Qual é a frente necessária para derrotar Bolsonaro?
Quatro dirigentes do partido expõem suas concepções táticas para deter o avanço da extremo direita
[1] É tempo de fortalecer o partido!
Este é tempo de partido,
tempo de homens partidos.
…Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos.
As leis não bastam. Os lírios não nascem da lei.
Meu nome é tumulto, e escreve-se na pedra.
Carlos Drummond de Andrade
No Brasil, é possível e imprescindível termos uma candidatura de esquerda radical. Essa candidatura deve apresentar um programa que diga ao povo que os bancos são nossos maiores inimigos, e não que vão ganhar muito com nosso governo. É necessário dizer que o latifúndio e o agronegócio não são heróis, mas os responsáveis pela fome e preços altos dos alimentos, por isso é preciso fazer a reforma agrária. É importante afirmar que qualquer projeto de país que deseje o mínimo de autonomia tem que partir de uma anulação das medidas encaminhadas pelos golpistas, como as privatizações de empresas estratégicas, teto de gastos, reformas da Previdência, Trabalhista, entre outras
Berna Menezes
O senso comum e com uma boa dose de razão diz: todos juntos contra Bolsonaro. É natural! Quando vemos desfilando pela grande imprensa e redes sociais as declarações de Bolsonaro, Guedes, Damares, os finados Salles e Weintraub, imaginamos que abriram as portas do inferno. Se olharmos em volta, mais de meio milhão de mortos pelo descaso e irresponsabilidade de Bolsonaro, metade da população em insegurança alimentar e o retorno da fome, milhões de desempregados e subempregados, famílias inteiras morando nas ruas, falência de pequenos agricultores, extermínio da juventude negra nas periferias e dos povos indígenas, fim dos direitos trabalhistas, incêndios florestais ameaçando biomas e espécies, constatamos: é a barbárie! Mas como nossa guerreira Rosa Luxemburgo dizia: Isso de entregar-se por inteiro às misérias de cada dia que passa é coisa inconcebível e intolerável para mim… precisamente um lutador é quem mais tem que esforçar-se para ver as coisas de cima, caso não queira encarrar a cada passo todas as mesquinharias e misérias…, sempre e quando, naturalmente, se trate de um lutador de verdade…
Espaço amplo
Por isso, defendemos a mais diversa unidade de ação, como um espaço mais amplo possível, inclusive policlassista, contra Bolsonaro. Portanto, nessa frente social, cabe todo mundo: Globo, CNBB, Maia, Ciro, Requião, PSDB, FHC. Como a frente construída contra a ditadura militar, no movimento pelas “Diretas Já!”, que foi dirigida pelo PMDB. Naquele momento, isso não significou como consequência uma frente eleitoral do PT com o PMDB. Ao contrário, reafirmamos o PT, como partido de classe e seu programa, apoiado na mobilização cotidiana, que se expressou de forma contundente durante o processo constituinte e nas eleições de 1989.
Pode-se argumentar que a correlação de forças era outra, mas até isso é discutível. A ditadura caiu pela mobilização do povo, mas a transição foi conservadora, pactuada entre os setores da elite brasileira. Por isso, diferentemente da Argentina, a caserna ficou intacta e pode retornar ao poder como se nada tivesse acontecido.
Defendemos a mais diversa unidade de ação, como um espaço o mais amplo possível, inclusive policlassista, contra Bolsonaro. Nessa frente social, cabe todo mundo: Globo, CNBB, Maia, Ciro, Requião, PSDB, FHC entre outros, como a frente construída contra a ditadura militar, no movimento pelas “Diretas Já!”, que foi dirigida pelo PMDB. Já uma frente eleitoral é definida, além da correlação de forças, por um programa, que delimitará a composição da frente
A unidade de ação se dá em torno a um ou poucos pontos e cabem todos que tenham esse mesmo objetivo: abaixo a ditadura, Diretas já! Pela Legalidade! Reformas de base já!
Já uma frente eleitoral é definida, além da correlação de forças, por um programa, já que se pressupõe, em caso de vitória, que se governará junto e que, portanto, deve apresentar uma saída para o país em questão. Por sua vez, o programa delimitará a composição da frente. As frentes eleitorais são uma tática privilegiada para intervirmos em processos nos quais os revolucionários são ainda minoritários.
Dois exemplos de como enfrentar a ultradireita
Recentemente, as eleições nos EUA e na Espanha puderam revelar a complexidade da aplicação desses conceitos.
Após a crise de 2008, ressurge em nível internacional o fenômeno da ultradireita, polarizando com saídas mais à esquerda e o fantasma do comunismo. O governo Trump foi a expressão. Contra esse governo de ultradireita, nas prévias do Partido Democrata, apresentou-se Bernie Sanders, com um programa que, para a correlação de forças gringas, tocava em pontos que iam contra a lógica do capital: sistema de saúde universal e gratuito com a eliminação dos planos privados, perdão das dívidas de financiamento estudantil e sistema de ensino superior gratuito, salário mínimo de 15 dólares/hora. Essa candidatura mobilizou um exército de milhares de jovens e atuou junto a movimentos feministas e negros, além de imigrantes latinos e indígenas que percorreram o país mobilizando eleitores e debatendo programa.
Após a crise de 2008, ressurge em nível internacional o fenômeno da ultradireita, polarizando com saídas mais à esquerda e o fantasma do comunismo. O governo Trump foi a expressão. Contra ele se apresentou Bernie Sanders, nas prévias do Partido Democrata, com um programa que tocava em pontos que iam contra a lógica do capital
O final, todos acompanhamos, a elite fechou posição em torno de Biden e Bernie Sanders retira a candidatura, exigindo pontos programáticos do futuro governo. Sem fazer nenhum juízo de valor sobre o processo, o concreto é que a apresentação da candidatura de Sanders, o debate programático que mobilizou uma vanguarda progressista no coração do capital, acumulou para a esquerda norte-americana. O movimento social sai fortalecido e a esquerda ressurge como força importante naquele país.
Olhemos agora o processo do Podemos na Espanha, partido considerado o irmão do PSOL naquele país. O Podemos foi parido nas gigantescas mobilizações da Praça Porta do Sol. Em um ano, tornou-se o segundo maior partido no país. Elegeu as prefeituras das duas principais cidades, a capital do Estado espanhol, Madri, e a capital da Catalunha, Barcelona.
Com o discurso de barrar a direita, colou-se a velha política representada pelo decadente PSOE, fazendo parte do governo nacional. Consequência, perdeu 50% dos votos do processo eleitoral anterior e este ano perdeu a prefeitura de Madri, fato que levou o principal dirigente, Pablo Iglesias, declarar que vai abandonar a política. Quem ressurgiu das cinzas? A extrema direita, Fox. Além de fortalecer o PSOE como oposição, que vem engolindo ano a ano o eleitorado do Podemos.
Situação em nosso continente
Na América Latina, também temos exemplos de que há espaço para derrotar a ultradireita pela esquerda. Onde não se avançou no programa e ações, retrocedeu ou perdeu. Foi assim no Equador. No México, Morena encolheu. Por outro lado, no Chile, onde as mobilizações não pararam, avançou. No Peru, ganhou um dirigente de greves de professores que ninguém acreditava.
No Brasil, é possível e imprescindível uma candidatura de esquerda radical que apresente um programa para o povo afirmando que os bancos são nossos maiores inimigos e não que vão ganhar muito com nosso governo. É necessário dizer que o latifúndio e o agronegócio não são heróis, são responsáveis pela fome e preços altos dos alimentos, e que é preciso fazer a reforma agrária. Esse programa deve afirmar, também, que qualquer projeto de país que deseje o mínimo de autonomia tem que partir de uma anulação das medidas encaminhadas pelos golpistas, como as privatizações de empresas estratégicas, teto de gastos, reformas da Previdência, trabalhista, entre outras. Para isso, como uma das primeiras medidas, o novo governo deve encaminhar um referendo revogatório, para que abra o debate na sociedade como um gigantesco processo pedagógico de política feita pelo povo.
Organizamos o primeiro ato contra o golpe no Rio Grande do Sul, quando sequer o PT chamava mobilização contra os golpistas, nem a direção majoritária nacional estava com essa posição, ou ainda, quando outros gritavam nas ruas “Fora Dilma”, nós já estávamos nos atos junto a ela ou nos atos do Paraná contra a prisão de Lula. Pagamos um preço alto, mas tínhamos a tranquilidade de estar do lado certo da história
Nesse sentido, está claro, Lula não quer isso. Não quer uma frente de esquerda. Lula, mais uma vez, quer governar com a direita. Por isso, é contra a taxação das grandes fortunas, defende as estatais pero no mucho e reforma agrária nem pensar.
Isso significa que não votaremos em Lula? Não! No segundo turno, é todo mundo contra Bolsonaro! Mas o PSOL não pode abdicar de discutir com nosso povo de que é possível uma saída. A candidatura de Glauber Braga é a possibilidade de reafirmar essa saída à esquerda para a crise.
Antipetismo? Nem pensar! Organizamos o primeiro ato contra o golpe no Rio Grande do Sul, quando sequer o PT chamava mobilização contra os golpistas e nem a direção majoritária nacional estava com essa posição, ou ainda, quando outros gritavam nas ruas “Fora Dilma”, nós já estávamos nos atos juntos a ela ou nos atos do Paraná contra a prisão de Lula. Pagamos um preço alto, mas tínhamos a tranquilidade de estar do lado certo da História.
Berna Menezes é da Executiva Nacional do PSOL

[2] Da Diretas ao Fora Bolsonaro
Tudo indica haver alguma similitude entre a campanha das Diretas, de ontem, e o Fora Bolsonaro, de hoje. Ontem, tratava-se de pôr fim a duas décadas de um regime que implantou um verdadeiro terrorismo de Estado em nosso país. Hoje, trata-se de defender o Estado de Direito Democrático e impedir que o Brasil resvale para uma abjeta ditadura, militar-miliciana, sob a liderança protofascista de Jair Bolsonaro. Como dizia Dr. Ulysses, “a única coisa que mete medo em político é povo na rua”
Haroldo Saboia
A convenção nacional do PMDB, no domingo 4 de dezembro de 1983, impôs severa derrota aos autênticos, aos progressistas e ao próprio Ulysses Guimarães ao eleger, com apoio do então governador de Minas, Tancredo Neves, o senador biônico paranaense Afonso Camargo para o importante cargo de Secretário Geral.
Estava em jogo, então, a definição do PMDB, maior partido de oposição no Congresso, quanto à transição política em curso: aprovar as Diretas Já previstas pela Emenda Dante de Oliveira, participar do Colégio Eleitoral para “eleger” o sucessor do general Figueiredo ou, uma terceira hipótese, admitir um mandato-tampão em consenso com o Planalto.
Em 25 de janeiro de 1984, quando os próprios organizadores esperavam 100 mil pessoas, São Paulo – no dia dos seus 430 anos de fundação – surpreendeu: mais de 300 mil pessoas lotaram a Praça da Sé. Ulysses Guimarães, Franco Montoro, Leonel Brizola, José Richa, Mario Covas, Lula e centenas de artistas e lideranças sindicais estavam lá. Estava formada uma grande frente popular pelas Diretas Já! Da disputa institucional, a campanha ganhou as ruas fortalecida pela adesão dos movimentos sociais, sindicais e populares!
Deputado estadual, participei dessa Convenção como Delegado do PMDB do Maranhão. Assisti ao plenário em ebulição, aplausos aos autênticos e vaias, muitas e ruidosas vaias, aos conservadores.
A própria presença de Tancredo Neves foi objeto de apupos, e seus partidários – mesmo os antigos autênticos como o pernambucano Fernando Lira – praticamente impedidos de falar pelos militantes de esquerda (do PCdoB e de outras organizações) ainda abrigados no velho PMDB.
O clima ao final era desolador. O deputado baiano, Chico Pinto, afastado da Secretaria Geral, e Ulysses Guimarães, mantido na Presidência de uma Executiva e de um Diretório majoritariamente conservador.
No dia seguinte, segunda feira, ao final da manhã, fui à Presidência do PMDB encontrar com o antigo deputado maranhense Cid Carvalho, que fora colega de Câmara do Dr. Ulysses na década de 1950, cassado em 1968 com o AI-5, e de volta com a Anistia.
Pouca gente na Casa. Não havia sessões às segundas pela manhã. Movimento menor ainda no Gabinete do derrotado da véspera, o bravo anticandidato de 1974! Em seu gabinete, um único deputado àquela hora. Logo ao chegar, mal o cumprimentei, Dr. Ulysses se dirigiu ao Cid e disse:
– Convide o Saboia para almoçar conosco. Vamos ao Anexo IV.
Não apenas “navegar era preciso” – como tanto gostava de repetir – era preciso também dar uma demonstração de altivez, de força, mostrar que a derrota não o abatera.
Acompanhei, então, os dois deputados pessedistas dos anos 1950, que atravessaram os longos corredores do Salão Verde e do Anexo II até o restaurante do Anexo IV. No trajeto poucos parlamentares e jornalistas, e muitos funcionários surpresos com aquela presença tão inusitada.
Para as ruas!
À mesa, o até então taciturno Ulysses Guimarães se transformou:
– É Dr. Cid, temos que ir para as ruas! Teremos diretas só se ganharmos as ruas!
Era quase unanimidade entre os analistas políticos naquele momento de transição que, vitoriosa a Emenda Dante de Oliveira e restabelecidas as eleições diretas para Presidente da República, o nome escolhido seria o do Dr. Ulysses. Mantido o Colégio Eleitoral, emergiria com força o nome de Tancredo Neves, com bem mais trânsito juntos às lideranças do PDS que sucedeu a Arena, partido do “sim, senhor” dos anos de chumbo da ditadura.
A campanha pelas Diretas Já tomou conta do país, mas não arrefeceu a disputa pela hegemonia do processo de transição em curso. No mesmo palanque, às vezes até mesmo com discursos mais inflamados, defensores da ida ao Colégio Eleitoral e da conversão conservadora do regime disputavam espaço com os setores mais combativos, as forças de esquerda que lideravam a oposição popular à ditadura militar
Levar a luta pelas Diretas Já dos debates institucionais para os movimentos populares e sociais, do Congresso para as praças públicas, eis o grande desafio que se colocava ao Dr. Ulysses. E ele bem o sabia.
Praticamente um mês depois, em 12 de janeiro de 1984, o primeiro grande comício das Diretas, em Curitiba, reunia mais de 50 mil pessoas. Fora convocado pelo governador José Richa instado pelo Dr. Ulysses. No 27 de novembro anterior, um comício convocado pelo PT (os outros partidos foram convidados apenas dois dias antes e suas principais lideranças mandaram apenas representantes) e por setores da Igreja Católica mal reuniu 15 mil pessoas no Pacaembu.
A Frente pelas diretas
Em 25 de janeiro, quando os próprios organizadores esperavam 100 mil pessoas, São Paulo – no dia dos seus 430 anos de fundação – surpreendeu: mais de 300 mil pessoas lotaram a Praça da Sé! (Saí do meu Maranhão para assistir de corpo presente esse momento de nossa História).
Ulysses Guimarães, Franco Montoro, Leonel Brizola, José Richa, Mario Covas, Lula, centenas de artistas e lideranças sindicais. Tancredo Neves, que esteve em Curitiba, não compareceu. Estava formada uma grande frente popular pelas Diretas Já! Da disputa institucional, a campanha ganhou as ruas fortalecida pela adesão dos movimentos sociais, sindicais e populares!
Daí para a frente todos sabemos. Duas tiras – uma verde, outra amarela – pintadas como displicentes pichações, coloriram o Brasil inteiro…
A campanha pelas Diretas Já tomou conta do país, mas não arrefeceu a disputa pela hegemonia do processo de transição em curso. No mesmo palanque, às vezes até mesmo com discursos mais inflamados, defensores da ida ao Colégio Eleitoral e da conversão conservadora do regime disputavam espaço com os setores mais combativos, as forças de esquerda que lideravam a oposição popular à ditadura militar.
Similitudes ontem e hoje
Por ironia da História, tudo indica haver alguma similitude entre a campanha das Diretas, de ontem, e o Fora Bolsonaro, de hoje.
Ontem, tratava-se de pôr fim a duas décadas de um cruel regime que censurou, que reprimiu, que prendeu, que torturou, que matou… implantando um verdadeiro terrorismo de Estado em nosso país.
Hoje, trata-se de defender o Estado de Direito Democrático instaurado com a Constituição de 1988 – com todas as debilidades, que conhecemos – e impedir que o Brasil resvale para uma abjeta ditadura, militar-miliciana, sob a liderança protofascista de Jair Bolsonaro.
Ontem, setores oposicionistas se dividiam entre aqueles que queriam eleições imediatas, diretas verdadeiramente já, e outros que admitiam a transição lenta, com a ida ao Colégio Eleitoral.
Hoje, temos certos setores que lutam pelo Fora Bolsonaro (impeachement já) por entenderem que – a depender da conjuntura – Bolsonaro pode ganhar tempo tanto para a disputa eleitoral em 2022 como para desfechar o tão almejado (e até mesmo propalado pelos apoiadores) golpe policial-militar.
Ontem, a luta pelas Diretas Já saiu do Congresso para as ruas. Hoje, ao contrário, a luta está partindo das ruas e praças do País e acumulando forças – apesar das dificuldades impostas pela pandemia – para chegar ao Congresso e viabilizar o impeachment já
Por outro lado, observamos outros setores que, embora acompanhem o coro do Fora Bolsonaro, não se empenham, de fato, na campanha pelo impeachement já por apostarem que o enfraquecimento de Bolsonaro é inexorável e que é preferível esperar – deitados no berço esplêndido das pesquisas – para derrotá-lo nas eleições presidenciais de 2022.
Ontem, a luta pelas Diretas Já saiu do Congresso para as ruas.
Hoje, ao contrário, a luta está partindo das ruas e praças do País e acumulando forças – apesar das dificuldades impostas pela pandemia – para chegar ao Congresso e viabilizar o impeachment já.
Grito de partida
A Frente Povo Sem Medo, a Frente Brasil Popular, centrais sindicais, partidos políticos, movimentos sociais e populares e entidades da sociedade civil deram o grito de partida e foram às ruas, cada vez mais numerosos, nos quatro cantos do Brasil em 29 de maio,19 de junho, 3 e 24 de julho. Perceberam, como lembrou Guilherme Boulos, que “quando um governo é mais letal do que o vírus, é inevitável a necessidade de sairmos para o enfrentamento”.
Manifestações populares em centenas de cidades brasileiras; um mega pedido de impeachment de Bolsonaro, que reuniu mais de cem denúncias apresentadas à Câmara dos Deputados (23 crimes previstos em lei), entregue em 30 de junho e assinado por mais de uma dezena de partidos, de organizações de categorias profissionais, um sem-número de renomados juristas; um manifesto com centenas de economistas, empresários, banqueiros e intelectuais liberais – revelam o crescente isolamento político e social de Jair Bolsonaro e seu governo.
Lembremos que a PEC do voto impresso na Câmara Federal esteve longe de conquistar os 308 votos necessários para a aprovação em primeiro turno, o que representou a maior derrota do governo Bolsonaro no Congresso até o momento. Fato que pode vir a confirmar a sempre lembrada assertiva de que “o Centrão nunca se vende, sempre se aluga”!
Como dizia Dr. Ulysses, “a única coisa que mete medo em político é o povo nas ruas”. Não podemos descartar a hipótese das manifestações populares, convocadas pelas organizações do fora Bolsonaro, alcancem a amplitude e a dimensão necessárias para impor ao Legislativo a suspensão das funções presidenciais do atual presidente.
Se ontem a não aprovação da emenda Dante de Oliveira contribuiu para que fosse configurado um caráter conservador à transição política (ida ao Colégio Eleitoral, Assembleia Constituinte não exclusiva e com a participação dos senadores biônicos de 1978); nos dias de hoje, o não afastamento imediato de Bolsonaro poderá levar o país, em 2022, a um quadro de esgarçamento social, político e institucional com desfecho imprevisível. Fora Bolsonaro! Impeachment já!
Haroldo Saboia foi Deputado Federal Constituinte (1986-90) pelo PMDB-MA, Deputado Federal (1990-94) pelo PT-MA e membro do Diretório Nacional do PSOL.

[3] A unidade possível
A frente possível é uma frente das esquerdas. Ela é bastante diversa e reúne projetos distintos que vão de um tímido social-liberalismo a um programa de mudanças estruturais. Essa frente poderia redundar numa unidade eleitoral em 2022? Quem tiver a real dimensão da gravidade do momento que vivemos, lutará pela unidade até o último minuto
Juliano Medeiros
Durante meses as esquerdas se enredaram numa polêmica que, com o passar do tempo, mostrou-se sem sentido. De um lado, estavam os que defendiam uma “frente ampla”, leia-se, uma frente entre os todos os que estivessem dispostos a resistir aos ataques de Bolsonaro contra os direitos sociais, a democracia e a soberania nacional. Uma frente que reunisse as esquerdas e setores democráticos da centro-direita em oposição ao governo da extrema direita. De outro lado, estavam aqueles que defendiam uma frente das esquerdas, reunindo setores sociais e partidários dispostos a irem além da abstrata “defesa da democracia” e que denunciasse, ao mesmo tempo, a agenda antipopular de Guedes, Bolsonaro e do Centrão.
A polêmica não é totalmente desprovida de sentido, ao menos teoricamente. Ambas as opções táticas têm vantagens e desvantagens. Uma frente mais ampla, como podemos supor, agregaria mais forças sociais contra o governo, alcançando setores que não simpatizam com posições de esquerda. Por outro lado, considerando as diferenças no plano econômico, exigiria um nível de ação mais rebaixado, circunscrito à defesa das liberdades democráticas e do Estado de Direito.
Uma frente das esquerdas, por sua vez, seria politicamente mais coesa, com condições de opor-se à totalidade da agenda bolsonarista, incluindo o violento programa econômico. Por outro lado, ao restringir o diálogo aos setores progressistas da sociedade, uma frente dessa natureza teria muitas dificuldades em construir maioria social para barrar os ataques do governo.
A velha direita e o governo
Em que medida, então, considero que a polêmica se revelou “sem sentido”? Ora, por uma razão simples: não houve qualquer adesão significativa de setores da centro-direita à luta contra o governo Bolsonaro. No Congresso Nacional os partidos da velha direita – PSDB, DEM, MDB, PP, etc. – têm sustentado a agenda de ataques de Bolsonaro aos direitos e à soberania. Apoiaram a privatização dos Correios e da Eletrobras; viabilizaram o criminoso projeto de autonomia do Banco Central, além da legalização da grilagem e a criação de uma nova modalidade de subemprego, por meio da aprovação da MP 1045.
O leitor, com razão, poderá contestar: mas há contradições! Sem dúvida. A extrema direita bolsonarista e a velha direita neoliberal não têm exatamente o mesmo projeto. E as diferenças se manifestam vez ou outra, especialmente diante dos arroubos autoritários de Bolsonaro e dos militares que o apoiam. Mas na agenda econômica e social, bolsonaristas e neoliberais estão em perfeita sintonia. Basta notar que Novo (86%), PSDB (87%), DEM (91%) e PL (93%) estão entre os partidos que mais votam com Bolsonaro na Câmara dos Deputados.
Não houve qualquer adesão significativa de setores da centro-direita à luta contra o governo Bolsonaro. Apoiaram a privatização dos Correios e da Eletrobras; viabilizaram o criminoso projeto de autonomia do Banco Central, além da legalização da grilagem e a criação de uma nova modalidade de subemprego, por meio da aprovação da MP 1045
A conclusão é simples: não há frente ampla porque não existe um “centro democrático” disposto a construí-la. Quando se trata de retirar direitos, enfraquecer a soberania nacional, precarizar as condições de trabalho e privilegiar o capital financeiro, a unidade entre o bolsonarismo e a direita neoliberal é total. As parcas exceções – como os três parlamentares de direita que assinaram o “superpedido” de impeachment – só confirmam a regra.
O resultado é uma blindagem institucional que vai do “oposicionista” Rodrigo Maia ao “governista” Arthur Lira. Ambos, na presidência da Câmara dos Deputados, negaram-se a instalar o processo de impeachment, mesmo diante dos incontáveis crimes cometidos por Bolsonaro. Crimes que custaram a vida de milhares de brasileiras e brasileiros durante a pandemia da Covid-19.
Portanto, a frente antibolsonarista realmente existente é uma frente das esquerdas, isto é, uma frente dos partidos, movimentos, intelectuais, artistas, influenciadores digitais, jornalistas que se identificam como progressistas e articulam ao mesmo tempo a defesa das liberdades democráticas e dos direitos sociais.
O programa da unidade
Essa frente tem unidade em torno de alguns pontos fundamentais. O primeiro é a necessidade de interditar imediatamente o projeto de Bolsonaro. Para tanto, reconhece a necessidade de instalar o processo de impeachment e tornar Bolsonaro inelegível, como prevê a lei. O segundo, é a necessidade de barrar a agenda bolsonarista. Ou seja, além de derrubar o governo, derrotar os projetos que avançam com apoio da direita neoliberal, pejorativamente chamada de Centrão. Terceiro, a defesa das liberdades democráticas.
Em que pese a diferença entre projetos, em nenhum momento as esquerdas titubearam em denunciar as investidas golpistas de Bolsonaro ou de seus aliados militares. Quarto, a defesa das conquistas históricas da classe trabalhadora. Projetos como o da autonomia do Banco Central ou a privatização dos Correios contaram com a oposição da maioria dos partidos e movimentos de esquerda e centro-esquerda.
Por tudo isso, podemos concluir que a frente possível é uma frente das esquerdas. Ela é bastante diversa e reúne projetos distintos, que vão de um tímido social-liberalismo a um programa de mudanças estruturais. Essa frente poderia redundar numa unidade eleitoral em 2022? Se considerarmos a gravidade do momento histórico que vivemos e o nível de unidade em torno de elementos programáticos mínimos, arrisco dizer que sim. Mas considerando os diferentes projetos eleitorais em curso – legítimos, a priori – é pouco provável que isso ocorra. Ainda assim, quem tiver a real dimensão da gravidade do momento que vivemos, lutará pela unidade até o último minuto.
Juliano Medeiros é presidente nacional do PSOL e doutor em História pela UnB.

[4] Todas as táticas para derrotar Bolsonaro e uma estratégia por um Brasil dos trabalhadores e do povo
No Brasil atual, a tática da unidade de ação, amplamente utilizada em todas as lutas importantes ao longo da história, principalmente contra regimes e governos autoritários e ditatoriais, é fundamental para que se imponha a derrota ao governo Bolsonaro. A unidade de ação não é uma tática para as eleições, mas para a luta cotidiana. Porém, pode ser também estendida ao terreno eleitoral se, num segundo turno, por exemplo, enfrentam-se Bolsonaro e outro candidato que tenha sido seu oponente
Roberto Robaina
Para ir direto ao ponto, na atual situação política brasileira, há três objetivos fundamentais que devem ser postos para o movimento socialista: 1) Derrotar, pela via que seja, o presidente Jair Bolsonaro; 2) Defender as liberdades democráticas, os direitos econômicos e sociais dos trabalhadores e do povo; 3) Formular, desenvolver e lutar por propostas que apontem uma saída para a crise do ponto de vista dos interesses dos explorados e oprimidos.
Desses três objetivos não contraditórios entre si, derivam-se táticas e orientações estratégicas, cada uma delas cuja especificidade responde, na mesma ordem, aos objetivos definidos, orientações que não apenas são complementares, mas se fortalecem mutuamente e fortalecem a luta pelos três objetivos: a) A tática da unidade de ação; b) A tática da frente única; e c) A estratégia da construção de um corpo político revolucionário independente.
Unidade de ação
No Brasil atual, a tática da unidade de ação, amplamente utilizada em todas as lutas importantes ao longo da história, principalmente contra regimes e governos autoritários e ditatoriais, é fundamental para que se imponha a derrota ao governo Bolsonaro. A importância deriva do fato de que o projeto de Bolsonaro é contrarrevolucionário de extrema direita, cuja realização implica ataque às liberdades democráticas, à liberdade de imprensa, de organização, de reunião, e, no caso concreto brasileiro, recentemente, na deslegitimação das eleições. Esse projeto de Bolsonaro despertou a oposição em todas as classes sociais. A própria classe dominante está dividida. Basta, como exemplo, a decisão de investigar Bolsonaro, tomada pelos ministros do STF e do TSE.
A tática da frente única não abandona os objetivos da unidade de ação, mas constrói uma delimitação superior em conteúdo e método. Busca unir os partidos que se postulam como partidos de classe, dos trabalhadores, e as organizações sociais do movimento de massas para se oporem aos ataques do fascismo
Unir na ação concreta ao redor desse ponto programático, isto é, de defesa das liberdades democráticas e, de preferência, pela bandeira do Fora Bolsonaro, é o que definimos como aplicação da tática da unidade de ação, que passa pela realização de atos, passeatas, pronunciamentos e manifestos, com todos que compartilhem desse objetivo. A unidade de ação não é uma tática para as eleições, mas para a luta cotidiana, mas pode ser também estendida ao terreno eleitoral se, num segundo turno, por exemplo, enfrentam-se Bolsonaro e outro candidato que tenha sido seu oponente. A unidade, nesse caso, expressaria-se na defesa do voto contra Bolsonaro. A tática da unidade de ação, entretanto, está longe de esgotar a orientação do movimento socialista. Limitar-se a ela seria confiar que as classes sociais têm o mesmo interesse e que a burguesia liberal é consequente na luta contra o fascismo. Os trabalhadores devem ser conscientes de que a continuidade do poder burguês significa uma constante ameaça aos seus interesses.
Frente única
A tática da frente única, formalizada pela primeira vez em junho de 1921, no III Congresso da Internacional Comunista, não abandona os objetivos da unidade de ação, mas constrói uma delimitação superior em conteúdo e método. Busca unir os partidos que se postulam como partidos de classe, dos trabalhadores, e as organizações sociais do movimento de massas para se opor à ofensiva patronal, seja aos ataques do fascismo, seja aos ataques contra os direitos sociais e econômicos dos trabalhadores levados adiante pelos capitalistas e seus governos.
Trata-se de um acordo cujo objetivo é somar forças para impor derrotas aos planos capitalistas e fortalecer bandeiras de classe dos setores explorados e oprimidos. Tal tática não esgota, tampouco, a orientação do movimento socialista. Entre as organizações e partidos que reivindicam a classe trabalhadora há programas e estratégias diferentes e até opostas. O movimento dos trabalhadores se dividiu historicamente em posições revolucionárias, cuja estratégia é a destruição do capitalismo e a construção de um estado de novo tipo, uma nova institucionalidade baseada na auto-organização do movimento de massas, e as posições reformistas, cuja estratégia é atenuar as contradições de classe, buscando melhorias para os trabalhadores, mas num regime e num modo de produção burguês. Pois a tática de frente é a busca de acordo entre forças revolucionárias e reformistas que atuam no movimento de massas.
O movimento dos trabalhadores se dividiu historicamente em posições revolucionárias, cuja estratégia é a destruição do capitalismo e a construção de um Estado de novo tipo, uma nova institucionalidade baseada na auto-organização do movimento de massas, e as posições reformistas, cuja estratégia é atenuar as contradições de classe, num regime e num modo de produção burguês
A importância dessa unidade para fortalecer a capacidade de luta dos trabalhadores é evidente, mas não menos evidente são os limites dessa tática, já que os reformistas são contrários a uma estratégia de ruptura com a burguesia, como concretamente os 13 anos de governos do PT demonstraram. Assim, a tática da frente única não pode implicar acordo para realizar um governo comum entre revolucionários e reformistas, pela simples razão de que os revolucionários, nesse caso, estariam abrindo mão do seu programa ao aceitarem a hegemonia de um programa que não rompe com o capitalismo.
Capitulações e compromissos
Ao longo da História, tivemos muitos exemplos dessa capitulação, não tendo registro de experiências opostas, em que os revolucionários tenham sido apoiados por aparatos reformistas em sua estratégia de revolução social. Se não é uma tática por um governo comum, quer dizer que tampouco é uma tática e um acordo para as eleições. Mas a frente única pode também se estender ao terreno eleitoral. Tal opção deve ser feita em pelo menos dois casos: se há real ameaça de a candidatura da extrema direita vencer a eleição e se há uma ameaça real de um candidato da burguesia liberal ser o principal opositor contra a extrema direita, em detrimento de um candidato das forças reformistas. Nesse caso, o chamado ao voto e a participação na campanha não devem implicar compromisso de governo.
Em relação à tática da frente única, além do seu conteúdo econômico e social de classe, agrega-se um método de luta mais claro, de combate permanente, que pode e deve incluir a necessidade de impulsionar a autodefesa dos partidos e das organizações, entidades sindicais, populares, camponesas, estudantis e dos direitos civis em geral. No Brasil, aliás, essa tarefa deve ser posta na ordem do dia, o que não tem sido discutido com a urgência que merece. A discussão tem se resumido ao terreno eleitoral.
A via eleitoral é um caminho visível para derrotar Bolsonaro. E tal acordo é simples de ser feito numa eleição em dois turnos, seja apelando para a tática de unidade de ação, seja preferencialmente pela via do apoio a um candidato que integre os partidos que construam a frente única. Mas um compromisso eleitoral está longe de garantir a eficácia da frente única. A capacidade de organização e de luta nas ruas de cada classe social é decisiva para o futuro do país
A via eleitoral é um caminho visível para se derrotar Bolsonaro. E tal acordo é simples de ser feito numa eleição em dois turnos, seja apelando para a tática de unidade de ação, seja preferencialmente pela via do apoio a um candidato que integre os partidos que construam a frente única. Mas um compromisso eleitoral está longe de garantir a eficácia da frente única. A capacidade de organização e de luta nas ruas de cada classe social é o decisivo para o futuro do país.
Tarefa estratégica
Não é por acaso que a terceira tarefa é denominada estratégica. A construção de um corpo político revolucionário que impulsione a mobilização e a luta pelo poder dos trabalhadores e do povo pobre é a única saída de fundo para a crise nacional. Ou o capitalismo é derrotado ou teremos sempre as forças da barbárie ganhando terreno tendencialmente, acompanhadas pela ameaça recorrente do fascismo. A denominação mais conhecida desse corpo político é a de partido político, embora a forma partido esteja desgastada por conta da identificação quase exclusiva entre partido e eleições, tarefa fundamental, mas que não resume a atuação de um corpo revolucionário digno desse nome. Hoje, os revolucionários são uma minoria. Essa razão não nos isenta da necessidade de construir esse corpo e se apresentar de modo claro, com bandeiras próprias ao movimento de massas. Somente se postulando, desenvolvendo as táticas necessárias para fortalecer as lutas democráticas, econômicas e sociais que respondam aos interesses dos trabalhadores e dos setores oprimidos, atuando como operador dessas lutas, pode-se construir um polo consciente, capaz de agrupar as parcelas mais avançadas do povo trabalhador. Esse desafio é o que permite fortalecer as tendências da revolução e derrotar de modo definitivo a contrarrevolução e seus representantes de hoje e de amanhã.
Roberto Robaina é Vereador em Porto Alegre e membro do Diretório Nacional do PSOL.