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  • É possível uma contrarrevolução social sem a destruição das liberdades?

    É possível uma contrarrevolução social sem a destruição das liberdades?

    É possível uma
    contrarrevolução
    social sem a destruição
    das liberdades?

    Por Valerio Arcary

    Devemos nos colocar esta dúvida de mente aberta. Ela é um problema histórico. Problemas históricos são encruzihadas para as quais ainda não temos respostas. O que não diminui a importância da questão estratégica.

    No início dos anos oitenta não era claro se seria ou não possível uma estabilidade longeva para um regime democrático-liberal no Brasil. Entre 1979 e 1984, entre as greves “selvagens” de metalúrgicos, construção civil, professores, bancários e petroleiros, invariavelmente, ilegais, o Congresso de reconstrução da UNE, também, proibido, e as Diretas Já, a questão do que nos esperava, quando chegasse a hora do fim da ditadura, era central. Tivemos que lutar, duramente, por cinco anos. Cinco longos anos. 

    A tradição marxista revolucionária, herdeira da elaboração teórica da III Internacional sugeria que democracias burguesas duradouras só eram sustentáveis nos países centrais. Porque nas metrópoles imperialistas eram possíveis, mesmo se transitórios, pactos sociais com concessões reformistas para as massas trabalhadoras, em função da espoliação no mundo periférico. Nos países dependentes previa-se que  regimes democrático-eleitorais seriam improváveis. 

    Trinta e cinco anos depois sabemos a resposta. Era possível. Entre outros muitos fatores, sabemos que a construção da rede de seguridade social, através das conquistas consagradas na Constituição de 1988, favoreceu uma gradual redução da pobreza extrema, e um lento processo de distribuição de renda. Semana passada a unidade burguesa garantiu uma imensa maioria na Câmara dos Deputados, e aprovou a reforma da previdência.

    O objetivo estratégico do governo Bolsonaro é destruir todas as conquistas dos últimas três décadas. Eles dizem sem pudor que o custo da estabilidade do regime democrático ficou alto demais. Ficou caro demais. Direitos demais. Salário mínimo, carteira assinada, aposentadoria, saúde pública e universal, universalidade crescente do acesso à educação, subsídios para o transporte publico, tudo teria ficado caro demais. Enfim, impostos altos demais. Não escondem a quem servem. Os capitalistas, os fazendeiros, os patrões são apresentados como vítimas.

    A extrema-direita chegou ao governo, e está em luta pelo poder. Nesta luta pelo poder ambiciona a subversão do regime, ou do equilíbrio de poder entre as instituições. A ofensiva pela reforma da previdência foi uma primeira etapa de um programa de contrarrevolução econômico-social que pretende garantir privatizações, reforma fiscal, reforma do serviço publico, e muito mais.

    O que nos coloca diante, outra vez, da questão estratégica. Será possível levar adiante um programa de recolonização do Brasil sem destruir as liberdades democráticas? Não sabemos a resposta. Mas é bom saber que o perigo de uma contrarrevolução política existe, e é real. O perigo de uma derrota histórica. 

    Mas não há porque esmorecer. Nossa luta será uma maratona. Ela exige paciência e firmeza. E coragem e honestidade intelectual para aprender as lições. Derrotas devem ser chamadas pelo que são. O auto-engano é um mundo de ilusão e alimenta, perigosamente, o pensamento mágico e teorias da conspiração. Claro que dizer que fomos derrotados porque nossos inimigos venceram, também, não explica nada.

    Derrotas nos deixam mais frágeis. Derrotas são muito amargas. Sim, a situação é ainda muito ruim, reacionária. Mas muita calma nessa hora. Porque a aprovação da Reforma da Previdência era previsível desde o início do ano.

    O que nos deve surpreender é que não foi aprovada sem luta. Houve uma luta importante, insuficiente para derrotar o governo Bolsonaro e deter a maioria reacionária que domina a Câmara dos Deputados. Mas houve luta sindical e popular: os dias 15 e 30 de maio e o dia de greve nacional em 14 de junho. O que teria sido desmoralizador seria uma aprovação sem resistência. O campo da oposição de esquerda foi capaz de construir uma Frente Única e realizar corajosas mobilizações.

    Para derrotar esta Reforma teria sido necessário uma mobilização em uma escala muito superior. Esse patamar, simplesmente, ainda não era possível. Não existe essa disposição de luta entre as massas trabalhadoras. Sim, não reunimos ontem centenas de milhares em frente ao Congresso. A capital foi para Brasília, justamente, para ficar a mil milímetros dos grandes centros.

    Claro que foi uma capitulação absurda o apoio de governadores do PT a uma reforma da Previdência com descontos. Muito mais grave é lembrar que tanto o governo Lula quanto Dilma Rousseff martelaram a cabeça de milhões durante treze anos defendendo que uma reforma da previdência era incontornável. Tudo isso é certo.

    Mas não foi isso que explica, essencialmente, a votação da semana passada. Eles ganharam porque a força conta mais que os argumentos, e nossos inimigos estão em uma posição de força superior à nossa. Ganharam porque estamos experimentando derrotas desde 2014/15/16. E as derrotas pesam na cabeça das pessoas. Por isso inda duvidam na hora de resistir, custe o que custar.

    A votação da semana passada na Câmara dos Deputados confirma que tanto a tática quietista, ou alemã, pela referência na social democracia de Kautsky, que vê um Bolsonaro imbatível e aposta na espera das eleições, desconsiderando as possibilidades das mobilizações na escala de centenas de milhares, quanto a tática da ofensiva, ou húngara, pela referência em Bela Kun e a ultraesquerda da III Internacional, que desconsidera a força do governo Bolsonaro, e exagera as forças da resistência estão ambas equivocadas.

    A tática do desgaste, ou russa e italiana, porque defendida por Lenin, Trotsky e Gramsci, depois de 1921, compreende que em uma situação defensiva, quando as derrotas pesam na consciência de milhões, semeando a insegurança, a desilusão, ou o desespero, a resistência é vital para tentar manter posições, e favorecer a acumulação de forças. Impulsionar a Frente Única é ainda, nesta conjuntura, o melhor caminho.

    A derrota de 2018 não foi uma derrota histórica, mas não foi, somente, uma derrota eleitoral. Foi muito mais grave. Agora estamos diante das consequências. Ainda estamos na defensiva. A relação social e política de forças ainda é desfavorável. Teorias da conspiração que atribuem, com ligeireza infantil, a culpa pela derrota de hoje a forças malignas que teriam super poderes para fazer a greve geral, e derrubar o governo são puro pensamento mágico.

    Paciência e firmeza. As lutas decisivas não são aquelas que ficaram para trás. As lutas decisivas estão à nossa frente. Quanto tempo, e quantas lutas serão necessárias até a inversão da relação de forças? Não sabemos. Mas sabemos que Bolsonaro será derrotado, mais cedo do que tarde. A maré vai mudar. Não há porque esmorecer.

  • A luta em defesa da aposentadoria é um meio. Não o Fim.

    A luta em defesa da aposentadoria é um meio. Não o Fim.

    A luta em defesa da
    aposentadoria é
    um meio. Não o Fim.

    Por Alexandre Caso – Membro do Coletivo Bancários na Luta, Membro da Direção dos Bancários de São Paulo, Membro da Direção Nacional da Intersindical – Central da Classe Trabalhadora

    A Luta contra a aprovação da Reforma da Previdência, apresentada pelo Governo através da PEC 06/19, tem propósitos que estão além do resultado que dialogue exclusivamente com essa importante Batalha.

    A Proposta de Reforma da Previdência traz em seu bojo, Bodes e Jabutis. As batalhas enfrentadas até agora contra a aprovação dessa Pec., não começaram e nem terminam no final de sua tramitação, seja qual for o resultado.

    A Luta em defesa da Aposentadoria traz uma característica diferente de outros enfrentamentos aos ataques do Capital, que para resolver seus problemas cíclicos, tenta mais uma vez impor aos Trabalhadores e Trabalhadoras uma conta com grave Custo Social.

    Sai um governo, entra outro e os ataques se intensificam, nesse sentido a antiga PEC 287, que trata da mesma pauta da PEC 06/19, foi derrotada pelos Trabalhadores e Trabalhadoras na última Disputa. Em que pese nossa vitória na Pec. 287, e o acúmulo muito importante no debate atual, é necessário observarmos algumas distinções importantes entre esta e aquela Luta.

    A Vitória sobre a última tentativa de destruir a Previdência ocorreu em outra Conjuntura. À época, o golpista Temer chegava ao poder desgastado e sem credibilidade, além de ser alvo de escândalos. Além da Luta, a proximidade das Eleições Presidenciais contribuiu de forma determinante para a Vitória sobre a PEC 287 e o Golpista Temer.

    Na batalha atual contra a PEC 06/19, temos uma Conjuntura bastante diferente, pois um governo eleito a pouco mais de seis meses, em que pesem todas as loucuras, despreparo e aprovação em queda, foi eleito através do voto, portanto ainda conta com alguma popularidade, além de resquícios de uma recente disputa eleitoral contaminarem o debate sobre a previdência.

    A Luta contra essa Reforma da Previdência deve ser encarada também como um campo de acúmulo político para resistir aos diversos outros ataques.

    Temos diversas outras Lutas no radar, sejam no campo dos Costumes, da Segurança Pública, contra a Criminalização dos Movimentos Sociais, em defesa da Soberania Nacional, contra a Retirada de Direitos, Autonomia e Organização da Classe Trabalhadora; além de ataques velados contra a Liberdade de Imprensa.

    O Conjunto de ataques que estamos sofrendo, aponta para uma estratégia de enfrentamento a partir do acúmulo pontual de cada resultado frente à Resistência à destruição da Previdência.

    O campo principal de batalha continua sendo as Ruas. O Parlamento também mereceria uma análise a parte nessa Luta, pois o protagonismo assumido pelo Presidente da Câmara, somado ao chamado Bloco do “Centrão” que também tem o poder de determinar vida ou morte a qualquer projeto, dependendo do atendimento de seus “interesses”, consegue frequentemente superar a conhecida incompetência política do governo.

    Também deve ser considerado o importante trabalho ocupando espaços no Parlamento, compondo com Parlamentares do nosso Campo e marcando corpo a corpo não apenas os Parlamentares predadores de Direitos, mas também não permitindo aos Lobistas representantes de Bancos e Grandes Grupos Econômicos atuarem sem adversários neste Campo, em que pese clareza sobre nossas limitações frente ao poder econômico representado por eles.

    As Ruas, no último período, foram palco de importantes Atividades, com destaque para os dias 15 e 30/05, além da Greve geral em 14/06.

    O Movimento Estudantil demonstrou mais uma vez seu histórico poder de mobilização e Luta, indo às ruas em defesa da Educação, levando junto a pauta em defesa da Aposentadoria.

    O Movimento Sindical, junto com as Frentes Povo sem Medo e Brasil Popular realizaram uma Greve Geral e continuam nas Ruas conscientizando, nas bases Eleitorais dos Parlamentares denunciando suas posições, nas Associações, Igrejas, Comunidades e todo os espaços que permitam debate e conscientização sobre a gravidade dos ataques desse governo contra os menos favorecidos através da Deforma da Previdência.

    A Coleta de assinaturas nas ruas para o Abaixo-Assinado contra a aprovação da Reforma da Previdência e que será entregue ao Parlamento em Brasília no dia 13/08, tem se mostrado um importante instrumento de diálogo, esclarecimento e conscientização. Essa frente de ofensiva tem sido bastante eficaz para enfrentar as mentiras propagadas pelo Governo, via Grande Mídia, sobre a Reforma.

    No dia 13/08, mesma data da entrega do Abaixo-Assinado, todos os Movimentos farão um dia de Luta em todo o país, contra a Reforma e em Defesa da Aposentadoria.

    Estamos enfrentando a força do governo, dos Bancos, dos Grandes Grupos Econômicos e inclusive interesses internacionais. Frente a essa Conjuntura é natural, de um lado, diante de tantos ataques ao mesmo tempo, somada a uma Correlação de forças desfavorável neste momento a possibilidade de surgir algum pessimismo que nos distancie de enxergar avanços conquistados.

    Entender que o processo de ataque aos nossos direitos não teve início e nem termina na Luta e resistência à essa Reforma da Previdência é condição para construir a melhor Estratégia.

    Partindo do pressuposto que a Resistência contra a Reforma da Previdência é a principal Luta, em que pese reconhecermos que esse não deveria ser o debate central, caso tivéssemos condições de impor uma pauta positiva, é necessário compreender que essa Luta agrega de forma decisiva para todos os outros enfrentamentos.

    As etapas da tramitação da PEC da Reforma da Previdência dividem nosso enfrentamento em várias batalhas na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Poderemos ter até uma etapa extra, caso haja qualquer alteração pontual ou apresentação de novo texto pelo Senado, nessas hipóteses o texto volta à Câmara do Deputados para novas disputas.

    Este enfrentamento da PEC. começou na CCJ da Câmara dos Deputados, o debate seguiu para a Comissão Especial para tratar o Mérito e foi ao Plenário da Câmara para votação em dois turnos com necessidade de 308 votos em cada um para ser aprovada.

    É importante resgatar os passos da Luta até aqui e ter claro que além estarmos bem longe do final, não esquecer de “avanços” conquistados graças à nossa Unidade e Luta.

    Não podemos desprezar que o texto original apresentado pelo governo sofreu várias derrotas, iniciando pela análise de admissibilidade na CCJ, já nessa etapa, alguns pontos foram suprimidos:

    • Fim do recolhimento mensal e da multa de 40% do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para aposentados que continuam trabalhando;
    • A possibilidade de redução por meio de lei complementar na idade de aposentadoria compulsória de servidor, hoje em 75 anos;
    • A criação de prerrogativa exclusiva do Poder Executivo para propor mudanças nas aposentadorias;
    • Fim da possibilidade de qualquer pessoa iniciar ação contra a União na Justiça Federal em Brasília

    O debate mais longo e aprofundado até agora se deu na Comissão Especial constituída para apreciar o mérito. Nessa fase tivemos “avanços” e retrocessos também. Entre alguns se destacam:

    • A retirada do BPC, mantendo as regras atuais,
    • A retirada do Sistema de Capitalização individual,
    • A exclusão do texto que propunha alteração nas regras da Aposentadoria Rural
    • Redução da idade mínima e tempo de contribuição para as Professoras, respectivamente 57 anos a idade e 25 anos o tempo mínimo de contribuição.

    Travamos várias batalhas quando o texto foi à Plenário para votação, iniciamos com uma derrota muito além de nossas expectativas na votação do texto, entretanto, no mesmo dia, quando entramos no debate e votação dos destaques, ficou ainda mais claro o quanto a Luta em defesa da Previdência está distante do tudo ou nada.

    Com correlação de forças distintas na disputa de cada destaque, fomos derrotados em alguns, porém com importante atuação dos(a) Parlamentares do nosso Campo, conseguimos algumas vitórias no sentido de minimizar danos:

    • Flexibilizando as exigências para aposentadoria das Mulheres;
    • Regras mais brandas para integrantes de carreiras policiais;
    • Redução de 20 para 15 anos do tempo mínimo de contribuição de homens que trabalham na iniciativa privada e Professores próximos da Aposentadoria;
    • Avanço no Cálculo de Pensões por Morte para Viúvos e Viúvas.

    A próxima batalha será a votação em segundo turno na Câmara dos Deputados e caso aprovado, segue para o Senado Federal, onde passará pela CCJ e pela Comissão Especial, seguindo para votação no Plenário em dois turnos. O Senado Federal pode não aprovar ou aprovar outro texto, ou ainda alterar alguns pontos. No caso de aprovação de novo texto, tudo será rediscutido na Câmara dos Deputados, caso altere apenas alguns pontos, apenas estes pontos serão objeto de análise e deliberação novamente na Câmara.

    Exceto se o Senado Federal aprovar em primeiro e segundo turno sem alterações, o texto enviado pela Câmara dos Deputados, o jogo acaba, do contrário a bola continua rolando.

    Vale destacar enfim, que a Luta contra a Reforma da Previdência nem de longe pode ser encarada de forma simplificada, determinando Vitória ou Derrota exclusivamente a partir de sua aprovação ou não nas duas Casas Legislativas. “Desidratar” a proposta original também impõe uma derrota parcial ao governo.

    Tem muito jogo pela frente e nada está definido, apenas a certeza de que fazer a melhor Luta em cada etapa, definirá além do resultado, em quais condições enfrentaremos as demais pautas ao final deste processo.

    A Reforma da Previdência passa inicialmente por entender que nessa disputa, nenhuma vitória ou derrota, de ambos os lados, é definitiva antes do apito final. O balanço final entre nossas derrotas e vitórias, inclusive minimizando danos, determinará a sentença política de ônus para os que defendem a Reforma ou Bônus através de capital político para quem defende a manutenção do Direito à Aposentadoria.

    A Luta em defesa da Aposentadoria não dialoga apenas com seu propósito principal, o saldo final entre Derrotas e Vitórias a cada Batalha, definirá de forma decisiva a capacidade de enfrentamento a todos os demais ataques pautados e que estão por vir.

    A Luta em Defesa da Aposentadoria é um meio e não o Fim.

    Em defesa da Aposentadoria, do Emprego, da Educação e da Democracia. Em Defesa da Liberdade de Imprensa.

  • O governo Bolsonaro é grotesco, mas não é fraco. Nem vai cair “ de maduro”

    O governo Bolsonaro é grotesco, mas não é fraco. Nem vai cair “ de maduro”

    O governo Bolsonaro é grotesco,
    mas não é fraco. Nem vai cair
    “de maduro”

    Por Valério Arcary

    Tem um deboche ideológico que parece inocente, mas não é. É aquela brincadeira que diz que é mais fácil alguém se convencer que o fim do mundo é iminente, do que acreditar que o fim do capitalismo é possível. Parece irreverência inocente, mas não é.

    Por isso, devemos nos preocupar com a disseminação na esquerda de outra ideia ingênua. A ideia de que Bolsonaro faz tantos disparates, que vai cair mesmo, e é só uma questão de tempo. “Se já fizeram uma vez contra a Dilma Rousseff, poderiam fazer, também, contra Bolsonaro”. Mas uma velha sabedoria ensina: “os inimigos de nossos inimigos não são nossos amigos”.

    Bolsonaro pode contar, por enquanto, com um apoio, amplamente, majoritário, quase granítico, do “dinheiro grande” para aplicar seu projeto de recolonização. Terá que ser detido pela luta popular. Esperar que seja a classe dominante brasileira a se desvencilhar do acidente histórico que ela mesma apoiou em 2018 é pensamento mágico.

    Ideologias conspiratórias são simples e, tendencialmente, populares, mas não são inofensivas. Esta expectativa alimenta uma espécie de “fatalismo” de esquerda. Ela é perigosa, por três razões. Porque, ao mesmo tempo. subestima a força de Bolsonaro, exagera os conflitos de setores da burguesia com o governo, e desconsidera o potencial da mobilização popular de resistência.

    Acontece que a ideia de que a história se repete é poderosa. O que nos remete à “mania” facilista. Uma mania pode ser definido como um humor exaltado, uma euforia. Os golpes institucionais, como no Paraguai e no Brasil, foram um instrumento, desde 2009, há dez anos em Honduras, para que as classes dominantes voltassem a governar, diretamente, sem mediações. Imaginar um giro para um novo golpe institucional, só que agora contra um governo de extrema direita, é somente, expressão de desejo. As fricções que setores da classe dominante brasileira têm com Bolsonaro não devem nos enganar.

    Basta uma ideia atrativa, mesmo que seja enganosa, para alimentar uma narrativa. Uma narrativa pode ser convincente. só precisa de coerência interna. Mas uma versão dos acontecimentos, por ser aceita por muitos milhares de pessoas, não é, por isso, menos errada.

    Não vai ser a burguesia quem vai nos livrar de Bolsonaro. Não há atalhos no horizonte. Dependemos, essencialmente, da capacidade de mobilização social e política da esquerda. Os conflitos internos à coalizão de extrema direita, ou entre o governo e o Congresso e o STF são até divertidos, mas não podem nos enganar. Há divisões reais, o que é animador, mas também, muita encenação. Não vamos “pegar carona” com o centrão para derrubar Bolsonaro, e entregar o poder ao Rodrigo Maia. Quem imagina que a burguesia vai apostar em impeachment para entregar o poder ao Mourão, o suposto “adulto” dentro da sala, está fantasiando. Auto-engano.

    Neste momento a política burguesa é pressionar para enquadrar Bolsonaro, apesar de seus excessos. Pressionar, não deslocar. Zoar com as declarações amalucadas no almoço, pode. Convocar reuniões para articular uma conspiração para derrubá-lo, não pode. Evidentemente, essa atitude do grande capital, eventualmente, pode mudar. Mas não é hoje a política que prevalece.

    Admitamos, todavia, apenas como especulação, esta hipótese. Imaginar que Bolsonaro iria assistir a uma conspiração de Palácio, sem reagir, energicamente, é insensatez. Porque Bolsonaro é candidato a Bonaparte. Podemos brincar, entre nós, para relaxar, que parece Napoleão de hospício, mas não é tão simples. Sim, é grotesco, mas não é fraco.

    O governo nos parece uma orquestra de desmiolados, um circo disfuncional, mas não vai cair de “maduro” sozinho. Bolsonaro ainda pode contar com um núcleo duro ultra-reacionário de alguns milhões de pessoas dispostas a ir para as ruas. Isso conta e muito.

    A luta para derrotar Bolsonaro passa pela resistência à aprovação da reforma da Previdência. Passa pela continuidade das grandes manifestações que começaram em 15 de maio. Até que sejamos muitos milhões nas ruas.

    As expectativas que guardamos não são gratuitas. Elas são a expressão das pressões do tempo em que vivemos. Podemos nos proteger com uma atitude crítica, muito estudo e, sobretudo, interação com os outros em uma organização militante coletiva de esquerda, mas ninguém é imune.

    O governo Bolsonaro é uma coalizão de extrema direita com um projeto político-social que provoca conflitos com as instituições do regime como o Congresso e o STF, e choques sociais que exigem a mobilização contrarrevolucionário permanente.

    Nós vamos ter que continuar com a mobilização nas ruas. E, cedo ou tarde, vamos ter que medir forces para valer.

  • Todo apoio da FLCMF ao jornalista Glenn Greenwald

    Todo apoio da FLCMF ao jornalista Glenn Greenwald

    Todo apoio da
    FLCMF ao jornalista
    Glenn Greenwald

    Nota de Solidariedade da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco ao jornalista e editor do The Intercept Brasil, Glenn Greenwald


    A Fundação Lauro Campos e Marielle Franco (FLCMF) se solidariza com o jornalista e editor do The Intercept Brasil, Glenn Greenwald, que vem sofrendo graves ataques virtuais e ameaças à sua integridade pessoal e de toda a sua família por conta da série de reportagens publicadas pelo site, no qual desvendou a inescrupulosa atuação do ministro da Justiça, Sérgio Moro, e do procurador da República Deltan Dallagnol, na Operação Lava Jato.

    Mais que trazer a público a farsa judicial que foi a Operação Lava Jato, Glenn Greenwald e toda a equipe de jornalistas do The Intercept Brasil demonstrou que, mais do que cometer excessos ou ser seletiva, a Operação Lava Jato foi um dos pilares para a execução do golpe no Brasil. Não podendo ser dissociada da postura autoritária das elites brasileiras, que desprezam profundamente o povo brasileiro.

    O grande objetivo da Lava Jato, por meio de Sérgio Moro e Deltan Dallagnol, foi subordinar completamente o regime político brasileiro aos interesses econômicos dos bancos e das petroleiras estrangeiras, agredindo a soberania brasileira e nos colocando reféns das decisões das grandes empresas privadas e dos gabinetes estrangeiros. Com Bolsonaro, estão conseguindo cumprir o objetivo.

    O judiciário foi o instrumento utilizado para conferir ao golpe uma fachada de “legitimidade” e dar substância para a narrativa da grande imprensa, em especial a Rede Globo. A série de reportagens do The Intercept Brasil questiona e prova que tudo não passou de uma farsa. Uma farsa-jato.

    O jornalismo é uma forma de conhecimento que possibilita a transformação da realidade, de compreender o mundo para transformá-lo. Glenn Greenwald e toda a sua equipe nos dá a esperança que a realidade brasileira ainda tem chance de ser transformada por meio do jornalismo sério, honesto e com fidelidade aos princípios democráticos.

    Não toleraremos que ataques impeçam a imprensa de exercer seu legítimo papel de defesa dos interesses da sociedade e da perpetuação da democracia. Todo apoio e solidariedade à Glenn Greenwald, sua família e a equipe do The Intercept Brasil.

    Fundação Lauro Campos e Marielle Franco

  • 6 meses de Bolsonaro: três debates e três perspectivas atravessam a esquerda

    6 meses de Bolsonaro: três debates e três perspectivas atravessam a esquerda

    6 meses de Bolsonaro:
    três debates e três perspectivas atravessam a esquerda

    Por Valério Arcary

    Seis meses depois da eleição de Bolsonaro são três os principais debates que atravessaram a esquerda no primeiro semestre. Eles nos remetem a três temas decisivos: (a) a natureza da derrota que a esquerda sofreu; (b) a caracterização do governo; (c) e qual deve ser a tática diante de Bolsonaro.

    Diante de cada uma destas questões foram formuladas, essencialmente, três posições coerentes:

    (a) a eleição de Bolsonaro deve ser avaliada somente como uma derrota eleitoral, portanto, circunstancial e transitória? Ou, ao contrário, podemos considerar que já ocorreu uma derrota histórica, portanto, devastadora, com consequências duradouras? Entre as duas posições, estão aqueles que aceitam que foi muito mais grave que uma derrota eleitoral, e reconhecem uma derrota político-social que abriu uma situação reacionária, mas argumentam que não deve ser comparada com uma derrota histórica, como a vitória do golpe em 1964;

    (b) o governo de Bolsonaro deve ser avaliado como um governo normal de alternância dentro do regime democrático-eleitoral? Ou os primeiros seis meses confirmam que Bolsonaro seria incompatível com o regime semipresidencialista, e já está em desenvolvimento uma mudança autoritária com um novo equilíbrio de forças entre as instituições? A terceira hipótese defende que Bolsonaro não é uma continuidade da política do governo Temer com “extravagâncias”, ou seja, é um governo de extrema-direita com ambições bonapartistas, mas ainda não subverteu o regime.

    (c) a melhor deve ser a ofensiva permanente, conhecida na tradição da III Internacional como a tática húngara, por ter sido defendida por Bela Kun no congresso de 1921, sob a bandeira Fora Bolsonaro, greve geral, porque o agravamento da crise econômica e social abre a possibilidade da derrubada iminente do governo. Ou deve ser a tática da social democracia alemã, formulada por Kautsky há mais de cem anos atrás: o quietismo, ou a construção de uma frente de oposição o mais ampla possível no Congresso Nacional, liderada pelas forças burguesas comprometidas com a defesa do regime democrático, aguardando as próximas eleições. Finalmente, a terceira posição é a defesa da tática russa, defendida por Lenin e Trotsky para a Alemanha no mesmo Congresso de 1921, ou tática do desgaste permanente, ou da frente única, ou ainda da guerra de posições, na formulação do italiano Gramsci: acumular forças nas mobilizações de resistência, até que uma mudança na relação de forças permita sair da defensiva e passar ao contra-ataque.

    Quem avalia que já aconteceu uma derrota histórica, defende que Bolsonaro já deslocou ou está em vias de subverter o regime semipresidencial, e privilegia a tática quietista de construção da mais ampla Frente de oposição, apostando em uma possível vitória eleitoral, pelo menos em algumas grandes cidades, já em 2020.

    Quem pensa que a derrota foi, essencialmente, eleitoral, caracteriza Bolsonaro como um governo de alternância limitado pelos freios e contrapesos do Congresso e do STF, e defende a tática da ofensiva permanente para derrubá-lo.

    Quem pondera que não ocorreu derrota histórica, mas tampouco se deve reduzir o impacto das derrotas acumuladas desde 2015/16 a uma derrota eleitoral, define o governo Bolsonaro como uma coalizão de quatro correntes de extrema-direita com um projeto bonapartista ultrarreacionário que é uma ameaça às liberdades democráticas, e defende a tática do desgaste permanente, ou da frente única. 

    Há muita coerência interna em cada uma dessas três posições. Mas só uma delas é correta. Os três partidos de esquerda mais influentes no Brasil são o PT, o PSOL e o PCdB estão divididos sobre estes temas. Não são os únicos, evidentemente, mas pela dimensão de sua implantação social, força eleitoral e capacidade de iniciativa política são os maiores. Outras organizações da esquerda, como o PSTU, o PCB, e a Unidade Popular têm graus variados de influência e, também, são muito mais homogêneas.

    Não deixa, portanto, de ser curioso que estas três respostas estão, igualmente, presentes nos três principais partidos, ainda que com influência e peso diferenciados em cada um deles. Tanto no PT, no PSOL quanto no PCdoB há quem defenda a tática alemã, a tática húngara e a tática russa.

    No PCdoB prevalece a primeira posição, embora as outras estejam presentes. Por isso, votaram a favor de Rodrigo Maia para a presidência da Câmara. No PT há uma cacofonia estratégica. Por isso, apesar da maioria da bancada ter chamado ao voto em Freixo, e o Diretório Nacional ter fechado questão contra a reforma da previdência, um terço da bancada seguiu o PCdoB no apoio a Maia, e os governadores entraram na negociação da reforma. E não faltaram até alguns que, há alguns meses atrás, especularam com uma possível queda antecipada de Bolsonaro.

    No PSOL prevalece a tática do desgaste permanente. Mas há, também, defensores das duas outras posições, sobretudo, da tática da ofensiva permanente.

    Sendo este o quadro do debate não surpreende que haja, também, muita confusão. O que prevalece na esquerda brasileira ainda é o empirismo, a oralidade, a improvisação. Porque não são poucos aqueles que se apropriam de um balanço da derrota, que não é compatível com a caracterização do governo, e menos ainda com a tática para enfrentá-lo.

    Não faz sentido, por exemplo, defender que ocorreu uma derrota somente, eleitoral, porque Haddad teve quase cinquenta milhões de votos, e defender, ao mesmo tempo, que o regime da Nova República desmoronou. Se o regime foi subvertido, é porque a relação de forças entre as classes, e as relações políticas de força entre partidos e instituições evoluiu tão mal, mas tão mal, que não é possível simplificar a vitória de Bolsonaro como um acidente eleitoral.

    Ou aqueles que defendem uma tática política que não é compatível com a avaliação do balanço. Não faz sentido, por exemplo, defender a tática da ofensiva permanente, mas avaliar que aconteceu uma derrota histórica.

    Por último, por que o PDT e o PSB não são considerados nesta análise? Há uma enorme e, talvez, insolúvel controvérsia de critérios para definir o que é ser de esquerda, mas há, também, uma régua marxista para a classificação dos partidos. Entre outros critérios, a natureza social e a identidade ideológica. PT, PSOL e PCdoB são os partidos que, historicamente, conquistaram maior representação entre os trabalhadores e o povo, e reivindicaram, de alguma forma, o socialismo como referência programática.

    Assim como não devemos julgar as pessoas pelo que pensam de si mesmos, não podemos avaliar os partidos somente pelo que dizem sobre si próprios. O PDT teve quatro candidatos a governador no segundo turno em 2018: Waldez Góes (Amapá), Amazonino Mendes (Amazonas), Odilon Oliveira (Mato Grosso do Sul) e Carlos Eduardo (Rio Grande do Norte). Desses, três passaram a apoiar o neofacista Bolsonaro: Amazonino Mendes, Juiz Odilon e Carlos Eduardo. PDT e PSB chegaram a ter, respectivamente, 30% e 34% de apoios à reforma da previdência apresentada pelo governo Bolsonaro, em suas bancadas de deputados federais. A candidata de Ciro Gomes a vice-presidente foi Kátia Abreu, uma liderança orgânica do agronegócio.

    PSB e PDT se apresentam como de esquerda, mas não são. São partidos eleitorais ecléticos, com trajetórias imprevisíveis, composição político-social errática e, ideologicamente, inconsistentes. Alguns os definem como de centro-esquerda, mas mesmo essa caracterização ligeira parece precária, quase leviana. PSB e PDT operaram nas últimas décadas, essencialmente, como legendas de aluguel.

  • FUTURE-SE: O NOVO REQUENTADO

    FUTURE-SE: O NOVO REQUENTADO

    FUTURE-SE: O NOVO REQUENTADO

    Por Andrea Caldas

    Para responder às variadas críticas de falta de projeto e planejamento, o MEC divulgou, nesta semana, o denominado projeto FUTURE-SE.

    Apesar do nome marqueteiro, o rascunho do programa é, na verdade, uma mescla de pretéritos, com aparência de “ovo de Colombo”.

    Ainda que a alegada razão seja buscar fortalecer “a autonomia financeira das universidades e dos institutos federais”, o projeto já demonstra, parágrafos abaixo, sua real intencionalidade: “O Programa Institutos e Universidades Empreendedoras e Inovadoras (FUTURE-SE) tem por finalidade o fortalecimento da autonomia administrativa, financeira e de gestão das Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes), por meio de parceria com organizações sociais e do fomento à captação de recursos próprios. ” (FUTURE-SE, MEC, 2019)

    Ou seja, clara e cristalinamente, o que se pretende não é fortalecer a autonomia das universidades e institutos federais mas, transferir sua gestão para a iniciativa privada.

    É preciso ressaltar que as Organizações Sociais são um tipo especial de “iniciativa privada”.

    Trata-se de uma qualificação – um título – que a Administração Pública outorga a uma entidade privada, sem fins lucrativos, para que ela possa receber determinados benefícios do poder público (dotações orçamentárias, isenções fiscais etc.), para a realização de seus fins.

    Tal instituto jurídico é parte constitutiva da Reforma do Estado, implantada no governo FHC, nos anos 90, com o objetivo de redução do papel do Estado e da celebração da decantada eficiência do modelo privado de gestão.

    A fórmula aqui, ainda que outros nomes, é, todavia, bem mais antiga e conhecida. Sua utilização no campo educacional, por exemplo, remonta a gênese da educação colonial quando a Companhia de Jesus recebia subsídios da Coroa Portuguesa para ofertar ensino para a elite local.

    O “passado que teima em não passar”, como dizia Octavio Ianni, circula os mesmos ritos, afinal: desobrigação do Estado e capitalismo sem riscos.

    No presente passadista, o governo Bolsonaro, desde a campanha eleitoral, elegeu o campo educacional como alvo preferencial dos seus ataques, combinando o discurso conservador- fecundado pelas supostas denúncias de que as escolas e universidades haviam se tornado antros de pregação comunista e libertina – com o interesse do ultraliberalismo de: a) reduzir o financiamento público e b) ampliar o mercado de venda de serviços educacionais.

    Os dois braços de sustentação deste governo neoconservador, que mescla fundamentalismo religioso e divinização do Mercado, encontram neste projeto do MEC/Área Econômica- já rebatizado de “Fature-se” – sua conjugação ótima.

    Destarte, através das Organizações Sociais, “qualificadas” pelo governo, conforme indicado no documento , será possível, simultaneamente ter acesso ao recurso público (inclusive ao patrimônio das Instituições de ensino superior), explorar a venda de serviços privados (venda de patentes, serviços, pesquisas e até cobrança de mensalidades) e exercer o controle ideológico das atividades realizadas nas IFES.

    “Ao aderir ao FUTURE-SE, a Ifes se compromete a: i. Utilizar a organização social contratada para o suporte à execução de atividades relacionadas aos eixos de gestão, governança e empreendedorismo; pesquisa e inovação; e internacionalização; ii. Adotar as diretrizes de governança que serão futuramente definidas pelo Ministério da Educação; iii. Adotar programa de integridade, mapeamento e gestão de riscos corporativos, controle interno e auditoria externa. ” (Future-se, MEC, 2019)

    A par disto, o governo aponta para um ainda incerto e indefinido “fundo de autonomia financeira das IFES” – eufemismo para a desobrigação do financiamento público da educação- e que será constituído por venda de serviços, capitalização financeira e eventuais doações de pessoas físicas e jurídicas, inclusive de “outros países, organismos internacionais e organismos multilaterais”. Ou seja, é o “vire-se” e “venda-se”.

    Neste ponto – aonde fica mais claro o caminho da privatização da educação superior- o discurso quer fazer parecer que teremos uma grande união cívica da sociedade brasileira, do empresariado nacional e internacional e das pessoas beneméritas em favor da educação, ciência e tecnologia do país.

    E isto ocorre, precisamente após o governo celebrar um acordo com a União Europeia para venda de grãos e compra de produtos industrializados e tecnologia.

    Ora, não é preciso ser pitonisa para saber que, se houver investimentos privados nas universidades e institutos federais, eles estarão imediatamente relacionados aos interesses de lucratividade imediata do mercado. Nisto, ficam de fora todas as pesquisas de base que não possam produzir resultados de curto prazo e todas as atividades de ensino e extensão que não tragam dividendos.

    Trata-se, portanto, de abortar qualquer possibilidade de ciência básica e de produção tecnológica soberana e transformar a educação superior em um grande shopping center de venda de serviços e fornecimento de estagiários de baixo custo.

    O projeto menciona, inclusive, que os professores universitários- mesmo com regime de dedicação exclusiva -poderão criar startups, fornecer consultorias, vender patentes e o que mais o espírito empreendedor sugerir… De pesquisadores a mascates, no reino do feliz mercado…

    Estimula-se a competitividade interna entre setores, universidades e institutos. E mais uma vez, obviamente, as regiões e áreas mais dinâmicas e próximas do mercado lograrão mais êxito, em uma espécie de “darwinismo educacional”, antítese de qualquer projeto nacional e mais igualitário.

    Nesta lógica do divisionismo, o governo lança mão de outro requentado ardil para a busca de aceitação do projeto: a chamada adesão voluntária, antecedida por uma “consulta pública”.

    Tal como ocorreu, recentemente no governo Dilma para a implantação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), a administração pública transfere a decisão para as instituições. E caso recusem a proposta, ficam sem acesso ao financiamento prometido. Tudo muito lindo e democrático…

    É em meio a este caleidoscópio de pretéritos e retrocessos que tomos nós, que defendemos a educação pública e o desenvolvimento nacional soberano, temos de encontrar forças para articular ações decisivas para impedir que se destrua o sistema federal de educação e qualquer promessa de educação nacional e democrática.

    É preciso que as entidades nacionais firmem uma posição firme e unitária, sem abrir espaço para balcões de negócio e cantos de sereia, sob o eufemismo de meritocracia ou eficiência.

    Não se trata, pois, de uma mera questão técnica e sim, de uma posição política e histórica.

    *Andrea Caldas – Professora e Pesquisadora de Políticas Educacionais da UFPR. Integrante do Grupo de Pesquisa sobre Relações Público e Privada na Educação- FACED/UFRGS. Ex-presidente do Fórum de Diretores (as) das Faculdades e Centros de Educação das Universidades Públicas.

  • OFENSIVA OU FUGA PARA FRENTE? A DIVISÃO DA DIREITA EM MEIO À CRISE

    OFENSIVA OU FUGA PARA FRENTE? A DIVISÃO DA DIREITA EM MEIO À CRISE

    OFENSIVA OU FUGA PARA
    FRENTE? A DIVISÃO DA
    DIREITA EM MEIO À CRISE

    Por Gilberto Maringoni

    Jair Bolsonaro retomou a ofensiva ou pratica fuga para frente? É uma questão importante para se perceber as possibilidades da oposição na conjuntura.

    O presidente tem pelo menos quatro abacaxis de grosso calibre diante de si: a saraivada de denúncias do Intercept, o estreitamento político de seu governo, a 16ª. revisão para baixo da expectativa do PIB de 2019 e a entrada em cena do descontentamento popular ativo.

    EM UMA SEMANA, Jair Messias demitiu três generais – Santos Cruz (Secretaria de Governo), Franklimberg Freitas (Funai) e Juarez de Paula Cunha (ECT) – e um banqueiro – Joaquim Levy. Além disso, Bolsonaro atacou o STF, afirmou precisar do povo “mais do que do Parlamento” e voltou a defender a entrada do Brasil na Otan, mesmo sabendo que o tema é controverso dentro das Forças Armadas. Tais ações provocam faíscas em aliados de primeira hora.

    Bolsonaro não age e não pensa como militar tradicional, apesar de alardear a ideia a todo momento. Abre diversas frentes simultâneas de atrito, ao invés de concentrar ataques em um ou dois alvos de cada vez, para consolidar terreno. Seu apelo exacerbado a um senso comum reacionário mais confunde que esclarece e, sem a menor cerimônia, às vezes recua da palavra empenhada quando se vê em apuros. Suas ações parecem ter a finalidade de levantar poeira e açular a belicosidade de sua base de apoio, para facilitar avanços pontuais.

    HÁ MÉTODO NESSE CAOS? Para responder a essa questão, é preciso separar as coisas.

    Bolsonaro não toca mais a pauta econômica principal, a reforma da Previdência. Esta é tarefa de Rodrigo Maia, no Congresso, que desidrata o projeto de Paulo Guedes para, possivelmente, completá-lo e aprová-lo mais adiante. E, embora tenha alojado Gustavo Montezano, pistoleiro financeiro no BNDES, com o objetivo de demolir o principal pilar do desenvolvimento brasileiro dos últimos 70 anos, a receptividade da alta finança não é boa. É mais um lúmpem incumbido de depredar patrimônio público.

    Cumpre-se lembrar que a outra estaca do ultraliberalismo econômico foi fincada pelo STF, no último dia 7. Naquele dia, a Suprema Corte julgou legal a venda de subsidiárias de estatais pelos Conselhos de Administração das empresas, sem licitação ou exame de viabilidade. Abriu-se a porta para dissolver todo a lógica que possibilitou ao Brasil ser o único país da periferia capitalista a completar toda a cadeia produtiva – indústrias de bens leves, duráveis e de produção – até os anos 1980.

    ESSES SÃO OS MOVIMENTOS PRINCIPAIS da coalizão reacionária, que separam momentaneamente a direita tradicional – que pilota a agenda econômica – da extrema-direita fascista, que faz malabarismos na política. Usando-se de alguma licença poética, pode-se dizer, como Leon Trotsky, que são articulações desiguais e combinadas.

    Há, além disso, duas vias de acúmulo de tensões na conjuntura. A primeira se dá de baixo para cima com as mobilizações populares de 15 M, 30 M e com a greve geral de 14 de junho. A segunda é perceptível nos atritos entre governo e partes de sua própria base (Congresso, Supremo, grandes bancos, setores do alto comando militar e empresariado ligado à produção). Mas não há ainda um ponto de ruptura visível por qualquer um desses dois flancos. Ou seja, o governo não cairá ou se inviabilizará no curto prazo.

    As nomeações feitas por Bolsonaro no BNDES e na Secretaria de Governo indicam um endurecimento de sua coalizão, ao mesmo tempo em que se estreita sua base de apoio. Há – repetimos – descontentamentos sérios no mercado financeiro e no que resta do setor produtivo com a destruição do BNDES.

    Jair Messias abandonou a tática empregada há duas ou três semanas, um recuo organizado para recomposição de forças e (re)conquista de aliados. Partiu para ofensiva – ou fuga para a frente – multifronte buscando força no próprio avanço, lastreado no bolsonarismo raiz. Movimentou-se publicamente – com apoio tácito do Jornal Nacional, carro chefe da desqualificação dos vazamentos do Intercept – para reafirmar quem dá as ordens em palácio. Enquadrou Hamilton Mourão, o assanhado vice, que voltou à discrição que o cargo exige. E convocou suas hordas de assalto virtuais para infestar as redes com artilharia pesada.

    QUAL A SAÍDA para esse quadro pra lá de complexo?

    É difícil sustentar a ideia de que haverá “fechamento do regime” ou algo assim, a contraface da noção de que “Bolsonaro vai cair”, mencionada acima. O governo não conta com apoio popular suficiente – como a ditadura, em 1968 – para uma aventura autoritária. Nos tempos da decretação do AI-5, a economia começava a crescer, após dois anos de recessão. A situação atual é oposta. Há uma impopularidade crescente em progressão geométrica, que vai da decepção e da irritação e que já redunda em ação social organizada. Ao mesmo tempo, Bolsonaro atua com provocações contínuas para desorientar quem está pela frente.

    Para todos os efeitos – e essa é uma arma poderosa para a oposição – a Constituição de 1988 segue em vigor.

    Em síntese, dois fatores de contenção dos arreganhos autoritários estão em pé: as possíveis novas denúncias do Intercept e as mobilizações de rua. A ampliação dessas últimas depende fundamentalmente da percepção – que ainda não ocorre – de que a desgraça na vida cotidiana – falta de emprego, salário, saúde e comida na mesa – não será revertida por Bolsonaro. Ao contrário: sua ação corre para aprofundar o abismo social. A ação de massas organizada é decisiva para um desenlace positivo e democrático deste cenário.

    A crise é muito séria. Mas a ação destrambelhada do capitão e de sua milícia opera aceleradamente para isolá-lo.

    (Conversas com Artur Araújo, sem responsabilidade dele nas insuficiências do texto)

  • O que é o Movimento Policiais Antifascismo?

    O que é o Movimento Policiais Antifascismo?

    O que é o Movimento Policiais Antifascismo?

    Antes de tudo é um movimento que luta pela cidadania do policial.

    Áureo Cisneiros

    É precisa esclarecer à população e principalmente aos próprios policiais que o policial é um TRABALHADOR. E como qualquer outro trabalhador tem direitos e deveres.

    O Movimento dos Policiais Antifascismo usa a informação como arma. Onde o inimigo a ser abatido é o sistema que joga policiais contra população, além de colocar uma trava para que o policial não exerça sua cidadania, não se reconheça enquanto trabalhador e para que a população não enxergue o lado humano do policial.

    Policial não é mamulengo. Policial pensa!

    O Movimento dos Policiais Antifascismo luta para que os policiais tenham sua dignidade humana e seus direitos respeitados e respeitar a dignidade humana de todos.

    O Movimento dos Policiais Antifascismo luta para que a sociedade não enxergue o policial apenas como instrumento de força para manter um sistema de desigualdades. O Movimento luta para que a sociedade participe do debate e da construção de políticas públicas de segurança. O policial não está sozinho no mundo.

    O POLICIAL PRECISA LUTAR CONTRA DESIGUALDADES QUE ELE E OS DEMAIS TRABALHADORES SOFREM

    O POLICIAL NÃO PODE FICAR CALADO E MUITO MENOS ISOLADO

    É preciso entender que o sistema não quer o policial pensando e tendo consciência política. O sistema deseja um policial acrítico, serviçal e sem cidadania.

    O sistema divide as polícias. De um lado uma polícia militarizada para impedir, pela força da hierarquia, a sua consciência cidadã. Mantém o soldado sem direitos e o Coronel com privilegios.

    O sistema engessou a Policial Civil a um ordenamento de 211 anos. Onde não existe condições mínimas de trabalho, não existe formação contínua , carreira única e sequer, em alguns estados, Lei Orgânica.

    Chegou a hora de reestruturar as polícias. De trazer dignidade aos policias. De unir trabalhadores. Policial não é capataz, capitão do mato, de um sistema que só massacra um lado: Do preto e favelado. Policial é trabalhador.

    O Movimento Policiais Antifascismo entende que o estado deva ser ocupado pelos trabalhadores. E que ele se mova para atender aos interesses do povo e não ser um instrumento para garantir privilégios aos mais ricos.

    Diariamente noticiam diversos dispositivos “legais” de benesses , de perdão de dívidas, de facilidades , de privilégios para os mais ricos. Por que o estado não pode ofertar os serviços mínimos ao povo pobre, trabalhador e contribuinte ?

    O policial não pode continuar a ser o chicote da opressão aos mais pobres. O policial precisar ser o servidor que luta pela cidadania, paz e ordem social.

    O Policial é um trabalhador e precisa ter consciência de que é trabalhador. Lutar por um mundo melhor é obrigação de todos, inclusive dos policiais . Essa é a essência do Movimento dos Policias Antifascismo.

    Participe. Vamos juntos lutar por um Brasil com segurança pública e cidadania para todos e todas.

  • Impeachment, o descarte dos peões?

    Impeachment, o descarte dos peões?

    Impeachment, o descarte dos peões?

    A vulgarização do impeachment, a sua naturalização como método de apear governos eleitos será sempre usado impiedosamente contra administrações de esquerda quando as condições lhes permitirem e contra governos da direita quando estes se tornarem disfuncionais. É de luta de classes que se trata.

    José Luís Fevereiro

    A figura do impeachment, tal como inscrito na legislação brasileira, por crime de responsabilidade, submetido à interpretação politica de uma maioria parlamentar qualificada, não é um mecanismo de aprimoramento democrático. Desde o impeachment de Collor, passando pelo de Dilma e agora no Rio de Janeiro o processo aberto de impedimento do prefeito Marcelo Crivella demonstram que este mecanismo tem servido á burguesia para que esta se livre de governos que se tornaram disfuncionais aos seus interesses.

    A analise da luta institucional entre as forças populares e a burguesia, de 1988 para cá, mostram que é possível para a esquerda vencer eleições para o Executivo, mas que é virtualmente impossível constituir maiorias parlamentares de esquerda. É difícil até mesmo constituir bases parlamentares ideologicamente sólidas superiores ao terço necessário à defesa dos mandatos executivos. A “governabilidade” depende da manutenção de sólido apoio popular e de acordos pragmáticos nos Legislativos, esses voláteis em cenários de crise.

     

    Concertação oligárquica

    Collor foi deposto com a esquerda fornecendo a mobilização nas ruas e as oligarquias concertando entre si a formação de um novo governo que viabilizasse a estabilização do regime e a vitória eleitoral em 1994. Olhando retrospectivamente, se Collor não tivesse sido derrubado, a coalizão conservadora que o elegeu em 1989 chegaria às eleições presidenciais de 1994 desmoralizada e com enormes dificuldades de apresentar um candidato competitivo contra Lula. Provavelmente não havia para a esquerda outro caminho em 1992, a não ser a derrubada de Collor, pela pressão da base social e pelas dimensões da crise. Mas, com exceção de Brizola que relutou em aderir ao impeachment, nenhum setor da esquerda compreendeu as implicações desta ação. Brizola vinha dos anos 1950 e assistira ás tentativas de se derrubar Vargas, de se impedir a posse de Juscelino, de se bloquear a posse de Jango e, finalmente, ao golpe de 1964. Certamente seu sexto sentido estava ativado para a defesa de mandatos populares contra manobras que os interrompessem. Brizola vinha de longe.

    Dilma foi derrubada em 2016, apesar de todas as concessões que fez. Mas, pela natureza da sua base social, não podia entregar tudo que a burguesia queria. Com a crise e consequente perda de popularidade, seu destino estava traçado.
    No Rio de Janeiro a movimentação pelo impeachment do prefeito visa arrumar a casa para a construção de uma candidatura do campo conservador em 2020, livre do ônus de defender o colapso administrativo de Crivella. Esse movimento não deve ter a colaboração da esquerda. Não nos cabe ajudar a resolver as crises politicas da burguesia.

     

    Impeachment de Bolsonaro

    Quando escrevo este texto, 19 de maio, começa a circular pela grande imprensa e pelo Congresso a hipótese de derrubada de Bolsonaro. Algo que semanas antes entrava como mera especulação em conversas reservadas passa a ser tratado à luz do dia. Está medianamente claro que Bolsonaro é inepto para fazer avançar com consistência a agenda ultraliberal da coalizão da Casa Grande que o elegeu. O rápido desgaste do seu governo, o prolongamento sem fim da crise econômica e as ações grotescas da parte circense do seu ministério minam seu apoio mesmo entre parte das classes médias conservadoras. É notória a movimentação do vice, o general Hamilton Mourão, para se colocar como capaz de retomar a agenda da burguesia sem manobras diversionistas e sem se envolver em polêmicas secundárias.

    As extraordinárias manifestações de 15 de maio recolocam a esquerda no cenário politico pela primeira vez em anos, com real capacidade de mobilização. As expectativas de fortes demonstrações de força são reais e estão longe das tradicionais avaliações bravateiras tão comuns em parte da esquerda. Esse é um capital politico de peso. O sucesso destas ações enfraquecerá mais ainda Bolsonaro, que pelo seu lado busca também mobilizar os seus contra os inimigos imaginários de sempre.

     

    Tempos acelerados

    Os tempos da politica estão acelerados. Fazer previsões nos últimos meses virou tarefa de enorme risco, mas a se confirmar um cenário de grandes mobilizações contra a reforma da Previdência e os cortes de verba da Educação, e a crescente fragilidade de Bolsonaro em mobilizar seus seguidores mais fieis, com a crescente dificuldade de levar adiante o programa ultraliberal de Paulo Guedes, a burguesia avançará na tentativa de se livrar do capitão. Não será difícil encontrar as razões no laranjal da família, como o avanço das investigações contra Flavio Bolsonaro deixam claro. Podem chegar até à comprovação de relações com as milícias cariocas, muito além da mera simpatia e das relações pessoais com alguns de seus membros.

    Foi a aliança das mais diversas frações da burguesia que elegeu Bolsonaro, um outsider inconfiável, da mesma forma que em 1989 foi esta mesma aliança que elegeu Collor. Em ambos os caso,s atingido o objetivo de derrotar a esquerda, sobra para a oligarquia administrar a crise politica decorrente do recurso a outsiders empoderados.

    Nosso adversário não é Bolsonaro, assim como não era Collor nem é Crivella. Nosso adversário é o projeto oligárquico excludente dirigido pela aliança das burguesias financeira e agrária que hegemonizaram as outras frações da burguesia, para quem esses atores nunca passaram de peões a serem usados e se necessário descartados. Não podemos nos contentar com o descarte dos peões.

     

    Novas eleições

    O acúmulo de forças que estamos obtendo nas ruas não pode servir de linha auxiliar à resolução da crise politica por parte da elite. Sempre que esta falou em pacificação da politica foi para reestabelecer um arranjo que reorganizou suas forças e impôs a paz dos cemitérios ao andar de baixo.

    A vulgarização do impeachment, a sua naturalização como método de apear governos eleitos será sempre usado impiedosamente contra administrações de esquerda quando as condições lhes permitirem e contra governos da direita quando estes se tornarem disfuncionais. É de luta de classes que se trata.

    No cenário nacional o general Mourão se desloca. Na politica e no futebol quem se desloca recebe. Nosso papel é o de negar-lhe terreno. No agravamento da crise politica devemos contrapor ao impeachment a defesa de novas eleições. Nenhum acordo sem novas eleições. Nenhum voto a favor de impeachment sem novas eleições.

    Hoje como ontem o impeachment será queima de arquivo.