Categoria: Artigos

  • A/C Marielle Franco

    A/C Marielle Franco

    A/C Marielle Franco

    Por Laura Marques

    Oi Marielle, tirei essa foto sua, no caminho do meu trabalho até em casa. Hoje seu homicídio foi notícia de manhã, mais uma vez.

    Mulher, negra, periférica e homossexual botando medo em um monte de gente engravatada. É uma pena mesmo não ter a certeza de que você está vendo tudo isso… ontem conversei com minhas amigas sobre isso, sobre como funcionávamos antes do nosso nascimento, a ideia de não existência é muito cruel pra mim.

    É uma pena que sua presença física não acompanha mais aqueles que te tem no coração. Mas eu garanto que você transcendeu esse caminho incerto, Marielle, aqui você ainda existe!

    Você não só ganhou o carnaval, você foi o carnaval todinho! Desfilou de São Paulo a Rio. Você foi o dia das mulheres todo, o quanto você foi aclamada, lembrada e homenageada não está escrito. Não quero que meus filhos te leiam nos livros de história do Brasil, quero que eles te vivam, assim como te vivo como mulher, assim como os negros, periféricos e homossexuais te vivem!

    Ainda não tenho a certeza de que você vê, ouve ou lê todo esse estardalhaço que você está fazendo, mas a contradição de que você ainda existe nessa terra nunca me fez tanto sentido quanto hoje!

    Desejo que sua existência nunca pare de ouvir por nossos ouvidos, olhar por nossos olhos e gritar por nossas bocas.

  • Observatório da Democracia – O pleno emprego como suporte da democracia

    Observatório da Democracia – O pleno emprego como suporte da democracia

    O pleno emprego como
    suporte da democracia

    J. Carlos de Assis é jornalista, economista, doutor em Engenharia de Produção, professor de Economia Política da UEPB, autor de mais de 25 livros sobre Economia Política brasileira

    A maioria das pessoas consultadas sobre o significado da palavra “democracia” dirá que se trata de um regime político caracterizado pelo “poder do povo”. É um equívoco. “Demo”, em grego antigo, não significa povo. Significa uma medida agrária usada por Sólon, o legislador lendário, para delimitar propriedades rurais na Ática clássica. Com isso, etimologicamente, “democracia” significa “poder dos fazendeiros”. A democracia grega foi progressivamente estendida a outros cidadãos, é verdade, mas nunca a escravos e não proprietários.

    A Constituição norte-americana, a primeira da era moderna, foi promulgada principalmente por fazendeiros em defesa de proprietários de terras. Também na França, as três primeiras convenções da Revolução Francesa foram fundamentadas na defesa do direito à propriedade privada. Isso bastou para que o filósofo alemão, Johan Fichte, no início do século 19, fizesse a pergunta crucial: ‘Sim, vocês fundamentaram a democracia na defesa do direito de propriedade privada. Mas o que farão com aqueles que não tem propriedade?’

    A contradição implícita nessa pergunta esteve na raiz da grande instabilidade que caracterizou o século 19 e o início do século 20 como a Era das Revoluções, no dizer de Eric Hobsbawm. Teoricamente, foram concebidas várias respostas: os anarquistas, que simplesmente negavam a propriedade; socialistas utópicos, que advogavam a melhor distribuição dos frutos da propriedade; marxistas, que propunham (e realizaram na Rússia e na China) a coletivização dos meios de produção; fabianos, com soluções distributivistas etc.

    O centro da controvérsia, na medida do avanço do capitalismo, acabou se polarizando entre o capital e o trabalho. Mas mesmo onde não havia uma clara divisão de classes entre trabalhadores e capitalistas o conflito entre proprietários e não proprietários pautava a luta social. Contudo, o progresso de idéias socialistas e o avanço político das classes despossuídas (voto feminino, voto universal) representaram no início do século 20 conquistas objetivas pelos não proprietários, num processo que consolidaria política e socialmente as classes médias.

    Entretanto, as duas guerras mundiais, com o massacre de milhões de vidas de trabalhadoras e trabalhadores, suscitou, no Ocidente, uma espécie de consciência de culpa das elites políticas em relação ao sistema político capitalista. Foi nesse contexto que, sobretudo nos Estados Unidos, surgiu o conceito de pleno emprego, transformado em lei em 1945. Estritamente definido, pleno emprego é a situação no mercado de trabalho onde todos os aptos e dispostos a trabalhar conseguem ocupação remunerada relativamente estável. Politicamente, é o contraponto fundamental ao direito de propriedade privada.

    Evidentemente que, na prática, o pleno emprego pretendia ser uma resposta ao comunismo soviético, onde, em tese, e por definição, havia emprego para todo o mundo que o quisesse. Politicamente, as políticas de pleno emprego adotadas na Europa Ocidental também visavam a confrontar não só a ameaça externa soviética, como também a ameaça socialista interna constituída pela vasta representação parlamentar que tiveram, no pós-guerra, socialistas e comunistas franceses e italianos, com sua aura de heroísmo pelo enfrentamento na guerra do nazismo e do fascismo como maquis.

    De qualquer modo, os 25 anos de ouro do capitalismo no pós-guerra foram de notável estabilidade social, crescimento econômico e virtual pleno emprego. O “perigo vermelho” foi afastado não em razão de ideologias, mas da melhora efetiva das condições sociais para os trabalhadores de todas as faixas salariais gozando de um efetivo Estado de bem-estar social. Parecia ser a paz eterna de Kant, não obstante a Guerra Fria. Aconteceu então o impensável: nos Estados Unidos e nos países mais desenvolvidos da Europa Ocidental ressurgiu com força uma ideologia liberal que se presumia morta, o liberalismo, agora na forma de neoliberalismo.

    A mensagem central do neoliberalismo é o expurgo nas sociedades que o adotam de todas as estruturas sociais construídas ao longo de um século em favor dos pobres ou dos despossuídos. Em seu conceito, o Estado deve restringir-se às Forças Armadas e à polícia, sendo que o que concebemos como políticas sociais deve ser realizado exclusivamente pelo setor privado, inclusive saúde, educação e previdência. O pleno emprego, nessa doutrina, contraria os objetivos de eficiência econômica e produtividade de economias globalizadas, pois impede a consolidação de exércitos industriais de reserva.

    É inacreditável que, mesmo em países que não construíram um Estado de bem estar como o Brasil, uma doutrina econômica tão excludente como o neoliberalismo possa angariar tantos simpatizantes. É claro que a adesão é também uma mistificação. Tomando como referência as últimas eleições, Jair Bolsonaro, o vitorioso, confessadamente não tinha e não tem qualquer noção sobre o neoliberalismo. Ele entregou todas as funções do Estado relativas à economia para Paulo Guedes, este, sim, fascinado pelas teses liberais e neoliberais. Entretanto, a vitória eleitoral foi, paradoxalmente, um protesto contra uma situação social – basicamente, desemprego e insegurança – que o próprio neoliberalismo visa aprofundar.

    O pleno emprego não pode ser imposto às empresas privadas, que, afinal, são as maiores empregadoras na economia. De fato, quando se fala em pleno emprego fala-se em políticas públicas que criem condições favoráveis ao investimento empresarial público e privado. Este, sim, é que vai gerar empregos novos. Além disso, como estamos em recessão, é fundamental a expansão dos gastos públicos do governo para gerar demanda, seja nas áreas de infraestrutura, seja na área de serviços essenciais (saúde, educação, segurança). Para financiar esses gastos, que não têm risco de gerar inflação porque a demanda inicial está fraca, o governo deve recorrer ao aumento temporário da dívida pública. Como qualquer um, também o governo pode recorrer a crédito quando precisa impulsionar a economia.

    Chamamos políticas de pleno emprego de políticas keynesianas, derivadas do nome do maior economista do século 20, John Maynard Keynes. Keynes é odiado pelos neoliberais porque não faz concessão ao sistema financeiro especulativo e foi um obstinado pela recuperação da economia real e do emprego em situações de recessão, como na Grande Depressão dos anos 1930. Considerando que a banca ocidental é quem manda no mundo, atualmente, é necessário reconhecer que, a não ser por forte mobilização de massas, não construiremos uma política de pleno emprego no Brasil a não ser varrendo do sistema político os últimos vestígios do neoliberalismo.

    O momento dessa virada é sempre político. Dependerá do espírito de luta dos trabalhadores, o qual, por sua vez, será animado pelas condições sociais objetivas. Temos praticamente um terço da população em idade ativa brasileira em situação de desemprego ou de subemprego. É um terrível desafio à cidadania. A reação não demandará muita coisa. Se temos uma democracia imperfeita no plano social, ela ainda tem brechas no plano político para forçar o Estado a promover avanços sociais em lugar de revertê-los. Na realidade, em nome da estabilidade política, a principal responsabilidade do Estado é promover o pleno emprego – o que garantirá, como conseqüência, a retomada da economia e a plena recuperação financeira da Previdência Social, cuja única crise é a queda da receita provocada pela recessão de quatro anos.

    A história não vai parar para ver Bolsonaro/Guedes passarem. É fato que a estabilidade social e política está condenada pela obsessão ideológica deles de implantarem o neoliberalismo no Brasil para além do que fez Michel Temer. Voltaremos, inexoravelmente, às convulsões sociais determinadas por conflitos entre proprietários e não proprietários de 200 anos atrás. A superação disso virá, em algum momento. E, quando vier, virá na forma de uma política de pleno emprego de modo a consolidar a democracia brasileira – uma democracia de todos para todos, e não apenas dos e para os proprietários da terra e do capital, uma plutocracia.

  • Observatório da Democracia – Intervenção na Venezuela: A quem serve a indicação de general brasileiro para o Comando Sul do Departamento de Defesa dos EUA?

    Observatório da Democracia – Intervenção na Venezuela: A quem serve a indicação de general brasileiro para o Comando Sul do Departamento de Defesa dos EUA?

    Intervenção na Venezuela:
    A quem serve a indicação de
    general brasileiro para o
    Comando Sul do Departamento
    de Defesa dos EUA?

    A bancada do PSOL na Câmara dos Deputados apresentou Requerimentos de Informação aos Ministros da Defesa e das Relações Exteriores,no último dia 19 de fevereiro, sobre a indicação de um general brasileiro para assumir cargo de subcomandante no Comando Sul do Departamento de Defesa dos Estados Unidos (ver os requerimentos aqui e aqui).Trata-se de uma indicação inédita, em sua vergonhosa submissão a Washington: desde a Segunda Guerra Mundial, o Brasil não tinha integrantes de suas Forças Armadas integrados à estrutura operacional de tropas estrangeiras (situação distinta daquela que ocorre na atuação sob a bandeira da ONU).

    O requerimento de informação indagou, em especial, se o Brasil participaria de eventual intervenção militar na Venezuela, ainda que a título de “ajuda humanitária”. Como se sabe, a atual tática de desestabilização e intervenção conduzida por Washington procura usar essa fachada. Segundo destacou o Comitê Internacional Cruz Vermelha (ver aqui),entretanto, não se trata de ajuda humanitária, porque não há atendimento aos pressupostos de imparcialidade e neutralidade.

    A bancada do PSOL também indaga, entre as 17 perguntas apresentadas aos dois Ministérios: “mesmo que o general brasileiro não tenha envolvimento direto com uma eventual intervenção militar na Venezuela, este Ministério não se preocupa que a sua presença na estrutura do Comando Sul contribua para conferir um verniz de legitimidade à intervenção, ainda que seja ilegal perante o direito internacional, e contrária à Política Nacional de Defesa do Brasil, que “repudia qualquer intervenção na soberania dos Estados e defende que qualquer ação nesse sentido seja realizada de acordo com os ditames do ordenamento jurídico internacional”?

    A respeito da Venezuela, o requerimento questiona, por fim, se o envio da “ajuda humanitária” poderá ser feito a partir do território brasileiro, e se há alguma chance de que o corredor de envio da “ajuda” atravesse ou impacte a terra indígena Raposa Serra do Sol, na fronteira entre Brasil e Venezuela. Um general venezuelano aliado de Juan Guaidó defendeu, há alguns dias, essa possibilidade.

    É oportuno lembrar que a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol contrariou a cúpula do Exército. O general Heleno,particularmente, atual Ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, foi um dos críticos públicos da demarcação (ver aqui),que Jair Bolsonaro prometeu rever. Além de desastrosa no plano da política externa, portanto, há o risco de que a criação decorredor de envio da falsa “ajuda externa” à Venezuela, a partir do Brasil, sirva à militarização de terras indígenas, por sua vez à serviço da ampliação das atividades de mineração e expansão da fronteira agropecuária na Amazônia, invadindo os territórios dos povos originários do nosso país.

    O Brasil de joelhos para os Estados Unidos

    Na justificativa do requerimento de informação, os deputados e deputadas do PSOL argumentam que a indicação de um general brasileiro para integrar o Comando Sul do Departamento de Defesa dos Estados Unidos (“United States Southern Command”)significa uma violenta ruptura com a Política Nacional de Defesa, a Estratégia Nacional de Defesa e o Livro Branco da Defesa Nacional,documentos com força de lei, aprovados pelo Congresso Nacional.Viola, ademais, princípios estabelecidos pela Constituição de 1988e pelas tradições diplomáticas brasileiras, de primar pela soberania nacional, integração latino-americana e sul-americana,independência na construção das políticas exterior e de defesa, e inserção internacional sob a égide do multilateralismo.

    A Política Nacional de Defesa estabelece que o Brasil deve “apoiar o multilateralismo no âmbito das relações internacionais”, e“atuar sob a égide de organismos internacionais, visando à legitimidade e ao respaldo jurídico internacional, e conforme os compromissos assumidos em convenções, tratados e acordos internacionais”. A Estratégia Nacional de Defesa estabelece, entre as ações estratégicas de defesa, “estimular o desenvolvimento de uma identidade sul-americana de defesa”, “intensificar as parcerias estratégicas, a cooperação e o intercâmbio militar comas Forças Armadas dos países da União das Nações Sul-Americanas (UNASUL)”, e “incrementar a participação brasileira no Conselho de Defesa Sul-Americano – CDS/UNASUL”. Em suma, os dois documentos, bem como o Livro Branco de Defesa Nacional, reafirmam que a inserção internacional do Brasil deve ocorrer segundo os marcos do multilateralismo e das organizações internacionais, e priorizar o fortalecimento da integração da América do Sul e da América Latina.

    Não podemos aceitar que um general brasileiro assuma um cargo operacional de “vice-comandante” na estrutura das Forças Armadas dos Estados Unidos, submetendo-se à cadeia de comando desse país.Não há qualquer razão que justifique essa submissão, a não ser o afã entreguista do atual governo, articulado com as pretensões imperialistas dos norte-americanos, que têm feito abertas ameaças de intervenção militar na nossa região. O peso geopolítico e econômico do Brasil na América do Sul deve ser utilizado em favor da pacificação e integração da região, e não a mais um golpe dirigido pela Casa Branca em nosso continente.

    A atuação dos Estados Unidos na América Latina não tem em vista a promoção de quaisquer causas “humanitárias”, mas a persecução dos interesses econômicos e geopolíticos daquele país – em muitos casos, frontalmente conflitante com os interesses brasileiros.Essa obviedade é explicitada pela nova “estratégia de segurança nacional”estadunidense, divulgada em 2017. O documento é claro ao assumir que os norte-americanos agem no mundo orientados por seu próprio interesse nacional, visando a ampliar seu poder global, suas“posições de força” e seus recursos econômicos. Para tanto,deverão também, segundo o texto, reduzir o poder de seus inimigos geopolíticos e concorrentes geoeconômicos, e sancioná-los com eficácia. O documento identifica a China e a Rússia entre os principais rivais dos EUA, por se proporem a modificar a hierarquia da “ordem mundial”, reduzindo o poder global dos norte-americanos.

    O Comando Sul está subordinado a essas definições, à busca do interesse nacional estadunidense, à ampliação de seu poder global e de suas posições de força. A estratégia do Comando Sul para o período 2017-20272identifica claramente o propósito de se contrapor ao crescimento da presença da China e da Rússia na América Latina, uma vez que os interesses desses países podem ser incompatíveis com os norte-americanos, e porque procuram impulsionar uma “ordem internacional alternativa” àquela hegemonizada pelos Estados Unidos. Os interesses dos EUA na Venezuela estão vinculados justamente às enormes reservas petrolíferas desse país, bem como outros recursos minerais, bem como às alianças que estabeleceu com China e, em especial, Rússia. Não têm qualquer relação com preocupação “humanitária”, nem com liberdades ou democracia –dispensável dizer o longo histórico dos EUA de promoção de golpes que instauraram ditaduras em nossa região, além das alianças que mantêm até hoje com diversos regimes autoritários, a exemplo da Arábia Saudita.

    Segundo assinalou o ex-Ministro Celso Amorim3,o Comando Sul tem procurado absorver, sob o seu comando, as Forças Armadas dos diversos países da América Latina, como se fossem todos departamentos militares dos EUA, vinculados à promoção de seus interesses – notadamente, à disputa econômica e geopolítica que travam com a China.

    Nosso Exército, Marinha e Aeronáutica não podem ser reduzidos a mero departamento operacional das Forças Armadas estadunidenses,para a consecução dos interesses desse país e da ampliação de seu poder na América Latina. Não cabe ao Brasil fazer-se instrumento da política exterior nem dos Estados Unidos, nem da China, mas dialogar e negociar com todos, de modo altivo e independente, forjando laços, em especial, com “os povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações”, segundo prescreve nossa Constituição.

    Notas
    1 Vide abalizada análise do professor José Luis Fiori: “Nova estratégia americana”, artigo publicado no Jornal do Brasil, em 4 de março de 2018. Disponível em:http://observatoriodasmetropoles.net.br/wp/nova-estrategia-americana-%E2%8E%AE-jose-luis-fiori/
    2 “United States Southern Command – 2017-2027 Theater Strategy”. Documento disponível em:https://www.southcom.mil/Portals/7/Documents/USSOUTHCOM_Theater_Strategy_Final.pdf?ver=2017-05-19-120652-483.
    3 Vídeo para o site “Nocaute”, em 16 de fevereiro de 2019. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=eSM-nNsu0-4&.
  • Horrível é o neoliberalismo: contra o desemprego e em defesa dos investimentos públicos

    Horrível é o neoliberalismo: contra o desemprego e em defesa dos investimentos públicos

    Horrível é o neoliberalismo:
    contra o desemprego e em defesa
    dos investimentos públicos

    Alan dos Santos é Professor da UNIMES. Mestre em Filosofia Política
    e doutorando em Educação, Artes e História da Cultura

    Para o presidente eleito Jair Bolsonaro, o desmonte da CLT e da rede de proteção social faz-se necessário para o estabelecimento do neoliberalismo – razão governamental do capitalismo contemporâneo – em nosso país. O presidente mostra-se sensível para as proto-necessidades dos grandes empresários, mas sequer visualiza a precarização que tanto afeta e prejudica a força de trabalho no Brasil.

    O capitalismo é indissociável da história de suas metamorfoses, de seus descarrilhamentos, das lutas que o transformam, das estratégias que o renovam. O neoliberalismo transformou profundamente o capitalismo, transformando profundamente as sociedades.

    Nesse sentido, o neoliberalismo não é apenas uma ideologia, um tipo de política econômica. É um sistema normativo que ampliou a sua influência ao mundo inteiro, estendendo a lógica do capital a todas as relações sociais e a todas as esferas da vida.
    Pierre Dardot e Christian Laval

    Diagnóstico político dos índices de desemprego no Brasil

    Se a expectativa de queda do desemprego na América Latina é de certo modo positiva, como aponta a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o mesmo não pode ser dito sobre o Brasil, que acabou de eleger um presidente conservador nos costumes e neoliberal na economia, ou seja, totalmente vinculado ao espectro político da direita.

    O problema do desemprego em nosso país é de ordem estrutural. A conjuntura política dos últimos três anos – governo Temer e início de governo Bolsonaro – tem agravado a situação, com a aprovação da Reforma Trabalhista, que desmontou intencionalmente a CLT e o código do trabalho civilizado no Brasil, legalizando atividades laborais em condições análogas à escravidão, e com a expectativa por parte do governo em aprovar ainda no primeiro semestre de 2019 a famigerada Reforma da Previdência, tão aclamada pelos empresários por mudar a forma de arrecadação e contribuição, que prevê o desmonte da seguridade social pública sem findar com os privilégios dos militares e da alta cúpula do poder judiciário – a base política do governo Bolsonaro -, quem de fato desestabiliza as finanças da previdência social.

    Segundo a OIT, as taxas de desemprego cairão em 2019 e 2020 no Brasil, mas de modo extremamente lento. A organização aponta ainda que o país corre o risco de ter de esperar por anos para ver os índices de desemprego retornarem para os níveis registrados antes da recessão econômica, em 2014. Se a promessa do golpe parlamentar operado de modo vil pelo MDB (então PMDB) de Temer, em 2016, era o da retomada rápida do emprego, a estratégia política dos mdbistas falhou. Cortaram os direitos dos trabalhadores em nome da geração de emprego, mas os empregos não vieram e os direitos se foram. No final de 2018, o índice de desemprego alcançou 12,5% da população. Embora o governo Temer tenha gasto verbas públicas com propagandas televisivas para promover o legado da Reforma Trabalhista, o fato concreto é que a taxa de desemprego no Brasil não diminuiu nos últimos dois anos. Pelo contrário, vivenciamos um crescimento significativo do trabalho informal (leia-se precarizado), aonde acordos privados sobressaem-se sobre os acordos coletivos. Não haveria a necessidade de suprimir a importância dos acordos coletivos, promovidos pelos sindicatos, se não fosse para legalizar condições de trabalho desprotegidas pela legislação da CLT.

    As ações políticas da equipe de Temer colaboraram decisivamente para o desmonte da CLT. O governo Bolsonaro, ao que tudo indica, dará continuidade aos cortes de investimentos – gastos públicos, no linguajar do governo. Quem pagará a conta será a classe trabalhadora, como sempre nesse país. Assim como fez Temer, Bolsonaro submeterá o Estado brasileiro aos ditames e necessidades do mercado. Haverá esforço político para a promoção do neoliberalismo. Sempre há muita política envolvida nas decisões econômicas – conforme nos ensinou o filósofo italiano neomarxista Giorgio Agamben, economia (oikonomia) é antes de mais um dispositivo de “governo dos homens”. No fundo, o que se viu no país nos últimos anos foi o Estado, mais uma vez, operando em prol do mercado – deste mercado que tanto renega a função social do Estado; que vê o Estado como uma pedra no caminho para o desenvolvimento do neoliberalismo. É sempre importante lembrar que liberalismo é capitalismo, ou seja, acúmulo de capital nas mãos de poucos; a ideia de que o liberalismo (neoliberalismo) defende o “princípio da liberdade” é pura balela ideológica, conversa para criança.

    De acordo com a OIT, a queda na taxa de desemprego está ligada à recuperação da economia nacional. Em 2018, apesar dos ataques contínuos ao trabalho em favor do Capital, a economia cresceu apenas 0,7%. A perspectiva da entidade, entretanto, é de que o crescimento seja de 2,4% em 2019 – uma expectativa estranha porque bastante otimista.

    Em números absolutos, para sermos objetivos, o total de brasileiros desempregados passou de 13,5 milhões de pessoas em 2017 para 13,3 milhões ao final de 2018. Uma diminuição modestíssima. Para 2019, a expectativa é de que o número total de desempregados seja 13,1 milhões, com a possibilidade de alcançar 12,7 milhões, em 2020. Continuaremos, por um longo tempo, com uma taxa de desemprego com dois dígitos.

    Em suma, o desemprego no Brasil é um tema político de maior importância. A precarização do trabalho afeta a sociedade como um todo. E não vemos esforços no atual governo para reverter a situação de maneira satisfatória para a classe trabalhadora, quem de fato produz riqueza nesse sofrido país em desenvolvimento.

    Bolsonaro e Guedes: pelo capitalismo, contra o trabalho

    Em reunião com a bancada do MDB – partido símbolo do fisiologismo nacional -, o presidente eleito Jair Bolsonaro se pronunciou deste modo: “Quero cumprimentar quem votou na reforma trabalhista. Devemos aprofundar isso daí. É horrível ser patrão no Brasil com essa legislação que está aí”. Essa afirmação atabalhoada revela a carga ideológica presente na plataforma político-econômica do governo eleito: vale tudo para defender ou mesmo promover o neoliberalismo em seu aspecto mais selvagem e agressivo. Em resposta, dizemos ao presidente Bolsonaro: horrível é ser empregado e vender a força de trabalho para a classe patronal e dominante – para não dizer racista e homofóbica -, que está aí. Em suma, horrível é estar desempregado; horrível mesmo é o neoliberalismo. O presidente Bolsonaro não teve a oportunidade de ouvir uma resposta como essa, pois seu disparate foi direcionado aos deputados e senadores do MDB – partido que, uma vez no poder executivo, apresentou a proposta de uma reforma que modificou mais de 100 itens da Consolidação das Leis do Trabalho, sem que nenhum deles beneficiasse o empregado, isto é, a força de trabalho.

    Tão logo assumiu a presidência, uma das primeiras medidas de Bolsonaro foi extinguir o Ministério do Trabalho, mostrando que o seu governo, em economia, seria uma continuação radical da plataforma de Temer. Aliás, parte da equipe econômica de Temer fora mantida por Bolsonaro e Guedes. Num país continental como o Brasil, que entre outras vergonhas e desalentos registra casos de trabalho análogos à escravidão – herança da reforma trabalhista elogiada por Bolsonaro -, além de ter uma Bélgica (12 milhões) de desempregados, extinguir o Ministério do Trabalho é um disparate imperdoável pela classe trabalhadora.

    Não obstante a reforma trabalhista, a Reforma da Previdência virá em breve; as esquerdas e a oposição em geral precisam iniciar a organização da resistência desde já para não sermos atropelados por mais essa avalanche neoliberal. Do neoliberalismo não se pode esperar nada de frutífero para os trabalhadores, a experiência história nos mostra isso muito claramente.

    Programa Levanta Brasil – proposta de saída da crise

    O PSOL – Partido Socialismo e Liberdade, através da equipe de campanha de Guilherme Boulos à presidência, elaborou o Programa Levanta Brasil, um conjunto de medidas que visavam combater o desemprego e reverter a situação da crise econômica sem agredir os direitos mínimos da classe trabalhadora. De modo bastante resumido, o programa consistia no seguinte pacote de medidas:

    1. Ouvir a população para identificar as necessidades populares mais urgentes e priorizar as demandas advindas do povo trabalhador, a camada da população que mais usufrui dos serviços públicos.

    2. Renegociar as dívidas dos estados com a União, exigindo como contrapartida obras públicas de interesse popular.

    3. Concentrar o investimento público com as principais necessidades da população.

    3.1. Para funcionar, os investimentos devem ser feitos de forma contínua e atendendo às principais necessidades da população: saneamento básico, transporte, moradia, educação e saúde.

    3.2. Aprofundar a transparência e o controle social de setores estratégicos da economia.

    Se esses passos fossem feitos da maneira correta, daria para gerar 6 milhões de empregos em 2 anos. Nenhum país se recuperou de crises econômicas sem um aprofundamento de investimentos públicos, por mais contraditório que isso pareça. A ideia, portanto, é a de investir em serviços públicos fundamentais que possam gerar empregos, além de ofertar serviços de qualidade para a população. Boulos chamou isso durante a campanha de “infraestrutura social”. Deste modo, o Estado geraria emprego, investiria na sociedade e fortaleceria a rede de proteção social estabelecida pela Constituição de 1988.

    Os empregos gerados devem ser de qualidade, nada de repassar o recurso para empresas gigantes e corruptas. A recuperação econômica se dá por mais atividade econômica. A proposta é a de aumentar a demanda agregada da economia a partir do investimento público em infraestrutura social. Isso gerará mais consumo por parte da população. Aumentando o consumo, faz-se que com os investidores produzam mais. Com mais consumo e produção, volta para o Estado uma maior arrecadação, equilibrando nas contas públicas o investimento inicial feito pelo Estado.

    Esse programa serviria à 99% da população brasileira! Quando as obras ficassem prontas, ter-se-ia mais direitos, serviços públicos e maior qualidade de vida para todos e todas. Em suma, acreditamos que a saída da crise econômica e a geração de empregos dão-se pelo fortalecimento (e isto é diferente de aumento) do Estado Social, e não com a submissão do Estado ao mercado, este é o ponto.

    Submetidos ao julgo de Bolsonaro e Guedes, traçaremos outro percurso para a superação da crise. A fórmula é conhecida: diminuição salarial, precarização do trabalho, terceirização, ataque aos direitos e por aí vai. A lista de ataques é longa. Tivemos que ouvir atônitos que teremos de escolher entre ter emprego e não ter direitos ou ter direitos e não ter emprego. É desse modo que o atual governo entende o funcionamento da sociedade: deve-se avançar sobre os direitos dos trabalhadores em defesa dos capitalistas…

    Pois é, camaradas: horrível mesmo é esse tal de neoliberalismo!

    Referências:
    AGAMBEN, Giorgio. O reino e a glória: uma genealogia teológica da economia e do governo. São Paulo: Boitempo, 2011.
    DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016.
    Desemprego no Brasil vai cair em 2019 e 2020, diz OIT. Disponível em: https://www.infomoney.com.br/carreira/emprego/noticia/7925105/desemprego-no-brasil-vai-cair-em-2019-e-2020-diz-oit, acessado em 19/02/2019.
    Horrível é o desemprego, Bolsonaro. Disponível em: https://www.brasil247.com/pt/colunistas/elvinobohngass/377573/Horr%C3%ADvel-%C3%A9-o-desemprego-Bolsonaro.htm, acessado em 15/02/2019.
    OIT projeta redução lenta do desemprego no Brasil. Disponível em: https://www.brasil247.com/pt/247/brasil/383814/OIT-projeta-redu%C3%A7%C3%A3o-lenta-do-desemprego-no-Brasil.htm, acessado em 15/02/2019.
    50 Receitas de Boulos para mudar o Brasil (Plano de Governo de Boulos e Sonia).
  • A vitória de Maduro foi espetacular

    A vitória de Maduro foi espetacular

    A vitória de Maduro foi espetacular

    Por Gilberto Maringoni, jornalista e professor da UFABC via Portal Disparada

    Guaidó não tem apoios internos. EUA cometem erro crasso de avaliação. É PRECISO DIZER COM todas as letras: Nicolás Maduro obteve uma vitória incontestável e espetacular contra a tentativa de derrubá-lo através da entrada forçada de uma torta “ajuda humanitária”, articulada pelo Departamento de Estado, com auxílio da Colômbia e do Brasil. Inquestionável e espetacular, não menos que isso.

    Os Estados Unidos demoraram a encontrar uma tática para retirar Maduro do poder que fosse palatável á opinião pública global. Quando Donald Trump declarou, na ONU em 26 de setembro do ano passado, que “Todas as opções estão na mesa, todas. As mais e menos fortes. E já sabem o que quero dizer com forte”, estava se referindo a uma intervenção militar direta. Mariners e boinas verdes marchariam sobre Caracas.

    NÃO É FÁCIL, MESMO PARA UM IMPÉRIO, materializar uma ação desse tipo. É preciso um mínimo de consenso internacional, o suporte da maioria da opinião pública de seu país e legitimidade dentro do país invadido. Os Estados Unidos já realizaram intervenções diretas na América Central, no Oriente Médio e na Ásia. Mas nunca na América do Sul.

    Aqui valeu sempre a terceirização de ações. Ou seja, alianças com o empresariado, as forças armadas, os meios de comunicação, a Igreja católica e parcelas da opinião pública. Foi o que se viu no Brasil (1964), no Chile (1973) e na Argentina (1976).

    Trump se animou ao ver a correlação de forças regional mudar em 2018, com a vitória dos direitistas Ivan Duque, na Colômbia (junho) e Jair Bolsonaro, no Brasil (outubro). Não se sabia como uma iniciativa “forte” seria recebida na sociedade venezuelana. Havia – e há – forte crise econômica e dificuldades materiais pesadas para a população pobre.

    AS INCERTEZAS QUANTO A APOIOS INTERNOS na Venezuela seriam assim compensados por uma sólida frente externa, que envolveria Sebastian Piñera (Chile) e Maurício Macri (Argentina). Havia dúvidas sobre a unanimidade na União Europeia, pela posição ainda equidistante de Portugal e Espanha, nos últimos meses do ano. Mas França, Inglaterra, Itália e Alemanha se somariam à articulação da Casa Branca, o que logo arrastou todo o Velho Mundo.

    As articulações dentro da Venezuela se voltaram para o poder unilateralmente anulado pela Constituinte convocada por Maduro, em junho de 2017. Trata-se da Assembleia Nacional (AN), que seria o ponto de apoio de todas as movimentações sediciosas.

    Em 11 de janeiro deste ano, dia seguinte à posse de Maduro, Juán Guaidó, até então um obscuro parlamentar em primeiro mandato que assumira a presidência do Legislativo, se dirigiu a um protesto em Caracas e chamou o sucessor de Chávez de “usurpador”. Ato contínuo, convocou o Exército, o povo e a comunidade internacional a apoiar os esforços da AN para tirá-lo do poder. E se colocou à disposição para assumir interinamente a presidência do país.

    IMEDIATAMENTE, A MÍDIA INTERNACIONAL traçou perfis para lá de favoráveis de Guaidó, que seria um líder moderno, carismático e democrático. O troféu babaovo ficou para um colunista da Folha de S. Paulo, que atentou para suas semelhanças gestuais com Barack Obama.

    Foi o que bastou para cerca de 50 países – a começar por Estados Unidos e Brasil – reconhecerem Guaidó como líder de um governo de facto. Construiu-se um empate catastrófico, uma dualidade de poderes que levou a Venezuela a um impasse aparentemente insolúvel. Guaidó chegou a designar embaixadores, receber verbas internacionais e passou a ser saudado como chefe de Estado.

    MADURO RECEBEU APOIOS quando China e Rússia – além de México, Uruguai, Bolívia e outros – literalmente trancaram a rota de uma unanimidade internacional (e no Conselho de Segurança da ONU, para onde a questão ameaçou ser levada). No início de fevereiro, O secretário-geral da Organização, António Guterres, afirmou ser Maduro o presidente legítimo do país.

    O DEPARTAMENTO DE ESTADO deve ter percebido que o desenho de uma intervenção direta seria extremamente arriscado diante do quadro internacional. E projetou uma solução híbrida: reforçaria os dutos de dinheiro a Guaidó, convocaria as forças armadas do Brasil e da Colômbia a participarem do show midiático marcado para 23 de janeiro, quando toneladas e toneladas de “ajuda humanitária” entrariam por bem ou por mal na Venezuela, e açulou seus mais fiéis cães de guarda, Iván Duque e Jair Bolsonaro.

    Deu errado. O que falhou e como Maduro obteve sua vitória espetacular?

    Algumas hipóteses:

    1. JUAN GUAIDÓ MOSTROU-SE UMA FARSA. Nem mesmo o bulldozer midiático montado interna e externamente, destinado a projetá-lo como líder inconteste, conseguiu encobrir um fato. O jovem deputado representa quase ninguém. Nem nas grandes cidades e nem na fronteira houve manifestações de massa em apoio à “ajuda humanitária” ou ao suposto presidente. Guaidó falou sozinho;

    2. O ERRO DE CÁLCULO DOS ESTADOS UNIDOS – e de seus serviços de espionagem e inteligência – desmoraliza toda a oposição venezuelana e leva os governos de Duque e Bolsonaro a passarem um carão de dimensões planetárias. Ambos tornam-se atores nulos em qualquer mediação de gente grande no plano internacional.

    3. NO CASO BRASILEIRO, o bom senso do setor militar puxou o freio de mão nos delírios napoleônicos de Jair Bolsonaro – que definitivamente jamais soube o que é sombra de estratégia militar -, David Alcolumbre, Dias Tófolli e Ernesto Araújo. Esses, em reunião sábado relatada pelo Painel da FSP, defenderam quase uma nova invasão da Normandia. Hamilton Mourão, Augusto Heleno e Rodrigo Maia se colocaram contra até mesmo da presença de militares estadunidenses em solo brasileiro. Uma ação mais decidida teria de ser feita por terra, em meio a selva, e o risco de fiasco militar era enorme.

    4. POR MAIS INSUFICIÊNCIAS QUE NICOLÁS MADURO APRESENTE como liderança, ele conseguiu provar que a oposição é muito pior. Seu discurso sábado em praça pública, diante de dezenas de milhares de pessoas, foi realista e sem bravatas. Evitou atacar o Brasil e centrou fogo na Colômbia e nos EUA. Quer ajuda humanitária, mas de organismos multilaterais. O restante, pagará pelo que vier, em operações comerciais normais. E deu concretude ao que Chávez e ele próprio bradam há duas décadas: o Império quer mesmo invadir a Venezuela.

    5. O PRESIDENTE VENEZUELANO obteve algo raro: união nacional contra o inimigo externo. Destravou o impasse que já durava um mês. É bem provável que se convocar agora um referendo revogatório de seu mandato, será vitorioso com boa margem.

    6. A CRISE ECONÔMICA NÃO FOI VENCIDA. Há uma situação emergencial, em meio ao embargo econômico que rouba recursos legítimos do país. Mas as prateleiras dos mercados estão cheias de produtos iranianos, turcos e russos. A perspectiva de superação mostra-se difícil, mas – pelos relatos de quem está em Caracas – não há um clima de desespero geral na capital, como alardeado até semanas atrás. O principal sinal é que cessaram as coberturas da mídia corporativa sobre busca desesperadas de produtos, a começar por papel higiênico.

    7. COMO DIRIA HUGO CHÁVEZ, há uma vitória a ser comemorada, “por enquanto”.

    Um ponto a mais deve ser levantado. Tirando a vitória de Manuel López Obrador, no México em julho passado, a esquerda latinoamericana não tinha boa notícia assim há anos. Não é pouca coisa, gente…

    (Partes deste texto se originam em conversas com Artur Araújo, sempre esclarecedoras para mim. As possíveis bobagens ditas aqui correm inteiramente por minha conta)

  • Observatório da Democracia – Crise do Pacto Federativo: Dívidas Públicas Estaduais

    Observatório da Democracia – Crise do Pacto Federativo: Dívidas Públicas Estaduais

    Crise do Pacto Federativo: Dívidas Públicas Estaduais

    Pedro Otoni é Mestre em Ciência Política, especialista em Economia Política, bacharel em Direito e colaborador da Fundação Lauro Campos

    Este artigo é o primeiro número de uma série elaborada a partir da Fundação Lauro Campos para o Observatório da Democracia que tem como objetivo analisar a crise do pacto federativo e suas implicações na conjuntura brasileira. O presente artigo trata do papel da Dívida Pública Brasileira na interdição do Pacto Federativo.

    A Federação Interditada

    A crise do Pacto Federativo não é um fenômeno recente. A história republicana brasileira é marcada pelas instabilidades na estruturado arranjo político entre os entes da federação. Isso se dá, como é de se esperar, pelas disputas de prerrogativas e competências entre os atores políticos no interior do sistema republicano. Tais instabilidades, no entanto, se apresentam como crise quando as regras do jogo são violadas de maneira a alterar objetivamente a natureza do estado, o tornando, de fato, unitário. Esta tensão estrutural do sistema federativo não é uma particularidade brasileira, no entanto, cabe destacar o registro próprio com o qual se expressa em nosso país.

    A condição periférica do país interfere de maneira substantiva no sistema federal e, por sua vez, interditam seu funcionamento. Autonomia administrativa das unidades subnacionais está em contradição com condicionantes geradas por relações dependentes no plano internacional. Assim os poderes externos “sobredeterminam”o padrão de relação e comportamento dos atores políticos nacionais, criando entre eles um processo de hierarquização que não responde às demandas nacionais, outrossim, às expectativas dos polos de dominação no exterior. Esta sobredeterminação se desenvolve tanto na imposição de políticas antinacionais à administração estatal, como também no campo da ideologia, que impactam os atores políticos, ou seja, moldam sua visão de estado edo serviço público.

    A orientação liberal do estado, nas condições de uma nação periférica, impõe medidas de centralização de prerrogativas na União a fim de responder às demandas estrangeiras ou de setores internos associados a elas, em especial, aquelas provenientes do setor financeiro. Os governos dos estados e municípios, os elos subjugados do arranjo federativos, tornam-se indigentes, desprovidos de instrumentos de execução do programa político para o qual foram eleitos. São lançados ao duplo condicionamento, tanto na ponta da arrecadação quanto dos gastos públicos.

    Logo, não é exagero classificar a atual situação dos estados e municípios brasileiros como sintomas de uma crise do pacto federativo; na justa medida em que as condições executivas dos governos estaduais e municipais estão completamente subordinadas à agenda da União. Se um sistema federativo é a articulação e autonomias recíprocas entre os entes, não há federação quando as prerrogativas específicas de um está submetida à discricionariedade legislativa de outro.

    Destaco a seguir, um dos instrumentos que colaboram para o enfraquecimento federal e o esvaziamento da capacidade executiva dos estados e municípios.

    Sistema da Dívidas Dívidas Estaduais

    A União, em 1997, ou seja, sobre o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), estabeleceu um “acordo” em relação às dívidas estaduais que agrupou os diversos débitos, inclusive aqueles de caráter mobiliário estadual, transformando eles em dívida consolidada junto aos bancos privados, isso sem nenhum abatimento ou concessão. Com esta manobra, as dívidas estaduais saíram da esfera de governabilidade dos sistemas bancários estaduais e passaram a estar completamente subordinada aos juros do setor privado, crescendo à taxa iniciais de 20% ao ano sobre o principal. A União pagou com títulos federais a dívida pelo seu valor de face junto ao bancos privados, ou seja, não considerando o devido valor de mercado da mesma. (1)

    Esta medida veio acompanhada do processo de privatização dos bancos estaduais, retirando dos estados as possibilidades de realizarem políticas econômicas regionais, a expansão do crédito e uma gestão soberana dos juros. Sem bancos, os estados estão amputados de sua condição de produzir um déficit controlado em prol de um projeto econômico estadual de natureza expansiva, que geraria crédito, emprego, arrecadação e bem-estar.

    Os mentores intelectuais deste ataque aos estados não se encontravam apenas na equipe econômica do governo de Fernando Henrique Cardoso,o elemento externo sempre está presente em manobras como esta. Fernando Henrique Cardoso, enquanto presidente, constituiu um governo compartilhado com os organismo internacionais e o Departamento de Estado dos Estados Unidos da América – EUA. A orientação do Fundo Monetário Internacional – FMI e do Banco Mundial foram decisivas em seu governo. O termo básico era: a União deve se comprometer a realizar superávit primário no orçamento federal. A agenda de privatização dos bancos e empresas públicas estaduais era o caminho mais rápido para eliminar o déficit nas contas públicas.Porém, em uma perspectiva soberana, o déficit não é uma condição negativa, por ser, na realidade, uma aplicação no desenvolvimento econômico e na economia real. Porém, a narrativa contra o déficit,após uma milionária campanha midiática, ganhou a sociedade. Apolítica de superávit primário adotada desde então tem como propósito principal drenar recursos públicos, entre eles estaduais e municipais, para o setor financeiro privado e internacionalizado.

    O valor da dívida estadual com a União em 1997 era de 112 bilhões de reais, até então foram pagos 277 bilhões de reais, e ainda faltam aproximadamente 493 bilhões de reais a serem pagos. Não há objetivamente condições econômicas estaduais para a quitação desta dívida, tampouco é legítima e razoável dentro de um arranjo federativo.

    As dívidas estaduais e municipais são o instrumento de chantagem da União sobre os entes federativos. É por meio dela que se extrai o apoio à agenda neoliberal do governo federal, forçando privatizações e o ajuste fiscal nos estados.

    Serviços Públicos Estaduais: Colapso anunciado

    Após mais de duas décadas do “acordo” sobre a dívida pública dos estados, a situação tem se deteriorado de maneira acelerada. As promessas de estabilização das contas estaduais feitas nos anos noventa contrastam com os resultados alcançados até então. A dívida dos estados cresceu quatro vezes, as contas estaduais entraram em colapso e os serviços públicos estão obstruídos em decorrência dos limite de gastos impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal- LRF.

    A medida razoável em um momento de crise é combater os instrumentos que a reproduzem; no entanto, a União e a maioria dos governadores optam por medidas cosméticas, que apenas aprofundam os impactos sociais e econômicos da crise.

    O exemplo mais atual do drama federativo está na possibilidade de julgamento pelo Supremo Tribunal federal, no dia 27 de fevereiro, da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 2.238, que está sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes. A ação cria a possibilidade dos governos estaduais reduzirem salários e a jornada de trabalho dos servidores estaduais quando os gastos com a folha de pagamentos ultrapassar os limites estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/2000), que fixa o limite prudencial  de 46,55% da receita corrente líquida e máximo de 49,00%.

    Caso seja julgada improcedente a ADI 2.238, a estabilidades dos servidores públicos estaduais está ameaçada, pois a maioria dos estados já encontram-se acima do limite prudencial de gastos com a folha de pagamento estabelecidos pela LRF. O corte de salários e a redução dos serviços irão prejudicar de maneira profunda o funcionalismo e os serviços públicos oferecidos à população. Significará menos profissionais de saúde, educação, assistência social, segurança e fiscalização trabalhando, ou seja, menos direitos sendo garantidos.

    O arrocho sobre os servidores estaduais e a ameaça aos direitos estabelecidos da LRF são componentes do sistema das dívidas  estaduais. Na medida em que os cortes na folha de pagamento tem como objetivo garantir o pagamento de juros e a drenagem de recursos para o setor financeiro.

    Acrise do pacto federativo enriquece os bancos, retira direitos da cidadania e enfraquece as conquistas sociais alcançadas pela Constituição de 1988. O ataque ao pacto federativo é um golpe contra a democracia.

    Nota

    1. Quanto a esta operação de consolidação e pagamento com títulos,  ainda cabe a discussão sobre sua nulidade, o que não é uma questão menor. Conforme destaca José Carlos de Assis, em sua obra “Acerto de Contas: A dívida nula dos Estados” (2017), ao pagar com títulos de dívida federal, que é um ativo com contrapartida de um passivo da cidadania inteira, incluindo a dos estados e municípios, deu a final, em nome da sociedade, quitação plena da dívida dos estados e municípios. Ou seja, o que está sendo cobrado hoje pela União, já foi pago, com recursos da própria sociedade, sendo nula as atuais dívidas estaduais.
  • Observatório da Democracia – MP 871/2019 é ataque ao trabalhador

    Observatório da Democracia – MP 871/2019 é ataque ao trabalhador

    Observatório da Democracia
    MP 871/2019 é ataque ao trabalhador

    No momento em que Bolsonaro anuncia seu projeto de fazer os homens se aposentarem aos 65 anos e as mulheres aos 62 anos não resta a menor dúvida que o plano do governo é de retirada de direitos. Trata-se de um governo de destruição, que nada anuncia sobre geração de emprego e renda, seu compromisso é aumentar a superexploração do trabalhador e liquidar o patrimônio nacional.

    A Medida Provisória 871/2019 (ver aqui), editada no dia 18 de janeiro de 2019 sobre o pretexto de combater fraudes na Previdência Social, anuncia na prática o que pretende a reforma da previdência do governo: penalizar o trabalhador, ao dificultar ou mesmo impossibilitar o acesso aos benefícios do INSS.

    Ao endurecer regras de acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), reduzir prazo para direito ao salário maternidade e estipular carência para auxílio de familiar de presos, dentre outras medidas, o governo revela que sua artilharia está voltada para o andar de baixo.

    A estimativa, segundo o governo, é economizar 9,8 bilhões com as medidas adotadas pela MP 871. Enquanto isso, como revelou a CPI da previdência realizada no ano de 2017 (ver aqui),  empresas privadas devem em torno de 450 bilhões para a previdência. Um contraste que indica que o governo fala grosso com o andar de baixo e afina pro andar de cima.

    As centrais sindicais se posicionaram contra a MP 871/2019 (ver aqui). Em defesa da previdência, farão também atos, assembleias e greves por todo o Brasil no próximo dia 20 de fevereiro. Aos trabalhadores, cabe ampliar o diálogo para resistir a forte ofensiva de retirada de direitos que se anuncia ou mesmo já se verifica na prática, a exemplo da MP 871.

    Como dissemos em nosso texto introdutório à iniciativa do Observatório da Democracia (ver aqui), a tarefa é dividir o que foi unido por Bolsonaro e unir o que foi dividido.

    Acesse o Observatório da Democracia

    O Observatório da Democracia nasceu dos questionamentos levantados durante os encontros de um grupo formado por seis fundações partidárias – Lauro Campos (PSOL), João Mangabeira (PSB), Leonel Brizola – Alberto Pasqualini (PDT), Maurício Grabois (PCdoB), da Ordem Social (PROS) e Perseu Abramo (PT). Trata-se de um grupo aberto à novas adesões. Nosso compromisso é com a manutenção da soberania e da democracia no País. Para isso, é absolutamente necessário monitorar o governo atual e posicionar-se em relação a ele, a partir da produção de informações consistentes e verdadeiras.
  • Unir o que foi dividido

    Unir o que foi dividido

    Unir o que foi dividido

    Contribuição da Fundação Lauro Campos
    para a abertura do Observatório da Democracia

    A ascensão de Jair Bolsonaro, um político marginal no cenário político brasileiro até recentemente, ao cargo máximo da República não é um fenômeno isolado ou casual, faz parte de uma crise profunda do sistema capitalista em geral; e, como qualquer fenômeno político, tem seu registro próprio, sua particularidade condicionada.

    Bolsonaro não é mais importante do que o processo e o contexto que o produziu, o presidente brasileiro não guarda em si nenhuma característica digna de ser analisada isoladamente, nem seu governo nenhuma originalidade que permita ser interpretado como foram os movimentos conjunturais mais amplos e da movimentação estratégica dos atores que realmente importam para no desfecho da crise atual. Portanto, iremos destacar os movimentos amplos e suas intencionalidades a fim de melhor caracterizar o atual governo.

    O sul sob ataque

    O geral oferece significado para o particular. A situação política nacional (particular) é sobredeterminada pelas condicionantes advindas do atual estágio de acumulação de capital no mundo bem como pela disputa geopolítica entre os atores globais (geral). A multipolaridade mundial, a criação dos BRICS, a descoberta do pré-sal no Brasil, a crise econômica mundial, as dificuldades da política externa estadunidense tanto no terreno militar quanto diplomático são acontecimentos fundantes do período presente. Procurar razões de ordem exclusivamente doméstica para a vitória da extrema-direita é um erro metodológico.

    Diante desse pressuposto, é possível afirmar que as nações latino-americanas que reivindicam ou reivindicaram o não-alinhamento ou, no mínimo, uma política externa com algum nível de autonomia em relação a Washington sofreram e sofrem ataques sistemáticos do complexo imperialista liderado pelos Estados Unidos.

    Desestabilização, fomento de grupos oposicionistas, promoção de fracionamento dentro das estruturas do estado e do sistema partidário, embargo econômico, ameaças militares e golpes fazem parte do repertório de instrumentos utilizados nestes ataques. Isso tudo articulado com a metodologia de Guerra Híbrida, que articula psicologia de massas e novas tecnologias digitais. Na forma se expressa como caos, no conteúdo é rigorosamente estruturada, segmentada e hierarquizada com o propósito de decompor a capacidade de resistência e previsão dos oponentes.

    Intervenções de larga escala, como as descritas, sempre visam o controle de recursos e vantagens bastante objetivas. Os interesses concretos que motivam o processo de desestabilização em nosso continente foram no sentido de preservar ou retomar:

    a) a vantagem geopolítica estadunidense diante dos seus oponentes (Rússia e China);
    b) o controle sobre recursos naturais estratégicos como petróleo, energia, biodiversidade, minérios, água, etc;
    c) o controle sobre áreas geográficas estratégicas do ponto de vista militar (bases) e comercial (rotas e entrepostos mercantis);
    d) o controle sobre setores produtivos e tecnológicos estratégicos;
    e) a transferência de parcelas cada vez maiores do fundo público para o setor financeiro.

    Os interesses concretos sobrepõem às boas maneiras em momentos de crise. A doutrina do “soft power” (poder leve) é abandonada até mesmo retoricamente, o “big stick” (grande porrete) é, não apenas o real, mas também o anunciado. A força bruta não é uma opção do condomínio de poder da OTAN, mas uma necessidade objetiva de autopreservação em um cenário de fortalecimento do poderio das nações do leste. A guerra aberta é uma possibilidade real na América Latina em uma situação como esta, um conflito que envolveria, mesmo que indiretamente, boa parte das nações do continente e resultaria em uma regressão nunca vista nas relações entre países latino-americanos.

    Neoliberalismo e dependência X Soberania e Democracia

    O padrão de acumulação de capital na atualidade é contraditório com projetos social-democratas ou regime democráticos liberais em qualquer parte do mundo. Em especial em países dependentes, como o Brasil, cujos processos eleitorais de tempos em tempos criam ameaças, reais ou imaginárias, aos privilégios políticos da burguesia associada e setores sociais ideologicamente alinhados a ela. Para garantir que esta “ameaça” não condicione, em algum momento, a lógica dependente, é que neste período, a democracia liberal, a ordem constitucional, o estado democrático de direito e a estabilidade do regime político nos países do sul se converteram em um inconveniente que perturba tanto a Casa Grande quanto a Casa Branca. O significado, em um nível analítico ampliado, do governo Bolsonaro corresponde a crise da civilização e de sua da forma política predominante nos últimos 30 anos: as democracias liberais.

    Lava-Jato, Golpe e Fascismo: A particularidade
    do caso brasileiro

    A forma como a crise das democracias ocidentais se revelou no Brasil está associada com o tipo específico de interesses imperialistas existente sobre nós. Esta é a nossa miserável particularidade. No Brasil, a burguesia associada na ânsia por atualizar sua forma de reprodução ao ritmo imposto pelos seus parceiros-chefes internacionais, rompe com o arranjo político da Nova República – que estruturava a competição (dentro da ordem) entre os três atores políticos principais do tabuleiro político nacional, o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) e o Partido dos Trabalhadores (PT) – e assume uma agenda neoliberal radicalizada, que coloca em xeque a própria estrutura do estado nacional.

    Porém, é importante registrar que a burguesia alcançou seus objetivos também graças à política que foi adotada pelos setores que governaram o país, em especial o PT, nesses últimos 13 anos.

    Cada vez que Lula chamou Sarney de “companheiro”, cada vez que uma liderança petista rezou com Silas Malafaia, cada vez que Lula pediu voto para um prócer peemedebista, um tijolo no impeachment de Dilma foi empilhado. Da negativa em nomear ministros de esquerda ou progressistas para o STF nasceu a condenação a Lula na justiça.

    Dilma, ao assumir o seu segundo mandato, fez um giro de 180º na política econômica rompendo com parte de sua base social e eleitoral. Levando os setores democráticos à desmoralização, ao ponto de quase não haver resistência do campo progressista contra a direita que tomou gosto por ocupar as ruas. Ao optar por essas posições e se negar a chamar o povo a se mobilizar, o caminho para o golpe e o retrocesso estavam abertos para a direita e fenômenos de extrema direita como foi o caso de Bolsonaro.

    O acontecimento inaugural do rompimento da arranjo novo-republicano foi o não reconhecimento, por parte do PSDB, do resultado eleitoral de 2014 que reconduziu a Presidenta Dilma (PT) à presidência. O candidato derrotado, Aécio Neves, foi o agente incitador do processo de desgaste da recém reeleita. O governo de Dilma subestimou o imperialismo e não compreendeu que a ordem jurídica estava corrompida pelas fissuras no interior do estado (Judiciário, Parlamento), apostou até o último momento nas soluções processuais dando espaço para o golpe se materializar, uma resistência passiva e legalista, uma resistência em caráter recursal.

    Aproveitando a instabilidade, agentes externos sustentaram materialmente e orientaram nas dimensões políticas e técnicas grupos de posição como o Movimento Brasil Livre (MBL) e agrupamentos similares e a grande imprensa, criando a base de massa do golpismo, e dois anos depois a vanguarda da campanha de Bolsonaro.

    A Operação Lava-Jato teve um papel fundamental na operacionalização do processo de desestabilização e do golpe. Retomando aos interesses concretos perseguidos pelo imperialismo, citados acima, é possível encaixar os resultados desta operação com os objetivos gerais da política exterior estadunidense.

    A Lava-Jato retirou o Brasil dos BRICS e o colocou em associação direta com os interesses de Washington. Ou seja, recompôs a vantagem geopolítica dos EUA na América do Sul.

    A Lava-Jato enfraqueceu a Petrobras, facilitou o processo de leilão de reservas importantes do pré-sal. Logo, abriu caminho para o capital privado estrangeiro controlar os recursos naturais brasileiros.

    A Lava-Jato enfraqueceu todo o complexo naval brasileiro (associado à Petrobras), e criou as condições para a suspensão de projetos relacionados ao poder marítimo brasileiro, como a do submarino nuclear. A costa brasileira, devido às reservas petrolíferas, são áreas estratégicas e hoje sem nenhuma defesa real organizada por parte do estado brasileiro.

    A Lava-Jato ao colocar em xeque a Petrobras, reduziu a capacidade de produção de tecnologia e inovação da estatal e ainda arrastou para a crise as refinarias da empresa. Isso transfere para às petroleiras internacionais o mercado de uma cadeia produtiva estratégica para o Brasil, a pesquisa, extração, refino e a distribuição de combustíveis (o insumo universal da vida contemporânea).

    Ao prender Lula, que era o candidato com maior potencial de vitória em 2018, a Lava-Jato se sobrepôs ao sistema eleitoral, interferindo diretamente no principal instrumento de estabilização do regime novo-republicano: as eleições. Isso abriu os caminhos para Bolsonaro torna-se um candidato viável.

    É evidente, porém, que a Lava Jato só pode avançar graças à existência real de ilicitudes que vinham sendo cometidas por agentes públicos, empresários e lideranças partidárias, para assegurar a reprodução da dinâmica degenerada do sistema de financiamento de campanhas, do qual participaram, sem pudores, parte considerável das agremiações do campo democrático e popular.

    Tendo a Lava-Jato garantido o contexto geral do golpe, ao assumir a presidência Michel Temer vai mais além e aprova a Emenda constitucional 95 (congelamento de gastos) que de fato decompõem o papel de garantidor de direitos do Estado e transfere aos bancos parcelas maiores do orçamento nacional.

    Não há dúvidas que foram os resultados da Lava-Jato que pavimentaram o caminho para os demais retrocessos sofridos no Brasil durante os anos de governo Temer. Como por exemplo, para garantir o mínimo de apoio entre o empresariado, inclusive os pequenos e médios, se aprovou a Reforma Trabalhista. Logo, esta operação foi o instrumento fundamental do golpe contra o povo brasileiro.

    Mas qualquer análise do passado só tem sentido político se colabora para compreender o presente. O mecanismo que faz da “cruzada de combate à corrupção” o elemento ativo de ascensão do fascismo político no país só pode ser compreendido na medida que é entendido como resultado de um ataque contra a soberania nacional em um período de crise política e econômica. Apesar de se aproveitar e repor ampliadamente traços conservadores historicamente presentes na cultura política e social brasileira (o udenismo, o racismo, o patriarcado, o anticomunismo, etc.), ele não é propriamente o resultado dela, mas de uma necessidade de desestabilização originada externamente e que aproveitou do reacionarismo interno na justa medida que colaboram com os objetivos externos.

    O Brasil, sob o governo de Bolsonaro, é o Brasil pós Lava-Jato. Ao contrário do que esperava o PSDB, mas também a direita e a esquerda tradicional brasileira, o capital político da Lava-Jato foi colhido e tem sido consumido por Bolsonaro. Isso o elegeu e dará sustentação temporária, porém não é provável que o sirva durante todo seu mandato. Nada indica que a agenda conduzida por ele resolva problemas concretos do povo, logo, a dilapidação do acumulado eleitoralmente tende a se acelerar e as possibilidades de contestação de sua liderança irá aumentar.

    O governo compartilhado

    Quanto ao caráter do governo ao que indicam suas declarações, não se trata de um governo associado aos EUA, o que exigiria alguma camada de interesses estratégicos próprios, mas sim um governo compartilhado; ou seja, sob orientação direta do núcleo no exterior. Este modo de governo irá agir sob estímulos vinculados aos interesses diretos de Washington.

    Isso implica na regressão de aliados e parceiros no cenário internacional em diferentes áreas – militar, tecnológica e comercial. Significa, inclusive, a ampliação da instabilidade na América do Sul, a pressão sobre Venezuela e Bolívia em nome dos interesses estadunidenses, como já está ocorrendo nas recentes intervenções no Grupo de Lima, o que rompe com a orientação histórica da diplomacia brasileira.

    Bolsonaro será chefe de um governo condicionado em verde-oliva. O protagonismo de militares, em especial do Exército (a corporação mais reacionárias entre as três forças armadas) – dentro da equipe ministerial é sintoma da incapacidade de composição de um governo com autoridade interna própria. A farda tem a pretensão de servir como legitimação social e instrumento de chantagem frente aos seus opositores; basta compreender o resultado prático de uma campanha Fora Bolsonaro bem sucedida. Em termos mais concretos o Exército força uma associação à estratégia norte-americana nos assuntos vinculados às relações internacionais, inteligência, tecnologia e infraestrutura. O resultado prático é que a política de defesa estará em função do Pentágono, que funcionará como o Estado-Maior de fato das forças militares brasileiras.

    Moro é, na prática, um ministro do interior, encarregado de aprofundar a limites desconhecidos o Estado Penal. A forma particular do fascismo de controle do trabalho. A via possível de garantia da subalternidade das massas em um período de crise de hegemonia. Ele lidera o processo de “gestão” dos inimigos internos, não é por acaso que acumula funções antes sob a competência do extinto Ministério do Trabalho. Isso diz sobre quem pesará a mão do estado. Será o prolongamento da Operação Lava-Jato, ou seja, estabelecerá um processo de repressão institucional sistemática às esquerdas e movimentos populares, com o verniz de combate à corrupção e ao crime organizado.

    Na dimensão econômica, o governo é a expressão radicalizada do neoliberalismo, e por isso terá de arcar com o ônus da impopularidade de suas medidas. As privatizações do patrimônio público e recursos naturais, a manutenção da transferência de parcelas crescentes do orçamento público para o setor financeiro, o fim da seguridade previdenciária são medidas de primeira ordem na agenda do Ministro da Economia, Paulo Guedes. Não há nenhuma originalidade em suas propostas, mas uma bricolagem do que há de mais selvagem tem termos de desregulamentação e estrangeirização da economia nacional. Como tática de aprovação de tal agenda, tudo indica que utilizará de propostas legislativas reacionárias, mas com apelo de massas (ex. flexibilização do acesso às armas de fogo, redução da maioridade penal, etc.) no sentido de equilibrar com medidas antipopulares na dimensão econômica e de direitos, como a Reforma da Previdência. Assim procura evitar que à crítica às suas medidas tomem corpo e assumam uma base social massiva.

    A figura do Presidente e do seu círculo mais próximo é mais de figuração do que de direção propriamente dita. Continuará se alimentando da polêmica, do politicamente incorreto, do bizarro. Mas dentro da estratégia escolhida, possui relevância, na medida em que os Bolsonaro são os que melhor utilizam o caos como matéria de trabalho.

    Coordenadas de luta pela democracia no Brasil

    O desafio colocado na atualidade é qualitativamente diferente dos que foram vividos durante a vigência da Nova República. Vivemos em um período que exigirá capacidades novas, ainda ausentes entre os setores democráticos brasileiros. A seguir apresentamos algumas coordenadas que podem contribuir para o fortalecimento de campo democrático à altura do desafio do tempo presente.

    – Desenvolvimento de um sistema de unidade que aproveite todas as forças disponíveis, sem a pretensão de criar um acabamento orgânico único para o consórcio de forças democráticas.

    – Estabelecer uma posição internacional firme em defesa da autodeterminação, da soberania e da paz no continente, combatendo o discurso belicista do atual governo.

    – Provocar o desgaste do Governo, em especial pela agenda econômica, nos temas que afetam a grande parte do povo brasileiro.

    – Bloquear, com o máximo de unidade possível, o crescimento das expressões fascistas tanto nas organizações da sociedade civil e movimentos, quanto nas prefeituras e Câmaras de Vereadores dos municípios.

    – Explorar as contradições que surgirão, em decorrência da agenda de ataques à estrutura do estado e a crise do pacto federativo, entre as posições do governo federal e estados e municípios.

    A linha geral de nossa atuação deve
    compreender a necessidade de dividir
    o que foi unificado por Bolsonaro,
    e unir o que foi dividido.

  • Escola Sem Partido: retrocesso e decadência na educação brasileira

    Escola Sem Partido: retrocesso e decadência na educação brasileira

    Escola Sem Partido : retrocesso e
    decadência na educação brasileira

    Afrânio Boppré
    É professor, mestre em geografia e vereador do PSOL em Florianópolis

    No início de dezembro de 2018, ainda sem ser empossado, o senador eleito Flávio Bolsonaro deu entrevista à Globonews, na qual além de vários despautérios declarou que dará atenção máxima ao tema Escola Sem Partido (ESP), no exercício de seu mandato. Dias depois, na tentativa de aprovar na Câmara Federal, em Brasília, uma das versões da mesma lei, o deputado pastor Eurico (Patri) classificou “que o Escola sem Partido evitará que os alunos se tornem soldados do mundo esquerdopata”.

    Jair Bolsonaro, por sua vez, não deixou por menos, gravou uma mensagem em vídeo que foi amplamente difundida nas redes sociais estimulando estudantes a gravarem com seus aparelhos celulares os “professores doutrinadores”. Na prática, o clã Bolsonaro e sua equipe governamental aderiram a um movimento de fanáticos de extrema-direita, inicialmente idealizado pelo procurador do Estado de São Paulo, Miguel Nagib, e passaram a empunhar esta bandeira com o nítido objetivo de fazer uma impiedosa perseguição à liberdade de pensamento e à profissão de professor.

    O nome do movimento já é por si só uma aberração. Aproveitando-se do fato de que os partidos em geral gozam de pouco prestígio na sociedade, inventaram que existe partido político nas escolas e embrenharam-se na “nobre” tarefa de salvar as crianças desta gigantesca ameaça. É por esta razão que eu digo insistentemente que o antônimo de Escola sem Partido não é Escola com Partido; é escola livre, plural, democrática, inclusiva, cidadã e laica. A escola é um espaço com primazia para abrir a reflexão sobre a vida, seus impasses, desafios, dificuldades e caminhos. Escola é muito mais do que superar a barreira da ignorância ou se reduzir ao aprendizado mecânico “Eva viu a uva”.

    Insisto em falar a cerca do nome desse movimento de extrema-direita porque ele foi metodicamente pensado, planejado, marqueteiramente calculado e é indispensável a sua desconstrução, seu rebatimento. Muita confusão ele tem gerado no meio inclusive do professorado. Senão vejamos, imagine você se alguém lançasse um movimento com o seguinte tema: Empresa sem Tortura. Por óbvio que ele de imediato atrairia a simpatia de muita gente, afinal quem aceita a tortura é um “grupo” muito reduzido em nossa sociedade. A imensa maioria acabaria concordando com a tese lançada na campanha, no movimento. Eticamente, é necessário nos perguntarmos se de fato existe tortura dentro de empresas? O que se entende por tortura? Quantas empresas praticam a tortura no Brasil? De quem são esses dados estatísticos? Como foram colhidos? A quem interessa? Vamos estimular que os trabalhadores gravem com seus celulares práticas torturantes como forma de denúncia? Etc.

    Destarte, nossas escolas foram estúpida e criminosamente lançadas numa onda impiedosa de ataque. Até mesmo setores da mídia, deixando os ensinamentos do bom jornalismo de lado, assumiram existir partido dentro da escola e abriram um descomunal espaço para esta pauta.

    A grosso modo há um conflito base, este não nasce de ideias soltas, vindas de outro mundo, é um conflito que está posto em várias dimensões da sociedade. O conflito a que me refiro é objetivo e possui uma materialidade social real. Ele aparece na falta de esgoto na periferia das cidades, na condição de ser mulher, ele está presente nas condições de transporte da classe trabalhadora, na relação entre salário do trabalhador e no lucro do patrão etc. A Escola sem Partido é também expressão desse mundo e por isso, não é neutra. Ela é o conflito posto noutra dimensão por um determinado segmento da sociedade que pretende como estágio supremo a eliminação, a negação do outro, a inexistência do contraditório. Como objetivo maior, o movimento Escola sem Partido não nasceu com o propósito de “defender” a escola, ele advoga a tese da escola de pensamento único. Por trás dessa tese, me parece que temos elementos de uma visão pedagógica: Pedagogia Tecnicista. Segundo Dermeval Saviani em Escola e Democracia essa corrente pedagógica parte:

    […] do pressuposto da neutralidade cientifica e inspirada nos princípios da racionalidade, eficiência e produtividade, essa pedagogia advoga a reordenação do processo educativo de maneira a torná-lo objetivo e operacional. (SAVIANI, 1984)

    Parece-me ainda que nesse movimento há interesse em suprimir subjetividades, troca de opiniões, troca de experiências e ensinamentos na relação professor/ estudantes. Não bastasse tudo isso, ainda às vezes eu me pergunto se a ESP não seria uma espécie de “abre alas” para determinados setores do capital que investem na educação e estão preparando terreno para a potencialização do ensino a distância – educação/mercadoria – ensino robotizado.

    STF DEFINE INCONSTITUCIONAL O PROJETO ESP

    O tema foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF) em ação da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee) e Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), sendo que o ministro relator Luís Roberto Barroso decidiu pela inconstitucionalidade na íntegra do projeto de lei promulgado pela Assembleia Legislativa de Alagoas por entender que em matéria de diretrizes e bases da educação nacional a competência é privativa da União e em outros temas poderá haver competência concorrente entre a União e o Estados, no despacho o ministro também exarou a seguinte opinião sobre a ESP:

    É tão vaga e genérica que pode se prestar à finalidade inversa: a imposição ideológica e a perseguição dos que dela divergem. Portanto, a lei impugnada limita direitos e valores protegidos constitucionalmente sem necessariamente promover outros direitos de igual hierarquia.

    A despeito da decisão monocrática do STF, e, portanto, não definitiva, o tema cresce na opinião pública. Estamos vivendo uma conjuntura política no Brasil que opiniões conservadoras crescem vertiginosamente no seio da sociedade, e muitas vezes, por falta de um espaço adequado para debate e esclarecimento.

    Ainda sobre a suposição que levanto, talvez com certa benevolência de minha parte, reconheço, relativa a existir proposta pedagógica por de trás da ESP, o ministro do STF alude:

    A imposição da neutralidade – se fosse verdadeiramente possível – impediria a afirmação de diferentes ideias e concepções políticas ou ideológicas sobre um mesmo fenômeno em sala de aula. A exigência da neutralidade política e ideológica implica, ademais, a não tolerância de diferentes visões de mundo, ideologias e perspectivas políticas em sala.

    Curioso notar, que ao mesmo tempo em que a posição do ministro Barroso é avançada, o STF resolveu adiar a decisão sobre o assunto. No momento em que escrevo esta contribuição ao debate, o STF surpreendentemente se esquivou em exarar sua posição, suprimiu da pauta o tema. Estaria o STF dando tempo para a referida matéria fluir na Câmara Federal? Até que ponto estaria o STF se acovardando para declarar nos termos do relator: “não tenho dúvidas sobre a plausibilidade da inconstitucionalidade integral da Lei 7.800/2016” (Lei de Alagoas).

    Nesta toada, a conservadora-master das revistas semanais brasileiras, a revista Veja, abriu opinião de capa contra a ESP afirmando ser a abertura de um clima de caça às bruxas e que tem tudo para piorar o ensino brasileiro. A revista defende inclusive a pluralidade de ideias e a qualificação do professor:

    A todo bom professor cabe estimular o confronto de ideias e o livre pensar, inclusive expressando seu ponto de vista, mas não catequizar – uma linha fina que exige discernimento constante. Quanto mais qualificado for um professor, menor a chance de postura equivocada. Não é o caso de impor leis nem de pregar cartazes na parede do colégio com os “deveres do professor” – basicamente, não falar nada de que os pais discordem – , como prevê um anexo ao projeto. (REVISTA VEJA Edição 2608 – 14 de novembro de 2018 p.76).EDUCAÇÃO DE QUALIDADE EXIGE PROFESSORES(AS) QUALIFICADOS(AS)

    Por óbvio, ser contra a ESP não significa aceitar que o(a) professor(a) faça o que quiser e o que bem entender. A profissão traz consigo uma postura ética, seu poder em sala de aula é amplo, mas não é pleno. E o próprio profissional da educação sabe disso. O fato de haver desvios em alguns casos, não pode nos levar a condenar a todos. É sabido, porém, que o ato de educar é diferente do ato de ensinar. Ensinar é uma transferência de conteúdos prontos. A educação é um processo de preparação para inserir a criança, o jovem e o próprio adulto na sociedade.

    A educação contém o ensino, mas o inverso não é verdadeiro. A legislação brasileira fala em planos nacional, estaduais e municipais de educação e estes não se resumem ao ensino. As universidades trabalham com o tripé (ensino, pesquisa e extensão) de modo a se relacionarem com a sociedade. Ou seja, é farto o entendimento entre os especialistas que o Brasil precisa de educação de qualidade e de educadores qualificados. Para alguns, esse entendimento pode representar uma ameaça. Preferem a constituição de um processo de adestramento, meramente robótico, ou ainda, a transferência de um saber secular e contido em manuais de páginas amareladas. A educação libertadora exige por pressuposto a liberdade do professor em agir com o compromisso de levar o educando a fazer livremente suas escolhas. Ora, este entendimento produz a possibilidade de se abrir portas para a negação do mundo existente, do mundo tal como ele é, e isso traz desconfortos para os setores conservadores e é interpretado como “esquerdopatia” e “doutrinação”. Para esses setores, o conceito de liberdade é restrito, alcança tão somente os limites da promoção de seus valores. Volto a dizer: a Escola Sem Partido é uma expressão do conflito social real existente nas relações sociais.

    Não que eu esteja encantado, mas o despachado do ministro Barroso no tocante à Medida Cautelar requerida pela Contee e pela CNTE ataca diretamente a ESP. Senão vejamos:

    Vale notar, que a norma impugnada expressa uma desconfiança com relação ao professor. Os professores têm um papel fundamental para o avanço da educação e são essenciais para a promoção dos valores tutelados pela Constituição. Não se pode esperar que uma educação adequada floresça em um ambiente acadêmico hostil, em que o docente se sente ameaçado e em risco por toda e qualquer opinião emitida em sala de aula.

    NINGUÉM LARGA A MÃO DE NINGUÉM

    Ora, a resposta a esta estúpida campanha tem que ser altiva. Deve ser tão qualificada quanto o esforço de educar que nossos professores fazem de norte a sul do nosso país. Mas uma coisa é certa, os professores e professoras não podem temer as ameaças e os constrangimentos. Os estudantes, mesmo quando estimulados e ativos em favor da ESP, não são nossos inimigos. Ao contrário, estariam eles dando sinais claros que precisam de ajuda educacional. Nunca as escolas foram tão importantes para defender a democracia e a liberdade. Os sindicatos de professores(as), as associações de pais e mestres, os(as) secretários(as) municipais de educação, os departamentos de pedagogia de nossas universidades, a imprensa livre, a concentração unitária de um leque plural de forças deve se associar em favor da defesa do princípio da liberdade e da democracia. O Brasil não cairá nesta armadilha.