prerrogativa de escolher o seu modelo de estado (Assembleia Constituinte) e um programa de governo por meio de eleições. 

    Da Responsabilidade à Recuperação Fiscal

    Duas décadas se passaram desde a aprovação da LRF e no lugar do chamado “equilíbrio” os municípios e estados encontram-se, em sua maioria, à beira da insolvência. Segundo o Índice FIRJAN de Gestão Pública, última versão publicada em 2017, 86% dos municípios brasileiros estão em situação fiscal grave ou crítica. No mesmo ano, 19 estados ultrapassaram o limite de gastos com pessoal (60% da receita corrente) estabelecidos pela Lei. Ou seja, a situação se agravou sob a vigência da LRF. 

    Estamos, portanto, no momento de uma avaliação séria sobre o tema. No lugar disso, durante o governo Temer se criou o Regime de Recuperação Fiscal – RRF, no qual os estados e os municípios que aderissem a ele teriam ajuda financeira ou suspensão temporária do pagamento de suas dívidas com a União em troca do compromisso de assumirem um programa de austeridade brutal, que prevê, entre outras medidas, a privatização das empresas públicas estaduais e municipais, limitação nas contratações, congelamento de salários de servidores e alienação de patrimônio público. 

    Se a LRF estabeleceu um cerco aos estados e municípios, o RRF irá promover seu aniquilamento completo. Estados e municípios se transformarão em entes ingovernáveis. A centralização de prerrogativas e condições de negociação da União não deixa espaço para a existência de uma república federativa. 

    Este fato tem gerado um efeito perverso no próprio comportamento político, pois os candidatos ao executivo assumem o discurso da impossibilidade de governar, e a única opção seria, então, gerir a crise. Basta procurar quantos candidatos nas últimas eleições municipais e estaduais se declararam contra a Lei de Responsabilidade Fiscal e encontrará uma minoria isolada. Praticamente nenhuma candidatura viável procurou demonstrar aos eleitores a irresponsabilidade social da LRF.  Estabeleceu-se um sistema de seletividade reversa no qual se premia os que se curvam diante da crise. O judiciário, a imprensa e, em alguns casos, os próprios partidos, selecionam um tipo novo de candidatura, não as mais aptas a governar, mas aquelas que declaram categoricamente que não irão, os chamados gestores. Por ironia, mesmo com toda suposta inteligência técnica, boa parte destes gestores conseguiram apenas empurrar para debaixo do tapete o problema que declararam capazes de solucionar, chamaram isto de “contabilidade criativa”. 

    A ideologia neoliberal descreve o problema federativo como uma questão contábil, mas os resultados e a experiência dos últimos anos demonstraram o contrário.  O aprofundamento da crise fiscal é diretamente proporcional à radicalização da agenda de austeridade. Superar a insolvência das entidades subnacionais implica em afirmar suas prerrogativas e autonomia. Implica em compreender o papel que a Lei de Responsabilidade Fiscal, o Sistema das Dívidas Estaduais e a Lei Kandir tem na crise do Pacto Federativo, como foi a intenção deste conjunto de artigos.

    *Pedro Otoni é mestre em Ciência Política, especialista em Economia Política, bacharel em Direito e colaborador da Fundação Lauro Campos – Marielle Franco.

    Fontes:

    FIRJAN. Índice FIRJAN de Gestão Pública (2017). Disponível em: https://www.firjan.com.br/ifgf/ , Acesso em 14/10/2019.

    MINISTÉRIO DA FAZENDA. Tesouro Nacional. Exposição da União à Insolvência dos Entes Subnacionais (2018). Disponível em: 
    https://www.tesouro.fazenda.gov.br/documents/10180/0/Texto+da+discuss%C3%A3o/b0119b85-0179-4fe5-9f98-93ed9e84209e,  Acesso em 14/10/2019.

  • O Baú da Infelicidade e A Porta da Desesperança

    O Baú da Infelicidade e A Porta da Desesperança

    O Baú da Infelicidade e
    a Porta da Desesperança

    por João Paulo Rillo*

    Lá, lá, laiá, agora é hora de alegria… Um, dois, três, pi, cinco, seis, sete, pi… Silvio Santos vem aí… Quem quer dinheirooo?… Pedro de Lara aia, laia laia… A pipa do vovô não sobe mais… Ritmooo, é ritmo de festa…

    Quem nasceu na década de 70 e 80 e não passou parte do tempo na frente de uma televisão dando audiência pra emissora do Silvio Santos que atire a primeira pedra. Esse homem está no imaginário de milhões de brasileiras e brasileiros.

    Silvio volta a ser alvo de críticas e reflexões sobre o conteúdo veiculado em seu canal, o SBT.

    Desta vez realiza um concurso de beleza infantil, expondo ao Brasil inteiro corpos de crianças e estimulando, sim, a sexualidade precoce a partir de padrões opressores de estética.

    Juntamente com as críticas feitas ao programa foi recuperado um vídeo em que o apresentador pergunta a uma criança se ela prefere sexo, dinheiro ou poder.

    Se um professor falasse em uma sala de aula com 30 alunos 10% do que fala o Silvio Santos em rede nacional já teria sido atirado em um fogueira pela turba delirante que defende a “escola sem partido”.

    Até os 12 anos, eu achava o Silvio Santos o máximo, um homem bom para o povo. Assim como muita gente considera o apresentador Luciano Huck uma pessoa boa para com os pobres.

    Mas foi com uma música do Raul Seixas, chamada Super Heróis, que eu comecei a refletir melhor sobre o verdadeiro Silvio: “…não é que eu vi o Silvio Santos, sorrindo aquele riso franco e puro para um filme de terror…”

    Todo conteúdo exibido pela TV do Silvio é um lixo? Não. Um dos conteúdos cômicos mais geniais que eu assisti era veiculado no SBT: Chaves.

    Os desenhos mais interessantes da minha infância passavam no programa do Bozo (o palhaço e não o miliciano).

    Silvio é apenas um apresentador charlatão sem qualidade nenhuma? Não. Muito pelo contrário, é um comunicador brilhante, conversa com o povo brasileiro como poucos.

    Goza de uma intimidade com parte das donas de casas desse país que nenhum outro comunicador ou comunicadora passou perto de ter. Inegavelmente é um artista talentoso.

    Não reconhecer as qualidades do ex-camelô não nos ajuda a entender o império que ele construiu. E por mais irônico que seja, Silvio Santos sempre jogou contra o povo e continua jogando. Hoje, em posição tática, escudando e apoiando um delinquente no poder central.

    O grande problema do Silvio não são seus devaneios sexistas, machistas e homofóbicos, cada vez mais frequentes e desavergonhados.

    Isso é muito grave. Mas o pior problema é o lado que o Silvio escolheu na vida.

    Imagina o Silvio Santos, colocando todo seu talento e inteligência na construção da emancipação popular?

    Mas não, o que o homem da Porta da Esperança mais fez na vida foi utilizar a boa fé e a miséria social do povo pra fazer fortuna e alienar o país. Silvio é um dos grandes aliados do capital financeiro nacional e internacional. Silvio ataca a democracia e a soberania popular não é de hoje.

    Mas a parte boa do episódio infame e execrável em que ele pergunta pra uma criança se ela prefere sexo, dinheiro ou poder (coisas que ele conseguiu bajulando corruptos e defendendo torturadores), é que, por se tratar de uma figura pública conhecidíssima e adorada por parte da população, nos possibilita dar um tiro de canhão na hipocrisia odienta e raivosa estabelecida nesse país.

    É possível constranger e desmoralizar os falsos moralistas que justificaram seus votos em Messias pra salvar a família brasileira dos esquerdistas pervertidos, e que agora silenciam vergonhosamente frente a uma declaração estúpida e desrespeitosa do dono do SBT.

    Assim como silenciam frente as boçalidades proferidas diariamente pelo presidente da república.

    Nada de infame me espanta em Silvio Santos. Ele já é, em si, uma infâmia pra quem considera o capitalismo uma ordem econômica perversa e exploradora.

    Me espanta a covardia dos que já perceberam a tragédia que é o governo que eles e o Silvio Santos elegeram e não tem a saudável coragem pra admitir. Estão paralisados pela atmosfera hipócrita que ajudaram a construir.

    Não é feio admitir erros e mudar de posição. Quanto antes fizerem isso, melhor pra todo mundo.

    A indiferença e a omissão só fortalecem os lacaios e tiranos que estão no comando do governo, dos bancos e das grandes emissoras de TV, impondo uma agenda político-econômica perversa, que só tem causado sofrimento ao país.

    Eu sei que, no íntimo, muitos que votaram no Messias, estão super arrependidos e não sabem como admitir isso.

    Fraternalmente faço uma sugestão. Não guardem mágoas e decepções, isso faz muito mal pra saúde de todos nós. Ponham pra fora suas justas indignações e arrependimentos. Juntem-se aos que querem a mesma coisa que vocês queriam quando votaram iludidos no Messias.

    Vai na sua rede social e manda o Silvio e todos os fascistas enfiarem suas grosserias com o povo no Baú da infelicidade que eles estão causando.

    Vamos combinar uma coisa entre nós. Sintam-se a vontade pra dizer que erraram, se arrependeram e que não compactuam com “tudo isso que ta aí”, e nós caminharemos juntos, por um país justo e civilizador.

    *João Paulo Rillo é diretor de teatro,e militante do PSOL e ex-deputado estadual paulista.

  • Relatório Observatório da Democracia – Setembro/2019

    Relatório Observatório da Democracia – Setembro/2019

    Relatório Observatório da Democracia – Setembro/2019

    Apresentação

    O Observatório da Democracia apresenta neste oitavo relatório mensal as análises feitas pelas fundações sobre as ações do governo Bolsonaro e suas consequências para a população e para o Estado de Direito. Em setembro, o governo enviou para o Congresso a proposta de orçamento da União, a PLOA com redução de investimentos em áreas prioritárias como a Educação. Essa medida foi analisada pelas fundações Perseu Abramo, João Mangabeira e da Ordem Social.

    Nesta edição, a Fundação Lauro Campos e Marielle Franco destacou a precarização da fiscalização ambiental e da condição de trabalho dos fiscais do Ibama e ICMbio, uma das inúmeras consequências do fim do Fundo Amazônia e da redução de recursos promovido há meses pelo ministério do Meio Ambiente no setor. O aumento das queimadas de reservas florestais também é destaque. Leia mais

    A Fundação Perseu Abramo destacou a manipulação que o governo faz das informações fiscais, analisando dois casos que ocorreram em setembro: a divulgação da receita prevista para gasto com servidores, de R$ 5,8 bilhões e a série de erros encontradas por uma equipe de pesquisadores nos cálculos previdenciários apresentados pelo ministério da Economia para fundamentar a reforma da Previdência. Leia mais

    A Fundação da Ordem Social volta a destacar o protagonismo da Câmara e do Senado nas reformas estruturantes – previdenciária, tributária e administrativa -, sem a articulação política com o governo Bolsonaro. E analisa os impactos do indiciamento do ministro do Turismo pelo uso de candidaturas “laranjas” nas eleições de 2018 para a imagem política do presidente. Leia Mais

    A Fundação Maurício Grabois centra sua análise na expansão das ações governamentais que censuraram peças e exibições de filme e ressalta a política da Caixa Econômica Federal em cortar patrocínios de projetos culturais. Outro fato analisado é a demissão em massa dos funcionários da Funart pelo ministro da Cidadania Osmar Terra. Leia mais

    A Fundação João Mangabeira apresenta, em Ciência e Tecnologia, a drástica redução do orçamento da União, previsto na PLOA, para o setor em 2020. E destaca a necessidade de aumentar os recursos com pressão política no Congresso. O mesmo quadro de redução de investimentos, via PLOA, é destacado em Educação. O recurso previsto para 2020 é de R$ 125,5 bilhões para essa área, sendo que R$ 24 bilhões serão condicionados como crédito especial, que deve submetido à aprovação no Congresso. Leia mais sobre C&T e Educação

    Em seu relatório, a Fundação Leonel Brizola-Alberto Pasqualini analisou o discurso de Bolsonaro na abertura da Assembleia Geral da ONU, quando reafirmou sua pauta conservadora e submissa aos interesses do governo Trump. Leia mais

    Índice dos relatórios

    Fundação João Mangabeira – Ciência & Tecnologia/Educação
    Fundação Lauro Campos e Marielle Franco – Mundo do Trabalho
    Fundação Leonel Brizola – Alberto Pasqualini – Soberania
    Fundação Maurício Grabois – Democracia
    Fundação da Ordem Social – Relação entre Poderes Executivo e Legislativo
    Fundação Perseu Abramo – Gestão da Política Econômica

  • Direitos humanos e soberania nacional: um chamado à unidade desde Alcântara

    Direitos humanos e soberania nacional: um chamado à unidade desde Alcântara

    Direitos humanos e soberania nacional: um chamado à unidade desde Alcântara

    por Guilherme Rodrigues Tartarelli Pontes

    Não raras vezes a defesa de direitos humanos entra em rota de colisão direta com a defesa da soberania dos Estados nacionais. Também não raras foram as vezes em que, em nome dos direitos humanos, se justificaram intervenções imperialistas em diversas nações insubmissas aos mandos do centro do capitalismo mundial. As investidas contra Cuba e Venezuela ou intervenções “humanitárias” como a ocorrida no Haiti são exemplos da história recente nos quais a defesa difusa de direitos humanos por meio de organismos multilaterais acabou por não apenas promover ainda mais violações de direitos humanos, como por intervir na soberania e autonomia dos povos destas nações.

    Análises rasas e deterministas destes episódios podem levar à equivocada conclusão de que se tratam os direitos humanos de uma pauta necessariamente liberal e a serviço do imperialismo. Não se pode olvidar, entretanto, das possíveis e necessárias disputas a serem travadas também em torno desta agenda. É certo que os organismos multilaterais de direitos humanos organizam-se desde uma estrutura liberal, em que tais direitos mais conformam um programa pretensamente universal que deve orientar a política de cada um dos Estados-parte, do que garantem quaisquer condições materiais ou imateriais para que os povos do mundo vivam uma vida digna.

    Contudo, está posto à classe trabalhadora – aqui, inclusas todas as classes subalternas – o desafio histórico de exigir que mais do que um apanhado de normas esvaziadas de conteúdo material, como querem os liberais, os direitos humanos sejam efetivamente garantidos, de modo que passem a significar a concretude da dignidade humana. Para tanto, deverão ser condicionadas a política e a economia, de modo que os interesses de 1% da população mundial deixem de prevalecer sobre as condições de vida de uma imensa maioria de pessoas que não dispõe de outra forma de sobreviver que não pela venda – ou tentativa, em face do desemprego estrutural – de sua força de trabalho.

    Num estágio em que o Capital depende cada vez mais de sua força destrutiva para garantir sua reprodução ampliada, a defesa dos direitos humanos pode – e deve, caso queira minimamente ser efetiva – alinhar-se à luta anti-imperialista, o que, no caso brasileiro – e de todas as economias capitalistas dependentes – implica engajar-se na defesa da soberania nacional.

    A partir dessa perspectiva é que propomos um olhar sobre o acordo de entrega da Base de Alcântara aos EUA recém-firmado por Donald Trump e seu lambe-botas, Jair Bolsonaro. Assinado em março, o “Acordo de Salvaguardas Tecnológicas” (AST) regula o uso comercial do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) por parte do governo e de empresas estadunidenses e prevê a remoção de aproximadamente 800 famílias quilombolas que residem na área. Se de um lado é evidente a afronta à soberania nacional brasileira, de outro, a ratificação do acordo pelo Congresso Nacional implicará na expulsão de mais de 2 mil pessoas de seu território ancestral, acarretando violações de direitos de toda ordem. Ademais, a ampliação da Base Alcântara de 8 para 20 mil hectares impactará sobremaneira as relações econômicas, sociais, culturais das comunidades, destacando-se que uma das implicações do AST será a limitação do acesso das comunidades às áreas litorâneas de Alcântara. A situação de insegurança alimentar que se instalará caso o Acordo seja ratificado pelo Congresso é clarividentemente previsível e não pode ser admitida.

    No afã de satisfazer os interesses dos EUA, o governo de Jair Bolsonaro viola uma série de normas nacionais e internacionais, com destaque para a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que determina a consulta prévia dos povos e comunidades tradicionais sobre qualquer medida que venha a impactar seus territórios ou modos de vida.

    Noutra nota, ao que diz respeito à soberania nacional do Brasil, são igualmente graves as implicações do AST. Nele, está prevista a possibilidade de que os EUA utilizem a base militar do CSA para lançar foguetes e satélites e, nos termos da “parceria” comercial, limita o Brasil a utilizar somente componentes produzidos pelos EUA e suas empresas. Assim, no caso de lançamentos nacionais, será exigida do Brasil a aquisição de equipamentos exclusivamente dos EUA sem que haja contrapartidas como a transferência de tecnologias ou qualquer remuneração pela cessão de nossa base militar. Esta limitação se configura como inconteste interferência dos EUA nas decisões soberanas para o Brasil se desenvolver na área espacial. A condição subordinada do Brasil no acordo revela sua inconstitucionalidade, por não deixar dúvidas de que se conforma num verdadeiro atentando contra soberania nacional.

    Diante deste descalabro conduzido pelo Poder Executivo, estão os demais Poderes da moribunda Nova República brasileira instados a defender, ao mesmo tempo, a soberania da Nação brasileira e os direitos humanos de 800 famílias diretamente afetadas pelo AST.

    De um lado, o Acordo tramita na Câmara dos Deputados, submetido pela Presidência da República através da Mensagem nº 208/2019, que repete o texto da Mensagem nº 296, de 2001, a qual foi retirada pelo Autor em 2015, em face de inúmeras inconstitucionalidades e incompatibilidades. De outro, está sub judice do Supremo Tribunal Federal (STF) um Mandado de Segurança impetrado por parlamentares federais do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), no qual é pedida, liminarmente, a suspensão da tramitação da MSC 208 na Câmara federal.

    A urgência e importância de se impedir que o AST seja ratificado pelo Congresso Nacional traz consigo uma oportunidade histórica: a unidade entre a defesa dos direitos humanos das 800 famílias quilombolas ameaçadas de remoção e a defesa da soberania nacional.

    Diante disso, conclamamos a sociedade brasileira, notadamente às organizações e defensores de direitos humanos e àquelas e àqueles comprometidos com a defesa da soberania de nosso povo à unidade necessária para barrar o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas.

    Em defesa do Brasil e da soberania de nosso povo!
    Em defesa de nossos quilombos!
    O povo brasileiro diz NÃO à entrega de Alcântara!

    Guilherme Rodrigues Tartarelli Pontes é advogado, mestrando em Políticas Públicas em Direitos Humanos pela UFRJ. Membro da Coordenação Política Nacional das Brigadas Populares.

  • Dez fatores para compreender porque estamos em uma situação reacionária

    Dez fatores para compreender porque estamos em uma situação reacionária

    Dez fatores para
    compreender porque
    estamos em uma
    situação reacionária

    Por Valério Arcary

    Vai ser uma maratona. O pesadelo político-social que estamos atravessando é terrível.  Mas, infelizmente, não vai passar rápido. A luta para derrubar Bolsonaro não vai ser uma corrida de velocidade. Estamos acumulando, muito dolorosamente, forças. As massas não estão sempre dispostas a lutar com disposição revolucionária. A idealização de uma classe trabalhadora incansável é um autoengano. A experiência de milhões tem os seus próprios ritmos.

    Sem a mobilização de milhões não é possível deslocar Bolsonaro. A hora exige perseverança, resiliência, e muita paciência revolucionária. Mas tampouco vai demorar anos indefinidos. Bolsonaro não é imbatível.

    As pessoas cansam e desistem. As classes populares cansam, também, mas não podem desistir. Na escala de nossos destinos individuais o desalento, a frustração e o desânimo podem conduzir à depressão, desfalecimento e prostração política. O Brasil está mergulhando em trevas. O céu está desabando sobre nossas cabeças. Mas o desespero é mal conselheiro. A situação exige, dia após dia, firmeza e paciência, detreminação e calma contra o desespero. Qualidades que não costumam andar juntas. 
    Determinação e firmeza para ter força para dizer não, basta, chega, e construir nas ruas a resistência, os protestos, as manifestações. Paciência e calma para perseverar sabendo que o tempo político da experiência de milhões de pessoas é uma aposta no futuro. E toda aposta tem margens de incerteza. Mas não há atalhos.

    Compreendo aqueles que, diante do avanço da barbárie monstruosa, desejam a aceleração da história. Aumenta a ansiedade e a desconfiança nas nossas fileiras. Teorias de conspiração ganham popularidade imediata. Mas não vamos derrubar o governo com frases revolucionárias. Precisamos de ações revolucionárias. Ações revolucionárias são aquelas que são feitas por milhões nas ruas. As dificuldades para realizá-las são reais. Não há truque mágico. Não há um abracadabra que desperte a disposição de luta das massas populares, imediatamente.

    O escândalo do aumento das queimadas na Amazônia acelerou, qualitativamente, o isolamento internacional do governo. Teve intensa repercussão, também, no Brasil. Uma das frações mais importantes da classe dominante se moveu, criticamente, em função do perigo para as exportações do agronegócio. As maiores mobilizações de sempre contra o desmatamento saíram às ruas, ainda que tenham sido somente na escala de milhares. Até um primeiro panelaço foi ouvido em alguns bairros de classe média em muitas das grandes cidades.

    Pesquisas de opinião já começaram a identificar um desgaste do governo. Segundo a CNT/MDA, com oito meses de mandato, a rejeição ao governo quase atingiu os 40%, com lenta, mas consistente dinâmica de aumento, e a rejeição ao próprio Bolsonaro superou os 50%,

    Mas não nos enganemos. É lúcido saber que enfrentamos um inimigo ainda, social e politicamente, muito forte. Pesquisas de opinião não vão derrubar Bolsonaro. O regime presidencialista impõe uma relação de poder entre as instituições que deixa a presidência blindada diante das oscilações de popularidade. Um governo pode ter muito pouco apoio e, no entanto, chegar até ao final do seu mandato, se a oposição não for capaz de impulsionar manifestações poderosas que coloquem na ordem do dia o seu deslocamento.

    Temer tinha taxas mínimas de aprovação, e cometeu um crime de responsabilidade sem paralelo, em 2017, nas conversas gravadas dentro do Palácio. É necessário que o governo perca, completamente, apoio no Congresso Nacional para que seja possível avançar um pedido de impeachment. E para que isso seja plausível, é indispensável que sejamos capazes de construir mobilizações na escala de milhões contra Bolsonaro.

    Não depende da frase revolucionária, nem de gritar mais alto, nem de xingar. Sem a classe trabalhadora e a maioria oprimida nas ruas tudo é ilusão. Os últimos quarenta anos nos deixaram como lição que só ela tem a força social para derrubar Bolsonaro.

    Fatores objetivos e subjetivos explicam porque ainda é tão difícil a entrada em cena da classe trabalhadora:

    (1) o desemprego, portanto, o medo das demissões e a ferocidade da luta diária pela sobrevivência alimentam a insegurança social e a desesperança política;

    (2) as políticas públicas dos últimos trinta anos, como a criação de uma rede de seguridade social com a Previdência, o SUS, a Bolsa Família, entre outras, não existiam em 1984, quando das Diretas ou em 1992, quando do Fora Collor, paradoxalmente, atenuam o impacto da crise econômico-social;

    (3) Outras redes de amortecimento da crescente pauperização, como a expansão das Igrejas evangélicas, e outros processos, como a imigração e as remessas dos imigrantes;

    (4) o aumento do medo da repressão;

    (5) a desindustrialização, as transformações estruturais no mundo do trabalho, portanto, a maior debilidade orgânica dos setores organizados da classe, e a expansão do semiproletariado;

    (6) o peso das derrotas acumuladas na consciência da classe, em especial, o impeachment de Dilma Rousseff, a prisão de Lula e a eleição de Bolsonaro;

    (7) as ilusões em Bolsonaro ou o giro à direita em uma parcela da classe trabalhadora mais conservadora nos valores e mais vulnerável, politicamente, ao discurso da guerra contra a criminalidade, ou até contra a corrupção;

    (8) a força da ofensiva burguesa e sua narrativa de que o crescimento econômico é uma questão de tempo, desde que sejam feitas as reformas;

    (9) o deslocamento da classe média para a extrema direita e a pressão do impacto das suas mobilizações desde 2015/16;

    (10) os gravíssimos erros dos governos do PT, em especial, da política de Dilma Rousseff depois das eleições de 2014.

    Alguns destes fatores pesam mais e outros menos. O papel da direção tem que ser inspirador. Mas a autoridade da esquerda diminuiu, e muito. Mesmo quando o fenômeno é contraditório. A do PT caiu muito, qualitativamente, a do PSol aumentou um pouco, mas quantitativamente. Sim, há responsáveis. Eles têm nome. Mas dizer que a culpa é, em primeiro lugar, do PT, e repeti-lo todos os dias, não vai mudar a insegurança do povo que está atormentado na luta diária pela sobrevivência.

    Ninguém tem o tipo de autoridade que Lula teve no seu auge, nem o próprio Lula. Falta autoridade moral, política e intelectual na esquerda. A moral vem do exemplo. Boulos tem, crescentemente. A política vem do projeto. Ninguém tem muita. A intelectual vem da força das ideias. Nesse terreno, permanecemos na defensiva. 

    Nada disso quer dizer que esta relação social de forças entre as classes não pode se alterar. Claro que pode.

    O papel da esquerda deve ser aumentar o nível de consciência. Só que não é somente um problema de comunicação. É verdade que a agitação nas redes sociais é insuficiente. Mas esse não é o problema fundamental. A questão central é acreditar que é possível vencer. Ainda não somos fortes o bastante para um assalto frontal contra Bolsonaro. A hora da luta definitiva, decisiva, final não chegou. Ela virá. Mais cedo do que tarde. Estamos semeando a tempestade.

    Ela será colossal, imensa, avassaladora. A força monumental da ação política dos trabalhadores e da juventude se revelou, parcialmente, nas Diretas em 1984, no Fora Collor em 1992, e no início de Junho de 2013. O que o futuro nos reserva será muito maior. Mas é preciso reorganizar a esquerda para não perder a próxima oportunidade histórica. A hora da revolução brasileira. Ela virá.

  • Não foi Sequestro hoje na Ponte Rio-Niterói, foi Suicídio

    Não foi Sequestro hoje na Ponte Rio-Niterói, foi Suicídio

    Não foi Sequestro hoje
    na Ponte Rio-Niterói,
    foi Suicídio

    Por Janira Rocha

    Um sequestrador clássico não atravessa um ônibus na pista de um dos locais mais movimentados do Estado, um sequestrador quer fugir, levar suas vítimas para longe para poder usá-las para pedir resgates em proveito próprio.

    Não, esse rapaz, agora se sabe, mentalmente perturbado, vítima de depressão resolveu se matar e decidiu fazer isto “entrando para a história” conforme relatado por vários reféns.

    No meio de sua dor e confusão mental, sabia que sua ação era um bilhete certo para a morte, afinal estamos no meio de uma Guerra Urbana, agora apimentada por um Governador que dá pulinhos de gazela toda vez que comanda explodir a cabeça de alguém.

    Condeno a polícia? Bem, em outra conjuntura, se ela também fosse sã, talvez pudesse perceber o que realmente acontecia ali e, com sua alardeada capacidade técnica apenas atirar para parar o suicida. E não fuzilá-lo com 6 tiros (e muito estranho um Sniper parar alguém com tantos tiros). Mas honestamente era sim uma situação difícil e refletir a defesa dos reféns, das vítimas era a prioridade a se resolver. Foi uma ponderação que poderia se tomar como justa, quem é o hipócrita que vai dizer que se seu filho estivesse de refém naquele ônibus não aprovaria o desfecho?

    Analisar as coisas da poltrona, da tela do celular é fácil, mas quando a vida se apresenta na sua concretude o buraco é mais embaixo.

    Foi um dia triste, nada a se comemorar e a melhor e mais tocante imagem foi a do pai de uma das vítimas consolando a mãe do suicida.

    Mas afinal de que lado estou? Aplaudo ou vaio a Polícia?

    Hoje acho que “essa” polícia não poderia nos dar nada diferente, na verdade, nem os que vaiam a polícia e nem os que a aplaudem se importam realmente com ela e tem a dimensão de quanto nossa polícia precisa que se vá em seu “socorro”. Isso é fazer política concreta contra a “Guerra aos Pobres” patrocinada pelo Estado.

    Sim, é uma polícia que é humilhada em seu treinamento, pelos seus superiores hierárquicos, que sofre com um regulamento autoritário  que a classifica de subcidadã, que lhe impõe baixos salários, que não lhe garante saúde, moradia adequada a se proteger e aos seus familiares, instrumental de trabalho adequado a sua proteção e mil outros etceteras que poderia enumerar, o mais grave, é uma polícia também acuada pelo crescente número de policiais caçados e mortos pela violência imposta pelo banditismo.

    Uma polícia formada ideologicamente para enfrentar o “inimigo” e como é polícia de governos e não de Estado, a depender do Governo o inimigo pode mudar.

    Como o menino suicida da ponte, que criou sim uma situação de perigo iminente para 37 pessoas trabalhadoras, outros suicidas criam perigos iminentes e isto tem que ser debatido pela Sociedade sem hipocrisias e sem a fórmula fácil de se “assumir um lado”, como se fosse possível absolutizar a razão em apenas um dos extremos.

    Eu choro pelos meus, pela minha classe, choro pelo suicida, depressivo que na sua loucura poderia sim ter causado a morte de 37 pessoas, choro os reféns, choro pelos policiais depressivos que se suicidam pelo país afora, choro pelos policiais que não se enxergam em seu real tamanho e se deixam ganhar pra política que matar na favela a qualquer “preto suspeito” é a solução pra toda violência que vivemos, choro contra a hipocrisia dos que condenam e criminalizam a polícia, mas que não abrem mão de um milimetro de suas pautas para tentar negociar a construção de pontes. 

    Meu lado é o de trabalhadores com farda e sem farda, com todas as suas contradições.

    Quero ganhar a todos que nossas balas “são para os nossos Generais, ou Governadores…”

    A matéria abaixo é para ilustrar a situação real da polícia e que isso também é problema de todos nós!

    #DireitosHumanosParaTodosSim
    #FimDaGuerraAosPobres 
    #NossasBalasSãoParaOsGenerais

  • Future-se: o exterminador do futuro

    Future-se: o exterminador do futuro

    Future-se:
    o exterminador
    do futuro

    Por Jorge Almeida, Magda Furtado e Rafaela Cardoso*

    A essência do projeto “Future-se” do MEC é destrutiva: materialmente é a privatização de fato das Universidades e Institutos Federais e dos seus recursos físicos e intelectuais. Evidencia-se em cada ponto sua pretensão de fazer uma disputa ideológica e sua concepção visa reforçar ainda mais a hegemonia burguesa na Universidade e na sociedade.

     Efetivamente, pelo Future-se – lançado oficialmente pelo MEC em 17 de julho e atualmente em consulta pública – as IFES (Instituições Federais de Ensino Superior) continuariam a ser formalmente públicas, mas seriam geridas por Organizações Sociais (OSs) privadas, mantidas por meio de Fundos de Investimento especulativos formados a partir da alienação de patrimônio público e outros financiamentos privados guiados pelo objetivo do lucro, sem qualquer garantia de orçamento federal para seu custeio.  A proposta aponta para o progressivo esvaziamento da carreira docente, podendo chegar até à eliminação dos professores/pesquisadores concursados em regime de Dedicação Exclusiva e da carreira como hoje existe, além de abrir caminho para a implantação da cobrança de mensalidades para todo o ensino – o que não aparece formalmente no projeto e depende de emenda constitucional – e colocar em cheque a permanência estudantil. Ou seja, vai piorar as condições de trabalho, de ensino e de aprendizado, atingindo diretamente a formação dos estudantes.

    Concomitantemente, o Future-se visa travar uma luta ideológica e promover uma profunda mudança na cultura universitária numa perspectiva liberal, tipicamente de mercado. Ao submeter o financiamento e, portanto, o funcionamento da universidade à perspectiva ideológica do governo federal e das empresas, pretende favorecer aqueles que têm uma posição mais identificada com o governo e os empresários e, ao mesmo tempo, forçar os outros a se adequarem a métodos privatistas, enquadrando os conteúdos de pesquisa. Vai gerar um clima de competição individualista e até mesmo um “salve-se quem puder” em vários níveis, como exacerbar a competição entre professores, entre estudantes, grupos de pesquisa, IFES e unidades internas às IFES.

    Segundo Steve Bannon, da Cambridge Analytica, “para mudar fundamentalmente uma sociedade, primeiro é preciso destruí-la; somente depois de destruí-la você pode remodelar os pedaços segundo sua visão de uma nova sociedade”. Se trocarmos “sociedade” por “Universidade” nessa frase, teremos uma boa ideia do que pode ser o projeto “Future-se. Considerando que Steve Bannon foi consultor da família Bolsonaro durante as eleições no Brasil e que seu método de marketing eleitoral entranha a gênese desse governo, podemos estar muito próximos de entender os objetivos reais do projeto, que, se adotado tal como se apresenta, não deixaria de pé as Universidades e Institutos Federais tais como os conhecemos.

    O lançamento do projeto não foi precedido de um balanço profundo, sistemático e consistente do ensino superior brasileiro nem do conjunto de nossa educação e seu financiamento. Tampouco passou por estudo de viabilidade. Tem uma origem marcadamente autoritária, não tendo sido submetido a nenhum tipo de consulta prévia à comunidade universitária e científica do país.  Essas limitações, incríveis para um projeto que se propõe a uma mudança de tal monta, depõem fortemente contra a possibilidade de ele dar certo naquilo que propaga – que, supostamente, seria melhorar o ensino, resolver a questão do financiamento, promover a ciência e a pesquisa e aumentar a produtividade de professores, funcionários e estudantes. Mas isso é o de menos para a atual equipe do MEC e o presidente Bolsonaro. Se o projeto for aprovado e entrar em vigor, seus principais objetivos reais estarão alcançados: privatizar de fato as Universidades e Institutos Federais, favorecendo as empresas privadas e o capital especulativo, e destruir grande parte da capacidade de produção científica, tecnológica e intelectual em geral do Brasil.

    O projeto Future-se se insere e é coerente com o conjunto da política deste governo, que parece caótico, mas não é. É antipopular, antidemocrático e antinacional. É ultraliberal e privatista na política econômica, na política social e nas políticas públicas em geral. É autoritário, obscurantista e destrutivo do patrimônio cultural de nosso povo. Tem as marcas do neofascismo do bolsonarismo. É um desdobramento do golpe do impeachment de 2016. E, enfim, é a face brasileira da ofensiva do capital diante da crise estrutural do capitalismo.

    Essa proposta teve dois instrumentos principais de lançamento: o texto redigido de um projeto de lei e uma apresentação, na forma de monólogo do Secretário de Ensino Superior, Arnaldo Lima, de cerca de uma hora, para dirigentes da comunidade acadêmica. No meio de um emaranhado de afirmações bombásticas, críticas inconsistentes, promessas vazias, demagogias, destaque a “novidades” que já estão em andamentos nas IFES, e inúmeras emendas a leis já existentes e outros detalhes diversos, o projeto “Future-se”, foi apresentado pelo MEC como solução para o financiamento, gestão e produtividade das IFES. Mas, no frigir dos ovos, seus objetivos centrais, materiais e ideológicos estão nos parágrafos acima. 

    O programa é bastante amplo, mas há muitas lacunas e possibilidades de desenvolvimento a partir de emendas legislativas. Vamos aqui nos ater aos seus elementos centrais e a suas principais consequências e repercussões materiais e ideológicas. Há muitas questões que ficam para ser regulamentadas pelo MEC ou negociadas em contratos com as Organizações Sociais, o que não está explícito, mas que, dentro da lógica geral do projeto, dá margens para uma maior liberdade do MEC para agir de modo arbitrário, autoritário e privatista, já que a autonomia universitária não existirá mais na prática.

    Afronta à autonomia universitária: gestão privada e interesses de mercado

    O projeto se apresenta como supostamente “opcional”. Cada IFES seria livre para aderir ou não. Mas, na prática, pretende ser do tipo opcional-obrigatório, pois o governo continuará a promover um arrocho de tal monta sobre as IFES que elas vão ser colocadas diante do desafio de aderir ou ser estranguladas até morrer à míngua, afinal, não coloca nem como possibilidade revogar o brutal “contingenciamento” de verbas de custeio realizado no primeiro semestre deste ano. Ademais, aqueles que aderirem deverão receber incentivos materiais do Estado e do mercado como contrapartida.

    Sua efetivação, entretanto, ainda vai passar pelo crivo do debate e da resistência na comunidade acadêmica e na sociedade em geral, assim como por uma luta legislativa e jurídica, na medida em que partes essenciais do projeto, como veremos, são ilegais e inconstitucionais. Nas Universidades e Institutos Federais, qualquer assinatura de acordo deve ser precedida necessariamente por análise, debate e aprovação do Conselho Superior da Instituição. Considerando o teor polêmico do projeto, o debate já está sendo desencadeado nos departamentos e nas entidades sindicais representativas das categorias de docentes e servidores técnicos-administrativos, bem como nas entidades e na base do movimento estudantil.

    A proposta de transformar a natureza das Universidades e Institutos Federais – caracterizados como instâncias adversárias durante a campanha eleitoral, locais de “balbúrdia” segundo o Ministro da Educação e vítimas de pesados cortes no orçamento – evidencia-se em cada parágrafo do projeto Future-se, que altera 16 leis, e se sobressai na apresentação feita em Brasília pelo Secretário de Ensino Superior, Arnaldo Lima. Sob a enganosa promessa de um supostamente vultoso fundo financeiro com ações negociadas em bolsa e lastreado no patrimônio imobiliário das IFES, irrigado por doações de “generosos empresários” e “milionários abnegados”, cotas de fundos de investimento e outras receitas etéreas e incertas, as IFES deveriam se abrir a transformar sua finalidade para se entregar aos ditames do Mercado, adotando o espírito do “empreendedorismo” como sua nova razão de ser.

    Um projeto inconstitucional: autonomia de gestão financeira não é autonomia financeira

    Está explícito no projeto que, para não continuarem estranguladas financeiramente, as IFES devem, espontaneamente, abrir mão de sua autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, garantida pelo artigo 207 da Constituição, para entregar sua administração a Organizações Sociais de natureza privada, que podem contratar livremente pessoas estranhas ao meio para atuar na gestão e inclusive na atividade-fim. Além de atropelar a Constituição a serviço do mercado, de modo monocrático, sem um processo de debate amplo na sociedade e no parlamento, há também uma confusão que é obviamente proposital entre autonomia de gestão financeira, como está na CF, e autonomia financeira, que desobrigaria o governo de manter as IFES – e não é o que está no texto constitucional. O Future-se se vangloria de proporcionar essa suposta autonomia financeira, que representa na verdade uma dependência das empresas e do mercado, onde seria negociado o fundo imobiliário a ser constituído.

    Gestão privada das OSs alavancaria lucros para os empreendedores

    Pelo projeto, as Organizações Sociais, sem qualquer experiência de gestão universitária, passariam a gerir ensino, pesquisa e extensão, em parcerias público-privadas voltadas ao atendimento das necessidades de Inovação, Pesquisa e Desenvolvimento de acordo com os interesses das empresas nacionais e estrangeiras, que supostamente transfeririam seus centros de pesquisa e desenvolvimento para esses novos contratos. O capital humano das universidades seria direcionado a atender a essas necessidades, devidamente recompensado com bolsas, atividades remuneradas e distribuição de lucros e dividendos de patentes, que fluiriam tão “caudalosamente” a ponto de transformar o cargo de professor de uma IFES “no melhor emprego do país” – os professores poderiam ficar ricos, sublinhou entusiasticamente o Secretário Arnaldo Lima na apresentação.  As ideias inovadoras, doações e investimentos privados só estariam esperando a gestão das IFES ser transferida para as Organizações Sociais “sem fins lucrativos” para que começassem a fluir, proporcionado uma suposta profusão de patentes, publicações e microempresas lucrativas e capazes de alavancar o fundo que lastreia o projeto. Este se transformaria em um negócio tão atrativo para o capital que inauguraria o supostamente desejado estado de autonomia financeira do ensino superior no país, além de dar lucros e dividendos não só para o mercado como para estudantes e professores – enfim, idealiza-se um cenário em que todos estariam satisfeitos com a nova natureza das Universidades, em perfeita simbiose com os interesses de mercado em nível nacional e internacional.

     Em plena vigência da Emenda Constitucional 95, que congela os investimentos federais nas áreas sociais como Saúde e Educação no nível da execução orçamentária do ano anterior, agravada pelos cortes de cerca de 5,8 bilhões no orçamento de custeio da Educação e Ciência e Tecnologia, esse fundo de investimento pretende se afigurar como uma solução salvadora. Afinal, as Universidades e Institutos Federais estão à beira da paralisação por falta de verba de custeio. Mas não existe adesão parcial: o acesso está atrelado à subordinação, no escuro, da gestão das IFES às Organizações Sociais – como se o problema do déficit no custeio fosse culpa da gestão democrática, que é um preceito constitucional. A distribuição de fundos não será equitativa: pressupõe uma competição entre as instituições, com critérios produtivistas que acirrarão as desigualdades regionais, numa espécie de gincana pelo cumprimento de metas estabelecidas por critérios externos de mercado.

    Nas argumentações do MEC, eles procuram apresentar as Organizações Sociais como se fossem um desenvolvimento natural das atuais Fundações de Apoio hoje existentes, que são entidades de caráter privado sem fins lucrativos. Na realidade, as Fundações, bem ou mal (pois há muitas situações passíveis de crítica), desempenham uma função de apoio a iniciativas da Universidade, como cursos de extensão e a participação em parcerias público-privadas em projetos de Pesquisa & Desenvolvimento permitidas pelas alterações do Marco Legal da Ciência e Tecnologia de janeiro de 2016 (lei 13.243 de janeiro de 2016, sancionada por Dilma Rousseff). Já as OSs tomam para si a gestão dos contratos de parcerias com empresas no âmbito de P&D, tirando o controle das IFES, o que resulta, portanto, na destruição da autonomia universitária de gestão.  Além de colocar o próprio ensino superior a serviço do capital, esse processo ainda vai capitalizar outras empresas privadas, especialmente bancos e o setor imobiliário.

    A pesquisa pura, Ciências Humanas e Sociais: o que fazer com os “não-lucrativos”?

    Esse atrativo conto só não ousa perguntar o que seria da pesquisa pura e de base, das Ciências Humanas e outras áreas não afeitas a resultados lucrativos e rápidos. Salta aos olhos que é preciso muita ingenuidade para acreditar no desprendimento do capital financeiro para investir em ensino e pesquisa em um país de capitalismo dependente, para onde as empresas transnacionais nem pensam em transferir seus setores de pesquisa e inovação, como alerta o professor Roberto Leher (UFRJ) em recente artigo sobre o Future-se, mostrando como o projeto idealiza o capital e as empresas estrangeiras em sua formulação. É preciso muito desconhecimento (ou má-fé) da parte dos elaboradores do projeto para acreditar que o modelo de polo tecnológico, já existente em instituições como a COPPE/UFRJ e aplicável a poucos departamentos, deva direcionar as prioridades e esmaecer as especificidades de uma Universidade voltada realmente ao avanço do conhecimento em todas as áreas. Evidentemente algumas, pela natureza de seu objeto de estudo, são francamente contrárias aos princípios de mercado – como as pesquisas arqueológicas, linguísticas e de meio ambiente, para citar alguns exemplos. O projeto também atropela um dos princípios mais caros ao ensino superior público, que é a indissociabilidade de ensino, pesquisa e extensão socialmente referenciados.

     Os entusiastas do Future-se omitem ou desconhecem que a possibilidade de simbiose com as empresas na pesquisa aplicada ao desenvolvimento de produtos e inovação não pode se desprender da pesquisa pura que lhe embasa os avanços, mas que não proporciona resultados tão rapidamente mensuráveis por metas de curto prazo.  Do jeito que está o projeto, parece que as patentes e publicações só não jorram em abundância porque as pessoas não estão suficientemente estimuladas pela possibilidade de ganhos financeiros imediatos. Torna-se evidente a pequena conta em que são tidos os professores e pesquisadores brasileiros por parte dos formuladores do projeto.

    É provavelmente proposital a omissão no projeto das especificidades das pesquisas na área das Ciências Humanas, que, em diálogo com os movimentos sociais, possibilitam compreender a história da formação social brasileira, recolheram dados e sistematizaram informações acerca das desigualdades sociais, do racismo estrutural e desigualdade de gênero da sociedade, entre outros avanços. Tais pesquisas contribuíram para proposição de políticas públicas, como a lei das cotas raciais e sociais nas IFES. Mais tarde, forneceram informações para políticas de assistência estudantil que foram responsáveis por garantir a permanência dos estudantes. Na lógica mercadológica do Future-se, esse tipo de pesquisa não merece financiamento.

    Fim da gratuidade constitucional do ensino público como alternativa implícita

     O primeiro questionamento ao projeto, diante do espírito privatizante que o informa, foi sobre a possível cobrança de mensalidade aos estudantes, que é uma alternativa que está implícita ao texto e, sobretudo, à apresentação do projeto – todas as universidades estrangeiras citadas como modelo cobram mensalidades. Diante da explícita proibição no texto constitucional (CF artigo 206, inciso IV), que garante a gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais, o Future-se se apega à recente e controversa decisão do STF, que permitiu cobrança de mensalidade em curso de pós-graduação lato sensu para listar essa modalidade como uma das fontes de receitas previstas do fundo “de autonomia financeira das IFES” – (artigo 23, inciso h).

    Foi exatamente o caráter empresarial de certos cursos de pós-graduação lato sensu denominados “MBA” aplicados, oferecidos muitas vezes de forma condensada e em convênio com entidades privadas, que fundamentou a justificativa da deliberação do STF de permitir a cobrança, apesar do texto constitucional, já que seriam cursos que passariam ao largo do caráter acadêmico das pós-graduações tradicionais. Essa mesma justificativa poderia ser utilizada para cobrar mensalidades de novos cursos que buscassem se harmonizar com o espírito do Future-se, tornando-se mais atrativos para os modelos que o projeto louva como rentáveis para as parcerias público-privadas, capazes de gerar receita para engrossar o fundo financeiro, especialmente na hipótese de não se confirmar o “espírito generoso” que está sendo suposto em investidores do mercado financeiro.

     Essa cobrança, limitada no projeto aos cursos lato sensu, se configuraria como uma tática paliativa de obtenção de receitas, enquanto o governo em curso não concretiza o que já adiantou na campanha eleitoral e vem ameaçando em diversos momentos: uma proposta de emenda constitucional para instituir a cobrança de mensalidades em todos os cursos de graduação e pós-graduação das IFES. Apesar do “otimismo ingênuo” que perpassa todo o projeto, nenhum antecedente na nossa história é capaz de sustentar a hipótese de que um fundo financeiro voltado a subvencionar educação e pesquisa, num país de capitalismo dependente, possa ter viabilidade suficiente para liberar o Estado dessa obrigação, mesmo que em parte. Por mais que os ditames de mercado presidam a elaboração e aprovação de projetos nesse novo ideal, os produtos financiados não têm como obter potencial para concorrer com remuneração proporcionada pelas exorbitantes taxas de juros do mercado financeiro no Brasil. Por esses motivos não é possível afastar a hipótese de que o ensino público e gratuito, a despeito de suas atuais garantias constitucionais, está sob risco direto diante do apregoado Future-se.

    Possíveis consequências para a carreira docente e dos técnicos-administrativos das IFES

    O projeto Future-se, ao permitir por meio das Organizações Sociais a aceleração do processo de contratação de funcionários via CLT que já vinha em curso no universo das IFES – tanto pela EBSERH quanto pelas Fundações de Apoio – coloca em risco evidente não só a carreira dos servidores técnico-administrativos em educação como também a dos docentes. A percepção desse risco se assenta não só nas referências explícitas feitas no projeto (por exemplo, os funcionários das OSs são denominados “colaboradores” no inciso II do artigo V, inclusive os cedidos pelas IFES), como na conclusão implícita de que poderão ser contratados professores via OS inclusive para lecionar. A facilitação do reconhecimento do notório saber, que dispensa o título acadêmico, é proporcionada por alteração do artigo 66 da Lei 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação nacional) – artigo 29, nas disposições transitórias – é outro indício que incrementa essa preocupação.

    É preciso ressaltar que a facilidade na contratação de pessoal via OSs tem como contraponto a anunciada suspensão da contratação de pessoal no Executivo Federal por meio de concurso público. Essa intenção vem se coadunar com as sombrias perspectivas introduzidas pela aprovação da lei 13.429/2017, que amplia as possibilidades de terceirização, inclusive no serviço público, permitindo que se terceirize até mesmo atividade-fim. Esse processo geraria na prática a extinção lenta e gradual do RJU (Regime Jurídico Único) no âmbito das IFES, com todas as consequências nefastas de sua obliteração, como o fim da estabilidade e o consequente aumento do assédio moral e das ingerências ideológicas, político-partidárias, nepotismo e lobbies empresariais na contratação de servidores.

    Em relação ao regime de Dedicação Exclusiva, o Future-se aprofunda a descaracterização já iniciada com a permissão concedida pela lei 13.243, de janeiro de 2016, para que o docente da carreira do Magistério Federal possa exercer atividade eventual remunerada em ICT ou empresas, em assunto de sua especialidade, em desenvolvimento, pesquisa e inovação por até 8 horas semanais (ou seja, o mesmo tempo mínimo dedicado às aulas nas IFES) ou 416 horas anuais (o limite anterior era de apenas 30 horas anuais). Na prática, o docente em regime de Dedicação Exclusiva nas IFES pode ter uma atividade paralela remunerada, desde que autorizada e relativa ao seu projeto de Pesquisa e Desenvolvimento. Com o Future-se, essa atividade paralela remunerada passa a estar sob a gestão das Organizações Sociais, que, ao estimular amplamente o empreendedorismo, passam a ter todo o controle das atividades de ensino e pesquisa da Instituição e fora dela. Esse controle total se comprova, sobretudo, no inciso II do artigo 40, que estabelece que as OSs poderão “apoiar a execução de planos de ensino, extensão e pesquisa das IFES” e, no artigo 11 inciso 7, exercer “avaliação da satisfação dos alunos com os professores e disciplinas”.

    Afigura-se bastante evidente que o intenso estímulo ao empreendedorismo (como foi dito na apresentação do projeto, “vai ser o melhor emprego do mundo”) pode fazer com que essa atividade paralela, exercida no âmbito na profusão de microempresas criadas em parceria com as OSs, pode se tornar a ocupação principal do docente pertencente à carreira, em regime de Dedicação Exclusiva, em detrimento das atividades de ensino, orientação e contato com seus pares voltados à pesquisa básica, para a qual não há nenhum incentivo nesse projeto.  Emerge igualmente a possível consequência de que os projetos que não se enquadrarem nesse viés do empreendedorismo não desfrutarão da mesma projeção e espaço institucional, podendo ser considerados fora do interesse ou das metas da Organização Social responsável pela gestão – portanto, não merecedores da destinação de recursos, inclusive humanos. Tudo no Future-se aponta para a prevalência visão mercadológica das atividades de ensino e pesquisa, com critérios de avaliação estranhos ao fazer acadêmico, como diz explicitamente o inciso V do artigo 11: “adesão, no que couber, a códigos de autorregulação reconhecidos pelo mercado”. E, para que isso se efetive, o professor, como bom “empreendedor”, teria que se transformar num profissional de administração e marketing.

    “Código de ética e Conduta” –  punições para quem não se adequar

    Todo o projeto é perpassado pela não dissimulada intencionalidade punitiva para os resistentes à filosofia do empreendedorismo. Além da possibilidade de rejeição dos projetos de pesquisa que não atendam aos critérios de financiamento estabelecidos pelos gestores do fundo a ser criado, o método de cobrança é a verificação do cumprimento de metas no ritmo determinado pelos interesses de mercado da OS. É fácil concluir que a pesquisa de base e pura, que tem evolução e percurso em ritmo não facilmente mensurável pelos critérios de avaliação derivados desses interesses, seria diretamente prejudicada. Mas até mesmo uma pesquisa perfeitamente enquadrada nos parâmetros desejáveis pelo mercado pode ter uma mudança de curso e deixar de cumprir metas – nem sempre os resultados esperáveis são confirmados pela evolução de um projeto. Mesmo em casos dessa natureza poderá haver aplicação de penalidades, pois os gestores não necessariamente se orientam por critérios do meio acadêmico e estarão sujeitos à constante cobrança por resultados. Não é difícil prever a pressão psicológica e o grau de estresse que esse ambicioso plano de metas e avaliação de satisfação por parte dos clientes pode trazer aos docentes pesquisadores.

     . A garantia de aumento do controle interno e a auditoria externa das contas das IFES estão sacramentadas no projeto pelo artigo 60, inciso VI, parágrafo único. Exala do conjunto do projeto uma forte desconfiança das instâncias e mecanismos de gestão democrática estabelecidos pela própria Constituição Federal e já desenvolvidos no âmbito administrativo das IFES. O Future-se, entretanto, vai mais longe, ao prescrever no artigo 6o um “Código de ética e conduta” para todos os servidores cedidos, ainda que já estejam sujeitos aos processos administrativo-disciplinares (PAD) previstos no Regime Jurídico Único, com o objetivo de “aferir responsabilidade pelos atos praticados durante o contrato de gestão”. Aceitar a priori a aplicação desse código a servidores estáveis e sujeitos às garantias do RJU, sem que ele esteja estabelecido, desconhecendo-se, portanto, suas possíveis consequências e limites, parece ser um tiro no escuro, sem que se saiba o que se pode atingir e a extensão dos danos.

    Em caso de descumprimento de cláusulas contratuais ou da manifesta intenção da Instituição Federal em romper o contrato de gestão com uma OS, ainda que deseje se manter no Future-se, serão aplicadas penalidades, como deixa expresso o projeto de lei no artigo 3o parágrafo 3o, incisos VI e VII, e é esperado em qualquer contrato. Porém, se uma IFES, por força de deliberação de seu Conselho Superior, optar pela sua exclusão do Future-se, também serão aplicadas penalidades, como adianta o artigo 2o parágrafo 1o. Portanto, uma vez que ingresse no programa, está caracterizada cessão da autonomia administrativa garantida às Universidades pela Constituição Federal no artigo 207.  Ao assinar um contrato dessa natureza, mesmo com a aprovação do Conselho Superior, o Reitor de uma Universidade ou Instituto Federal não pode garantir que algum servidor público ou estudante da Instituição, ou suas entidades representativas, não vá reclamar na justiça seu prejuízo de direito funcional ou estudantil por não concordar com essa explícita renúncia a um princípio constitucional vigente quando de seu ingresso na Instituição. A questão que se levanta, para além dos aspectos técnicos e políticos, é a admissibilidade jurídica dessa renúncia a um princípio constitucional que é democratizante. Certamente aqui há matéria para ingresso de uma ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade) por parte das entidades que possuem essa prerrogativa.

    Consequências para os estudantes

    Para os estudantes, as consequências também serão duras, colocando mais barreiras para permanência. As severas restrições de recursos para assistência e permanência, que já estão em andamento devido ao corte feito pelo MEC no orçamento de custeio, serão ainda maiores com a desobrigação do Estado de financiamento das IFES. Podemos observar que no projeto Future-se não há sequer menção a assistência estudantil, na lógica de que “cada um corra atrás do seu”. Também é bastante previsível que haverá o enfraquecimento do apoio à pesquisa (como bolsas) nas áreas consideradas de difícil ou demorado retorno financeiro, como as Ciências Humanas. Devido à imposição de metas de produtividade, está explícito no projeto o aumento do controle e um tipo de auditoria feito pelas OS. Os estudantes das áreas não contempladas pelos interesses da perspectiva do empreendedorismo vão se deparar com fortes restrições financeiras e desinteresse da gestão em autorizar o dispêndio de tempo e instalações para seus projetos.

    As atuais atividades de extensão universitária, que completam o tripé indissociável de Ensino, Pesquisa e Extensão, certamente serão revistas para que sejam forçadas a se adequar ao espírito que informa o projeto Future-se. Assim, as atividades marcadas pela interação com os movimentos sociais, por não serem rentáveis e gerarem custos (na concepção liberal), estarão na mira imediata da tesoura das OSs. Está claro que não há lugar para projetos de extensão cuja natureza se oponha ao seu sentido material e ideológico geral, do governo e do mercado. A função social das Universidades não é um princípio contemplado por esse projeto, a despeito dos resultados auspiciosos dessa linha de atuação e da grande atratividade para o conjunto dos estudantes.

    Como consequência óbvia da transferência da gestão das IFES do Conselho Superior, onde a representação estudantil tem paridade, para as OSs, haverá o reforço do autoritarismo em relação aos estudantes. A própria estrutura geral das IFES se tornará mais autoritária e decisões advindas de uma gestão tipo empresarial de OS potencializarão isso.

    Assim, parecem bastante razoáveis os temores de que haja prejuízo na formação técnica, pedagógica e humana, na medida em que todo o enfoque principal do projeto, das falas do Ministro e de outros dirigentes do MEC tem sido no sentido de simplificação do ensino, inclusive aplicando a recente ampliação do percentual de ensino a distância (EAD). O objetivo propalado é a formação de uma mão de obra técnica simplificada e que atenda aos ditames de uma exploração que produza resultados práticos para o capital, de modo disciplinado e acrítico, privilegiando os estudantes de “boa conduta”. O coroamento dessa visão está no artigo 44 do projeto: “Fica instituído o Dia Nacional do Estudante Empreendedor, a ser comemorado no primeiro sábado depois do dia do trabalhador”.

    O projeto formalmente é omisso quanto às políticas de cotas. Mas, considerando que estas requerem políticas de permanência para sua efetividade, e como tende a haver cortes ainda maiores nas verbas para a assistência estudantil, certamente o projeto acabará de fato se tornando um ataque significante às cotas.

    O inciso VII do artigo 14 preconiza como um dos objetivos das IFES contratantes a obrigação de “promover ações de empregabilidade para os alunos das instituições”. Mas não há qualquer indicação de como isso será possível no âmbito das áreas não contempladas pelo espírito empreendedor, como as Ciências Humanas. A intenção parece estar toda voltada para a criação de polos tecnológicos, incubadoras de microempresas e parcerias público-privadas voltadas ao desenvolvimento de produtos de Inovação. Há implícita desvalorização dos cursos e diplomas obtidos nas demais áreas do conhecimento que não contemplam esse tipo de pesquisa.

    Como já alertamos, apesar de não estar presente explicitamente no projeto e ser inconstitucional, o projeto abre espaço para uma futura introdução do pagamento de mensalidades também nos cursos de graduação. Nos cursos de pós-graduação lato sensu a cobrança de matrícula e mensalidades está listada como uma das receitas do fundo de financiamento.  Não por acaso, esta intenção tem sido vocalizada por diversos membros do bloco governante.

    Uma possível consequência para o Movimento Estudantil (ME) é a tentativa de sufocamento de suas potencialidades.  Afinal, os alunos que terão acesso aos recursos são os de “boa conduta”. Para esse governo qualquer ato de resistência é criminalizado, portanto, fora da boa conduta. Além disso, dentro de uma lógica mercadológica e autoritária certamente haverá restrições ao uso de espaços físicos e circulação dos estudantes. E tendo em vista que tudo que é contrário ao governo é considerado como “balbúrdia”, o ME será criminalizado e perseguido, numa tentativa de extingui-lo.

    Para coroar a perspectiva fortemente autoritária no que diz respeito à relação com os estudantes, no final da apresentação do projeto em Brasília o Secretário da SESU diz para o presidente da UNE – que havia feito uma intervenção não prevista no início da apresentação e chamado a ficar na primeira fila – que, já que teria “se comportado bem” durante a exposição,  seria depois recebido pelo MEC. Definitivamente, essa atitude não guarda qualquer semelhança com a atitude respeitosa de parceria e participação conquistada pelo movimento estudantil na gestão democrática e paritária estabelecida na maioria das IFES.

    Enfim, o Future-se representará um processo de reversão da política de expansão das Universidades e Institutos Federais e das políticas de inclusão, atingindo tanto os estudantes que já estão nas IFES como aqueles que lutam para ingressar.

    O Marketing para melhor vender o projeto

    Na promoção do seu “produto”, especialmente na apresentação de lançamento feita aos reitores, o MEC se aproveita de várias situações já existentes nas Universidades para gerar confusão, dando a ideia que seu projeto se baseia em “boas práticas” já existentes. Tanto se refere a alguns casos que deram certo (como o do uso da energia solar em algumas unidades) quanto reivindica o modelo de ações de viés privatizante que foram iniciadas em gestões petistas no governo federal, como a EBSERH, que é um mau exemplo de privatização de fato dos hospitais universitários, cuja gestão foi entregue às OSs no governo Dilma Rousseff. A adesão à EBSERH também foi apresentada como voluntária, mas a pressão sobre as Universidades foi imensa, e já estão disponíveis pesquisas que apontam para precarização das/os trabalhadoras/es. A apresentação no MEC e o vídeo de propaganda do projeto usam esses casos como gancho para generalizar o atual projeto globalmente privatizante e desestruturante da Universidade pública.

     Mesmo na comparação com o modelo antecedente da EBSERH, tanto citado como precursor, haverá uma profunda radicalização da privatização por dois elementos fundamentais: agora a gestão da Organização Social contratada envolve também ensino e pesquisa, e os hospitais universitários ficariam não somente abertos ao SUS, como também para pacientes privados e clientes de planos de saúde. Essa chamada “dupla entrada” acaba provocando diferenças de qualidade no atendimento dentro dos próprios hospitais públicos.

    Ações interessantes que já existem em algumas universidades, como projetos que geram economia de recursos e menos poluição, como reutilização de água e uso de energia solar, são alguns exemplos que aparecem na propaganda do Future-se, mas não têm nada a ver com o conjunto do novo projeto. São ações que podem e devem ser incentivadas, mas não precisam do conjunto do projeto, pois podem continuar a serem geridas como projetos das IFES, servindo ao desenvolvimento da Universidade e coroando o esforço em pesquisa de seu corpo docente, técnico e discente.

    A propaganda do Future-se incorpora também o fato de que nos campi de algumas universidades já existem marcas de empresas que formaram parcerias em alguns projetos internamente – como é o caso da Petrobras na UFBA e na UFRJ e o polo tecnológico instalado em parcerias público-privadas no campus Ilha do Fundão da UFRJ, com contrapartida financeira por parte das empresas, ou a existência de incubadoras de microempresas. Além de serem experiências que precisam passar por uma avaliação crítica, essas ações já são permitidas pelo Marco Legal vigente da Ciência e Tecnologia para Pesquisa & Inovação (de 2016), prescindindo, portanto, de um projeto como o Future-se.

    A apresentação do MEC manipula as situações, afirmando que, ao aderir ao programa e contratar uma OS para administrar a IFES, “O Reitor ficaria livre” para tratar do ensino e pesquisa, deixando a parte de gestão administrativa para profissionais especializados na lógica empresarial. Na prática, o que ocorrerá é que o Reitor e o Conselho Universitário, ao perder o controle financeiro e de gestão de boa parte do pessoal, cedido às OSs para administração e mesmo ensino e pesquisa, perderiam todo o controle sobre a instituição. O Reitor eleito se tornaria efetivamente um cargo honorífico.

    A grande e sedutora promessa é de que todos os professores “que se harmonizarem ao Future-se” vão se transformar em empreendedores e ficar ricos. É um chamariz material que tem forte repercussão e incentivo ideológico ao esforço e ao investimento e liberdade de empreendedorismo. No seu discurso para os estudantes, utiliza-se também do alto índice de desemprego entre os portadores de graduação para vender a miragem do emprego de empreendedor a partir da criatividade individual. Esse discurso mascara o cerne do projeto, que é o desmanche da universidade pública, gratuita e de qualidade.

    Uma proposta que tem condições de polarizar um setor da “comunidade” das IFES

    Apesar de ser um projeto desastroso de ruptura profunda e regressiva do acúmulo histórico da universidade pública, ele tem condições de ganhar uma parte da comunidade acadêmica. Como vimos, o projeto foi apresentado, no anúncio formal para os reitores, como um grande projeto de marketing que interessaria a todos porque “Todos vão enriquecer”.

    Dentro do atual quadro de servidores, já existem professores/pesquisadores que atuam nessa perspectiva liberal e privatista, que querem mais facilidade para parcerias com o setor privado, para a realização de cursos extras (especialmente de pós-graduação lato senso) e de outras fontes de renda além do salário e bolsas institucionais. É também, mesmo que de modo menos aberto, o caso do EBSERH e de outras parcerias já existentes com a iniciativa privada. O mesmo ocorre entre os estudantes e tem potencial de desenvolvimento em parte de servidores técnicos e administrativos.

     Além disso, contam com clima político e ideológico mais favorável a investimentos privados presente na sociedade neste momento, e mesmo com discursos e experiências já praticadas por governos petistas em nível federal e nos estaduais ainda existentes, tanto na área de educação como de saúde. Esses grupos mais afinados com a linha do projeto tendem a se organizar e tentar se fortalecer para disputar a perspectiva do MEC dentro das IFES e na sociedade, buscando a aprovação da adesão de suas Instituições e Unidades ao projeto.

    O Ministro da Educação não esconde a intenção de intervir autoritariamente nas Universidades com os instrumentos administrativos à disposição, como portarias e instruções normativas que provoquem alteração na correlação de forças, como a nomeação de reitores e pró-reitores sem apoio na maioria da comunidade acadêmica das IFES. Pode haver a tentativa de atropelar Conselhos Universitários onde existam resistências, até mesmo contra reitores que resolverem aderir, mas não tenham maioria nessas instâncias. Como exemplo, o governo já se decidiu pela escolha de pró-reitores diretamente pelo MEC, por fora das indicações dos reitores.

    O projeto do MEC, por mais precário e sem fundamentos de viabilidade que seja, não é aleatório nem “irracional”. Insere-se no conjunto da obra do governo Bolsonaro. Um governo marcado por ações que podemos chamar de idiotas ou mesmo criminosas, e que parece caótico, mas não é, pois é coerente com o conjunto de sua política. Um governo que ataca os direitos do povo em todos os âmbitos, especialmente dos trabalhadores e trabalhadoras na sua diversidade negra, feminina e jovem. Um governo antinacional, ultraliberal e privatista na política econômica, na política social e nas políticas públicas em geral. Que, explicitamente, nas palavras do Ministro da Economia, pretende privatizar todas(!) as empresas estatais e incentivar a venda de empresas privadas nacionais ao capital estrangeiro. Um governo antidemocrático, autoritário, que criminaliza os movimentos sociais, o movimento estudantil, a esquerda e tudo que pareça esquerda, mesmo quando não é. Um governo racista, homofóbico, machista, que pretende fazer vistas grossas ao trabalho análogo à escravidão e que reforça todas as opressões existentes. Obscurantista, que tem membros que acreditam que a Terra é plana, que rejeita cinicamente qualquer informação de caráter técnico e científico que conteste seus objetivos ideológicos e que nutre um profundo preconceito com intelectuais e artistas que tenham um mínimo de visão crítica. Que é destrutivo do patrimônio cultural de nosso povo, do meio ambiente, dos territórios indígenas e quilombolas. Enfim, um governo que tem dentro de si um núcleo marcado pelas concepções e práticas do neofascismo encarnadas pelo próprio presidente. Um neofascismo sui generis, adequado ao capitalismo dependente liberal periférico, onde o patriotismo é retórico e o verde e amarelo é apenas um verniz que encobre um entreguismo mais subserviente.

    Não podemos nos esquecer de que o projeto Future-se se potencializa simbioticamente com um conjunto de outras medidas que já têm sido tomadas, como corte radical de verbas para a educação em geral e o ensino superior em particular; desrespeito à indicação de reitores pela ordem definida nas consultas; censuras de diversos tipos; desqualificação pública sistemática da universidade pública, da pesquisa científica, da ciência em geral e de órgãos oficiais de pesquisa como o INPE e o IBGE; da ofensiva conservadora através da proposta da “escola sem partido”; e intromissão policial e do Ministério Público no âmbito universitário, com abertura de inquéritos arbitrários etc.

    Nesse sentido, esse projeto é mais uma manifestação dessa tragédia, que se soma coerentemente à reforma da Previdência, à reforma trabalhista, aos cortes de verbas das políticas públicas sociais, ao estado arbitrário com um aparelho jurídico coercitivo profundamente manipulado política e ideologicamente, à estripação da Petrobras e outras privatizações, à desnacionalização da Embraer, à cessão da base militar de Alcântara (Maranhão) aos EUA, ao acordo de livre comércio com a União Europeia e à destruição da Amazônia. E, é claro, está inserido dentro da ofensiva liberal e conservadora do capital, que, diante da crise mundial do capitalismo, procura realizar maiores lucros a partir do recrudescimento da superexploração do trabalho e do saque às riquezas acumuladas, especialmente na periferia.

    O viés e a essência ideológica do projeto

    Do ponto de vista ideológico, o projeto pretende uma profunda mudança na cultura acadêmica. Como sabemos, a cultura tem uma base material. Numa sociedade capitalista a cultura predominante é burguesa e a universidade pública não é uma ilha isenta e livre da ideologia burguesa, que já é predominante dentro dela. Mas não chega a ter a radicalidade existente no mercado e permite um certo grau de liberdade e pluralismo no ensino, na pesquisa e na extensão. São admitidas práticas solidárias, uma resistência ao ultraliberalismo e ao fundamentalismo conservador e, mesmo que minoritariamente, um pensamento crítico radical ou mais ou menos radical.  

    O projeto de MEC é enganoso. O regime de funcionamento das IFES é de autonomia acadêmica, administrativa e de gestão financeira, com financiamento público. A ênfase do projeto do MEC é na autonomia financeira das IFES, que devem buscar recursos em fontes privadas. Ao fazer isso, reforça a perspectiva ideológica liberal e, ao menos em parte, conservadora, de duas maneiras. Submete o financiamento e, portanto, o funcionamento da universidade aos interesses materiais e à perspectiva ideológica das empresas. Ao mesmo tempo, na medida em que vai enfraquecer os espaços da autonomia política das IFES, visa fortalecer o autoritarismo e uma cultura autoritária. E, com base no autoritarismo, haverá um reforço do conservadorismo inclusive no seu viés mais fundamentalista.

    A gestão via OS também vai reforçar a cultura liberal de mercado e o autoritarismo. Assim, em seu conjunto, favorece aqueles que têm uma perspectiva mais identificada com um governo ultraneoliberal na economia e conservador nos costumes. Procura forçar os demais a se adequarem a métodos privatistas e autoritários, assim como a conteúdos de pesquisa com melhor possibilidade de aprovação por esse sistema.

    Além disso, o sistema vai reforçar ainda mais um clima de competição individualista em cinco níveis. Pela renda pessoal dos professores/pesquisadores, que serão pressionados a buscar outras fontes de renda além do salário normal arrochado e terão que recrudescer uma competição entre eles. Dos grupos de pesquisa entre si pelos recursos. Na mesma lógica, também das IFES entre si e das unidades internas dentro de cada IFES. E também entre os estudantes, já que “os melhores, com notas melhores” nas avaliações e de “boa conduta” serão premiados. Claramente, haverá maior interferência liberal e conservadora e controle da formação ideológica dos estudantes.

    Finalmente, as contratações de professores feitas pelas OS, por métodos menos democráticos e transparentes que os concursos públicos também vão reforçar as escolhas ideológicas num viés liberal e conservador. Efetivamente, o projeto visa construir uma nova cultura política dentro das IFES, ainda mais burguesa, individualista e liberal na visão de Estado e economia, com maior presença conservadora em termos sociais.

    Sendo assim, esse projeto, mesmo parecendo meio caótico, não é um fato isolado. Ele se insere num esforço político para reforçar ainda mais a hegemonia burguesa, que já vinha se fortalecendo há mais de uma década, tanto do ponto de vista material como ideológico, na economia, no estado e na sociedade.

    A resistência está sendo construída

    Entretanto já se arma a resistência a essa hecatombe representada pelo Future-se. Algumas universidades já o analisaram e, por meio de seus Conselhos Universitários, deliberaram pela rejeição. A comunidade acadêmica e as entidades representativas das categorias de docentes, servidores técnico-administrativos e do movimento estudantil já estão em movimento em defesa das Universidades e Institutos Federais, para que se preserve sua atual natureza pública, gratuita e socialmente referenciada. Intensifica-se a luta em defesa das IFES, que são patrimônio do povo brasileiro como espaço privilegiado de construção do saber e avanço cientifico e tecnológico reconhecidos, com ênfase em seu notável capital humano altamente especializado. Já está havendo luta, dando seguimento ao que ocorreu no primeiro semestre deste ano, quando foram feitas grandes manifestações e uma vitoriosa Greve Nacional da Educação.

    É dado conhecido, embora omitido pelo atual governo entreguista, que as Universidades públicas, mesmo representando apenas 12% do total das escolas de nível superior no Brasil, realizam 95% da pesquisa básica e aplicada do país, com espetacular reconhecimento e excelência em rankings nacionais e internacionais, em diversas áreas do conhecimento. Cabe ressaltar também o avanço tanto na democratização da gestão quanto no acesso de estudantes negros e pobres, muitas vezes os primeiros de suas famílias a conseguirem o ingresso em uma Universidade.

    É fato que podem ser apontados em algumas das IFES problemas pontuais de gestão, reforçados pelos diversos cortes de verbas feitos por vários governos. Também está presente a inevitável visão tecnicista e produtivista que impregna a produção do conhecimento em nossos tempos, reforçada pela situação de capitalismo dependente liberal periférico – da qual a corrida estressante pelos pontos do currículo Lattes é um exemplo. Apesar disso, as Instituições Federais de Ensino Superior representam uma riqueza pública a ser preservada da sanha destrutiva, entreguista e cínica do governo Bolsonaro. Estando sob o duplo garrote da escorchante Emenda Constitucional 95 do governo Temer, que congelou no nível de 2016 as verbas públicas já reduzidas para as áreas sociais, e dos recentes cortes de 30% na verba de custeio, as Universidades e Institutos Federais têm diante de si uma luta de vida ou morte pela sobrevivência. Resistiremos em luta; essa é a tarefa que está colocada aos movimentos estudantil e sindical, à comunidade acadêmica e à sociedade brasileira.

    * Jorge Almeida é professor Associado do Departamento de Ciência Política e do PPG de Ciências Sociais da UFBA.

    * Magda Furtado é professora Titular do Departamento de Língua Portuguesa e Literaturas do Colégio Pedro II (IF), membro da Direção Nacional do SINASEFE e da Executiva Nacional da CSP-Conlutas.

    * Rafaela Cardoso, militante da Juventude Pajeú, licenciada e bacharelanda em História pela UFBA.

  • Observatório da Democracia: Relatório sobre Mundo do Trabalho – julho/2019

    Observatório da Democracia: Relatório sobre Mundo do Trabalho – julho/2019

    Observatório da Democracia:
    Relatório sobre Mundo do
    Trabalho – julho/2019

    Alterações nas regras de “pensão por morte”
    na proposta de Reforma da Previdência

    Fatos relevantes Se aprovada a Reforma da Previdência (o texto base foi aprovado em primeiro turno pelo plenário da Câmara dos Deputados), o valor da pensão por morte será reduzido.

    – A Reforma prevê também cortes no pagamento em caso de “acúmulo de benefícios” (pensão mais aposentadoria, por exemplo). Quem hoje é pensionista e, no futuro, venha a se aposentar ou vice-versa será atingido. O benefício de menor valor sofrerá desconto considerável.

    – Cabe destacar que o plenário da Câmara rejeitou, por 328 votos a 156, o destaque do PT (Partidodos Trabalhadores) que pretendia excluir do texto da Reforma as alterações nas regras de cálculo dapensão por morte.

    – O Brasil tem hoje 7,7 milhões de pensionistas por morte no INSS, incluindo viúvos e viúvas(homens e mulheres) e dependentes.

    – As regras para concessão do benefício são as mesmas para homens e mulheres – ou seja, os maridos também têm o direito de receber pensão por morte de esposa. Entretanto, estima-se que mais de 60% dos beneficiários da pensão por morte são pessoas do sexo feminino.

    – O Ministério da Economia divulgou os dados estatísticos dos pagamentos previdenciários do ano de 2017 (os dados de 2000 a 2016 também estão disponíveis). Os dados podem ser acessados por município (através do link http://www.previdencia.gov.br/dados-abertos/estatisticas-municipais-2000-a-2016/). No relatório divulgado, é possível consultar a população do município, a quantidade geral de beneficiários do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), a quantidade de beneficiários específicos da pensão por morte, além de outros dados acerca da aposentadoria, seja por invalidez ou por tempo de contribuição. Os dados divulgados evidenciam o fato de que a pensão por morte é um mecanismo importante de proteção social que alcança milhões de brasileiros de todas as regiões do país, inclusive das pequenas cidades. A alteração nas regras do pagamento de pensão por morte afetará a economia nacional, a economia local das cidades e pequenos municípios e a organização familiar de milhões de pessoas ao redor do país.

    Dados de 2017 – do ano mais recente disponível:

    Região Norte: Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará, Amapá e Tocantins

    Pensões por morte: 345.359.

    Total de benefícios previdenciários (incluindo aposentadorias por invalidez e tempo de contribuição + pensionistas): 1.376.323.

    25,09% dos beneficiários previdenciários da região recebem pensão por morte.

    Região Nordeste: Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe,Bahia

    Pensões por morte: 2.006.618.

    Total de benefícios previdenciários (incluindo aposentadorias por invalidez e tempo de contribuição + pensionistas): 7.749.483.

    25,89% dos beneficiários previdenciários da região recebem pensão por morte.

    Região Sudeste: Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo

    Pensões por morte: 3.623.608.

    Total de benefícios previdenciários (incluindo aposentadorias por invalidez e tempo de contribuição + pensionistas): 13.546.342.

    26,74% dos beneficiários previdenciários da região recebem pensão por morte.

    Região Sul: Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul

    Pensões por morte: 1.368. 913.

    Total de benefícios previdenciários (incluindo aposentadorias por invalidez e tempo de contribuição + pensionistas): 5.561.628.

    24,61% dos beneficiários previdenciários da região recebem pensão por morte.

    Região Centro-Oeste: Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás, Distrito Federal

    Pensões por morte: 442.766.

    Total de benefícios previdenciários (incluindo aposentadorias por invalidez e tempo de contribuição + pensionistas): 1.571.188.

    28,18% dos beneficiários previdenciários da região recebem pensão por morte.

    Total: Pensões por morte: 7.787.264.

    Benefícios previdenciários: 29.804.964.

    26,12% dos beneficiários previdenciários do país recebem pensão por morte.

    Os dados divulgados pelo Ministério da Economia informam a quantidade total de beneficiários previdenciários por município, por estado e por região, e também descreve a qualidade do benefício: aposentadoria por idade, aposentadoria por invalidez, aposentadoria por tempo de contribuição, pensões por morte, auxílios e demais benefícios (o total de cada uma dessas qualidades). No presente relatório, apresentamos o total de beneficiários previdenciários por região(números brutos) e a quantidade de pensões por morte também por região. Por fim, apresentamos o equivalente percentual das pensões de morte com relação aos beneficiários totais da previdência social. O Ministério da Economia não informou os dados por gênero, diferenciando a quantidade de beneficiários homens e mulheres, como também não informou a renda média das pensões por morte no país. Contudo, é possível compreender o cálculo e a composição da pensão por morte e até simulá-la.

    Medidas do governo

    – A MP 871 de 2019 limita a pensão por morte do INSS. Os segurados do INSS que vivem em união estável terão mais dificuldades para conseguir a pensão por morte nas agências da Previdência. O motivo são as novas exigências impostas pela lei 13.846, derivada da medida provisória 871. A principal delas diz respeito aos documentos que comprovem a união estável, que devem ser de até 24 meses antes da morte do segurado.

    – Para além da MP 871, a proposta de Reforma da Previdência de Jair Bolsonaro e Paulo Guedes também propõe modificações substanciais no quesito pensão por morte. Hoje, ela é de 100% para segurados do INSS, respeitando o teto de R$5.839,45. Para os servidores públicos, além deste percentual, o segurado recebe 70% da parcela que superar o teto. Com as mudanças, o valor parte de apenas 50%, aumentando em 10% para cada dependente, o que não faz muito sentido, dado que idosos raramente têm filhos menores de idade.

    – Para ilustrar as modificações, pensemos no seguinte caso, descrito por Antonio Tuccílio, Presidente da Confederação Nacional dos Servidores Públicos (CNSP): o segurado idoso recebe R$2 mil de aposentadoria. Ele morre, deixando viúva, também idosa, sem capacidade ou potência de trabalho. Ela não tem filhos com até 18 anos que lhe proporcione acréscimos de 10% na pensão. Ou seja, ela passará a receber apenas metade do valor (R$ 1 mil). Com esse valor, ela precisará pagar alimentação, contas básicas (água, luz, telefone, gás), além do convênio médico, que costuma ser o item mais caro nos gastos dos idosos, não obstante a existência do importantíssimo Sistema Único de Saúde (SUS). É importante ressaltar, pois, que as despesas ordinárias (da ordem do dia,cotidianas) permaneceriam praticamente as mesmas com a morte do marido: a despesa com aluguel ou moradia, por exemplo, permaneceria idêntica, afetando negativamente o orçamento da viúva. O mesmo aconteceria com despesas fundamentais como alimentação, saúde, vestimenta, que sofreriam alterações mínimas. Portanto, para além da perda afetiva, haveria neste caso uma perda econômica considerável: a renda da viúva baixaria muito mais do que as despesas, seu poder de consumo seria drasticamente reduzido, faltaria dinheiro para as contas básicas, justamente numa faixa da existência em que a pessoa necessita de maior proteção social, inclusive (e sobretudo) por parte do Estado.

    – Outro ponto crítico diz respeito ao acúmulo de pensões. Após a reforma, não será mais permitido acumular pensão por morte e aposentadoria de forma integral. Será mantido o benefício de maior valor, e o outro será limitado a determinado percentual, conforme a soma dos valores. Quanto maior a soma dos benefícios, maior será este limite: 80% até 1 salário mínimo; 60% entre 1 e 2 salários mínimos; 40% entre 2 e 3 salários mínimos; 20% entre 3 e 4 salários mínimos; e zero acima de 4 salários mínimos.

    – Um outro exemplo foi dado, desta vez pela reportagem do jornal O Globo, utilizando como referência o valor do teto de aposentadoria. Um casal na faixa etária de 60 anos, sem filhos menores, recebendo cada um R$ 5.839,45, que é o teto do INSS, veria sua renda familiar cair em caso de morte de um dos cônjuges. O viúvo ou viúva manteria sua aposentadoria, mas o segundo benefício, no caso a pensão, seria de apenas R$1.898,32. Para este viúvo ou viúva, a pensão seria reduzida para 60% do valor do benefício pela regra da reforma que acaba com a pensão integral.

    – Hoje, a legislação brasileira considera dependentes com direito à pensão integral “o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave”. Com a reforma, o texto mantém inalterado o benefício a pessoas com deficiência e recalcula para os demais.

    – Com a nova regra, o valor do benefício poderá ser inferior a um salário mínimo, hoje em R$998,00. O benefício, no entanto, não poderá ser menor do que 1 salário mínimo se for a única fonte de renda do dependente.

    – Ainda segundo Tuccílio, não é inútil lembrar que pensão e aposentadoria são direitos distintos, de acordo com os artigos 226 e 227 da Constituição Federal. “Na ânsia por economizar, a equipe do ministro Paulo Guedes se esquece de considerar a lei fundamental e suprema do Brasil”.

    Análise crítica

    Pode-se concluir, pelos dados abertos pelo Ministério da Economia, que pelo menos 25%dos beneficiários previdenciários de todas as regiões do país referem-se à pensão por morte. As mulheres são as mais afetadas por este importante direito previdenciário que sofrerá mudanças coma Reforma da Previdência, se aprovada. 26,41% dos benefícios previdenciários no Brasil são por motivo de pensão de morte.

    As mudanças no cálculo da pensão de morte afetarão toda a população, mas especialmente os idosos. De acordo com a proposta de Reforma, não será mais possível conciliar integralmente a aposentadoria com a pensão por morte. Tal medida diminuirá a renda média do brasileiro e a seguridade social da classe trabalhadora e do povo empobrecido de nosso país.

    Um detalhe importante é que a média de concessão do benefício por região é muito semelhante, gira em torno de 25% e 28%. Com esses dados, é possível contrapor os discursos xenófobos internos que associam as regiões menos desenvolvidas economicamente com as políticas de assistência social no país. O percentual de beneficiários de pensão por morte no Sudeste, por exemplo, é semelhante ao do Nordeste ou do Norte do país. A pensão por morte, portanto, é um direito previdenciário garantido pela Constituição que atende um contingente enorme de pessoas em todo o país, independentemente da região.

    A assessoria de imprensa do Senado Federal divulgou uma reportagem comentando um caso concreto de pensão de morte que seria afetado pela Reforma da Previdência (o título da reportagem é Reforma da Previdência reduz valor de pensão por morte e aposentadoria por invalidez, data de 13 de maio de 2019). A maquiadora Michelle Peres Gomes, 33 anos, moradora de Valparaíso de Goiás (GO), tem direito a pensão pela morte do marido, causada pela infecção por hantavírus em 2017. Ele trabalhava como vigilante e ela agora recebe R$ 1,9 mil para cobrir as despesas com os dois filhos do casal, de 12 e 8 anos. Como se vê, trata-se de uma renda modesta,que dialoga com a média geral da população brasileira e da classe trabalhadora. O dinheiro é usado principalmente no transporte deles para a escola e na compra de roupas, além de pagar as contas de luz, água e condomínio. – A pensão é fundamental. Eu dependo dela para quase tudo, sem ela nem tinha como sobreviver. Só que até para a alimentação, ou para a escolinha de futebol dos meninos,eu tenho que pagar por fora, com o dinheiro do meu trabalho – explica.

    Assim como Michelle, milhões de pessoas no Brasil dependem da pensão por morte para sustentar a família. Atualmente o valor do benefício equivale a 100% da aposentadoria recebida pelo segurado ou ao valor a que teria direito se fosse aposentado por invalidez. Se houver mais de um dependente, a pensão é dividida entre eles. Se a Reforma da Previdência for aprovada sem alterações nesse quesito, haverá novas regras no pagamento do benefício para dependentes de servidores públicos, do Regime Próprio de Previdência Privada (RPS), e trabalhadores da iniciativa privada, do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), administrado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

    Conforme argumenta o presidente da Confederação Nacional dos Servidores Públicos,Antonio Tuccílio, “a equipe econômica não leva em conta, como já é de costume, os aspectos sociais envolvidos”. Por fim, ele interroga: de que vale uma reforma da Previdência que supostamente visa o equilíbrio fiscal se esta influencia diretamente para que idosos e pobres passem por problemas financeiros, logo quando mais precisam estar amparados?

    Acesso o Observatório da Democracia: www.observatoriodademocracia.org.br