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  • Desafios da reorganização da esquerda brasileira

    Desafios da reorganização da esquerda brasileira

    por Juliano Medeiros*

     

        O resultado das eleições municipais deste ano ensejou, nos últimos dias, diversas análises sobre os rumos da esquerda. De todos os lados, analistas buscam compreender as razões que levaram à acachapante vitória eleitoral dos partidos associados ao golpe que conduziu Michel Temer à Presidência da República. A ideia de que o terreno perdido nos últimos meses exigirá uma necessária reconfiguração das forças progressistas parece encontrar eco em muitas vozes. No entanto, a “reorganização da esquerda” pode ter distintos significados a depender de como se interpreta a derrota que o impeachment e as eleições municipais deste ano representaram.

        Parece consenso que é chegada a hora de um profundo ajuste de contas na esquerda brasileira. O fim do ciclo do PT – que se anunciava desde junho de 2013 e se concretizou tragicamente com o impeachment de Dilma Rousseff – abriu um período de definições estratégicas para as forças populares. Um claro processo de reconfiguração da esquerda está em curso, dentro e fora das organizações tradicionais como partidos, sindicatos e entidades estudantis. No âmbito das organizações partidárias esse movimento é mais nítido. No PT, o movimento “Muda PT” representa para seus integrantes a derradeira batalha para salvar o simbolismo e a representatividade que o partido ainda detém entre parcela cada vez menor dos trabalhadores. Na Rede Sustentabilidade, as divisões internas chegaram a um limite insuportável, opondo lideranças de esquerda ao indecifrável projeto de Marina Silva. No PSOL, o crescimento do partido, que ocupou parte do espaço deixado pelo PT nas eleições municipais deste ano, exige definições sobre seu papel no novo ciclo que se abre para a esquerda brasileira. E até o pequeno e monolítico PSTU sofreu os efeitos da pressão em favor da reorganização: uma dissidência de centenas militantes deixou a legenda, rejeitando a tática do “fora todos” levada a cabo pelo partido durante o impeachment.

        Mas esse processo de reconfiguração da esquerda não se resume aos partidos. Aliás, é possível afirmar que é precisamente fora da vida partidária que essa reconfiguração se processa de forma mais dinâmica. O esgotamento do ciclo do PT – que nada mais é que o esgotamento de uma tática que envolveu centenas de organizações políticas e sociais em favor do chamado “pacto de classes” – já se nota no âmbito dos movimentos sociais há algum tempo. O surgimento de novas lutas, sobretudo nas grandes cidades, novos ativismos e formas de intervenção política, expressam também um novo momento para a esquerda social. Movimentos como o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Movimento Passe Livre (MPL), as ocupações de escolas em todo o país, o fortalecimento do movimento de mulheres contra o machismo e a violência, os novos movimentos de contracultura e o ativismo digital de coletivos como o Mídia Ninja, marcam o início de um novo ciclo na política brasileira. Isso não significa, é claro, que as formas “tradicionais” de organização política, como sindicatos, organizações de bairro ou entidades estudantis estão superadas. Significa apenas que esses instrumentos terão de ceder espaço a novas formas de ação política surgidas das transformações que o Brasil e o mundo vivenciaram nos últimos vinte anos, reinventando suas práticas e formas de organização para recuperar a legitimidade perdida.

    O impeachment como fim de um ciclo

        Afirmamos que o impeachment de Dilma marca o fim de um ciclo. Mas poderíamos ir além. Na verdade, o golpe que levou Michel Temer à presidência representa ao mesmo tempo o fim de dois ciclos. O primeiro é um ciclo mais geral da política brasileira, que começa com a Constituição de 1988. O golpe representa a ruptura do pacto que permitiu, ao longo de quase trinta anos, algum nível de estabilidade política e a garantia mínima da progressiva ampliação das políticas sociais. Mesmo no auge do neoliberalismo dos governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) direitos foram ampliados, apesar do retrocesso representado pela reforma do Estado promovida naquele período. Apesar de favorável às forças do conservadorismo, esse pacto permitiu o fortalecimento político e social do campo democrático-popular durante os anos 1990, a livre organização dos movimentos sociais e a vitória eleitoral da esquerda em 2002, mesmo que sob circunstâncias que se mostrariam fatais anos depois. Ao congelar os investimentos públicos por 20 anos, destruir o já insuficiente sistema que regulava a exploração do petróleo e retomar um agressivo ajuste no sistema de previdência, Temer implode o pacto que garantiu a estabilidade ao regime político brasileiro nas últimas duas décadas e encerra o clico instituído pela Constituição de 1988, abrindo um período de luta aberta pelos rumos do Estado.

        Por outro lado, na esquerda também se encerra um ciclo. A hegemonia do PT e do bloco histórico que o sustentou desde os anos 1980 chegou definitivamente ao fim. O historiador Lincoln Secco, em livro sobre a história do PT,1 afirma que o partido viveu três momentos em sua história. O primeiro foi marcado por um partido radical que liderava a oposição social à ditadura militar. O segundo momento é aquele em que o PT se consolida como oposição parlamentar ao neoliberalismo, quando o partido se institucionaliza e passa a viver a experiência de governar importantes municípios. O terceiro momento, que se inicia com a vitória de Lula em 2002, é aquele caracterizado pela ascensão do PT à condição de “partido de governo”. Nessa terceira e última etapa do processo de aggiornamento2 do partido à dinâmica do sistema político brasileiro, o PT incorpora plenamente a estratégia do pacto de classes, isto é, de uma aliança reformista assentada no crescimento econômico com distribuição de “dividendos” para todas as classes. Com o processo de impeachment e a implosão do pacto que o PT mantinha com diferentes frações da burguesia brasileira, o partido e seu campo de aliados tende a perder definitivamente a hegemonia sobre a esquerda brasileira. É o fim desse outro ciclo que exige definições urgentes sobre os rumos da reorganização das forças populares.

    Três tarefas urgentes para a reorganização da esquerda no Brasil

        Nossa situação política é inédita. Diferente de outros momentos da história, quando a esquerda foi coagida fisicamente pelas forças do conservadorismo e da reação, o que vemos hoje é um processo de “demonização” das organizações de esquerda que alcançou níveis inéditos desde a redemocratização. Combinando o desgaste promovido pela crise econômica e seus efeitos sobre os mais pobres com as denúncias de corrupção envolvendo altos dirigentes do governo e do PT, a mídia monopolista construiu com relativo sucesso uma associação quase automática entre “esquerda” e “corrupção/ineficiência”. Os partidos que compuseram o governo, como PT e PCdoB, sentiram mais fortemente os efeitos dessa narrativa no recente processo eleitoral. Mas ela não poupou nem aqueles partidos que jamais mantiveram qualquer envolvimento com atos de corrupção e nunca compuseram o governo Dilma, como o PSOL. A luta que se trava em torno das responsabilidades sobre a recessão econômica e a corrupção atingiu em cheio a esquerda.

        Quais seriam, então, as tarefas para contornar essa situação? Evidentemente, não há um “manual de reorganização da esquerda brasileira”. Mas há alguns elementos indispensáveis para enfrentar esse gigantesco desafio, que podemos sintetizar no tripé balanço / renovação programática / promessa. Vejamos como se apresentam cada uma dessas tarefas:

        a) Balanço:A mais urgente das tarefas para a reorganização da esquerda brasileira refere-se ao balanço da experiência dos governos petistas. Por mais de uma década, a esquerda brasileira se dividiu entre aqueles que apoiavam ou não o projeto liderado por Lula e Dilma. Por vezes, essa divisão tomava formas absurdas, onde uns se tornavam incapazes de ver os flagrantes limites dos governos de conciliação, enquanto outros fechavam os olhos para os inegáveis avanços que foram promovidos na expansão de alguns direitos sociais. Com o fim do ciclo do PT à frente do governo federal, torna-se possível desenvolver um balanço crítico e honesto dos avanços e limites que os governos petistas produziram. Exemplos não faltarão. Se por um lado é evidente que o crescimento econômico de quase uma década proporcionou uma melhoria nas condições de vida de parte expressiva da população mais pobre, com acesso a crédito, aumento real do salário mínimo e mais políticas sociais, por outro, não se pode esconder que a natureza do projeto de conciliação de classes não permitiu avanços mais profundos, manteve o país vulnerável à dinâmica do capital financeiro, fortaleceu o agronegócio predatório e deixou intocado o controle da informação nas mãos da mídia monopolista. Além disso, o mito conservador da “governabilidade” se impôs de tal forma sobre as iniciativas de participação direta da população sobre a política, favorecendo o fisiologismo e as alianças pragmáticas, que muitos terão dificuldades em admitir que o governo foi enredado em acordos que jamais deveria ter firmado. Por isso um balanço crítico e desapaixonado é indispensável para extrair as lições dos limites da conciliação de classes. Sem isso será impossível pensar um novo projeto político independente e comprometido com os interesses populares.

        b) Renovação programática:O bloco histórico surgido com o PT na luta contra a ditadura militar representou uma grande novidade na cena política brasileira. Aquela esquerda, renovada pelos novos atores políticos que entraram em cena no final dos anos 1970, construiu um programa ao mesmo tempo radical e inovador para enfrentar os séculos de atraso e exploração que marcavam nossa formação social. Ele estava muito à frente do reformismo que caracterizava, já naquela época, os partidos comunistas no Brasil. O chamado “Programa Democrático-Popular”, aprovado no 5º Encontro Nacional do PT, em 1987, reunia um conjunto de tarefas anti-monopolistas, anti-imperialistas e anti-latifundiárias que conferiam à estratégia do partido um caráter profundamente anti-capitalista e radicalmente democrático. Esse programa, rompendo com a tradição que fora hegemônica na esquerda até então, apresentava uma nova interpretação do estágio de desenvolvimento do capitalismo no Brasil e preconizava uma tática de fortalecimento das organizações de base do campo popular, rechaçando a conciliação de classes em favor da independência política dos trabalhadores e trabalhadoras. O abandono desse programa por parte do PT e sua relativa desatualização deixaram a esquerda brasileira, no século XXI, com um enorme “déficit programático”. Ao mesmo tempo em que foram incorporadas novas demandas à agenda política da esquerda nos últimos anos, especialmente no campo dos direitos civis, pouco se avançou na correta interpretação das mudanças que o Brasil viveu durante as últimas três décadas. A consolidação do processo de urbanização do capital e suas contradições trouxeram novas formas de dominação política e econômica que ainda precisam ser incorporadas à análise da esquerda. Essa renovação programática – econômica, política, social, cultural, ideológica – é uma condição indispensável para “reconectar” a esquerda ao Brasil real.

        c) Promessa: Os efeitos da derrocada do PT terão efeitos de longo prazo. Uma geração inteira de militantes, desiludida com as inaceitáveis concessões feitas pelo partido ao longo de quase catorze anos, já não acredita que outro instrumento partidário possa responder à tarefa histórica de liderar a reorganização da esquerda brasileira. Isso é natural. A decepção é profunda, tanto quanto a indignação pelos erros cometidos – em especial em relação à corrupção e à retirada de direitos dos mais pobres, marca do último ano de governo Dilma. Por isso, além de realizar um balanço crítico da experiência petista no governo federal e promover uma profunda atualização programática, a esquerda deverá lançar mão de uma promessa: a de que é possível construir um caminho diferente no futuro. Numa de suas principais obras,3 Hannah Arendt afirma que é a promessa que valida o perdão; isto é, apenas o compromisso de que algo novo está sendo construído no lugar do velho é que permite expiar os pecados do passado. Mesmo aqueles que nada tiveram a ver com os erros cometidos terão de consignar seu compromisso com a promessa de que nada será como antes. O perdão, que exime a esquerda das consequências dos erros cometidos, só pode ser validado pela promessa do novo. E esse novo que é reclamado pela nova geração de lutadores e lutadoras que está nas ruas não pode ser nada menos que uma esquerda horizontal, pluralista, radicalmente democrática e profundamente comprometida com os interesses dos explorados e oprimidos. Uma esquerda anticapitalista, socialista e classista, mas também feminista, negra, jovem, disposta a combater qualquer tipo de opressão. Perdão e promessa: eis o binômio do qual a reorganização da esquerda não pode fugir.

    Os atores da reorganização

        Consideramos que as tarefas que mencionamos – balanço / renovação programática / afirmação do novo – não poderão ser bem-sucedidas sem atores dispostos a encará-las como indispensáveis à reorganização da esquerda brasileira. Para isso será necessário um amplo processo de diálogo entre aqueles dispostos a enfrentar o momento de defensiva estratégica que os setores populares vivem e dar um novo sentido à luta em favor de um amplo instrumento político que unifique os que lutam contra a opressão e a exploração.

        Mesmo que os efeitos da ofensiva conservadora tenham sido devastadores, há diversos atores discutindo os rumos da reorganização da esquerda brasileira. No PT e na Rede Sustentabilidade há setores dispostos a debater a construção de uma nova síntese política “pós-PT”. Outras organizações políticas não partidárias também iniciam essa discussão. No âmbito dos movimentos sociais, novos atores já se apresentam como expressão concreta de um novo ciclo político que rechaça como limitadas as promessas do lulismo.4 Há ainda uma grande quantidade de intelectuais críticos que reivindicam uma profunda reflexão sobre os rumos do campo popular e democrático no Brasil, em favor de uma “nova esquerda” que se apresente como tal já a partir das eleições presidenciais de 2018. No meio desse turbilhão está o PSOL.

        O PSOL é hoje o polo mais dinâmico da reorganização da esquerda brasileira e o partido mais bem localizado politicamente para enfrentar esse desafio. Isso se deve a algumas razões específicas que garantem a ele uma posição privilegiada nesse processo. O primeiro e mais evidente é o fato do partido ter mantido, ao longo de seus onze anos de vida institucional, uma profunda crítica à estratégia de conciliação de classes levada a cabo pelo PT. Por essa razão o PSOL é visto como um partido coerente, capaz de arcar com as pesadas consequências de ser oposição de esquerda aos governos petistas para conservar suas posições. Além disso, a tática que o partido assumiu durante o impeachment, quando sua militância e suas figuras públicas se engajaram plenamente na luta contra o golpe, permitiu ao PSOL conectar-se com o mais importante movimento de massas ocorrido no país desde junho de 2013. Para os milhares de lutadores e lutadoras que tomaram as ruas contra o golpe, o PSOL foi visto como um partido capaz de deixar as diferenças de lado para unir forças em favor de um objetivo maior: a defesa da democracia. Por fim, vivendo toda a sua existência fora da dinâmica do Estado, o partido compreende melhor os novos atores sociais que emergiram na última década. Esses lutadores e lutadoras têm uma forte empatia com o partido e muitos concorreram pelo PSOL nas eleições deste ano. Portanto, se o partido tiver a sabedoria política necessária para se colocar à altura do momento histórico, ele pode se tornar a expressão “natural” de uma nova síntese política para essa nova esquerda que está se formando no Brasil. Mas para isso, será necessário responder às inadiáveis tarefas que mencionamos neste ensaio.

    * Presidente da Fundação Lauro Campos e membro da Executiva Nacional do PSOL.

     

    1 Lincoln Secco. História do PT – 1978-2010. Cotia: Ateliê Editorial, 2011.

    2 Termo em italiano que signfica atualização ou adaptação.

    3 Hannah Arendt. A condição humana. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 2000.

    4 Para saber mais sobre o lulismo como expressão da política de pacto de classes nos governos petistas ver André Singer. Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

     

  • Seminário “A cidade que queremos: os desafios dos mandatos do PSOL”

    Seminário “A cidade que queremos: os desafios dos mandatos do PSOL”

         A Fundação Lauro Campos sediará, nos dias 5 e 6 de novembro, o seminário “A cidade que queremos: os desafios dos mandatos do PSOL”. A inédita iniciativa reunirá os vereadores e vereadoras eleitas ou reeleitas no pleito de 2016 em todo o país, e se constituirá como um momento privilegiado para discutir os desafios do partido na luta contra o governo Temer, trocar experiências entre os diferentes parlamentares com suas distintas vivências e discutir  atuação dos novos parlamentares e prefeitos.

         Nos dois dias da atividade, serão debatidos a conjuntura nacional, os programas municipais do PSOL como também os desafios colocados frente ao cenário político atual. Haverá espaços para que os eleitos possam discutir questões comuns. Mais de quarenta vereadores de todo o país já confirmaram presença, além de parlamentares como Chico Alencar, Edmilson Rodrigues, Glauber Braga, Ivan Valente, Luciana Genro, Luiza Erundina, Raul Marcelo entre outros.  A abertura do evento será feita pelo presidente nacional do partido, Luiz Araújo, e pelo presidente da Fundação Lauro Campos, Juliano Medeiros.

        Para Juliano, “o seminário será um importante momento para discutir os desafios dos mandatos do PSOL diante do processo de reorganização da esquerda brasileira. Além disso, servirá para trocar experiências e enriquecer as possibilidades de atuação de nossos vereadores em defesa da ampliação de direitos contra qualquer retrocesso”. A atividade, que é uma realização conjunta da Fundação Lauro Campos com a Direção Nacional do PSOL, acontecerá na sede da Fundação, na cidade de São Paulo.

         Confira abaixo a programação do evento:

     

    Sábado (05/11)

     

    9h00

    Abertura: Luiz Araújo, presidente nacional do PSOL, e Juliano Medeiros, presidente da Fundação Lauro Campos

     

    10h00

    Mesa sobre conjuntura

    . Edilson Silva, deputado estadual-PE e candidato à prefeitura de Recife

    . Guilherme Boulos, coordenador nacional do MTST

    . Ivan Valente, deputado federal-SP

    . Laura Carvalho, economista e professora da FEA-USP

    Mediação: Juliano Medeiros, presidente da Fundação Lauro Campos

     

    14h-16h00

    Mesa: PSOL e a luta por uma cidade das pessoas

    . Edmilson Rodrigues, deputado federal-PA e candidato à prefeitura de Belém

    . Luciana Genro, candidata à prefeitura de Porto Alegre

    . Marcelo Freixo, deputado estadual-RJ e candidato à prefeitura do Rio de Janeiro

    . Raul Marcelo, deputado estadual-SP e candidato à prefeitura de Sorocaba

    . Juninho, presidente estadual do PSOL-SP e candidato à prefeitura de Embu das Artes

    Mediação: Márcio Rosa, diretor da Fundação Lauro Campos

     

    17h00-19h00

    Divisão em 5 grupos de discussão, sob o tema “desafios do parlamentar do PSOL”

     

    19h00-20h00

    Espaço livre de discussão

     

    20h00-22h00

    Confraternização

     

    Domingo (06/11)

     

    9h00-12h00

    Apresentação das discussões dos grupos e debate com os parlamentares do PSOL

    . Chico Alencar, deputado federal-RJ

    . Glauber Braga, deputado federal-RJ

    . Luiza Erundina, deputada federal-SP e candidata à prefeitura de São Paulo

    Mediação: Gilberto Maringoni, diretor da Fundação Lauro Campos

     

    12h30 – Encerramento 

     

     

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  • A esperança que vem do Norte

    A esperança que vem do Norte

    por Juliano Medeiros *

         Durante o primeiro turno das eleições municipais deste ano, enquanto os principais meios de comunicação do país privilegiavam a cobertura da disputa eleitoral em São Paulo e Rio de Janeiro, uma verdadeira guerra era travada no norte do país. Durante todo o primeiro turno o candidato do PSOL à prefeitura de Belém, Edmilson Rodrigues, liderou as pesquisas de intenção de voto. Com apenas 42 segundos no horário eleitoral gratuito e duas inserções diárias de rádio e televisão, o ex-prefeito e atual deputado federal conseguiu superar adversários de peso e ir ao segundo turno contra o atual prefeito, Zenaldo Coutinho (PSDB).

         Numa recuperação impressionante, o candidato tucano venceu a disputa contra o delegado Eder Mauro (PSD) por uma vaga no segundo turno. O também deputado federal, famoso por suas posições de extrema-direita contra a comunidade LGBT e em favor de penas mais duras para menores infratores, perdeu a segunda posição na última semana de campanha, sendo ultrapassado pelo atual prefeito que agora enfrenta Edmilson Rodrigues.

         Belém é uma das três cidades em que o Partido Socialismo e Liberdade disputa o segundo turno. As outras duas são Sorocaba (SP) e Rio de Janeiro (RJ). Mas diferente destas, a disputa na capital paraense já toma o contorno de uma batalha épica.

         De um lado, o candidato do PSOL, ex-prefeito por oito anos, professor doutor, arquiteto e ex-sindicalista, defensor dos povos indígenas e do meio ambiente. Um crítico implacável do que chama de “dinâmica perversa do capital” que amplia as desigualdades sociais e econômicas. De outro, um típico representante da velha casta política que vive dos privilégios do Estado: o tucano Zenaldo Coutinho é político profissional desde a adolescência, jamais trabalhou e aposentou-se aos 44 anos. É um filho das elites paraenses, um produto de marketing produzido com esmero pelos tucanos no Pará durante os anos 90.

         Em 2012, na disputa que travou contra Edmilson Rodrigues no segundo turno, Zenaldo levou a melhor. Mas hoje chega desgastado ao segundo turno após quatro anos de completo abandono das políticas sociais, aumento da criminalidade e caos nos serviços públicos.

         O primeiro turno acabou com leve vantagem para Zenaldo: o candidato tucano alcançou 241.166 votos (31%) contra 229.343 votos de Edmilson (29,5%). Uma pequena diferença de pouco menos de 12 mil votos. No segundo turno, os candidatos de oposição declararam seu apoio a Edmilson.

         O primeiro foi o deputado estadual Lélio Costa (PCdoB), que obteve 0,76% dos votos no primeiro turno. Em seguida foi a vez de Ursula Vidal (Rede Sustentabilidade), uma das grandes surpresas da eleição. Ela alcançou 10,3% dos votos e declarou apoio a Edmilson na última semana. A candidata do PT, Regina Barata, que obteve 1,71% dos votos, também se manifestou nas redes sociais a favor do candidato do PSOL. O candidato do PMDB, o ex-reitor da Universidade Federal do Pará (UFPA), Carlos Maneschy, fez questão de declarar seu apoio a Edmilson.

         O PMDB divulgou nota pública declarando neutralidade no segundo turno, mas Maneschy, um professor que jamais havia disputado uma eleição e conquistou supreendentes 9,7% dos votos, fez questão de manifestar-se em favor do candidato do PSOL. Até o delegado Eder Mauro, terceiro colocado na eleição, que optou por não apoiar nenhum candidato, fez questão de expressar seu repúdio à candidatura tucana numa coletiva de imprensa na semana passada, o que pode facilitar a conquista de seu eleitorado, crítico da gestão tucana, por parte de Edmilson. Esses apoios deram resultado: na pesquisa Ibope divulgada na semana passada, o candidato do PSOL lidera com 46% das intenções de voto, contra 43%.

         Para além da corrida eleitoral, há outras questões em jogo nesta disputa eletrizante entre PSOL e PSDB em Belém. Desde o impeachment de Dilma Rousseff e o aprofundamento da crise do Partido dos Trabalhadores, a esquerda brasileira passa por um processo de reconfiguração. Como é comum depois de um tsunami, o cenário devastador que o campo progressista encontrou nestas eleições também permitiu o surgimento novas alternativas.

         O PSOL, após onze anos de legalização, tem se tornado o polo mais dinâmico num processo de renovação da esquerda brasileira que pode levar alguns anos. Por não ter feito parte dos governos petistas, rejeitando a tática de conciliação de classe que marcou a política do PT nos últimos anos, o PSOL é o partido que detém as melhores condições para liderar este processo de renovação. E esse fenômeno, evidentemente, não se resume a Belém, mas ocorre também em outras cidades como Rio de Janeiro, Porto Alegre, Florianópolis, Recife e Cuiabá.

         Mesmo em cidades onde os resultados eleitorais das chapas majoritárias não foram tão expressivos, como São Paulo e Belo Horizonte, o processo de oxigenação política da esquerda se faz sentir, com o surgimento de novas lideranças e a afirmação de uma agenda política de independência frente aos velhos partidos que se expressa mais claramente no PSOL.

         Mas a experiência de Belém é ainda mais emblemática. Isso porque na capital do Pará o candidato do PSOL representa ele próprio uma intersecção histórica. Edmilson Rodrigues foi prefeito pelo PT entre 1997 e 2004, mas deixou o partido em 2005, no auge do escândalo do mensalão. Foi um dos raros políticos com experiência administrativa e reconhecimento público a ter a ousadia de romper com o partido de Lula. Tem ampla penetração em bairros populares de Belém, contrariando a realidade do PSOL em outras capitais, onde o partido ainda não alcançou essa capilaridade.

         No entanto, a ruptura, que marca a rejeição da tática petista de conciliação com as classes dominantes, não significou a negação das boas experiências nascidas com as primeiras administrações petistas, que democratizaram a gestão do Estado, inverteram prioridades e enfrentaram poderosos interesses para assegurar a ampliação de direitos. Nessas experiências, onde se destacam os governos de Luiza Erundina em São Paulo (1989-1992) e os dezesseis anos de governos populares em Porto Alegre, Belém surge como a primeira tentativa de implementar um programa democrático e popular no coração da Amazônia, com todas as suas particularidades históricas, sociais e culturais.

         Se os outros candidatos do PSOL que disputam o segundo turno no Rio de Janeiro e Sorocaba representam uma saudável e necessária renovação da esquerda (Marcelo Freixo tem 49 anos e Raul Marcelo tem 37), na candidatura de Edmilson se fundem o melhor daquilo que se produziu desde a redemocratização na forma de experiências de governos democráticos e participativos com a resistência daqueles que não aceitaram o vale-tudo da “governabilidade” e optaram por recomeçar praticamente do zero, criando o PSOL.

         Se estivesse no Sudeste, Edmilson sem dúvida seria um dos mais badalados políticos da esquerda brasileira. Isso porque ele representa o encontro entre passado e futuro, materializado na promessa de um presente de renovação e esperança. Mesmo que muitos não consigam ver, na batalha que se trava em Belém, também está em jogo o processo de reorganização da esquerda brasileira.

    *Juliano Medeiros é presidente da Fundação Lauro Campos

    (artigo originalmente publicado na página da Carta Capital em 19/10/2016)

  • Síntese dos debates do Ciclo “Se a Cidade fosse Nossa”

    Síntese dos debates do Ciclo “Se a Cidade fosse Nossa”

         A fundação Lauro Campos, em parceria com diretórios estaduais e municipais do PSOL, realizou uma série de eventos buscando contribuir com a discussão programática do partido e ajudar na apresentação de propostas visando as eleições municipais de 2016.

         Foram dez atividades realizadas em oito cidades brasileiras, que contou com a participação de pesquisadores, estudiosos e militantes dos eixos temáticos escolhidos para o aprofundamento da discussão. Rio de Janeiro, Curitiba, Nova Iguaçu, Fortaleza, Salvador, Recife, Belém e São Paulo sediaram atividades.  

         Confira a síntese de cada discussão realizada pelo Ciclo “Se a Cidade fosse Nossa”:

     

     

     

    Cidades do negócio vs. cidades rebeldes

    Local: Rio de Janeiro – RJ

    Participantes: David Harvey (geógrafo), Juliano Medeiros (presidente da FLC) e Edmilson Rodrigues (deputado federal – PA)

         Tivemos a oportunidade de apoiar o diretório carioca do partido, recebendo o  professor David Harvey, figura destacada do pensamento marxista e mais importante  geógrafo da atualidade. Em duas conferências mais uma aula pública, mostrou como a cidade é o espaço privilegiado de reprodução ampliada do capital, e destacou como os movimentos sociais estão procurando outras formas de organização e articulação para enfrentar a cidade dos negócios.

         O capitalismo em crise tenta resolver seus problemas através do avanço sobre as cidades para transformá-las em ativos financeiros. É a lógica de que a cidade não deve servir para as pessoas, mas para os negócios.

         Há uma enorme irracionalidade do capitalismo e na política. Como lembrou, em tom de brincadeira:  “dizem que nós, marxistas, somos insanos. Insanos são os capitalistas, que defendem esse modelo de cidade feita para especular, e não um modelo decente para as pessoas morarem com dignidade”.

         E continuou: “a solução não é abandonar o processo político, mas reconstruir o sistema. Precisamos de uma revolução política. Nos dizem que a única solução para as nossas dificuldades é mais capitalismo. A verdadeira resposta é nada de capitalismo. Na esquerda, a base tem que ser popular e estar no centro do processo político.”

     

    Tema 1: Saúde

    Local: Curitiba – PR

    Participantes: Bernardo Pilotto (setorial de saúde do PSOL), Lidia Cardieri (socióloga) e Melissa Pereira (Fiocruz)

         A saúde é um dos principais problemas dos municípios e dos cidadãos. A constituição federal estabelece que é competência do município a atenção básica e os serviços locais (em parceria com o estado e a união), o estabelecimento de uma política municipal de saúde, que invista ao menos 15% do orçamento local, e os laboratórios de exames e hemocentros. É muita coisa e os recursos são poucos.

         As restrições financeiras e as imposições da lei de responsabilidade fiscal têm trazido dificuldades adicionais. As administrações em geral, independente da orientação ideológica do partido, tem apostado em formatos de terceirização de serviços e de gestão, precarizando as condições de trabalho e retirando o caráter público do serviço. Para o PSOL, a ideia é fortalecer o SUS e a saúde pública, gratuita e de qualidade, bem como apostar na valorização do profissional, sabendo que sua dedicação e competência podem fazer a diferença.

         Como ressaltou Bernardo Pilotto, “é muito importante que o PSOL construa programas de governo na área de saúde antenados com as lutas de nosso povo nessa área, defendendo a ampliação e desprivatização do SUS. Na gestão municipal, é possível fazer muitas políticas de prevenção e promoção da saúde e é nessa área que devemos ter foco.” A própria melhora das condições de vida da população, com investimentos em saneamento básico, melhorias no transporte público e mais opções de lazer podem ser encarados como política de prevenção.

         Além disso, destacamos um assunto dentro da atenção básica: a saúde mental (junto da política de drogas), onde o município tem papel proeminente. Trata-se de debate com crescente relevância da sociedade e que traz a discussão sobre cuidado e o acolhimento. Aqui, o PSOL reafirma seu compromisso com a luta antimanicomial e com as práticas de redução de danos enquanto diretrizes para nossas políticas locais, focando sua atenção no estabelecimento e qualificação dos CAPS.

    Propostas

    • Ampliar os serviços do SUS e combater a privatização da saúde buscando rever os contratos de serviços e gestão
    • Melhorar as condições de trabalho e salários dos servidores
    • Foco na saúde básica, com fortalecimento das equipes de saúde da família
    • Políticas de prevenção e de informação
    • Construção, ampliação e melhorias dos CAPSs
    • Políticas sobre drogas de inclusão social e redução de danos.

     

    Tema 2: Segurança e direitos humanos

    Local: Curitiba – PR

    Participantes: Juninho (presidente do PSOL-SP e membro do Círculo Palmarino) e Orlando Zaccone (delegado e membro da Leap – Law Enforcement Against Prohibition).

         O desafio para o PSOL é estabelecer uma política de governo baseada no mais amplo respeito aos direitos humanos e no combate à todas as formas de opressão. Essas questões, como apontado pelo Juninho, estão relacionadas à questões estruturais que marcam a sociedade brasileira: a profunda desigualdade social, a cidadania restrita e a violência como forma de controle: “a manutenção desses privilégios de acumulação de riqueza e essa cidadania restrita se mantém através da violência”.

         Essa formação social leva a uma atuação do estado  baseada no controle social, dentro da lógica do combate ao inimigo, do punitivismo penal, da gentrificação e da exclusão social. Ressaltou Orlando Zaccone: “então, a questão da cidadania que o Juninho trouxe mostra que a Declaração Universal dos Direitos Humanos não contemplou essa distinção entre cidadão humano e não cidadão inimigo. O inimigo hoje não é o cidadão, ele é construído dessa forma, pelo discurso: ´direitos humanos para humanos direitos´. E esse nosso cidadão é construído como inimigo, e diversas fatores vão ser contemplados nessa não cidadania, nessa construção de inimigo. E o tráfico de drogas hoje é a grande construção que se faz dessa figura mítica do inimigo que perde toda proteção do ambiente social”.

         A política de segurança do PSOL precisa encarar a discussão da segurança e da violência como produto da desigualdade social: “a violência não será combatida com mais aparato e com mais violência, mas sim a partir de uma dinâmica de desenvolvimento real, de distribuição de riqueza, de desenvolvimento social”, reforçou Juninho.

    Propostas:

    • Políticas de proteção aos direitos humanos e combate às opressões
    • Pelo fim do caráter atual “militarizado” das Guardas Civis Metropolitanas e reforço da atuação comunitária
    • Foco em políticas de revitalização dos espaços e de combate à desigualdade

     

    Tema 3: Poder local nas periferias e no interior

    Local: Nova Iguaçu – RJ

    Participantes: Carlos Vainer (urbanista), Sandra Quintela, Glauber Braga (deputado federal – RJ), José Cláudio Souza Alves (sociólogo/UFRRJ), Josemar Carvalho (geógrafo/São Gonçalo-RJ), Leci Carvalho (pedagoga e presidenta do PSOL-Nova Iguaçu,), Cid Benjamin (jornalista) e Álvaro Neiva (presidente do diretório estadual do Rio de Janeiro)

         As políticas públicas não podem se resumir às capitais. Mesmo quando pensamos nelas, é decisivo incorporar as regiões metropolitanas no debate, porque para as pessoas as fronteiras entre os municípios muitas vezes representam impedimentos e dificuldades. Para Carlos Vainer é preciso superar as divisões baseadas em municípios, muitas vezes incorporadas pelos próprios partidos que têm viés contra-hegemônico. “Sou a favor do comitê metropolitano. Nós queremos os impostos da Barra da Tijuca sendo aplicados em Nilópolis (…) O poder é a capacidade de articular escalas, sejam elas globais, nacionais ou locais”, afirmou Vainer.

         O programa do PSOL é construído em parceria com os movimentos sociais. Sandra Quintela, economista do PACS (Políticas Alternativa para o Cone Sul), lembrando seus vínculos com a Baixada, citou exemplos de embates como os comitês em Nova Iguaçu contra a ALCA, pescadores da Zona Oeste do Rio contra a TKCSA, Comitês Populares denunciando as políticas de exclusão relacionada à Copa e às Olimpíadas. Para Sandra, “o debate sobre poder local não pode abrir mão de fazer as disputas de classe, afinal, o capital é global”.

         Fechando a primeira parte do debate, o deputado federal Glauber Braga (PSOL/Nova Friburgo-RJ) falou sobre as relações entre institucionalidade e resistência nas ruas.  “Somos o partido que toda sexta-feira está em praça pública no Centro do Rio. Temos que construir os programas e prestar contas nas praças, não para negar o poder representativo que hoje existe, mas por entender que ele não dá conta de um projeto de ruptura”, afirmou Glauber.

       Na parte da tarde o debate contou com a participação dos professores José Cláudio Souza Alves (sociólogo/UFRRJ), Josemar Carvalho (geógrafo/São Gonçalo), e Leci Carvalho (pedagoga e presidenta do PSOL-Nova Iguaçu,); do jornalista Cid Benjamin.e do presidente estadual do PSOL-RJ, Álvaro Neiva. Em pauta, as particularidades da militância na Baixada e na periferia em geral, os problemas na segurança e no serviço público e os desafios da luta institucional, entre outros temas.

    Propostas:

    • Políticas integradas para Região Metropolitana – mobilidade urbana, segurança pública, saneamento básico, saúde etc
    • Criação de comitês metropolitanos e de laços entre os governos e os cidadãos dessas regiões

     

    Tema 4: Cidades Negras

    Local: Salvador-BA

    Participantes: Samuel Vida (UFBA), Linesh Ramos (professora) e Dennis Oliveira (USP)

         Para o PSOL o racismo é parte estrutural da formação social do país e da luta de classes. Como destacou o professor Dennis de Oliveira,  o “racismo é a ideologia que vai definir quem tem e quem não tem patrimônio e renda; o racismo que define quem é e quem não é cidadão e é o racismo que define quem é o autor e quem é a vítima da violência. Ele vai ser o elemento que vai justificar essa clivagem que acontece pela lógica do Estado brasileiro”.

         Do ponto de vista da gestão do Estado e das políticas públicas, enfrentar o tema do racismo institucional é decisivo para uma gestão que quer combater o racismo estrutural. Para Samuel Vida, “falar de racismo institucional é tentar entender como esses mecanismos operam de formas distintas e com várias roupagens, podendo ocorrer, inclusive, em espaços governados e administrados por pessoas negras”.

         Da mesma forma, destacamos a importância de abordar esse tema de forma intersetorial, com conexões com a questão das mulheres em especial: “o empoderamento das mulheres negras é fundamental à luta democrática. O racismo atua no sentido de manter a faxina ética. Não existe socialismo e liberdade se não tivermos o fim do racismo”, afirmou Linesh Ramos.

         Para o PSOL a temática do combate ao racismo não pode se resumir às ações de uma pasta específica, devendo estar presente em todas as ações institucionais e políticas públicas, além das políticas específicas.

    Propostas:

    • combate ao racismo institucional
    • combate à violência contra o jovem periférico
    • combate à violência contra a mulher negra

     

    Tema 5: Comunicação

    Local: Fortaleza-CE

    Participantes: Aldenor Jr. (ex secretário de comunicação de Belém), Roger Pires (coletivo Nigéria) e Helena Martins (coletivo Intervozes)

         Segundo a Unesco “todas as pessoas têm o direito de produzir, receber e fazer circular informações”. Essa concepção é mais do que garantir a liberdade de expressão, é pensar em formas e políticas que garantam a todas as pessoas o direito de acessar, produzir e difundir informações e cultura. Esse direito, no entanto, é negado pelo alto grau de concentração da propriedade dos meios de comunicação, inclusive em âmbito municipal (donos de rádios e jornais locais são ligados ao poder econômico).

         Junto dos movimentos sociais, é preciso pensar outras formas de comunicação e de identidade visual. Para Roger Pires, a comunicação no âmbito municipal reflete a segregação existente na própria cidade: a representação dos centros é hegemônica, enquanto que as periferias não se apresentam representadas nos grandes veículos: “qual é o Ceará que nós vemos na televisão?”, questionou.

         Mais do que as políticas específicas de comunicação, é preciso ter uma linha de atuação militante, que contribua para a organização popular e faça o enfrentamento com o pensamento e as forças hegemônicas, na direção da ampliação da participação popular. Assim, a comunicação precisa ser feita “a partir do olhar ‘dos de baixo’, como uma ferramenta para educar, para organizar e para politizar o povo”.

    Propostas:

    • wi fi livre e incentivo à produção popular
    • incentivo à distribuição e circulação da produção popular
    • incentivo à comunicação popular, jornais de bairro, rádios comunitárias, produção local
    • comunicação militante com engajamento social

     

    Tema 6: Meio ambiente

    Local: Fortaleza – CE

    Participantes: Márcio Astrini (Greenpeace) e Alexandre Araújo (PBMC – Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas)

         Pensar em outro modelo de desenvolvimento, sustentável e que respeite todas as formas de vida. O Ecossocialismo, ou qualquer outro nome que se queira dar para uma alternativa para além do capitalismo, precisa ser um projeto que supere o capital em dois aspectos: o da desigualdade social e o do colapso ambiental que promove.

          É importante romper com a dicotomia Homem versus Natureza, e compreender que a humanidade é parte integrante da natureza. O planeta Terra deve ser visto como um único organismo com um metabolismo próprio. Entretanto, a ação do homem no planeta, forçada pela atual forma de exploração devastadora, acaba por desequilibrar este metabolismo, comprometendo a sobrevivência de todas as espécies.

         A tarefa que cabe é a de adequar a exploração do planeta com as reais necessidades da humanidade, o que é incompatível com o atual sistema capitalista, uma vez que a superexploração dos recursos naturais, com o aumento da produção de dejetos, contaminação do meio-ambiente e destruição de biomas, se torna cada vez mais aceleradas na busca da produção de capital e sua consequente hiperconcentração. É mais do que urgente se buscar soluções de baixo custo e alta rentabilidade para o conjunto da sociedade, na construção de uma cadeia produtiva baseada na economia criativa e solidária.

    Propostas:

    • Eficiência no gerenciamento dos dejetos
    • Estímulo a soluções criativas de produção com baixo impacto ambiental e alto retorno social
    • Vigilância rigorosa do uso de agrotóxicos e fertilizantes químicos
    • Incentivo a nova matrizes energéticas, como o programa de instalação de placas solares em equipamentos públicos
    • Estímulo à criação de cadeias de produção e circulação de mercadorias, orientadas pela perspectiva da economia solidária

     

    Tema 7: Moradia e mobilidade

    Local: Recife-PE

    Participantes: Lucio Gregori (ex-secretário governo municipal de São Paulo, na gestão de Luiza Erundina), Socorro Leite (ONG Habitat), Leonardo Cisneros (Ocupe Estelita) e Vitor Guimarães (MTST)

         A cidade tem sido alvo do capital para se tornar espaço de valorização, produzindo desigualdades e exclusão social. O direito à cidade foi abordado em torno dos temas da moradia e da mobilidade urbana.

         Socorro Leite, diretora executiva da ONG Habitat para a Humanidade Brasil, destacou  que “o direito à moradia não está à frente da política pública”. Apresentou também uma série de propostas para a inversão das prioridades nesse tema, como a ocupação de imóveis ociosos, recursos locais para moradia, planejamento para a cidade, proteção nas ZEIS, regularização da posse, diversificação soluções habitacionais e, em especial, a participação popular.


         Já Vitor Guimarães, da coordenação nacional do MTST, destacou que “não existe programa habitacional, existe um projeto econômico, pois a crise urbana é um projeto político. Quem é dono da terra é dono da cidade. O Minha Casa Minha Vida não questiona a especulação imobiliária”. Concluiu chamando à luta e à organização popular, destacando que um programa de esquerda deve enfrentar a questão do valor da terra, ampliar e regulamentar o estatuto das cidades e estabelecer comitês democráticos de mediação de conflitos.


         Para falar de mobilidade, o engenheiro Lucio Gregori, que foi secretário de transporte da gestão Luiza Erundina na cidade de São Paulo, apontou que “a luta de classes é no chão das cidades, mais que nas fábricas”. Lembrando que a mobilidade é questão transversal, destacou também a participação popular e concluiu dizendo que “se a cidade fosse nossa a mobilidade seria de todos”.


        Por fim, Leonardo Cisneros, Professor UFRPE e ativista dos Direitos Urbanos – Recife e do Ocupe Estelita, lembrou que “mobilidade é problema político, cujas soluções expressam visões sobre o modelo de cidade. É a democracia direta do capital, que articula investimentos públicos com os interesses privados”. Assim, a questão da transparência e das prioridades é central, garantindo ao povo a capacidade de decidir e não apenas participar de conferências e consultas esvaziadas de poder.

    Propostas:

    • inversão das prioridades. Ocupação de imóveis ociosos, recursos locais para moradia, planejamento para a cidade, proteção nas ZEIS, regularização da posse, diversificação soluções habitacionais e, em especial, a participação popular.
    • enfrentar a questão do valor da terra, ampliar e regulamentar o estatuto das cidades e estabelecer comitês democráticos de mediação de conflitos.
    • transparência e das prioridades é central, garantindo ao povo a capacidade de decidir e não apenas participar de conferências e consultas esvaziadas de poder

     

    Tema 8: Participação popular

    Local: Belém-PA

    Participantes:  Edmilson Rodrigues (deputado federal-PA), Juliano Ximenes (urbanista) e Jurandir Novaes (urbanista)

         A radicalização da democracia, a participação da sociedade e a construção do poder popular são as principais marcas da proposta de governo do PSOL, ao lado da ideia de inversão de prioridades. Somente  com o povo tendo voz ativa nas decisões do governo é que seus interesses serão atendidos. A crise política e o governo golpista de Michel Temer reforçam essa importância, propondo um formato de governo totalmente oposto ao ministério de homens brancos e ricos de Temer.


         Juliano Ximenes falou sobre a importância de se instituir um ativismo comunitário no Brasil como uma medida para melhorar os mecanismos de controle político utilizados pela população. “Tais processos conferem força e diminuem os conflitos da população. O ativismo é um processo necessário e deve estar integrado às políticas para democratizá-las plenamente”, enfatizou. Já Jurandir Novaes complementou a contribuição do arquiteto, Juliano Ximenes, ao dizer que “a participação popular é uma decisão política, que serve para romper a lógica da dominação sobre o povo”.

         Edmilson Rodrigues finalizou o debate, destacando que a falta da participação popular é um dos fatores que contribuiu para o aprofundamento da crise vivida no Brasil e sofrida pela população. “A participação do povo na gestão é o instrumento que deve ser usado para que superemos as crises e para que possamos caminhar rumo a um futuro democrático, sem diferenças na sociedade e que tenha a população como foco”, concluiu.

    Propostas:

    • Ampliar e reforçar as formas de participação popular, através de conselhos, conferências e mecanismos de participação direta nas decisões, bem como reforçar mecanismos de controle social dos gastos e contratos.
    • Descentralizar o governo e estabelecer mecanismos de protagonismo local e popular.

     

    Tema 9: Educação.

    Local: São Paulo-SP

    Participantes: Luiz Araújo (professor UNB e presidente nacional do PSOL), Lisete Arelaro (professora da Faculdade de Educação da USP) e Sylvie Klein (pesquisadora), com comentários de Paula Coradi (professora)

         Para o PSOL, é central a defesa da educação pública, gratuita e de qualidade para todas e todos. A efetivação desse direito depende das prioridades e opções do governo. Luiz Araújo, professor da UNB e presidente nacional do PSOL, contou que no governo de Belém, quando foi secretário de Educação, “o Edmilson reuniu lá no palácio do governo a equipe que trabalhava comigo na secretaria e fez a seguinte pergunta: de tudo que vocês estão fazendo ou estão planejando fazer, o que a direita não faria?”.

         Para a esquerda socialista são três tarefas: a) garantir o acesso universal aos direitos sociais, o que envolve a inversão de prioridades e a “disputa do fundo público com outras prioridades”; b) fazer uma disputa de valores pela herança imaterial de concepções, o que implica em “empoderar a população”; e c) radicalizar a participação popular , “abrir os dados e discutir a sua composição e capacitar a população a discutir isso e decidir de forma inclusive diferente”.

         Já a professora Lisete Arelaro, professora da Faculdade de Educação da USP, começou lembrando que “nós estamos em tese numa democracia, e efetivamente a gestão democrática foi para as cucuias”. E que a preocupação com os números de matriculados precisa ser balizada pela qualidade. E como faz pra melhorar a qualidade? “Querido, se tiver uma jornada digna para o professor e ele ganhar um salário minimamente decente, surpresa, dá certo a escola, em geral”.

         Sobre a educação de jovens e adultos e a alfabetização no país, Lisete lembrou da enorme dívida social, do alto número de analfabetos e de adultos que não passaram do ensino fundamental ou médio: “ Porque ele pensa: eu trabalho nove horas, 14h eu estou aqui, duas horas para voltar, se eu ainda for estudar três horas e meia, quatro, tem que valer muito à pena”.

          Finalizando o debate, a pesquisadora Sylvie Klein falou sobre educação infantil, que é uma das responsabilidades dos municípios. Para ela, “a creche e a educação infantil, é um direito das crianças, é um direito que as crianças têm de estarem num espaço público, que as crianças têm de estarem num espaço coletivo, um espaço entre pares, que ela saia daquele núcleo que é caminhar, que é o espaço do privado, para estar nesse lugar”. Aqui, o desafio é o acesso com qualidade: “Se é direito das crianças, de todas as crianças, ela é um dever do estado, e aí o estado tem que se responsabilizar por esse atendimento. E o que a gente tem visto é uma desresponsabilização do estado via política de conveniamento”.

    Propostas:

    • Fim das matrículas da educação infantil nas entidades conveniadas e progressiva retomada da prefeitura
    • Limite de alunos por sala de aula definido por critérios pedagógicos
    • Ampliação dos programas de alfabetização de Jovens e Adultos
    • Valorização do professor e ampliação dos mecanismos de participação social nas escolas
  • Pela esquerda, de olhos abertos

    Pela esquerda, de olhos abertos

    por Cid Benjamin *

        Sou de esquerda. E desconfio de quem diz não existir mais esquerda e direita. Enquanto houver desigualdades sociais, haverá quem lute para eliminá-las. E haverá quem diga que elas são naturais. Os primeiros são de esquerda; os outros, de direita. Quando discuto política, me preocupo em sensibilizar quem não pensa como eu. Não me seduz falar para quem pensa igual. E assim como tento levar outras pessoas à reflexão sobre minhas razões, trato de ter a cabeça aberta.

        Essas preocupações estão presentes num livro que lancei recentemente, ‘Reflexões rebeldes’, com artigos variados. A maior parte combate teses sustentadas pela direita. Mas outros criticam posições equivocadas defendidas por gente de esquerda.

        As posições do presidente interino, Michel Temer, são duramente criticadas. A maioria retira direitos dos trabalhadores e favorece ainda mais quem já é favorecido. É o caso da “modernização” das leis trabalhistas, que cortam direitos previstos na CLT.

        Os cortes de recursos para as áreas sociais também não podem ser aceitos. Vão piorar a qualidade dos serviços públicos, prejudicando os mais pobres.

        Mas há teses defendidas por gente de esquerda que são criticadas no livro. Um exemplo: a tarifa zero nos transportes. Em 2013 o povo foi para as ruas por não aceitar o aumento das tarifas, sentido no bolso. Mas, se não se abrir a caixa-preta das empresas de ônibus, a implantação da tarifa zero fará com que as prefeituras reajustem o valor pago aos empresários sem que a população se dê conta. E, sabemos, há prefeitos muito dóceis no trato com os empresários de transporte. O do Rio, por exemplo. Basta ver que, aqui, a prefeitura calcula o valor das tarifas a partir das informações de receita e despesa que recebe dos empresários. Ela não fiscaliza esses números. Tudo é em confiança. Mas, pelo menos, quando há um reajuste, a população fica sabendo. Isso não acontecerá com tarifa zero.

        Este é um exemplo de como nem tudo o que é apoiado pelo movimento popular deve ser encampado acriticamente. Há outros exemplos. É preciso manter o compromisso com os mais pobres, mas não se deixar levar por aparências que significam um tiro no pé. Chamar a atenção para isso é um dos objetivos do ‘Reflexões rebeldes’.

    * Cid Benjamin é jornalista

    (Texto originalmente publicado no jornal O Dia – 16/08/2016)

  • O legado revolucionário de Fidel Castro

    O legado revolucionário de Fidel Castro

    por Juliano Medeiros*

     

       Fidel Castro não é apenas o principal líder de uma das mais extraordinárias páginas da história universal – a Revolução Cubana – ou o longevo líder de um povo que resiste há quase sete décadas às investidas do imperialismo contra sua liberdade. Fidel é o símbolo de um tempo: o tempo em que homens e mulheres enfrentavam corajosamente a morte em busca da liberdade, como fizeram antes dele Martí e Bolívar, como fizeram depois dele milhares de revolucionários em todo o mundo. Mas Fidel é também um homem do nosso tempo. O século XXI é pródigo naquilo que as enciclopédias antigamente chamavam de “vultos da humanidade”. E Fidel é um dos poucos nomes da envergadura de nomes como Lenin, Mao Tsé Tung, Ho Chi Min, Mandela e Gandhi, que chegaram aos dias de hoje.

       Neste 13 de agosto Fidel Castro completa 90 anos. E diante desta data extraordinária para qualquer ser humano, estive pensando, nos últimos dias, que tipo celebração a data mereceria. Já li muito sobre Fidel e aprendi a admirá-lo desde meus primeiros dias de militância política. Mas se tratando do líder cubano, sempre há formas de nos surpreender. Buscando algumas declarações recentes de Fidel, me deparei com seu breve discurso na sessão de encerramento do VII Congresso do Partido Comunista de Cuba. Nele, do alto de seus quase 90 anos, Fidel reafirma seu compromisso histórico com o socialismo, a revolução e a luta contra as opressões. Quantos chegaram a essa altura da vida sem renegar tais compromissos? Quantos não teriam deixado se levar pelo caminho fácil da conciliação? Quantos não teriam se curvado ante as promessas do inimigo?

       Em seu discurso, Fidel lembrou o lugar da história na luta pela transformação. Citou os exemplos dos pais da luta contra o imperialismo em Cuba: Maceo, Gómez e Martí. Com eles Fidel conclamou a revolução cubana a “melhorar com a máxima lealdade e força unida”. Citou, ainda, Lenin. E afirmou que seria inimaginável ver a obra do grande revolucionário de outubro ultrajada setenta anos depois, numa referência à restauração capitalista na Rússia no início dos anos 90. Mais do que isso, disse que “não devem transcorrer outros 70 anos para que ocorra outro evento como a Revolução Russa, para que a humanidade tenha outro exemplo de uma grande Revolução Social”, numa clara exortação à revolução como direito inalienável dos povos, tal como defendera em 1953 durante sua defesa no tribunal que o processara pelo fracassado assalto ao Quartel Moncada.

       Mas seu discurso não foi uma ode ao passado. Fidel dispensou uma atenção especial ao presente e ao futuro. Ele mencionou a necessidade da humanidade repensar sua relação com a natureza, sem a qual todos estaremos condenados à aniquilação. Peguntou Fidel: “como alimentar os milhares de milhões de seres humanos cujas realidades inevitavelmente colidem com os limites para a água e os recursos naturais que necessitam?” Ora, do alto de seus 90 anos, o líder da revolução cubana não deixa de adicionar preocupações a seu repertório.

       Estas palavras demonstram a grandeza de Fidel, que segue reafirmando sua fé na humanidade, na revolução e no marxismo. Por isso considero Fidel Castro um exemplo de revolucionário: nunca cedeu às tentações do voluntarismo ou da conciliação, como fizeram muitos outros líderes políticos de seu tempo; manteve a unidade do povo e da revolução através do exemplo revolucionário; apoiou a luta dos oprimidos em todos os continentes, mesmo sendo Cuba uma pobre ilha que teve que reorganizar completamente seu sistema econômico depois da revolução; apostou na transformação cultural do povo para construir o que Guevara chamou de “o novo homem e a nova mulher”; não se curvou jamais aos ditames do imperialismo e seus aliados; lutou pela paz mundial sem abrir mão da defesa ao direito inalienável dos povos à insurgência contra seus governos; construiu um modelo socialista que, apesar de suas limitações, alcançou conquistas inimagináveis. É claro que Fidel não é perfeito e, como qualquer líder político, cometeu seus erros. Mas até nisso ele é diferente de outros revolucionários: a autocrítica é uma de suas marcas mais impressionantes, que o diferencia não só de outros líderes mundiais, mas da maioria dos seres humanos.

       Ser “castrista” no século XXI, portanto, não significa defender a tomada do poder por uma pequena guerrilha mal equipada e inexperiente, mas cheia de disposição revolucionária e idealismo. Ser castrista significa, ao contrário, compartilhar dos valores da solidariedade internacional, da paz mundial, da luta pela construção de uma cultura de fraternidade. Ser castrista é acreditar na revolução como um processo historicamente possível, é ser radicalmente anti-imperialista, é buscar uma visão crítica dos demais processos revolucionários sem julgá-los. Ser castrista é reconhecer que o processo iniciado por Fidel e seus camaradas em Cuba é parte de um movimento continental que ainda não se concluiu historicamente e do qual todos os socialistas latino-americanos fazem parte, gostem ou não.

       Como escreveu Florestan Fernandes, pela passagem do 25º aniversário do triunfo revolucionário liderado pelos homens e mulheres do Movimento 26 de Julho: “A revolução cubana desvenda o futuro da América Latina. Uma nova civilização já começou a ser criada, em uma sociedade nova e por homens novos, libertos das servidões do colonialismo e do neocolonialismo. O que está em jogo não é mais o que se imaginou, na década de sessenta, ser a ‘via cubana’ para a revolução e o socialismo – a guerrilha. Após vinte e cinco anos de vitória e aprofundamento da revolução, Cuba dá uma lição de humildade, de firmeza e de determinação, inclusive que a revolução possui vários caminhos na América Latina. (…) Ela é um dos países socialistas mais autênticos e o único que imprimiu vida estuante própria ao princípio da liberdade igualitária”. Não por acaso o artigo de Florestan Fernandes levou o título de 25 anos de castrismo. A extraordinária obra a qual o grande sociólogo brasileiro se refere não é mérito de Fidel Castro, mas de todo o povo cubano. No entanto, ela dificilmente teria chegado tão longe sem a determinação, a firmeza e o compromisso revolucionário de Fidel Castro. Por isso ele é, sem sombra de dúvidas, o maior revolucionário americano do século XX e merece todas as homenagens na passagem de seus 90 anos.

     

    *Presidente da Fundação Lauro Campos e dirigente do PSOL.

  • “Direitos sociais em tempos de ajuste”: síntese do Coletivo de Conjuntura

    “Direitos sociais em tempos de ajuste”: síntese do Coletivo de Conjuntura

    por Rodolfo Vianna

     

         A segunda mesa da reunião do Coletivo de Conjuntura, que ocorreu na tarde do dia 20 de junho, foi dedicada ao tema “Direitos sociais em tempos de ajuste” e contou com a participação de Paulo Schier (Unibrasil/PR), Denise Lobato Gentil (IE-UFRJ), Bernadete Menezes (Intersindical), Eduardo Fagnani (IE-Unicamp) e a mediação de Gilberto Maringoni, coordenador da atividade.

         Iniciando o debate, Paulo Schier alertou que a leitura que faria seria diferente daquela realizada na mesa da manhã (veja a síntese do debate aqui) em relação às perspectivas jurídicas da nossa Constituição e do próprio Direito, uma vez que não se pode perder de vista que o Direito “é um espaço de luta, tanto no que diz respeito ao reconhecimento de direitos quanto à sua efetivação”. Sobre a Constituição de 1988, o professor ressaltou seu caráter “esquizofrênico”, uma vez que ela protege um grande número de direitos sociais ao mesmo tempo que também garante fundamentos orientados pelos valores da livre iniciativa. “Ela não é uma Constituição liberal, mas ao reconhecer a propriedade privada e ao atribuir à propriedade privada uma função social, ela está de certa forma assumindo um certo modelo de Estado Social quando ela se projeta para um modelo de capitalismo, que não é qualquer modelo de capitalismo”.

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         Nós temos duas Constituições, afirmou Paulo Schier, sendo aquela que declara os seus objetivos sociais mas, por outro lado, a que instaura “a organização institucional que parte da questão da organização fiscal, orçamentária e até mesmo a organização política do Estado, e que desmente esse comprometimento social”. E esse conflito acaba por ser um empecilho à efetivação dos direitos sociais existentes nela mesma, levando à “judicialização dos direitos sociais”, já que o Judiciário é instado a posicionar-se sobre a não-efetivação de determinados direitos que deveriam ser garantidos. Esse processo acaba por “elitizar” os direitos sociais porque, uma vez judicializados, acabam se efetivando individualmente para aquele que consegue determinada liminar, por exemplo, retirando verba que deveria auxiliar à universalização destes direitos. Citando pesquisas realizadas, Paulo Schier afirmou que na maior parte das demandas judiciais por direitos sociais há um corte sócio-econômico claro: elas se concentram em fatias da população mais abastadas e nos grandes centros urbanos.

         A proposta de emenda constitucional 241/2016, que traz o chamado “novo regime fiscal brasileiro”, e que praticamente congela o orçamento por 20 anos, tende a dificultar o processo de efetivação dos direitos sociais previstos na Constituição, na visão do professor, causando um “retrocesso em termos de direitos sociais no campo de políticas públicas”. O combate à não aprovação dessa PEC deve ser prioritário na luta da esquerda, porque “nós não podemos retroceder em termos de políticas públicas”, concluiu Paulo Schier.

         A atividade teve sequência com a participação de Denise Gentil, que informou que, a partir e 2011, houve um recuo planejado da intervenção estatal na economia, dando um maior espaço para o capital privado e havendo uma contenção do investimento público. Nos cinco anos do governo Dilma, em três houve uma taxa de crescimento negativo do investimento público, o que “representou um recuo enorme do Estado, o que puxa o investimento agregado (a soma dos investimentos públicos e privados) para baixo”. A professora lembrou ainda que no governo Dilma “o processo de privatização de infraestrutura foi brutal”, incluindo portos, aeroportos rodovias e o campo de Libra do pré-sal.
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         Na área de saúde a privatização também foi intensa, concretizada por meio das deduções e isenções oferecidas pelo Estado tanto para pessoas físicas quanto jurídicas. “Esses recursos que o governo abre mão do setor de saúde poderiam ser canalizados para o SUS”, e continuou, “a gente tira recursos que poderiam estar no setor de saúde pública e injeta no privado. Nós sustemos os planos de saúde”. O montante de desoneração somente no setor de saúde se intensificou a partir de 2011, quando foram na casa de R$ 13 bilhões, passando para R$19 bi em 2012, R$ 20 bi em 2013, R$ 23 bi em 2014 e alcançando a casa dos R$ 25 bilhões em 2015. “Mas o fato é o seguinte: quando você sucateia o setor de saúde, quando você nega à saúde pública num só ano R$ 25 bilhões, e deixa a população à míngua, você está dizendo o quê àquela população? Vá se socorrer no setor privado de saúde…”. E, para Denise Gentil, o mesmo processo acontece no setor da previdência pública: “a reforma da previdência não é um caso isolado, ela faz parte de um contexto de privatização e financeirização que vem sendo construído há um certo tempo e que se intensificou a partir de 2011”.

         O governo alardeia que há um déficit de R$ 85 bilhões de reais (2015), e “o tempo todo falando isso, as pessoas acreditam, não há quem ignore: as pessoas do governo acreditam, meus colegas da universidade, economistas, acreditam, o ser humano comum, que não entende nada de previdência, acredita nisso, porque é dito de uma forma tão massacrante que vira uma verdade insofismável”. E esse discurso acaba por estimular as pessoas a procurarem uma previdência complementar em algum banco, privado ou público. “Você compra um plano privado de saúde, você compra um plano privado de previdência… Assim, a renda das pessoas vai diminuindo cada vez mais. E ao invés do Estado ser o provedor de bens e de serviços públicos, que complementam a renda do trabalhador, o Estado desloca a renda dos cidadãos para os bancos”.

         Denise Gentil informou que essa dinâmica está sendo estudada atualmente por um coletivo de pesquisadores da UFRJ, que defendem a tese de que mesmo as políticas sociais – como a bolsa família – estão servindo de “colateral” (garantia) para a tomada de empréstimos nos bancos. “As pessoas hoje estão completamente endividadas, principalmente os funcionários públicos e os aposentados, que recebem crédito consignado, para sua própria sobrevivência”, uma vez que os serviços públicos estão completamente sucateados e há a necessidade de se recorrer à iniciativa privada para ter aquilo que deveria ser garantido pelo Estado.

         Encerrando, a pesquisadora revelou o tamanho das desonerações tributárias promovidas pelo governo, que somavam R$ 201 bilhões em 2011, R$ 227 bi em 2012 e R$ 282 bi em 2015 em valores atuais, e desses R$ 282 bilhões, R$ 157 bi foram em renúncias de receitas que iriam para a Seguridade Social, e sem a exigência de nenhuma contrapartida. E provocou: “vocês acham que é minimamente razoável um governo que abre mão deste patamar estratosférico de receitas pedir para ajustar do lado dos custos com reformas da Seguridade Social que vão punir a renda dos trabalhadores?”. E prosseguiu, lembrando do gasto do governo com os juros dos títulos da dívida, que em 2015 foi na casa de R$ 501 bilhões, beneficiando somente 70 mil pessoas, enquanto que todos os gastos com a Seguridade Social foram de R$ 380 bilhões, e beneficiou 28 milhões de famílias: “e o governo quer que a gente entenda que a reforma da hora é a da previdência, e não a da política monetária? Tá me tirando, né?”. Parafraseando o profeta Gentileza, que dizia que “gentileza gera gentileza”, Denise Gentil atestou que, no “no campo político, gentileza não gera gentileza. Toda essa gentileza do governo gerou o impeachment”.
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         A mesa teve sequência com a intervenção de Bernadete Menezes, da Intersindical, para quem “os direitos trabalhistas estão vinculados diretamente com a correlação de força das classes”, lembrando o contexto de ascensão da luta de classes no início do século XX e suas consequências na criação de leis trabalhistas, no Brasil e o mundo. “A CLT não é só um produto de Vargas”, disse, afirmando que não se pode esquecer das fortes mobilizações das camadas trabalhadoras no país nas décadas que antecederam sua promulgação. Mesmo as garantias previstas na Constituição de 1988 também são conquistas oriundas das lutas travadas durante a década de 1980 no país que, a despeito do contexto internacional de avanço do neoliberalismo, com figuras como Ronald Reagan (EUA) e Margaret Thatcher (Reino Unido), representou ao Brasil o momento de reorganização da classe trabalhadora e o fortalecimento das entidades sindicais, havendo, inclusive, a fundação do Partido dos Trabalhadores (PT).

         Entretanto, Bernadete Menezes alerta que vivemos um período de perda de direitos trabalhistas, relacionado à fragmentação e desarticulação das organizações que outrora foram fundamentais para conquistá-los. “Esse processo é global. Quem fica atrás com a sua mão de obra ‘cara’ está perdendo a disputa internacional. Há uma verdadeira corrida dos governos para atacar os direitos da classe trabalhadora, para diminuir o chamado ‘custo’ de cada país (‘custo Brasil’, ‘custo França’, ‘custo Espanha’ etc.) E em geral todos entram com a reforma da previdência, o aumento da jornada de trabalho, a diminuição do valor da hora-extra e do seguro-desemprego”.

         Sobre os desafios colocados pela atual conjuntura, Bernadete conclui que “nós estamos construindo um novo espaço, um novo momento de consolidação de frentes, porque o que construímos no passado está fragmentado. E nós estamos tentando à duras custas costurar novos espaços de luta que unifiquem a classe”, inclusive sendo necessário esquecer as fórmulas que cumpriram sua função histórica mas que se mostram insuficientes na atual conjuntura.

         A última intervenção da mesa coube a Eduardo Fagnani, já iniciando com o diagnóstico de que o que está em jogo atualmente no Brasil é um processo de radicalização do projeto liberal, tanto no plano social quanto econômico: “o golpe é uma oportunidade que os detentores da riqueza estão criando para implementar no país um projeto que eles tentam há mais de 40 anos. E por que uma oportunidade? Porque é algo que você dificilmente faria com o voto popular”, e complementou dizendo que com apenas uma canetada foram destruídos 20 anos de políticas voltadas aos direitos humanos, além daquelas voltadas à Cultura, à Ciência e Tecnologia e ao Desenvolvimento Agrário.

         No tocante ao âmbito econômico, Fagnani reafirmou que o objetivo do atual governo interino é o de restabelecer o tripé macroeconômico “meta de inflação”, “câmbio flutuante” e “superávit primário”. Entretanto, este modelo está sendo questionado até mesmo pelo Fundo Monetário Internacional, que em recentes publicações apontou a deficiência deste modelo para economias emergentes. “Desde a crise de 2008, nenhum país no mundo adota este tripé macroeconômico, e, se adota, o flexibiliza”, afirmou o pesquisador.
    Fagnani apontou como preocupantes as intenções de autonomia do Banco Central, como também as que estabelecem autoridades fiscais independentes. “Se o câmbio é flutuante, se a política monetária é definida por meia dúzia de burocratas e a política fiscal é definida por outra meia dúzia de burocratas, como nós vamos conseguir fazer política econômica?”, questionou. Outra iniciativa prejudicial na visão do pesquisador é a PEC que cria o chamado “orçamento de base zero” que, na prática, desobriga qualquer tipo de vinculação orçamentária como as que estão presentes atualmente na Constituição e que abarcam as áreas sociais como saúde, seguridade e educação. “Por que você vincula constitucionalmente recursos para as áreas sociais? Porque se você não vincular, vai tudo para custear a dívida financeira. É simples assim”, afirmou, e prosseguiu dizendo que “o que está acontecendo agora é a destruição de todas as pontes, todos os mecanismos monetários, fiscais, tributários, enfim, tudo que se pode imaginar para que se tenha uma sociedade civilizada no futuro”.

         Sobre as tarefas colocadas no presente, Eduardo Fagnani também reafirmou a necessidade de união de todos os campos políticos que tenham uma visão diferente de projeto de país desta que agora está sendo explicitada, e concluiu dizendo que “é uma luta muito difícil, muito angustiante, porque a correlação de força é muito desfavorável”.

         Seguindo a dinâmica das reuniões do Coletivo de Conjuntura, a palavra foi aberta aos participantes. Lembramos que as sessões do Coletivo ocorrem a cada 45 dias e são abertas a todos os interessados. Em breve, a Fundação Lauro Campos disponibilizará os registros completos das atividades e, para as próximas, fará a transmissão ao vivo pela internet.

  • “A politização do Judiciário”: síntese do debate do Coletivo de Conjuntura

    “A politização do Judiciário”: síntese do debate do Coletivo de Conjuntura

    por Rodolfo Vianna

     

         No dia 20/06 ocorreu mais uma reunião do Coletivo de Conjuntura da Fundação Lauro Campos, com mesas pela manhã e à tarde. Coordenado por Gilberto Maringoni, foi a primeira atividade realizada na nova sede da fundação após a inauguração, ocorrida na sexta-feira (17/06).

         Pela manhã, o tema foi “A politização do Judiciário”. Compuseram a mesa Eloísa Machado de Almeida (FGV-SP), Silvio Almeida (Mackenzie) e Alysson Mascaro (USP).

       A professora de direito da Fundação Getúlio Vargas, Eloísa Machado de Almeida, centrou sua fala na caracterização e atuações do Supremo Tribunal Federal para avançar no debate sobre o tema proposto, buscando uma “análise mais pragmática da politização do judiciário, que vem se acentuado nesses últimos oito meses”.

          O Supremo Tribunal Federal, como instância máxima do Poder Judiciário, tem a prerrogativa de decidir sobre o que é ou não é constitucional, inclusive negando qualquer alteração na Constituição que, por sua leitura, possa ferir seus princípios. Se isto, nos últimos anos, representou o avanço de algumas pautas, como a permissão para o aborto do feto anencéfalo, o casamento e a união estável homoafetivas, entre outras pautas (em ações denominadas como contra-majoritária – já que não passariam pelo sistema político conservador como o nosso) por outro lado, ressaltou a pesquisadora, há a necessidade de se refletir sobre essa forma de atuação do STF.

     

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    (Parcela dos participantes da reunião do Coletivo de Conjuntura)

           “Se isto pode ser visto com uma função positiva para o país, por outro lado o tribunal vem sendo usado, desde 1988, como um grande tutor do sistema político”, atestou Eloísa. Os partidos perdedores do debate político acabam levando suas questões para o Judiciário, se valendo deste para mudar a lógica das votações, mesmo em questões que pertencem exclusivamente à esfera política. “Todas as reformas políticas, por exemplo, foram corroboradas pelo Judiciário. E aqui eu posso falar de ‘verticalização’, da proibição da doação empresarial para campanhas e também a ação que permitiu a existência do PSOL, que é a ação sobre a ‘cláusula de barreira’”, e continuou “o que é relevante nesse espaço de debate da Fundação, de formação, é refletir o quanto que isso é favorável a um partido fazer, ou seja, não fazer de uma forma ingênua, porque quando você desloca o tema que originariamente deveria se dar nas arenas do sistema político para as arenas do Judiciário você está certamente alterando a lógica de se tratar determinada decisão”, o que pode acarretar num processo de deslegitimação de seu próprio espaço de atuação, que é o espaço político, como se dissesse que “eu prefiro que onze juízes decidam do que eu comprar essa briga na arena política”.

         A grande participação do Judiciário no sistema político não é uma característica brasileira, sendo comum a provocação de Cortes Constitucionais por partidos em países que possuem uma “Constituição tão audaciosa”, informou, o que muitas vezes contribui para que o sistema político, sobretudo o Poder Legislativo, caia em descrença frente ao conjunto da população: “quando analisamos os índices de confiança do Judiciário, é impressionante que a população acaba confiando mais no Judiciário do que no sistema político; o que não faz nenhum sentido, porque temos um judiciário que atua de maneira seletiva, que serve a pessoas e a grupos muito específicos, sobretudo aos interesses financeiros. E isso é um grande problema do ponto de vista democrático, porque a população confia em um Poder que é pouco transparente, seletivo e não representativo”, alertou a professora.

         Do ponto de vista da seletividade, por exemplo, Eloísa foi tachativa ao afirmar que no Brasil as violações aos Direitos Humanos só se perpetuam porque o Judiciário participa para perpetuá-las. “Nós temos ainda um país misógino, racista, que mata as pessoas, que tortura os presos porque o Judiciário é o grande poder que renova e permite que essas violações continuem. Por isso é importante pensar para que serve o Judiciário no Brasil ao invés de dotar nossas esperanças em um Poder tão seletivo e pouco transparente”.

     

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    (Renato Roseno, deputado estadual pelo PSOL-CE, faz seu questionamento à mesa)

       O debate teve sequência com a intervenção de Sílvio Almeida, professor do Mackenzie e presidente do Instituto Luiz Gama, que logo de início questionou: “quando é que o Judiciário não foi politizado?”. Só é possível começar a falar em Poder Judiciário a partir das revoluções liberais que começam a fazer a separação entre Estado e Sociedade Civil. Assim, o Judiciário “sempre foi o fiador da ordem liberal”, e para entendê-lo é fundamental compreender três aspectos: como o liberalismo e o judiciário estão conectados de uma maneira que não permite compreender um sem compreender o outro; como a atuação do Poder Judiciário e as suas mudanças devem ser compreendidas por meio das transformações das atividades econômicas historicamente; e ver que os juízes são o produto mais bem acabado daquilo que eles mesmos dizem conter: da ideologia, e da ideologia liberal, da ideologia do capital – comprometendo seu discurso de imparcialidade.

       “Não existe golpe de Estado sem a participação do Judiciário, historicamente não existe isso”, lembrou o professor: “o Poder Judiciário sempre chancelou todos os golpes de Estado que ocorreram, inclusive aqui no Brasil”.

       Citando três exemplos históricos ocorridos no Judiciário dos Estados Unidos, Sílvio de Almeida lembrou de como essas transformações foram fundamentais para garantir a estabilidade política, lembrando que por estabilidade política deve ser entendido o bom funcionamento da ordem liberal. No caso brasileiro, voltando a Era Vargas, o professor lembrou da sua medida de aposentar compulsoriamente 100 juízes, além de reduzir o poder do Supremo Tribunal Federal.

       Sobre a chamada “independência do Judiciário”, Sílvio de Almeida afirma que essa bandeira esconde a orientação de que este Poder deve ser “independente em relação ao povo, e não às outras forças que atuam fortemente sobre ele”. E, por fim, atestou que “é uma ilusão liberal acreditar no Judiciário” e, assim, é necessário avançar “num debate político que estabeleça uma conexão com as questões do povo e com os anseios populares.”

     

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     (Armando Boito, professor da Unicamp, também participou do debate)

          Encerrando a mesa da manhã, Alysson Mascaro, professor de Direito da USP, foi claro ao dizer que não é a força que garante a propriedade, mas o Direito: “o mundo do Direito é exatamente o mundo que garante o capital e a propriedade privada, e ele só serve para isto. E como só serve para isto, e isto é chocante, não pode nem sequer ser contado assim, também não pode ficar nisto que é o fundamental: ele tem que ser salpicado de coisas que pareçam ser o contrário”.

         O professor apontou o que, na visão dele, seria uma contradição da esquerda em “defender mais direitos e nenhum retrocesso”, citando as bandeiras da preservação da CLT, criada na Era Vargas, e do FGTS, instituído durante o Regime Militar. A contradição residiria no fator de que “se nós defendermos os direitos, nós somos obrigados a defender a ordem”. E continuou, referindo-se ao PSOL, pedindo para que “um partido que tem socialismo no seu nome, precisa desta reflexão de que o Direito é um horror, e não que a atual fase do Direito é um horror”; e por isso que vivemos num momento no qual devemos “dobrar a aposta em uma luta política de esquerda: nossa luta é contra o capital e contra a ordem”, e de que “não devemos sacralizar o Estado de Direito”, já que o Estado é a forma do capital.

         Encerrando, Alysson afirmou que vivemos numa sociedade na qual o direito é hiperlouvado e a política hipercombatida, porque o direito deixa de permitir a existência de uma luta aberta e passa a permitir a existência de uma luta modulada. “E isto resultou numa geração de juristas, que é a geração que temos hoje, de pessoas absurdamente mal formadas, lixos intelectuais, mas que sabem muito bem procedimentos jurídicos mas são burríssimas em termos de horizontes políticos”. E, concluindo, afirmou que nós não devemos opor ao “direito” outro “direito”, ou “ao fim de tais direito, mais direitos. Nós devemos opor o contraste: o direito é o que é por causa do capital, então a nossa luta é contra o capital”. E assim, portanto, “a nossa luta tática do presente é desmontar este horror liberal que fala que é imparcial, mas imparcial nunca foi, nunca é e nunca será. Esta é a fórmula pela qual nós temos a pedra na mão no dia de hoje”.

         Seguindo a dinâmica das reuniões do Coletivo de Conjuntura, a palavra foi aberta aos participantes. Lembramos que as sessões do Coletivo ocorrem a cada 45 dias e são abertas a todos os interessados. Em breve, a Fundação Lauro Campos disponibilizará os registros completos das atividades e, para as próximas, fará a transmissão ao vivo pela internet.

     

     

  • Mohamed Abdelaziz, presente!

       Filho de um suboficial do exército marroquino, foi ao final dos anos de 1960 que Mohamed Abdelaziz encontrou os primeiros militantes nacionalistas saarauis que frequentavam as universidades de Casablanca e de Rabat. Depois de fazer suas primeiras atuações políticas no meio universitário, ele se engaja na luta armada primeiramente de forma clandestina, depois abertamente.

    Em maio de 1973, junto com Mustafá Sayed El-Ouali, se torna um dos membros fundadores da Frente Polisario, criada pelo conselho constitutivo reunido em Zouerat, na Mauritânia, sendo também um dos principais chefes militares do movimento.

    Três anos mais tarde, em 1976, é eleito secretário geral da Frente, que proclama a República Árabe Saarauí Democrática, ainda que este Estado nãos seja amplamente reconhecido pela comunidade internacional. Continua exercendo suas atividades como líder militar do movimento até se consagrar inteiramente às funções políticas, com sua eleição à presidência da República Saaraui em 1982.

    Depois de um primeiro encontro com o rei do Marrocos Hassan II, em 1989, as negociações prosseguem até a conclusão de um cessar-fogo em 1991. Um referendo sobre a autodeterminação da região, sob a égide da ONU, também está previsto. Entretanto, após 27 anos, Mohamed Abdelaziz morreu sem que este referendo fosse realizado, pois sofre a resistência do Marrocos que busca manter a região sob seu domínio, ainda que dando algum grau de autonomia. “O povo saaraui seguirá o combate”, prometeu Mohamed Keddad, dirigente da Polisário, e prossegui: “as qualidades de Mohamed Abdelaziz vão iluminar o caminho à conclusão da liberação do Saara Ocidental”.

    A Fundação Lauro Campos lamenta a morte do companheiro Mohamed Abdelaziz e se solidariza com a luta do povo saaraui pela sua independência.

    (Fontes: RFI Afrique, France24, AFP. Tradução: Rodolfo Vianna)