Categoria: Artigos

  • Impeachment: o povo é quem mais ordena?

    Impeachment: o povo é quem mais ordena?

    Impeachment: o povo é quem mais ordena?

     

    Mais do que debater impeachment como instrumento da soberania popular ou do controle oligárquico, o urgente desafio é popularizar o debate sobre uma mudança radical do nosso sistema político. Quem sabe a desilusão, já em curso, com o “voto de protesto” que levou ao poder a extrema-direita, acelere essa questão

     

    Chico Alencar [1]

    “Nenhum homem nesta terra é repúblico, nem zela ou trata do bem comum, senão cada um de seu bem particular”

    Frei Vicente do Salvador, ‘História do Brazil’, 1630

     

    Quantas vezes você já sonhou com o impeachment de Bolsonaro, mesmo estando ele no primeiro semestre de seu mandato presidencial? Desde o afastamento de Fernando Collor, em 1992, esse tipo de procedimento institucional entrou em nosso campo de cogitações.  A palavrinha de difícil escrita e pronúncia ficou popularizada a ponto de se inventar até o verbo “impichar”.

    A expressão impeachment não existe na nossa Constituição. Mas “impedimento” tem, na Carta Magna, nas Constituições estaduais e nas Leis Orgânicas municipais: mediante acusação e processo, os governantes – presidentes, governadores e prefeitos – podem ser afastados de seus cargos, perdendo os mandatos.

    O artigo 51 da Constituição, no seu inciso I, diz que compete privativamente à Câmara dos Deputados autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração de processo contra o Presidente da República, o Vice e os Ministros de Estado. Cabe ao Senado processar e julgar, nos crimes de responsabilidade.

    E assim já foi feito, concluída a transição (tutelada pelo alto) da ditadura civil-militar iniciada com o golpe de 1964 para a Nova República. Os presidentes eleitos Fernando Collor e Dilma Roussef foram destituídos de seus cargos. As circunstâncias e forças políticas que viabilizaram suas derrubadas foram bem distintas. Pode-se dizer, grosso modo, que uma cassação teve viés progressista, a de Collor. Outra, conservador e direitista –  a de Dilma, em 2016.

    Portanto, o instituto do impeachment não é necessariamente negativo ou positivo, embora sempre de caráter eminentemente político. Impeachment acontece dentro das circunstâncias históricas e da correlação de forças. Abre espaço de disputa aguda, em processo de meses – diferentemente de um golpe de estado, manu militare.

     

    Maioria rara

    É fato que raramente se tem, nos parlamentos do Brasil, uma maioria sólida, que garanta as políticas de governo. É verdade que os conservadores, os neoliberais, têm mais facilidade (por terem menos escrúpulos) para montar sua base de sustentação, com base no toma lá dá cá, nos acordos fisiológicos em torno de cargos e liberação de emendas. É incontestável que as maiorias sociais estão subrepresentadas nos legislativos, e não formam maiorias políticas. No Congresso Nacional, as bancadas predominantes são as da bala, dos bancos, da bíblia fundamentalista, do agronegócio, das empreiteiras, da mídia grande e das mineradoras. Do poder econômico monopolista, em síntese.

    Mas governar com um programa democrático-popular que mereceu o voto da população, sem fazer concessões rebaixadas, que firam princípios, não é impossível, não dá obrigatoriamente em impeachment. Luiza Erundina, na prefeitura de São Paulo (1989-1992), e Olívio Dutra (1999-2002) e Tarso Genro (2011-2014), no governo do Rio Grande do Sul, não tinham maioria nas respectivas Casas Legislativas e cumpriram seus mandatos até o fim. Sim, sofreram tentativas de destituição, mas a mobilização popular foi decisiva para a continuidade de seus governos.

     

    Cerco popular

    Recordo das articulações da bancada malufista para asfixiar e derrubar Erundina. O cerco popular à Câmara de Vereadores da maior cidade do país, com 15 mil manifestantes em apoio ao seu governo, quebrou o que era dado como certo.

    “Governabilidade” não pode ser sinônimo de concessão que descaracteriza o projeto de esquerda  progressista. Já se disse que quando se alia com a direita e o fisiologismo esses é que acabam governando.

    Sem dúvida, o melhor método para avaliar um governante eleito é o recall, o referendo revogatório, pelo qual a população como um todo é chamada a deliberar sobre a continuidade ou não de um determinado mandatário. Essa proposta, que existe como lei em alguns países, já foi apresentada no Congresso Nacional, mas nunca prosperou. Isso revela as limitações do nosso sistema jurídico-político, controlado pelas elites que não aceitam o empoderamento popular.

    A Constituição da República Bolivariana da Venezuela é uma das que abriga essa possibilidade. Ela foi praticada lá em 2004, pela revogação do mandato do então presidente Hugo Chávez. Este venceu o pleito, permanecendo no governo, com mais de 58% dos votos (que, aliás, lá são voluntários).

    A melhor forma para fazer uma mudança substantiva no nosso sistema político, a fim de torná-lo mais democrático, transparente e representativo, seria através de uma Assembleia Constituinte exclusiva e especificamente convocada para este fim.

    Mais do que debater impeachment como instrumento da soberania popular ou do controle oligárquico, o urgente desafio é popularizar o debate sobre uma mudança radical do nosso sistema político. Quem sabe a desilusão, já em curso, com o “voto de protesto” que levou ao poder a extrema-direita, acelere essa questão?

     

    Espírito de submissão

    Nossa tradição cultural e política não ajuda, como lembra o jurista Fábio Konder Comparato em artigo intitulado ‘Sobre a mudança do regime político no Brasil’ ( no livro A OAB e a Reforma Política Democrática, Brasília, 2014): “A estrutura de poder, própria do capitalismo escravista aqui instalado durante quase quatro séculos, marcou fundamente nossa mentalidade e nossos costumes políticos. Ela forjou, sobretudo no seio da multidão dos pobres de todo gênero – os nascidos ‘para mandados e não para mandar’, conforme a saborosa expressão camoniana – um espírito de submissão incompatível com a vivência democrática”.

    No bojo dos processos de impeachment e dos chamados “crimes de responsabilidade”, que fustigam prefeitos, governadores e presidentes, está sempre presente esse ‘pão dormido’ da política nacional, a corrupção. Ela é sistêmica, larvar e mais que dos governos ou mal chamados ‘políticos’: é visceral do Estado brasileiro, enraizada em nossa cultura. Denunciá-la e combatê-la, nessa perspectiva, tem a ver com a premente ética da política, mais do que a propalada ética na política. É a ética da política que garante a qualidade das instituições republicanas na possibilitação dos interesses das maiorias, com transparência e sob controle popular. É ela, massificada como valor, que barrará tentativas manipuladas de “golpes parlamentares”, via impeachments.

    Em meio a tantas sombras, nota-se um crescimento da consciência política e um reavivamento da organização e lutas populares. Isso pode nos garantir algumas vitórias, ao menos barrando retrocessos. Há braços!

     

    [1] Chico Alencar é professor de História (UFRJ), escritor e ex-deputado federal (PSOL/RJ)

     

  • A esquerda deve investir na campanha do impeachment?

    A esquerda deve investir na campanha do impeachment?

    Uma prévia da próxima edição de Socialismo e Liberdade

    A esquerda deve investir na campanha do impeachment?

    Com a agudização da crise econômica e institucional, a grande imprensa e setores do mundo político começam a ventilar abertamente a possibilidade de impeachment do Presidente da República.

    O impeachment – ou impedimento – entrou na cena pública brasileira pela primeira vez na Constituição de 1946, em seu Capítulo III, artigo 79. A lei complementar que concretiza a norma constitucional é a de número 1.079, sancionada pelo presidente Eurico Gaspar Dutra em 10 de abril de 1950. Segue em vigor.

    Trata-se de uma transposição do voto de desconfiança dado a um primeiro-ministro, num regime parlamentarista, para um chefe do Executivo, no regime presidencialista. Assim, o processo de impedimento sempre se situa na fronteira entre medida legal e iniciativa política. A perda de maioria congressual qualificada – no caso brasileiro – sempre coloca o mandatário dos três níveis de governo sob o risco de impedimento.

    Diante da tensa conjuntura que o país enfrenta, Socialismo e Liberdade convidou o ex-deputado federal e professor de História Chico Alencar e o economista e membro do DN-PSOL para comentarem o polêmico tema. E decidimos antecipar aqui na página da Fundação a publicação dos artigos, que estarão nas páginas da próxima edição da revista.

  • Ainda está por vir

    Ainda está por vir

    Ainda está por vir

    Chegou o vento frio
    o outono
    invernado
    Chegaram os estudantes
    grito rouco
    indignado
    Chegou o professor
    a alma
    dilacerada
    Chegou a vergonha
    a boca
    calada
    Chegaram os cortes
    profundos
    profanos
    Chegará a culpa
    ferida
    sangrando
    Dos que acreditaram
    por medo
    engano
    Será sempre tempo
    de luta
    acolhimento
    Dos que se perderam
    no ódio
    no vento
    Ainda há tempo
    de ternura
    perdão
    De abraço forte
    de dar
    as mãos
    O que dividiu
    se revela
    em vão
    Será derrotado
    pela beleza
    da Educação
    Chegará a poesia
    pelo campo
    pelas ruas
    Chegará a verdade
    forte
    nua
    Chegarão as cores
    vermelha
    amarela
    Chegaremos juntos
    de mãos dadas
    com a primavera.
    Autor: João Paulo Rillo
  • RENATA SOUZA, FICA!

    RENATA SOUZA, FICA!

    Renata Souza, fica!

    Nota de Repúdio da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco sobre o pedido
    de cassação do mandato da deputada estadual Renata Souza do PSOL-RJ

    A Fundação Lauro Campos e Marille Franco repudia o pedido de cassação da deputada estadual da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ), Renata Souza, do PSOL, protocolado pelo Partido Social Cristão (PSC) nesta quinta-feira, 9 de maio de 2019.

    Na última terça-feira, a deputada denunciou o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, do mesmo partido que faz o pedido de cassação, PSC, à Organização das Nações Unidas (ONU) e à Organização dos Estados Americanos (OEA) devido à publicação de um vídeo em que Witzel está a bordo de um helicóptero da Polícia Militar em que um atirador de elite dispara rajadas de fuzil conta um grupo de pessoas no alto do morro do bairro Campo Belo, em Angra dos Reis. Witzel e a Polícia Militar justificaram que os tiros eram dados na direção de traficantes da área, porém era um grupo de evangélicos numa tenda de oração.

    Agora, o partido de Witzel, protocola um pedido na mesa diretora da ALERJ, pedindo a cassação da deputada por “quebra de decoro” ao usar a Comissão de Direitos Humanos para fazer “uma manifestação pessoal disfarçada de institucional” contra o governador.

    Denunciar a matança de inocentes não é “manifestação pessoal”. É defender o direito à vida e ao viver. O balão de ensaio para a barbárie iniciada pela intervenção militar no Rio de Janeiro – tão denunciada pela vereadora assassinada Marielle Franco – parece ter virado política de governo com a eleição de Witzel. A política de massacre e de abate organizada pelo governador é a instalação concreta do estado penal, mais excepcional e violento, para codificar e condicionar o comportamento e a vida do povo fluminense ao sentimento do medo. Medo de viver e de morrer.

    Repudiamos a tentativa de silenciamento antidemocrático e autoritário de uma deputada estadual negra e favelada, legitimamente eleita. Não há pena de morte no Brasil. Não aceitaremos que Witzel a instale à bel-prazer.

    #RenataSouzaFica #MandataRenataSouza #MandataPresente

  • 1º MAIO  Dia da trabalhadora e do trabalhador: fortalecendo os laços de classe

    1º MAIO Dia da trabalhadora e do trabalhador: fortalecendo os laços de classe

    1º MAIO  Dia da trabalhadora
    e do trabalhador: fortalecendo
    os laços de classe

    Francisvaldo Mendes de Souza
    Presidente da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco

    Primeiro de maio! É nessa data que se comemora, em grande parte do mundo, o dia das pessoas que dependem da venda de sua força de trabalho para sobreviver. No Brasil, com o decreto 4859, de 24 de setembro de 1924, a data se tornou feriado nacional; assim como é e ocorre em vários outros países.

    Esse é um movimento de acúmulo que possibilitou conquistas importantes da classe. Várias datas, vários locais, mas, principalmente, uma referência fundamental para que se viva melhor nesse mundo organizado pelo lucro e sustentado na exploração.

    Sejam as ações iniciadas em Chicago, nos Estados Unidos, em 1884; seja com a resolução de 1889 da internacional socialista e as jornadas de lutas na França; seja com a adoção do feriado nacional em primeiro de maio, ocorrido em 1920, na extinta União Soviética; sejam as várias lutas e ações no mundo que movimentaram e unificaram as pessoas que vivem da venda de sua força de trabalho, esse dia marca conquistas.

    Para os diversos países pelo mundo, a principal dessas conquistas foi a redução da jornada de trabalho para 8h diária. Sabe-se, que ainda em tempos atuais, vive-se vários focos de escravidão e as pessoas precisam ir além da jornada conquista de 8h para sobreviverem. No entanto, o mais importante é que com unidade, organização e lutas em escala mundial, pode-se afirmar que haverá avanços maiores: é possível conquistar vidas melhores.

    A consciência de classe é a energia que deve nos pigmentar nesse dia, apostando em formação, organização e ações unificadas para garantir as conquistas do passado e assegurar novas no presente. Esse é o aspecto fundamental do primeiro de maio, enlaçar toda a classe em jornadas por mais direitos, mais democracia e vida plena, em todas as suas dimensões.

    Trata-se mais do que conhecer o passado, daquilo que era e de como a situação está no presente. Trata-se de saber que não há nada natural na exploração e que as mudanças virão por nossas ações. Para as transformações em favor da vida estamos dedicados e nesse primeiro de maio faremos uma grande e unitária onda para avançar rumo ao socialismo.

    O trabalho precisa ser conquistado como forma de organização entre as pessoas, buscando transformar a natureza para fortalecer materialmente e espiritualmente a vida. Mudanças profundas que vão além das disputas nas esferas superestruturais, onde se destaca o Estado. Trata-se, portanto, de transformar a economia que predomina.

    Assim é nosso projeto socialista, com democracia, liberdade e que tem em cada pessoa que vive do seu trabalho o ponto de apoio. A construção coletiva em classe nos exige superar a ordem total das coisas e para isso investimos e com esse compromisso nos organizamos.

    Então que venha o primeiro de maio e que todas as conquistas históricas da classe trabalhadora seja um portal pujante para novas conquistas. Que façamos desse dia uma marca indiscutível que as mudanças são possíveis e necessárias para um mundo sem explorados e exploradores. Nossa unidade é potente, internacional e profundamente repleta de condições para a conquista de uma vida melhor e mais humana, rumo ao socialismo, que enche nossas vidas e nossa práxis revolucionária.

  • Mesa Estadual de Diálogo e Negociação do Estado de Minas Gerais (MG): histórico de criação, funcionamento e perspectivas

    Mesa Estadual de Diálogo e Negociação do Estado de Minas Gerais (MG): histórico de criação, funcionamento e perspectivas

    Mesa Estadual de Diálogo e Negociação
    do Estado de Minas Gerais (MG): histórico de
    criação, funcionamento e perspectivas

    • Andreia de Jesus – Deputada Estadual em Minas Gerais (PSOL) e Advogada Popular. 
    • Bella Gonçalves – Vereadora em Belo Horizonte (PSOL) e cientista política.
    • Luiz Fernando Vasconcelos – Advogado Popular, militante das Brigadas Populares e assessor da Deputada Andreia de Jesus
    • Rafael Bittencourt – Sociólogo, militante das Brigadas Populares e assessor da Deputada Andreia de Jesus

    Terra para plantar e casa para morar não são caso de política e sim de políticas sociais, por isso os conflitos sociofundiários devem esgotar as possibilidades de diálogo e mediação com ativo envolvimento dos poderes públicos e sociedade civil. Essa é o acúmulo de entendimento que os movimentos sociais e setores avançados do Sistema de Justiça e do Poder Executivo estabeleceram nos últimos anos a “Mesa Estadual de Diálogo e Negociação Permanente com Ocupações Urbanas e Rurais e outros grupos envolvidos em conflitos socioambientais e fundiários” em Minas Gerais.

    A Mesa de Diálogo foi instituída por meio do Decreto nº 203, de 1º de Julho de 2015, com alterações feitas pelo Decreto nº 520, de 28 de Setembro de 2016, do então Governador de Minas Gerais – Fernando Pimentel (PT) – com o objetivo inicial de mediar e solucionar conflitos fundiários de luta pela terra e pela moradia, em todo o estado de Minas Gerais.

    A Mesa de Diálogo foi um importante espaço de mediação de conflitos fundiários, criado via Decreto do Poder Executivo. Ocorre que, não podemos deixar que se esqueça, esse instrumento não foi concebido e implantado por mera vontade do Governo Estadual. Ao contrário disso, houve muita luta e muita pressão popular para que fosse aberto algum canal de diálogo entre as/os sem-teto, moradoras/res de ocupação e movimentos sociais com a institucionalidade.

    Assim, faz-se necessário relembrar fatos importantes do histórico de luta do povo, que acabou por desencadear o estabelecimento da Mesa Estadual de Diálogos:

    Em 2014, as ocupações urbanas de Minas Gerais realizaram vários atos de resistência e de repúdio aos despejos e às ameaças de reintegrações de posse. Cumpre lembrar que, no dia 24 de setembro de 2014, período pré-eleitoral, foi realizado um grande ato pelo “#DespejoZero”, em Minas Gerais, organizado pelas Brigadas Populares, pela Comissão Pastoral da Terra (CPT-MG), pelo Movimento de Luta nos Bairros e Favelas (MLB) e pelo Movimento Luta Popular, além de mais de dez ocupações urbanas da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). O mote da ação era a rejeição e a denúncia das remoções injustas e violentas que vinham acontecendo no Estado contra o povo pobre que formam as/os sem-teto e as/os moradores de ocupações. Buscava-se, ainda, tendo em vista a proximidade das eleições, forçar a celebração de algum compromisso por parte do novo governo estadual contra os despejos forçados que estavam sendo realizados sem qualquer alternativa digna de moradia àquelas populações. (Ver nota aqui: https://brigadaspopulares.org.br/manifesto-despejo-zero-em-mg/).

    No dia 10 de março de 2015, aconteceu na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o seminário “Conflitos Fundiários em Minas Gerais e o direito à cidade”, o qual reuniu diversos setores da sociedade civil, grupos de pesquisa e extensão universitária, movimentos sociais, rede de apoio das ocupações e outros atores, para opinarem sobre os contornos normativos da planejada Mesa de Diálogo.

    No dia 18 de março de 2015, aconteceu um ato nacional intitulado “Periferia Ocupa a Cidade! Reforma Urbana de Verdade!” realizado pela Resistência Urbana – Frente Nacional de Movimentos. Tal ato polarizou com o ato em favor do impeachment da presidenta Dilma Rousseff realizado no dia 15 de março e com o ato puxado pelo até então campo governista no dia 13 do mesmo mês.  Foram realizados, ao todo, 22 trancamentos de importantes rodovias, em 7 estados do país. Uma das reivindicações foi que as comunidades e movimentos sociais deveriam ser tratados como caso de política pública e não de polícia pelos governos e pelo Poder Judiciário, além de defender a suspensão de todos os despejos e urbanização das áreas ocupadas, garantindo o pleno acesso aos bens e serviços públicos essenciais para o exercício do direito à cidade. (Ver nota aqui: https://brigadaspopulares.org.br/ato-nacional-periferia-ocupa-a-cidade-reforma-urbana-de-verdade/ )

    Só em Minas Gerais ocorreram 9 trancamentos, 6 em Belo Horizonte e 3 em Uberlândia. Nesta cidade 3 rodovias foram interditadas pelo Fórum das Ocupações Urbanas, que reúne mais de 20 comunidades e 12 mil famílias. Na RMBH, o fluxo da Linha Verde foi interrompido em dois pontos distintos, assim também o foi no Anel Rodoviário, ademais de trancamentos da Via do Minério, no Barreiro, e da BR 040, em Contagem. Em solidariedade, estudantes da UFMG fecharam a Av. Antônio Carlos, na porta da Universidade. Tais ações foram articuladas pelas Brigadas Populares, MLB, CPT-MG, Luta Popular e Frente Terra e Autonomia (FTA). (Ver nota aqui: https://brigadaspopulares.org.br/o-brasil-parou-sobre-o-ato-nacional-periferia-ocupa-a-cidade-reforma-urbana-de-verdade/).

    Em julho de 2015, então, após pressão popular, mobilização social autônoma de movimentos, de organizações políticas e pelo apoio de uma ampla rede de atores que atuam na luta pelo direito à terra, à moradia e à cidade em MG, conseguiu-se a publicação do Decreto nº 203/2015, que  instituiu a Mesa de Diálogo. Entre 2015 e 2018 mais de 300 (trezentos) conflitos fundiários passaram pela Mesa de Diálogo abarcando uma diversidade de movimentos sociais e diversos sujeitos como indígenas, quilombolas, sem-teto, sem-terra, povos tradicionais envolvendo conflitos urbanos, rurais e socioambientais.

    Um dos casos mais emblemáticos da Mesa de Diálogo foi a resolução do conflito das ocupações da Izidora (Rosa Leão, Esperança e Vitória), que reúnem mais de 8.000 famílias, garantindo-se a segurança da posse para 70% do território. Ver nota aqui. Também o encaminhamento para acordo de resolução do conflito envolvendo os indígenas Kiriri e a Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG), bem como o acesso à políticas públicas para a Comunidade Quilombola do Córrego Mestre.

    A cultura da mediação de conflitos fundiários se contrapõe à constituição de um sistema de justiça e de um Estado racista, patriarcal e patrimonialista. A mediação de conflitos coletivos possibilita que outras vozes surjam e se façam ouvidas de maneira que a função social da posse e da propriedade, a vida cotidiana das comunidades, sua luta e sua resistência apareçam na gestão do conflito e que a visão autoritária e garantidora da propriedade absoluta, acima dos direitos fundamentais, não seja a única tônica.

    Importante realçar que a Mesa de diálogo encontra um limite se ela não é atrelada a um Programa de Regularização Fundiária a ser constituído com a participação dos movimentos sociais e sociedade civil em geral e pelos órgãos Estaduais pertinentes. A resolução de conflitos envolvendo comunidades deve contar com a participação ativa do Poder Público e ser orientada pela regularização fundiária dos territórios bem como no acesso a direitos. Para isso deve haver um banco de terras para permuta, um corpo técnico para aplicação dos instrumentos de regularização fundiária previstos no ordenamento jurídico, um fundo financeiro e uma atuação intersetorial entre os órgãos públicos no sentido de garantir a efetividade dos direitos humanos.

    A Mesa de Diálogo está inoperante desde o início da gestão do Governador Romeu Zema (Novo) e despejos forçados, com uso de violência e força policial estão acontecendo no Estado em desrespeito à legislação internacional e a procedimentos internos da própria PM.

    Na esfera do Governo Federal o autoritarismo fascista está instalado haja vista o Decreto 9759-2019 que extingue os Conselhos Colegiados de Participação Popular – que visavam ampliar a esfera de diálogo entre o poder instituído e a sociedade civil. O Governo atual em Minas Gerais, na mesma linha, esvaziou a experiência da Mesa de Diálogo em Minas Gerais que apontava para a tentativa de aumentar a esfera de participação popular na resolução de conflitos fundiários de diversas matizes. Os casos que aportaram nesse instrumento envolveram indígenas (Etnia Tuxá, Pataxó Geru Tunã, Pataxó Hã-Hã-Hãe, Xucuru Cariri), quilombolas (Comunidade Quilombola Vargem do Inhaí, Comunidade Quilombola Mata dos Criolos, Quilombo de Praia, Quilombo da Lapinha, Comunidade Quilombola de Raiz, Comunidade Quilombola de Peixe Bravo, Comunidade Quilombola das Comunidades Nativas do Arapuim), Povos Tradicionais (Comunidade de apanhadores de sempre-vivas, Comunidade Pesqueira Artesanal de Canabrava, Comunidade de Gerazeiras, Comunidades Veredeiras, Comunidades Vanzanteiras), ciganos (Calon) e até mesmo uma colônia de Hansenianos.

    No dia 11 de abril aconteceu uma audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), convocada pela Deputada Andreia de Jesus (PSOL), em que a posição do Poder Executivo foi de afirmar que a Mesa de Diálogo estava em reformulação e não será extinta, mas em mais de três meses de governo não houve sequer uma reunião de mediação de conflitos fundiários.

    A Mesa de Diálogo é um mecanismo importante para elevar o tratamento dos conflitos coletivos possessórios urbanos e rurais buscando enfrentar a violência manifesta no cumprimento de ordens de reintegração de posse, mas é um instrumento que deve ser utilizado a partir da luta coletiva das comunidades envolvidas e através da construção do Poder Popular – força diretiva da criação de novas sociabilidades e responsável pela efetividade de direitos humanos.

    Reconhecemos a importância da Mesa de Diálogo, mas sabemos que a democracia participativa e institucional encontra limites sendo que somente uma democracia com Poder Popular, territorializada, partilhada pelo cotidiano comunitário, focada na autonomia dos sujeitos coletivos, será capaz de construir uma nova realidade.

  • Crise do Pacto Federativo: a Lei Kandir

    Crise do Pacto Federativo: a Lei Kandir

    Crise do Pacto Federativo: a Lei Kandir

    Este artigo é o segundo de uma série elaborada a partir da Fundação Lauro Campos para o Observatório da Democracia que tem como objetivo analisar a crise do pacto federativo e suas implicações na conjuntura brasileira. O presente artigo trata do papel da Lei Kandir na interdição do Pacto Federativo.
    Pedro Otoni é Mestre em Ciência Política, especialista em Economia Política, bacharel em Direito e colaborador da Fundação Lauro Campos

    A crise do Pacto Federativo Brasileiro é provocada pela ação de três mecanismos – Dívidas Públicas Estaduais, Lei Kandir e Lei de Responsabilidade Fiscal – que atuam de maneira simultânea ao desestabilizar a relação entre União, estados e municípios, criando uma situação de obstrução das prerrogativas constitucionais dos dois últimos em favor dos compromissos e a discricionariedade da primeira.

    As Dívidas Públicas Estaduais, a Lei Kandir e a Lei de Responsabilidade Fiscal funcionam como as três cabeças da criatura mitológica que guardaria a porta do inferno, um cão chamado Cérbero. Este seria dócil com as almas que entram no vale dos mortos, mas cruel com quem tentasse sair. A metáfora parece apropriada para visualizar os impactos destes mecanismos no aprofundamento da crise federativa em curso. A nação entrou facilmente no inferno, mas o monstro tricéfalo não deixará que ela saía da mesma forma.

    No primeiro artigo da série sobre a crise do pacto federativo brasileiro, tratei da questão da dívida pública estadual como mecanismo de interdição do sistema federativo brasileiro. Agora apresento o segundo mecanismo, a segunda cabeça da criatura infernal, a Lei Complementar 87/1996, mais conhecida como Lei Kandir.

    Lei Kandir: “exportar é o que importa”

    A valorização da moeda promovida pelo Plano Real teve como efeito colateral o déficit na balança comercial pós-1994. Com o real valorizado, o valor das importações ultrapassou o das exportações, levando o país a uma situação deficitária frente ao exterior. A solução escolhida pelo governo foi aprofundar a condição primário-exportadora do país, ou seja, apostou na ultra-especialização na atividade primária e abandonou qualquer possibilidade de retomada da industrialização.

    Um dos mecanismos para equilibrar a balança comercial e com isso produzir superávit foi a isenção do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), imposto de competência estadual, para produtos primários e semi-elaborados, que ganhou formato legal com a aprovação da Lei Kandir.

    A tática foi diminuir o preço das commodities, via isenção do imposto estadual, e com isso ampliar a chamada “competitividade” dos produtos no mercado internacional. Porém, com esta medida, a economia se especializou ainda mais nas atividades de baixa tecnologia comprometendo o desenvolvimento econômico, o emprego, o meio ambiente, e a arrecadação dos estados e municípios. Nada mais importa, senão a exportação e o superávit de baixo perfil da balança comercial.

    Impasses em torno da regulamentação da Lei Kandir

    Para conter a revolta dos estados e municípios, os principais impactados pela Lei Kandir, o governo assegurou a compensação por perdas dela decorrentes, por meio da Lei Complementar 115/2002, que fixa a transferência dos valores paras as unidades federadas nos exercícios financeiros de 2003 a 2006.

    As compensações voltaram a ser tratadas na Emenda Constitucional n° 42/2003, que adiciona o Art. 91 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) a dá redação que garante o repasse de 75% para os estados e 25% para os municípios relativo ao montante de suas perdas com a isenção do ICMS sobre produtos in natura e semi-elaborados e indica a regulamentação do mesmo por lei complementar.

    Porém nem os valores devidos foram repassados integralmente até 2006, existindo divergência sobre os mesmos, nem a Lei Complementar indicada pela EMC n°42 foi aprovada. Por isso continuou ocorrendo o repasse para alguns estados, por pressão dos governadores em meio a medidas judiciais. O sistema de repasse é precário, pois é negociado anualmente no escopo da discussão do Orçamento da União, utilizando-se ainda dos dispositivos da LC 115/2002.

    A Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 25, foi julgada procedente pelo STF e indicava o prazo de 12 meses para a aprovação da Lei Complementar sobre o tema, ou, caso não ocorresse, indicava que o Tribunal de Contas da União (TCU) como responsável provisório pelos cálculos dos repasses devidos às unidades federadas. O tempo se esgotou ano passado, o TCU e a Câmara batem as cabeças, e o impasse permanece.

    Desde de 1996, a União acumulou uma dívida com os estados e municípios em um montante de R$ 548,7 bilhões.

    Compensar ou Revogar a Lei Kandir

    A Lei Kandir foi uma invasão flagrante sobre a competência tributária dos estados dentro de um sistema federativo. A atividade primário-exportadora é uma fonte estratégica de recursos para os cofres estaduais e municipais. Estes dependem dos recursos das atividades primárias para a formação do fundo público e financiamento de serviços fundamentais como educação, segurança, saúde, bem como em programas de apoio à diversificação produtiva.

    Além de não repassar o valor devido aos estados e municípios a título de compensação, a União condena os demais entes a reprodução eterna da dependência das atividades primário-exportadoras. Sem recursos para investimentos públicos, não há condições de fomento a atividades industriais no nível local e a ruptura com o círculo vicioso da produção de matérias-primas para a indústria dos países centrais.

    A manutenção da compensação, por sua vez, mesmo que resolva emergencialmente os problemas dos entes federados, penaliza a população em geral, porque obriga a União a retirar de outras fontes de receita recursos e transferi-los para estados e municípios. Este tipo de operação beneficia apenas as empresas dedicadas à atividade primário-exportadora, pois não cria uma fonte de tributação que permita utilizar a exportação como instrumento para o desenvolvimento nacional.

    Os que advogam pela manutenção da isenção indicam a compensação como instrumento de mediação apoiados no art. 153, II da CF que o Imposto de Exportação é de competência exclusiva da União e teria uma função regulatória que disciplinaria o fluxo de exportação. Porém, se este tipo de disciplina regulatória existente agride a sustentação dos demais entes federativos, ele precisa ser debatido e pactuado de maneira mais ampla, caso contrário a crise da federação se torna insolúvel.

    Neste sentido, a solução sustentável é a revogação completa da Lei Kandir, uma discussão estratégica sobre o papel do setor primário-exportador no desenvolvimento nacional e assim a criação de um dispositivo legal de caráter federativo que indique as parcelas do imposto das exportações primárias que corresponde a cada ente, permitindo que este use do aumento ou da diminuição de sua parte de maneira ajustada aos seus interesses arrecadatórios, e com isso ampliar sua capacidade de garantir o financiamento dos serviços públicos e de atividades de diversificação produtiva, saindo do círculo vicioso mencionado anteriormente.

    A base social e política do governo será testada

    A base do governo Bolsonaro será colocada a prova na discussão sobre a Lei Kandir. Os governadores pressionam o presidente da Câmara para assumir o compromisso com a elaboração da Lei Complementar e normatizar os repasses de caráter compensatório. No senado, o Projeto de Lei Complementar 511/2018 (PLC) tramita no mesmo sentido e encontra-se pronto para entrar na pauta do Plenário. Resta saber qual será a postura dos congressistas da base do governo neste tema.

    Estados como Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul encontram-se em dificuldades tão dramáticas, que não possuem recursos para honrar com a folha de pagamento do funcionalismo público. Os governadores destes três estados apoiaram aberta ou tacitamente a candidatura de Bolsonaro no 2° turno, e possuem a difícil tarefa de governar sem recursos. Continuarão dóceis ao executivo federal ao mesmo tempo, que com isso, colocam em risco a própria viabilidade do seu governo?

    O bolsonarismo irá às urnas nas eleições municipais de 2020. Qual será o discurso? Como lidar com a situação de indigência dos cofres dos municípios?

    São questionamentos que irão aparecer, tendo, inclusive, como difusores trabalhadores dos serviços públicos que contribuíram com a vitória de Bolsonaro, como o da segurança pública que hoje tem seus salários parcelados em alguns estados. Estados e municípios serão palco de greves e mobilizações cuja as reivindicações não terão resposta pelos seus governos dentro do estrangulamento orçamentário que vários destes entes se encontram.

    Cabe a nós, setores empenhados na resistência popular e democrática do país enfrentarmos o debate sobre a crise do pacto federativo, não como um exercício meramente parlamentar, mas como um pedagogia de massas conectada diretamente às necessidades concretas do povo. Demonstrar que o projeto instalado no governo federal aprofunda as contradições históricas de nosso modelo federativo e impede por diversos mecanismos a efetivação dos direitos fundamentais básicos.

    A discussão sobre um novo pacto federativo e a luta pelos direitos são caminho para unir o que foi dividido nas últimas eleições. É a luta da nação, do povo, das suas organizações representativas e das lideranças estaduais e municipais, que, em unidade, devem enfrentar o monstro de três cabeças, o cão Cérbero, que impede que a federação seja reconduzida ao mundo dos vivos.

  • Novo ministro da Educação mantém o mesmo discurso de Vélez

    Novo ministro da Educação mantém o mesmo discurso de Vélez

    Novo ministro da Educação
    mantém o mesmo discurso de Vélez

    Abraham Weintraub defende as tolices advindas de Olavo de Carvalho, como a ideia de que existiria um “marxismo cultural” que se apossou do país

    Por Juca Gil, professor de políticas educacionais
    da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

    Anunciada a substituição de Ricardo Vélez Rodríguez por Abraham Weintraub para liderar o Ministério da Educação (MEC), Bolsonaro não explicou os motivos nem fez um balanço do que já ocorreu em seu mandato. E até agradeceu a Vélez, sem especificar quais foram os serviços prestados dignos de agradecimento.

    Será porque permaneceu menos de 100 dias? Ou por fingir administrar um ministério marcado pela ausência de propostas relevantes? Ou porque sua pasta é um caos formado por desentendimentos e polêmicas? Ou pelas bravatas moralistas e reacionárias?

    Como nada substantivo vem do Planalto, ensaiamos respostas. Dado o que foi divulgado sobre o novo ministro, podemos dizer que Bolsonaro enxerga ali um espaço reservado para sua seita, a bancada da intolerância. Weintraub defende as tolices advindas de Olavo de Carvalho, como a ideia de que existiria um “marxismo cultural” que se apossou do país. Ou seja, o discurso de Vélez permanece.

    É notável que ambos ministros apresentem currículos alheios ao campo educacional. São tidos como “técnicos”, mas não têm experiência alguma com a gestão da educação. Ou dar aulas de filosofia e economia traz expertise em Enem, em livros didáticos, em currículos ou em alfabetização? São ignorantes em educação pública.

    O atual governo brasileiro não possui propostas para a área. Daí que perde o foco e se atraca em hino, censura ao Enem, negação de golpe e ditadura. A esperança é que não precisamos de novas propostas, pois o parlamento aprovou um Plano Nacional de Educação (PNE). Cumpri-lo já seria uma enorme contribuição. Ampliaríamos vagas em creches e universidades públicas, valorizaríamos professores, teríamos mais jovens frequentando escolas de qualidade.

    Weintraub é um homem do mercado financeiro. Defenderá mais verbas para a educação pública? Ou veio para garantir o lucro das empresas de ensino? Precisamos de educadores no MEC. E menos militares ou economistas loteando cargos com olavistas. A educação não pode seguir refém de pessoas despreparadas.

  • A viagem do presidente, com muita propaganda e pouco resultado!

    A viagem do presidente, com muita propaganda e pouco resultado!

    A viagem do presidente, com
    muita propaganda e pouco resultado!

    Francisvaldo Mendes
    Presidente da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco

    O presidente eleito viajou para Israel no dia 31 de março. Na imprensa muita propaganda e pouco questionamento sobre uma solução para o desemprego que assola os brasileiros. Um presidente de um país pode e deve viajar para discutir políticas com outros presidentes de outros países. Isso não está em questão. Mas o que essa viagem trará de concreto?

    O que está em questão é a propaganda massificada de mais uma viagem que não tem conclusões objetivas. Muito menos conclusões que contribuam para a população brasileira melhorar suas vidas. E vale lembrar que a imensa maioria da população brasileira vive da venda da sua força de trabalho e depende disso para sobreviver e de salários, com direitos, para uma vida melhor. Mas isso não está na “agenda’ do atual presidente, infelizmente.

    Mas está em sua agenda aparecer em redes sociais, dando publicidade a sua própria imagem e, pior, nessa viagem, com uma arma em mãos. Levando-se em consideração que há um conflito armado árabe-israelense, com uma guerra que alterna condições e se mantém, desde o fim da década de 40 do século passado. Isso é um recado, no mínimo, questionável.

    Parece que o presidente esquece ainda que, em seu próprio país, há aumento do número de jovens, pobres, negros que morrem todos os dias por arma de fogo. Ou esquece ou não se importa, o que é mais provável. Mas a propaganda deixa evidencias ainda piores, pois, afirma, como presidente, que o problema não são as armas, mas sim os indivíduos. Transforma em um contexto individual aquilo que é social, histórico e deve ser tratado como um grave problema pelas instituições.

    Na sua postagem em redes sociais, o presidente afirma que “o que torna uma arma nociva dependente 100% de quem a possui”. Ou seja, não precisa regulações, legislações, limites de uso de armas entre as pessoas, pois, são as pessoas que as usarão para o bem ou para o mal! Um presidente afirmar isso é gravíssimo, pois, a própria agenda liberal, mesmo com todo viés autoritário, ancorado em tirania, sustenta-se em leis e constituições. E sempre vai aparecer que o direito à vida é fundamental, mas para que assim seja, não se pode chegar a esse ponto de individualismo, que chega a ser imbecilizado.

    Não temos um mundo de indivíduos, que ao decidir e comandar a sua própria vida decidem por elas. Essa ideologia liberal, ainda que tenha grande presença na vida das pessoas, é uma falácia por completo. As armas existem por conta de uma indústria que produz lucros absurdos com as guerras, as mortes, as chacinas e assassinatos em massa. Há regulações, e essas são do mercado para saber quem pode ter, e como se pode ter uma arma e como o Estado opera frente a isso, como regulador do próprio mercado ou como órgão que pode, ao menos, garantir que as pessoas não sejam assassinadas.

    Um presidente não pode “lavar as mãos” e deixar para as pessoas decidirem sobre esse a segurança das pessoas e da sociedade, não por acaso nem se manifestou sobre o massacre na escola de Suzano em SP. Muito pelo contrário, precisa intervir a favor da vida das pessoas. Um governo sério não deve fazer propaganda própria de sua imagem apostando e incentivando o uso de armas regido pelo senso individual de cada pessoa.

    Devemos cobrar que em cada viagem em conversa com outros presidentes venham soluções para melhorar a vida das pessoas de seu próprio país. Mas nesse caso é mais que isso, a cobrança precisa ser que as viagens apresentem soluções em favor da vida, quando claramente elas aparecem contra nossas vidas e principalmente contra a vida da população pobre desse país. Pior que a mensagem enviada a população, em uma viagem para um território tão importante que envolve Palestina e Israel, são propagandas e divulgação de uma ideologia favorável à guerra e ao confronto armado. Assim sendo, cabe sim, todas as pessoas se posicionarem e dizer que futuro esperar de um presidente com esse nível de consciência e comportamento.