Categoria: Artigos

  • “Um dia vai ser muito estranho”

    “Um dia vai ser muito estranho”

    Gregório Duvivier:
    Gregório Duvivier:

    Tudo muda o tempo todo. Antigamente era aceitável ter escravos. Hoje em dia o escravagismo é bastante malvisto socialmente – a não ser, é claro, que o dono dos escravos seja uma empresa, e os escravos sejam asiáticos.

    Há menos de cem anos, visitantes pagavam para ver aborígenes em zoológicos humanos. Tudo já foi normal até que algum dia ficou bizarro. O que nos leva a perguntar: o que vai ser bizarro daqui a cem anos?

    Um dia vai ser muito estranho pessoas se locomoverem num veículo movido a combustíveis fósseis. Um dia vai ser muito estranho o governo dar isenção de impostos para as pessoas comprarem mais veículos movidos a combustíveis fósseis apesar das ruas lotadas e dos oceanos subindo.

    Um dia vai ser muito estranho mamilos masculinos serem banais e mamilos femininos serem escandalosos. Um dia vai ser muito estranho o Congresso brasileiro ter só 9% de mulheres. Um dia vai ser muito estranho ser proibido à mulher interromper sua gestação como se o seu corpo pertencesse ao Estado.

    Um dia vai ser muito estranho igrejas não pagarem imposto. Um dia vai ser muito estranho um pastor se eleger deputado e citar a Bíblia no Congresso. Um dia vai ser muito estranho ver a figura de Cristo acima do juiz num tribunal laico.

    Um dia vai ser muito estranho negros ganharem pouco mais da metade do que ganham brancos – sim, esse dado é de 2016.

    Um dia vai ser muito estranho pessoas que tratam animais como se fossem filhos comerem animais que passaram a vida enclausurados em campos de concentração porque afinal de contas alguns animais são dignos de afeto e outros não.

    Um dia vai ser muito estranho uma pessoa ir presa porque planta uma erva que nunca na história matou ninguém – enquanto o supermercado vende drogas comprovadamente letais.

    Um dia vai ser muito estranho o salário ser mais taxado que a herança e a renda ser menos taxada que o trabalho. Um dia vai ser muito estranho os bancos falirem e os banqueiros continuarem bilionários.

    Um dia vai ser muito estranho você estudar dez anos para ser médico da rede pública e ganhar menos do que ganha uma filha de militar. Um dia vai ser muito estranho filha de militar ser profissão.

    Um dia vai ser muito estranho um jornal restringir o conteúdo para assinantes.

    Um dia vai ser estranho membros do Judiciário e do Legislativo ganharem supersalários e defenderem o ajuste fiscal.

    Um dia.

    *Artigo de Gregório Duvivier, originalmente publicado no site da Folha de São Paulo nesta segunda-feira (22/02)

  • Conselho Nacional de Educação vai emitir parecer sobre OSs em escolas de Goiás

    Conselho Nacional de Educação vai emitir parecer sobre OSs em escolas de Goiás

    Educação não é mercadoria
    Educação não é mercadoria

    Brasília, 21/02/2016 (Agência Brasil) – O Conselho Nacional de Educação (CNE) analisa o projeto goiano de transferência da administração de escolas públicas estaduais para organizações sociais (OSs) e, a pedido do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Goiás (Sintego), deverá expedir um parecer sobre a questão em até três meses. Segundo conselheiros, é papel do Estado ofertar educação de qualidade e a transferência pode configurar uma “declaração de incompetência”.

    Embora o conselho ainda não tenha um posicionamento oficial, a questão preocupa os integrantes do colegiado, que têm muitas dúvidas sobre o projeto. Na última semana, durante reunião da Câmara de Educação Básica, que analisa a questão, a Agência Brasil conversou com conselheiros sobre a proposta do governo goiano.

    “Não podemos responder por qualquer estado brasileiro que faça isso, porque tem direito de fazer, há brechas legais, espaços legais”, disse o presidente da Câmara de Educação Básica, Luiz Roberto Alves. Ele destacou, no entanto, que a Constituição Federal e leis educacionais definem que o responsável pela oferta de educação pública “é o instituído, que é o governador, secretário e as demais pessoas, esses são os responsáveis. O estado tem responsabilidade plena no processo de oferta e qualidade da educação”.

    Para o conselheiro Antonio Ibañez, a iniciativa de Goiás demonstra falhas na gestão estadual da educação. “Estranho que o estado tenha que apelar para uma organização social para dizer que vai melhorar a educação. Isso para mim é uma declaração de incompetência. O estado não pode fazer isso porque ele continua sendo responsável”.

    Pela proposta do governo goiano, organizações sociais, que são entidades privadas sem fins lucrativos, deverão cuidar da administração e infraestrutura de escolas e poderão também contratar professores quanto funcionários administrativos. As OSs serão responsáveis pela formação continuada do corpo docente e pela garantia de melhorias no desempenho dos estudantes. O projeto-piloto começará por 23 unidades da Subsecretaria Regional de Anápolis, na região metropolitana de Goiânia.

    A questão é polêmica. Desde dezembro do ano passado, estudantes secundaristas, professores e apoiadores ocupam escolas em protesto ao projeto. Eles chegaram a ocupar 28 escolas e a Secretaria de Educação, Cultura e Esporte (Seduce). A ocupação das escolas em funcionamento foi encerrada na última sexta-feira (19).

    O Ministério Público Federal, o Ministério Público de Goiás e o Ministério Público de Contas do Estado recomendaram o adiamento do edital de convocação das OSs. Promotores e procuradores consideraram vários pontos do edital inconstitucionais.

    Veja abaixo trechos da avaliação de conselheiros do CNE ouvidos pela Agência Brasil sobre a proposta de Goiás de transferir a gestão das escolas para organizações sociais:

    Luiz Roberto Alves
    Presidente da Câmara de Educação Básica

    “Os estados têm pleno direito de constituir o processo organizacional da rede. A Constituição, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) responsabilizam plenamente a autoridade instituída para fazer educação, junto com a família, junto com a sociedade. Nenhum governo pode imaginar que está chamando uma outra organização para compensar algo que é ruim, nenhum estado poderá dizer que o seu trabalho é ruim e que ele está chamando alguém para fazer no lugar dele. Os estados são plenamente responsáveis. O estado nacional, local, regional é responsável até as últimas consequências pela organização, finanças, currículo, trabalho com as crianças.

    Nos anos 90 isso foi assunto corriqueiro: ‘o estado é incompetente, o estado não consegue fazer, vamos arrumar quem faça’, e até o mercado e outras instituições quaisquer seriam organizadoras melhores que o estado. Isso não pode ser verdade, nem constitucionalmente nem de acordo com a LDB.”

    Antonio Carlos Caruso Ronca
    Vice-presidente da Câmara de Educação Básica

    “Eu tenho dúvidas [quanto a legalidade da transferência da administração das escolas para Oss]. Acho que há uma questão constitucional de que compete ao Poder Público a oferta de educação básica. Não sei se nós podemos entregar a educação básica pública na mão de OSs, igreja ou qualquer outra situação.

    Não temos ainda uma posição, mas quero estudar melhor essas questões que o Ministério Público está levantando. Está garantida a gestão democrática, que é constitucional? Está garantida a questão da gratuidade, mesmo com a imposição de taxas que porventura possam ser disfarçadas com outra finalidade? O princípio do Artigo 206 [da Constituição], de igualdade de condições para acesso e permanência, liberdade de aprender, isso está garantido? Todas essas questões, a meu ver, precisam ser estudadas com cautela.”

    Antonio Ibañez Ruiz
    Conselheiro

    “Estranho que o estado tenha que apelar para uma organização social para dizer que vai melhorar a educação por OS. Isso para mim é uma declaração de incompetência. O estado não pode fazer isso porque ele continua sendo responsável. Mas vai ter a responsabilidade sem ter uma política, sem ter o dia a dia. De fato, a política de formação de educação quem vai ter é a OS e vai ter por objetivos que nós consideramos que não são os mais apropriados, que são as metas do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Isso traz uma competição na escola enorme. Enfim, não vai ser nada que vai trazer melhorias.”

    José Fernandes de Lima
    Conselheiro

    “A Constituição diz claramente que educação é direito de todos e dever do Estado. Então, o Estado não pode se abster de cuidar da educação na sua inteireza. E, ainda mais, o Artigo 208 estabelece as obrigações do Estado, desde a idade de atendimento e ainda diz que a oferta irregular deve ser penalizada. A oferta irregular pode ser caracterizada por várias dessas atividades que foram levantadas aqui. Considero que a preocupação é legitima e temos que nos debruçar sobre ela”.

    Goiás: dirigentes de OSs não estão aptos a administrar escolas, dizem MPs

    O Ministério Público Federal, o Ministério Público de Goiás (MPGO) e o Ministério Público de Contas do Estado questionam a capacidade das organizações sociais (OSs) qualificadas pelo governo de Goiás para administrar escolas estaduais. Segundo recomendação expedida na última semana, nenhuma delas atende aos requisitos previstos na legislação, na Lei Estadual 15.503/2005.

    O governo goiano pretende começar este ano a transferir a gestão das escolas estaduais para OSs, iniciativa inédita no país na área de educação. A implantação começa em 23 escolas e deverá chegar a 200 até o final do ano. Polêmica, a proposta é alvo de críticas de especialistas e motivou a ocupação de 28 escolas no estado desde dezembro do ano passado.

    O documento dos ministérios públicos mostra que alguns dirigentes respondem a processos judiciais, são acusados de falsidade ideológica, estelionato, fraudes em concurso público e improbidade administrativa. Outros, segundo os MPs, não possuem nada que aponte para a “notória capacidade profissional a ponto de ser responsável por uma organização social da área de educação, conforme exige a lei”.

    “Os responsáveis pelas organizações sociais recentemente qualificadas pelo estado de Goiás não comprovaram notória capacidade profissional a ponto de ser reconhecido em sua área de atuação ou não possuem idoneidade moral”, diz o documento, que acrescenta que as instituições que possuem responsáveis processados “não poderiam ter sido qualificadas como organizações sociais pelo estado de Goiás”.

    Em nota, a Secretaria de Educação, Cultura e Esporte (Seduce) diz que prestará os esclarecimentos sobre o projeto diretamente ao Ministério Público. Em conversa com internautas na última quarta-feira (17), a secretária de Educação do estado, Raquel Teixeira, foi perguntada sobre a idoneidade das OSs qualificadas e respondeu que esse tipo avaliação depende da conclusão da seleção de entidades.

    “Acho que a pergunta está um pouco precipitada, vamos falar da OSs quando tivermos o resultado. Ainda não sabemos qual OS será classificada. A gente não sabe ainda por quem ela será comandada.”

    O edital de chamamento das entidades foi lançado no fim do ano passado e a abertura dos envelopes foi feita no último dia 15. Dez das 11 entidades qualificadas apresentaram propostas. Segundo a Seduce, todas as OSs interessadas tiveram alguma pendência na documentação. Uma nova sessão foi agendada para o dia 25 de fevereiro.

    Pontos inconstitucionais

    A questão chamou atenção dos ministérios públicos, que consideraram vários pontos do edital inconstitucionais. Na recomendação de adiamento do certame expedida essa semana, promotores e procuradores destacam como irregularidades pontos do projeto que abrem margem para a desvalorização dos professores e preveem a utilização de recursos da União para pagar profissionais não concursados. O documento recomenda o adiamento do edital até que essas questões sejam solucionadas.

    Veja as alegações dos MPs sobre cada uma das entidades qualificadas pelo governo de Goiás para a seleção:

    Educar: Tem como responsável Hilda Regina Ferreira Sena, servidora da Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia e coordenadora de escolas particulares de Goiânia. Hilda também é ligada à Universidade Norte do Paraná, mas nada que aponte para uma notória capacidade profissional a ponto de ser responsável por uma organização social da área de educação, conforme exige a lei.

    A Agência Brasil entrou em contato com a entidade, mas não recebeu resposta até o fechamento da reportagem.

    IDGE: OS responsáveis pela entidade, Joveny Sebastião Cândido de Oliveira e Danilo Nogueira Magalhães, figuram como investigados pela prática do crime de falsidade ideológica nos autos de inquérito policial em curso na 11ª Vara Criminal de Goiânia. A entidade é ligada ao Centro Universitário de Goiás (Uni-Anhanguera).

    A IDGE foi a única entre as qualificadas que não apresentou proposta para concorrer ao edital. A Agência Brasil entrou em contato com a entidade, mas não recebeu resposta até o fechamento da reportagem.

    GTR: Tem como responsáveis André Luiz Braga das Dores e Antônio Carlos Coelho Noleto. O primeiro é réu em ações penais e de improbidade administrativa decorrentes da Operação Fundo Corrosivo, deflagrada pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público do Estado de Goiás. O segundo é membro do PSDB/GO, servidor da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás cedido para a governadoria de julho a dezembro do ano passado e beneficiário de suspensão de processo em razão da prática do crime de concussão.

    Em nota, a GTR diz que ambos não fazem mais parte do quadro de associados. “A morosidade dos órgãos públicos federais tem causado transtornos. Até o momento, a Receita Federal não alterou os nomes dos responsáveis legais em seu sistema, apesar do pedido já ter sido protocolado há algum tempo”, argumenta a OS.

    IBEG: A responsável pela organização, Silvana Pereira Gomes da Silva e a entidade não têm idoneidade moral, segundo os MPs, porque foram condenadas pela Justiça Estadual de Goiás em ação civil de improbidade administrativa em razão de fraudes perpetradas em concurso público realizado pelo Município de Aparecida de Goiânia-GO.

    Em nota, o IBEG diz que irá discutir o processo até a última instância. Diz ainda que não há sentença condenatória transitada em julgado, o que garante à entidade e a sua presidenta o exercício regular de seus direitos. “O processo é público e em sua sentença não faz nenhuma referência à fraude perpetrada em concurso público, trata de questões meramente contratuais e procedimentais.”

    ECMA: Tem como responsável José Izecias de Oliveira, acusado de peculato e associação criminosa contra a Universidade Estadual de Goiás (UEG), processo decorrente da Operação Boca do Caixa, desencadeada pelo MPGO e que resultou em bloqueio de bens dos envolvidos.

    Em nota, o ECMA diz que a ação é “equivocada como um todo, o que se espera seja oportunamente declarada pelo Judiciário, como já consta na última decisão colegiada em recurso de habeas corpus, que determinou a retirada de prova ilícita utilizada pelo Ministério Público, que embasou o oferecimento da denúncia”. A entidade diz ainda que processo não foi transitado em julgado, cabendo o princípio da presunção da inocência.

    INOVE: Tem como responsável o veterinário Relton Jerônimo Cabral, que tem contra si um boletim de ocorrência narrando suposta prática do crime de estelionato pela venda de um cão doente em estado terminal. Não há notícia de histórico na área de educação em favor de Relton.

    A entidade diz que só irá se posicionar após o fim do processo de licitação.

    IBRACEDS: Um de seus responsáveis, André Luiz Braga das Dores, é réu em ações penais e de improbidade administrativas decorrente da Operação Fundo Corrosivo, deflagrada pelo MPGO.

    Em resposta, o presidente da entidade, Antônio de Sousa Almeida, argumentou que “Nossa Constituição é muito clara: enquanto o cidadão é processado mas não foi julgado e condenado, não é um réu. [André Luiz Braga das Dores] é pessoa íntegra e sofre acusações injustas. O Ibraceds irá mantê-lo. Sei de sua idoneidade e capacidade.”

    IBCES: Tem como responsável Helena Beatriz de Moura Belle, profissional ligada à Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC – GO), ao Colégio Decisão e à Faculdade de Anicuns, mas nada que aponte para uma notória capacidade profissional a ponto de ser responsável por uma organização social da área de educação, conforme exige a lei.

    A entidade diz que aguardará o posicionamento da Seduce.

    FAESPE: Tem como responsável Marlene Falcão Silva Miclos, profissional ligada a uma fundação de ensino sediada em Goianésia – GO, mas nada que aponte para uma notória capacidade profissional a ponto de ser responsável por uma organização social da área de educação, conforme exige a lei.

    A Agência Brasil não conseguiu entrar em contato com a entidade.

    CONSOLIDAR: A responsável pela organização, Melissa Nascimento de Barros, é ligada à Faculdade Cambury, mas nada que aponte para uma notória capacidade profissional a ponto de ser responsável por uma organização social da área de educação, conforme exige a lei.

    Em nota, Melissa questionou a avaliação dos ministérios públicos.“Basta analisar o meu currículo e todas as minhas competências e experiências vivenciadas e se certificará que estou habilitada para ocupar o cargo”. A responsável pela entidade diz que já atuou na Universidade Estadual de Goiás, na Universidade Católica de Goiás, entre outras, e que trabalhou em projetos educacionais junto ao estado de Goiás e ao governo do Distrito Federal.

    “Sempre procurei estar atualizada sobre os diversos acontecimentos que causaram repercussão técnica e também política na área da educação”, acrescentou.

    OLIMPO: Tem como responsável Marcelo de Moraes Melo, proprietário do Colégio Olimpo, mas nada que aponte para uma notória capacidade profissional a ponto de ser responsável por uma organização social da área de educação, conforme exige a lei.

    A Agência Brasil não conseguiu entrar em contato com a entidade.

    Mariana Tokarnia é repórter da Agência Brasil

  • Bernie Sanders instala uma revolução política nas eleições dos Estados Unidos

    Bernie Sanders instala uma revolução política nas eleições dos Estados Unidos

    Bernie Sanders
    Bernie Sanders

    O movimento “Ocupe Wall Street” (Occupy Wall Street) surgiu em 2011 com manifestações ruidosas em centenas de cidades dos EUA.

    Nelas o povo denunciava o controle da política e da economia pelos 1% mais ricos. Espalhando-se pelo país e chegando até o exterior, o movimento dava voz aos 99% mais pobres, à maioria da população, portanto, que num regime democrático é quem deveria governar.

    No entanto, através de suas manipulações, o poder estaria nas mãos da minoria, dos 1% mais ricos, que impunham leis para os favorecer, mesmo prejudicando os 99%.

    O Occuppy não durou mais do que alguns anos, mas deixou raízes que começaram a dar frutos nas prévias eleitorais do estado de New Hampshire.

    Foi quando o candidato socialista anti-establishment, Bernie Sanders, derrotou a favorita, Hillary Clinton, que contava com imagem sólida, o apoio da máquina partidária dos democratas e vastos recursos providos por grandes empresas.

    Quando Sanders lançou sua candidatura, a grande mídia considerou uma piada. Para o povo norte-americano socialismo seria algo semelhante a comunismo. Um candidato que ousasse se dizer socialista estaria praticando suicídio.

    Além disso, quem era ele para pretender disputar contra Hillary Clinton, a candidata lógica à sucessão de Obama? Um senador com muito prestígio entre os jornalistas que cobriam o Legislativo, mas desconhecido pelo grande público.

    Poucos sabiam que ele fora dos raros políticos que votaram contra a guerra do Iraque; contra o aumento de tropas no Afeganistão; contra as isenções de impostos aos ricos, do governo Bush; condenara os excessos de Israel na Guerra de Gaza, entre outras posições consideradas radicais.

    Mas o socialismo de Sanders não assustava muito. Ele jamais falou em socialização de empresas ou desapropriações.

    Focou sua campanha no combate às desigualdades sociais, defendendo leis que reduzissem os lucros das grandes empresas e melhorassem a vida da população.

    Prometeu garantir universidade grátis para todos, num país onde cursar uma faculdade tem um custo extremamente alto.

    Favorável ao OBAMACARE, Sanders o considera incompleto (deixa de fora os imigrantes ilegais). Daí seu projeto de saúde pública gratuita para todos.

    Taxação das grandes fortunas, dobrar o valor do salário-mínimo, sair da Síria e do Afeganistão e investir maciçamente em infraestrutura para gerar 13 milhões de empregos são outras propostas do candidato socialista.

    As ideias de Sanders foram desqualificadas pelos adversários que as taxaram de fantasias irrealizáveis.

    Mas foram levadas a sério por um número crescente de pessoas que compareciam às apresentações do senador.

    Sua posição nas pesquisas, que começou insignificante, cresceu continuamente. Ele passou a preocupar os responsáveis pela candidatura de Hillary Clinton. Especialmente nas prévias de New Hampshire, vencidas pelo candidato socialista.

    E olhe que, nas prévias da eleição passada, Hillary Clinton derrotou Obama nesse estado.

    A vitória de Bernie Sanders faz supor que algo está mudando nos EUA.

    As pesquisas mostram que a maioria dos jovens é favorável a ele. A consciência despertada pelos jovens do Occupy Wall Street, de que chegou a hora de mudar um sistema injusto, parece ter se espalhado pelas universidades de todo o território dos EUA.

    Por sua vez, a classe média, sempre dócil às manipulações dos políticos de sempre, começa a expressar revolta.

    Ela empobreceu com a crise. Obama salvou os bancos, mas não seus clientes, que viram seu padrão de vida desabar.

    O tamanho dessa revolta foi medido em estudo realizado por pesquisadores que atuaram nas campanhas dos dois partidos, o Project Smith.

    Seus resultados refletem as mudanças radicais que estão acontecendo na América.

    Conheça alguns deles:

    – 72% de todos os norte-americanos acreditam que as razões pelas quais as famílias não tiveram sua condição econômica melhorada e o crescimento econômico do país está parado são a corrupção e o “capitalismo de clientela” em Washington;

    – 75% acreditam que poderosos interesses usam campanhas e dinheiros dos lobbies para fraudar o sistema em seu benefício;

    – Para 84% os líderes políticos estão mais interessados em proteger seus poderes e privilégios do que em fazer o correto;

    – 78% acreditam que os partidos Democrata e Republicano são incapazes de promover mudanças porque ambos estão excessivamente focados nos interesses próprios;

    – 80% acreditam que o governo federal tem como interesse principal cuidar de si;

    – 75% acreditam que o governo federal não está trabalhando a favor dos interesses do povo.

    Este quadro explica por si porque Bernie Sanders derrotou a poderosa Hillary Clinton em New Hampshire, considerado um dos estados mais politizados dos EUA.

    Ao lado da descrença total nos políticos e nas instituições de governo, está latente o desejo por novas ideias e novos líderes independentes.

    Sanders se enquadra perfeitamente nessas exigências. Que suas ideias são novas, é incontestável.

    E ele é um político independente. Sempre foi. Somente filiou-se ao Partido Democrata para concorrer às eleições deste ano.

    Apesar de encarnar os desejos do povo, tem poucas chances de sua candidatura conquistar a presidente dos EUA pelos democratas.

    Hillary Clinton é uma adversária extremamente poderosa. Ela lidera as pesquisas nacionais. Há cerca de 10 anos é vista com admiração por amplos setores da opinião pública.

    Sua imagem de honestidade e eficiência está firmemente estabelecida. Já ao socialista, embora com prestígio em ascensão, faltam apoios regionais de figuras de peso.

    Mais do que isso, Sanders não tem o que Hillary Clinton tem de sobra: vastos recursos fornecidos pelas grandes empresas à sua campanha e quase toda a burocracia partidária.

    Por fim, regulamentos internos do Partido Democrata parecem ter sido feitos sob medida para torpedear a candidatura Sanders.

    Na decisão de escolha do candidato democrata, votam 4.700 elementos escolhidos pelos estados.

    Mesmo que Sanders obtenha a maioria, pode acabar perdendo.

    Regra profundamente antidemocrática do partido dá poder de voto a 700 deputados, senadores e líderes locais – aos donos do partido, enfim.

    A maioria desse pessoal é por Hillary Clinton que, afinal, é um deles. A última pesquisa mostrou uma vantagem de 355 x 14 para ela.

    É claro que, se a vantagem por Sanders nas prévias estaduais for marcante e existir uma onda nacional em seu favor, esse políticos profissionais podem acabar votando nele – afinal há eleições legislativas junto com as presidenciais e não convém desgostar o público.

    Seja como for, Bernie Sanders já ficou como um marco no processo de conscientização do eleitorado estadunidense.

    Poderia se dizer que o Occupy Wall Street lançou algumas sementes, que adicionadas ao desastre causado pelo establishment na grande crise ajudaram o povo a abrir os olhos. E começar a agir.

    Luiz Eça é jornalista

    Fonte: Correio da Cidadania, 16 de fevereiro de 2016

  • Piketty: Sanders desafia a Era da Desigualdade

    Piketty: Sanders desafia a Era da Desigualdade

    Crescimento, nos EUA, do candidato que quer redistribuir riqueza terá repercussão global: ele mostra que é possível reagir à aristocracia financeira

    Houve, nos EUA, uma tradição hoje ignorada: impostos progressivos, com alíquotas de até 91% para os mais ricos. Ao evocá-la, num país em crise, Sanders atrai cada vez mais apoio
    Houve, nos EUA, uma tradição hoje ignorada: impostos progressivos, com alíquotas de até 91% para os mais ricos. Ao evocá-la, num país em crise, Sanders atrai cada vez mais apoio

    Como podemos interpretar o incrível sucesso do candidato “socialista” Bernie Sanders nas primárias dos EUA? O senador de Vermont está agora à frente de Hillary Clinton entre eleitores de tendência democrata com menos de 50 anos de idade, e é apenas graças à geração mais velha que Clinton consegue manter-se à frente nas pesquisas.

    Sanders pode não vencer a competição, por estar enfrentando a máquina dos Clinton, assim como o conservadorismo da velha mídia. Mas já foi demonstrado que um outro Sanders – possivelmente mais jovem e menos branco – poderia num futuro próximo vencer as eleições presidenciais e mudar a fisionomia do país. Em vários aspectos, estamos testemunhando o fim do ciclo político-ideológico iniciado com a vitória de Ronald Reagan nas eleições de 1980.

    Vamos dar uma olhada pra trás, por um instante. Dos anos 1930 aos 1970, os Estados Unidos estiveram na vanguarda de uma série de ambiciosas políticas com o objetivo de reduzir as desigualdades sociais. Em parte para evitar qualquer semelhança com a Velha Europa, vista então como extremamente desigual e contrária ao espírito democrático norte-americano, o país inventou no entre-guerras uma tributação altamente progressiva sobre a renda e o patrimônio, e instituiu níveis de progressividade nunca utilizados no outro lado do Atlântico. De 1930 a 1980 – durante meio século – o percentual para a tributação da renda mais alta dos EUA (acima de 1 milhão de dólares anuais) era em média de 82%. Chegou a 91% entre os anos 1940 e 1960 (de Roosevelt a Kennedy); e era ainda de 70% quando da eleição de Reagan, em 1980.

    Essa política não afetou, de forma alguma, o forte crescimento da economia norte-americana do pós-guerra. Certamente, porque não faz muito sentido pagar a super gestores 10 milhões de dólares, quando US$ 1 milhão dá conta. Os impostos sobre patrimônio eram igualmente progressivos. As alíquotas chegaram a 70% a 80% sobre as maiores fortunas durante décadas (elas quase nunca excederam 30% a 40%, na Alemanha ou na França) e reduziram enormemente a concentração do capital norte-americano, sem a destruição e as guerras que a Europa teve de enfrentar.

    A restauração de um capitalismo mítico

    Nos anos 1930, muito antes dos países da Europa, os EUA instituíram um salário mínimo federal. No fim dos anos 1960 valia 10 dólares a hora (no valor do dólar em 2016), de longe o mais alto naqueles tempos.

    Tudo isso foi obtido quase sem desemprego, pois tanto o nível de produtividade quanto o sistema educacional possibilitavam. Esse é também o período em que os EUA finalmente colocam um fim na antidemocrática discriminação racial legal ainda em vigor no Sul, e lançam novas políticas sociais.

    Toda essa mudança detonou uma oposição musculosa, particularmente entre as elites financeiras e os setores reacionários do eleitorado branco. Humilhados no Vietnã, os EUA dos anos 1970 estavam mais preocupados com o fato de que os derrotados da Segunda Guerra Mundial (liderados pela Alemanha e pelo Japão) ganhavam terreno em alta velocidade. Os EUA sofreram inclusive com crise do petróleo, a inflação e a sub-indexação das tabelas dos impostos. Surfando nas ondas de todas essas frustrações, Reagan foi eleito em 1980 com um programa cujo objetivo era restaurar o capitalismo mítico existente no passado.

    O ápice deste novo programa foi a reforma fiscal de 1986, que pôs fim a meio século de um sistema de impostos progressivos e reduziu a 28% a alíquota sobre as rendas mais altas.

    Os democratas nunca desafiaram de fato essa escolha, nos anos dos governos Clinton (1992-2000) e Obama (2008-2016), que estabilizaram a alíquota de impostos em cerca de 40% (duas vezes mais baixa do que o nível médio no período 1930-1980). Isso detonou uma explosão de desigualdade, ao lado de salários incrivelmente altos para aqueles que podiam consegui-los, e uma estagnação da renda para a maioria dos norte-americanos. Tudo isso foi acompanhado de baixo crescimento (num nível ainda pouco mais alto que o da Europa, lembremos, pois o Velho Mundo encontrava-se atolado em outros problemas).

    Uma possível agenda progressista

    Reagan decidiu também congelar o valor do salário mínimo federal, que desde 1980 foi sendo lenta, porém seguramente corroído pela inflação (pouco mais de 7 dólares por hora em 2016, contra perto de 11 dólares em 1969). Também nesse caso, esse novo regime político-ideológico foi apenas mitigado nos anos Clinton e Obama.

    O sucesso de Sanders, hoje, mostra que a maioria dos norte-americanos está cansada do aumento da desigualdade e dessas falsas mudanças políticas, e pretende reviver tanto uma agenda progressista quanto a tradição norte-americana de igualitarismo. Hillary Clinton, que posicionou-se à esquerda de Barack Obama em 2008, em questões como seguro de saúde, aparece agora como defensora do status quo, como apenas mais uma herdeira do regime politico de Reagan-Clinton-Obama.

    Sanders deixa claro que deseja restaurar a progressividade dos impostos e aumentar o salário mínimo (para 15 dólares por hora). A isso acrescenta assistência de saúde e educação universitária gratuitas, num país onde a desigualdade no acesso à educação alcançou níveis sem precedentes, e destacando assim o abismo permanente que separa as vidas da maioria dos norte-americanos dos tranquilizadores discursos meritocráticos pronunciados pelos vencedores do sistema.

    Enquanto isso, o Partido Republicano afunda-se num discurso hiper-nacionalista, anti-imigrante e anti-Islã (ainda que o Islã não seja uma grande força religiosa no país) e o enaltecimento sem limites da fortuna acumulada pelos brancos ultra-ricos. Os juízes nomeados sob Reagan e Bush derrubaram qualquer limitação legal da influência do dinheiro privado na política, o que dificulta muito a tarefa de candidatos como Sanders.

    Contudo, outras formas de mobilização política e crowdfunding podem prevalecer e empurrar os Estados Unidos para um novo ciclo político. Estamos longe das tétricas profecias sobre o fim da história.

    Tradução: Inês Castilho

    Fonte: Outras Palavras, 17/02/2016

    pikettyThomas Piketty (Clichy, 7 de maio de 1971) é um economista francês que se tornou figura de destaque no meio acadêmico internacional com seu livro “O Capital no século XXI” (2013), no qual defende, através da análise de dados estatísticos, que o capitalismo possui uma tendência inerente de concentração de riqueza nas mãos de poucos. Sua obra mostra que, nos países desenvolvidos, a taxa de acumulação de renda é maior do que as taxas de crescimento econômico. Segundo Piketty, tal tendência é uma ameaça à democracia e deve ser combatida através da taxação de fortunas.

  • Proposta indecente

    Proposta indecente

    Luiz Araújo
    Luiz Araújo

    Há um grande consenso nos que pesquisam educação sob o olhar do financiamento: sem a vinculação de impostos o patamar de inclusão educacional brasileiro seria bem menor.

    Da mesma forma, qualquer levantamento que seja feito entre governadores e prefeitos, mesmo em épocas de crescimento econômico, apontará uma maioria favorável a desvincular as receitas de impostos da área social, dentre elas a educação. E, em épocas de crise econômica e a consequente queda de receitas, isso volta à tona com bastante força.

    Em 1994 foi a primeira vez que no período pós Constituição de 1988 a vinculação sofreu revés. Foi aprovada a Emenda que previa o Fundo Social de Emergência. De lá para cá, seguidas vezes, passando pelos governos Fernando Henrique, Lula e Dilma, a desvinculação das receitas foi sendo prorrogada, apenas mudando de nome até chegar na atual DRU.

    Em 2009 a educação conseguiu importante vitória. Por meio da Emenda Constitucional nº 59 foi retirada a educação do cálculo da DRU, de forma paulatina. Desde 2011 que a área deixou de ser prejudicada por este instrumento de ajuste fiscal.

    Na abertura dos trabalhos legislativos de 2016, a presidenta Dilma foi ao Congresso e anunciou um aprofundamento das medidas de ajuste fiscal. Muitas propostas apresentadas são nocivas aos interesses do povo brasileiro (excetuando os credores da dívida pública e o setor privado), mas reproduzo abaixo o tema deste post:

    As principais medidas temporárias nessa direção são a aprovação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) e a prorrogação da Desvinculação de Receitas da União pelo Congresso Nacional. Vamos propor a participação dos Estados e Municípios na arrecadação da CPMF, destinando esses recursos para a seguridade social. Além disso, proporemos a adoção da Desvinculação de Receitas de Estado (DRE) e da Desvinculação de Receitas dos Municípios (DRM) também para Estados e Municípios. Nós, as três esferas de governo, precisamos de mais flexibilidade para gerir o orçamento e de novas receitas para dar sustentabilidade à transição do ajuste fiscal à reforma fiscal.

    Ou seja, a presidenta Dilma vai apresentar ao Congresso Nacional a prorrogação da DRU, abrindo as portas para pressões para incluir a educação novamente nesta conta, posto que a composição (e o clima político) do atual Congresso tem favorecido aprovação de propostas cada vez mais retrógradas. E mais, vai atender ao pleito dos governadores e prefeitos e propor a instituição da DRE e DRM. Tudo isso, obviamente, para “dar sustentabilidade à transição do ajuste fiscal à reforma fiscal”.

    Qual a consequência da aprovação dessas medidas, especialmente nos estados e municípios?

    1º. A manutenção e desenvolvimento do ensino básico no país é garantido pelos recursos vinculados por estados e municípios. A cada cinco reais, quatro saem dessa fonte vinculada. Permitir que seja “flexibilizada” a regra constitucional é autorizar governadores e prefeitos e aplicar menos recursos em educação (e saúde também!). Simples assim.

    2º. Como não fica claro se haverá alguma mudança no teor do artigo 60 ADCT atual, que obriga destinar 20% dos recursos de impostos para o Fundeb, podemos trabalhar com duas hipóteses, ambas nocivas para a educação:

    – A primeira, será estabelecido um percentual de desvinculação (20%, por exemplo) e somente depois é que serão aplicados os percentuais e demais subvinculações (no formato que ocorre na União com a área da saúde e acontecia com a educação). Assim, aparentemente continuarão a ser bloqueados 20% dos impostos, mas na prática o montante de recursos que serão bloqueados será de 80 e não 100.

    – A segunda, será autorizar não comprovar a aplicação em educação do percentual não bloqueado pelo Fundeb, o que também é profundamente impactante.

    Vejamos uma conta simples das duas hipóteses:

    Município A que receberá em 2016 o montante de R$ 1.000.000,00 de ICMS. Antes eram bloqueados R$ 200.000,00 para o Fundeb e deveria comprovar que, além desses, aplicou outros R$ 50.000,00 em educação.

    Na primeira hipótese, serão retirados R$ 200.000,00 da conta vinculante e os 20% do Fundeb serão aplicados sobre R$ 800.000,00, ou seja, serão bloqueados R$ 160.000,00, mais a obrigatoriedade de comprovar outros R$ 40.000,00 (5% de R$ 800.000,00). Assim, ao invés de R$ 250.000,00 na educação, teremos R$ R$ 200.000,00.

    Na segunda hipótese, que permite não comprovar os 5% não bloqueados, sumiriam também R$ 50.000,00.

    O exemplo é monetariamente pequeno, mas utilizando os valores recentemente publicados em excelente levantamento do INEP (Efeito supletivo do Fundeb via complementação da União, de autoria de Mariano Oliveira, Elenita Rodrigues e Marcelo Souza), podemos utilizar uma receita de impostos vinculada a educação (sem impostos municipais) de R$ 578 bilhões em 2014. Pelas regras atuais, 20% deste montante (R$ 115,6 bilhões) foram bloqueados pelo Fundeb. A União complementou R$ 11,5 bilhões e chegamos aos R$ 127,1 bilhões aplicados no referido ano.

    Pois bem, se a desvinculação já estivesse em vigor e usando a primeira hipótese (sem receitas municipais vinculadas) teríamos uma diminuição de R$ 23,1 bilhões!!! Somando uma complementação menor da União (é 10% do que estados e municípios depositam no Fundeb) teríamos uma participação de R$ 9,2 bilhões.

    A perda em 2014 teria sido de R$ 25,3 bilhões!!! Isso sem contar com as perdas da desvinculação das receitas de impostos municipais e perdas numa possível reincorporação da educação na DRU, cujo risco não pode ser descartado.

    16 de fevereiro de 2016

    Luiz Araújo é professor, doutor em políticas públicas em educação pela USP. Secretário de educação de Belém (1997-2002). Presidente do INEP (2003-2004). Assessor de financiamento educacional da UNDIME Nacional (2004-2006). Assessor do senador José Nery -PSOL/Pa (2007-2009). Consultor na área educacional. Consultor Educacional da UNDIME Nacional (2010/2011). Assessor da Senadora Marinor Brito – PSOL-PA (2011). Assessor da Liderança do PSOL no Senado Federal (2012-2013). Atualmente é Professor da Faculdade de Educação da UNB.

  • Sylvia Rivera: Ela foi mais do que Stonewall

    Sylvia Rivera: Ela foi mais do que Stonewall

    Sylvia Rivera é amplamente reconhecida pelo atirar do primeiro sapato (ou garrafa, cocktail Molotov, etc) em Stonewall. Contudo, como a maioria das grandes figuras da história, Sylvia foi uma verdadeira revolucionária da justiça social.

    Sylvia Rivera e Marsha P Johnson com cartaz a dizer “poder para as pessoas”.
    Sylvia Rivera e Marsha P Johnson com cartaz a dizer “poder para as pessoas”.

    Quando o nome Sylvia Rivera é mencionado, um dos primeiros pensamentos, comentários ou reflexões que se tem é, sem dúvida, que “Sylvia é amplamente reconhecida pelo atirar do primeiro sapato (ou, dependendo das recordações, a primeira ou a segunda garrafa, cocktail Molotov, etc) em Stonewall.”

    A partir desse ponto, a memória e análise de Sylvia é fortemente influenciada por este momento pivot na história queer. Muito pouco daquilo que é recordado, falado ou escrito sobre Sylvia se desvia muito do seu envolvimento em Stonewall e no movimento LGBT de condução predominantemente branca e de classe média que se lhe sucedeu.

    E, tristemente, mesmo no interior da comunidade Trans* à qual Sylvia dedicou a sua vida, ela é essencialmente branqueada, junto com a marginalização ou mesmo total omissão das suas políticas radicais.

    Contudo, como a maioria das grandes figuras da história, Sylvia foi uma verdadeira revolucionária da justiça social, se não insurrecta, uma figura cuja vida, ideias, ações e palavras abarcavam uma essência interseccional.

    Em 2007, um artigo de Jessi Gan no Centro Journal tinha por título “Ainda na parte detrás do autocarro”: A luta de Sylvia Rivera é um dos poucos artigos que critica a memória de Sylvia Rivera por muitos escritores à luz da sua clara omissão da interseccionalidade de Sylvia. Sylvia permaneceu predominantemente uma figura desconhecida – apesar disso, o seu ativismo, os seus escritos e a sua influência dentro do movimento “gay e lésbico” de Nova Iorque do final dos anos 60 e início dos 70, embora breves, foram de grande influência.

    Foi só com a publicação de Stonewall, de Martin Dubermans, que o seu papel nos motins de Stonewall se tornou amplamente conhecido. E, não muito depois disto, Sylvia ressurgiu no meio nova-iorquino com a sua revolta e paixão inatas, lutando ruidosamente pela juventude queer sem-abrigo e pelas pessoas Trans* não-brancas, até à sua prematura morte, em Fevereiro de 2002.

    No entanto, mesmo após a sua morte, os nomes Sylvia Rivera e Stonewall estavam tão interligados que muito do seu trabalho revolucionário pela justiça social nunca foi reconhecido.

    Felizmente, devido à extensa pesquisa e subsequente publicação de The Gay Liberation Movement in New York (O Movimento de Libertação Gay em Nova Iorque), Stephan L. Cohen coloca em contexto um retrato de Sylvia que vai muito para além de Stonewall e nos permite um relance sobre a sua vida e as suas ações através de um excelente tratado em S.T.A.R. (Street Transvestite Action Revolutionaries – Travestis de Rua em Acção Revolucionária). Com o surgimento das políticas Transgénero durante os anos 1990, Sylvia tornou-se na matriarca deste movimento ressurgente.

    Porém, a sua envergadura neste movimento foi antes de mais devida ao seu documentado papel nos motins de Stonewall, o que foi utilizado por bastantes ativistas trans* para exigirem um assento no movimento gay e lésbico e a inclusão das pessoas transgénero nas organizações e lutas pelos direitos civis gays e lésbicas existentes.

    Contudo, regressando à análise de Jessi Gan, reproduzo o excerto abaixo, que vai ao coração do facto de Sylvia ter sido muito mais do que Stonewall. De facto, os alicerces da rebelião de Stonewall reflectem mais as questões raciais e de classe enfrentadas pela juventude queer sem-abrigo do que a visão tradicionalmente abraçada que permitiu a gays e lésbicas branc*s de classe média verem-se a si mesm*s como resistentes e radicais.

    “… tal como “gay” tinha excluído “transgénero” no imaginário de Stonewall, a alegação de que “também houve pessoas transgénero em Stonewall” possibilitou as suas próprias omissões de diferença e hierarquia dentro do termo “transgénero”. Rivera era pobre e latina, enquanto algum*s ativistas trans* que fizeram reivindicações políticas com base na sua história eram branc*s e de classe média. Ela foi louvada por se tornar visível como trans*, enquanto a sua visibilidade racial e de classe era simultaneamente oculta.

    Alguns projetos de recuperação oleados pela memória de Rivera – no seu esquecimento simultâneo das lógicas supremacista branca e capitalista que construíram a sua alteridade racializada e de classe – serviram para unificar as políticas transgénero em torno de um eixo genderizado. As omissões permitiram a* ativista trans* Leslie Feinberg, no seu livro Trans Liberation (Libertação Trans), invocar uma ampla coligação de pessoas unidas exclusivamente por um desejo político de levar o género “para lá do azul ou rosa.”

    Esta abordagem pluralista celebrou a luta de Rivera como um “rosto” num mar de rostos do “movimento trans”. Da mesma forma, a antologia “Gender Queer: Voices from Beyond the Sexual Binary” (Vozes de além do Binarismo Sexual), apelou a um “movimento de género” que garantiria a “igualdade plena para tod*s *s american*s, independentemente do género.” A inclusão da história de vida de Rivera na perspectiva Gender Queer, largamente branca, uma “diversidade”multicultural e auteticidade histórica para a juventude, identidade unitária não marcada racialmente,“genderqueer”, emergida do ambiente universitário de classe média.

    Mas a supressão da intersecionalidade em nome da fabricação de mitos unitários serviu para reinscrever outros mitos. O mito de que toda a opressão trans* é igual deixou o capitalismo e a supremacia branca por desafiar, excluindo frequentemente alinhamentos unitários não ancorados na análise de género e permitindo simultaneamente às pessoas transgénero evitarem considerar a sua cumplicidade na manutenção de sistemas de opressão simultâneos e entrelaçados.

    Rivera é, para além disso, profundamente importante numa historiografia Latina, transgénero e queer na qual as histórias das pessoas transgénero não-brancas são poucas e distanciadas. (…) Eu gostaria, no entanto, de concluir com o seguinte excerto de Cathy Cohen, como detalhado no grande artigo de Jessi Gan sobre Sylvia no Centro Journal. A cientista política Cathy Cohen sugeriu que as políticas queer falharam, não estando à altura da sua promessa inicial de transformação radical da sociedade. Mais do que libertar de sistemas de opressão, Cohen diz que a agenda queer procurou a assimilação e a integração nas instituições dominantes que perpetuaram esses sistemas. Agarrando-se a um único modelo de opressão que divide o mundo em “hetero”e“queer” e insiste que *s hetero oprimem enquanto *s queer são oprimid*s, as políticas queer negligenciaram a análise de como “o poder informa e constitui sujeitos privilegiados e marginalizados em ambos os lados desta dicotomia.”

    Por exemplo, ao fechar os olhos à forma como o Estado continua a regular as capacidades reprodutivas das pessoas não-brancas através da encarceração. Cohen sugere que isto se deve ao quadro teórico das políticas queer se amarrarem a categorias identitárias rígidas e redutoras que não permitem a possibilidade de exclusões e marginalizações dentro das categorias. Sendo igualmente colocada de parte a possibilidade de as próprias categorias poderem ser instrumentos de dominação necessitados de destabilização e reconceptualização.

    Notas da Transzine:

    Nota de linguagem

    A linguagem desta zine tenta ser inclusiva e não-binária. O que quer isto dizer? Que evitamos masculinizar e/ou feminizar os pronomes e as palavras. Escolhemos usar o * (asterisco) porque sabemos que existem múltiplas identidades e pronomes pelos quais preferimos que nos tratem. Desejamos que toda a gente sinta que a sua identidade e pronome escolhido são igualmente visíveis e valorizados (quer sejam enquanto “ele”, “ela” ou outras opções). Acreditamos, ainda, que esta interrogação da linguagem é uma parte importante de uma prática trans* crítica.

    A utilização de trans* (com asterisco) ou trans (sem asterisco) é feita, regra geral, indiscriminadamente por esta utilização estar a ser objeto de reflexão e pela edição não ter tomado nenhuma medida normativizadora dos textos nesse sentido. Todavia, quando utilizada, segue a intenção de Lucas Platero (2014), de marcar a diversidade de experiências, vidas e conhecimentos, por forma a incluir uma multitude de corpos e vidas tidas como fora da norma e/ou que a rejeitam.

    Nota sobre as nuances na utilização do termo“queer”

    Ao contrário do ativismo político mais radicalizado, de base feminista, que tem por referência a “teoria queer” – baseada na fluidez de identidades sexuais e de género e da crítica da homonormatividade dos movimentos LGBT tradicionais institucionalizados – nestes contextos “queer” é usado como referência a esses mesmos movimentos institucionalizados que buscam uma “normalização” baseada em binarismos identitários rígidos. Fazemos então uma nota para as nuances na interpretação do termo “queer” que deve ler-se, quando assinalado e contextualmente, como“LGBT”, pois referem-se aos movimentos tradicionais. Pedimos a* leitor* redobrada atenção para não se confundir esse temo com a denominação política radical originada pela “teoria queer”.

    Artico publicado originalmente em Queers Without Borders em 2010. Tradução de Sérgio Vitorino para a Transzine 2, a fanzine sobre questões trans do colectivo Panteras Rosa (frente de combate contra a lesbigaytransfobia), lançada a 30 de outubro de 2016.

    Fonte: Esquerda.Net, 14 de fevereiro de 2016

  • Economia: por que perdura risco do colapso global

    Economia: por que perdura risco do colapso global

    Desde 2008, nenhuma das políticas “contra a crise” ousou questionar papel dos bancos e aristocracia financeira. Reforçados, eles ameaçam provocar novos desastres. Há alternativas Imagem: M.C. Escher
    Desde 2008, nenhuma das políticas “contra a crise” ousou questionar papel dos bancos e aristocracia financeira. Reforçados, eles ameaçam provocar novos desastres. Há alternativas
    Imagem: M.C. Escher

    Sete anos depois de irromper a crise financeira global, em 2008, a economia mundial continuou a tropeçar, em 2015. Conforme o relatório da ONU Situação e Perspectivas da Economia Mundial 2016 , a taxa média de crescimento nas economias desenvolvidas teve queda de mais de 54% desde a crise. Cerca de 44 milhões de pessoas estão desempregadas em países desenvolvidos, algo como 12 milhões a mais do que em 2007, enquanto a inflação alcançou seu nível mais baixo desde o início da crise.

    Mais preocupante, as taxas de crescimento dos países avançados também tornaram-se mais voláteis. Isso é surpreendente, porque, como economias desenvolvidas, com contas de capital totalmente abertas, elas deveriam ter-se beneficiado do livre fluxo de capital e participação internacional nos riscos – e portanto, experimentado pequena volatilidade macroeconômica. Além disso, os investimentos sociais, incluindo os auxílios aos desempregados, deveriam ter permitido às famílias estabilizar seu consumo.

    Mas as políticas dominantes durante o período pós-crise – redução de impostos e flexibilização quantitativa (quantitative easing, ou QE, na sigla em inglês) [1] pelos principais bancos centrais – ofereceu pouco apoio para estimular o consumo das famílias, os investimentos, e o crescimento. Ao contrário, estas medidas tenderam a tornar as coisas piores.

    Nos Estados Unidos, a flexibilização quantitativa não estimulou o consumo e o investimento, em parte porque o volume maior de liquidez adicional retornava aos cofres dos bancos centrais em forma de excesso de reservas. A Lei de Desregulamentação dos Serviços Financeiros de 2006, que autorizou o Federal Reserve (banco central norte-americano) a pagar juros sobre as reservas necessárias e em excesso, prejudicou, assim, o principal objetivo do QE.

    Em 2008, com o setor financeiro dos EUA à beira do colapso, a Lei de Estabilização Econômica Emergencial ampliou, para três anos, o prazo para que o Tesouro pagasse juros sobre suas reservas. Como resultado, o excesso de reservas controladas pelo Fed disparou, de uma média de 200 bilhões de dólares no período de 2000 a 2008 para 1,6 trilhões durante 2009-2015. As instituições financeiras preferiram manter seu dinheiro com o banco central (Federal Reserve, ou Fed, nos EUA), ao invés de emprestá-lo para a economia real. Lucraram perto de 30 bilhões de dólares – completamente livres de riscos – durante os últimos cinco anos.

    Equivale a um subsídio generoso – e bem escondido – do Fed ao setor financeiro. Em consequência da alta da taxa de juros norte-americanos, no mês passado, o subsídio irá aumentar cerca de 13 bilhões de dólares, este ano.

    Incentivos perversos são apenas uma das razões por que os esperados benefícios de baixas taxas de juros não se materializaram. Dado que o QE conseguiu manter as taxas de juros próximas de zero por quase sete anos, isso deveria ter encorajado os governos nos países desenvolvidos a emprestar e investir em infra-estrutura, educação e área social. O aumento das transferências sociais durante o póscrise teria impulsionado a demanda agregada e sustentado os padrões de consumo.

    Ademais, o relatório da ONU mostra claramente que, por todo o mundo desenvolvido, o investimento privado não cresceu como se esperava, diante das taxas de juros ultra baixas. Em 17 das 20 maiores economias desenvolvidas, o crescimento dos investimentos permaneceu mais baixo durante o período pós 2008 do que nos anos anteriores à crise; cinco delas viveram um declínio do investimento durante 2010-2015.

    Globalmente, os títulos da dívida emitidos por corporações não-financeiras – supostamente para realizar investimentos fixos – aumentou significativamente durante o mesmo período. Consistente com outras evidências, isso implica que várias corporações não-financeiras tomaram emprestado, aproveitando-se das taxas de juros baixas. Mas, ao invés de investir, usaram o dinheiro para comprar de volta suas próprias ações ou adquirir outros ativos financeiros. Assim, o QE estimulou aumentos acentuados na alavancagem, capitalização do mercado e lucratividade do setor financeiro.

    Mas, de novo, nada disso foi de muita ajuda para a economia real. Claramente, manter as taxas de juros próximo de zero não necessariamente leva a níveis mais altos de crédito ou investimento. Quando é dada aos bancos liberdade de escolher, eles escolhem lucro sem risco ou até mesmo especulação financeira, em vez de empréstimos que dariam suporte ao objetivo mais amplo de crescimento da economia.

    Por contraste, quando o Banco Mundial ou o Fundo Monetário Internacional emprestam dinheiro barato aos países em desenvolvimento, impõem condições sobre o que pode ser feito com os recursos. Para alcançar o efeito desejado, o QE teria de ter sido acompanhado não apenas de esforços oficiais para restaurar canais de empréstimo prejudicados (especialmente aqueles dirigidos a empreendimentos pequenos e médios), mas também por metas específicas de empréstimos para os bancos. Ao invés de incentivar de forma eficaz os bancos a não emprestar, o Fed deveria estar penalizando os bancos por manter reservas em excesso.

    Se as taxas de juros ultra baixas ofereceram poucos benefícios para os países desenvolvidos, eles impuseram custos significativos às economias emergentes e em desenvolvimento. Uma consequência acidental, mas não inesperada, da flexibilização da política monetária tem sido o forte aumento nos fluxos de capital transfronteiriços. O fluxo total de capital para países em desenvolvimento aumentou de cerca de 20 bilhões de dólares em 2008 para 600 bilhões em 2010.

    Diversos países emergentes tiveram dificuldades para gerir a repentina explosão de fluxo de capital. Parte muito pequena dele foi para investimentos fixos. Na verdade, o crescimento dos investimentos nos países em desenvolvimento desacelerou significativamente durante o período pós crise. Neste ano, espera-se que o conjunto dos países em desenvolvimento registrem seu primeiro ano de fuga de capital líquido – um total de 615 bilhões de dólares – desde 2006.

    Nem a política monetária, nem o setor financeiro estão fazendo o que devem. Parece que a enchente de liquidez foi destinada, desproporcionalmente, à criação de riqueza financeira e a inflar bolhas de ativos, em vez de fortalecer a economia real. Apesar das fortes quedas nos preços das ações em todo o mundo, permanece alta a capitalização do mercado, em percentual do PIB mundial. O risco de outra crise financeira não pode ser ignorado.

    Outras políticas, de sentido oposto, poderiam restaurar um crescimento sustentável e inclusivo. Para começar, é preciso reescrever as regras da economia de mercado para assegurar maior igualdade, buscar mais planejamento de longo prazo, e colocar rédeas no mercado financeiro, com regulação efetiva e estruturas adequadas de incentivo.

    Mas também será necessário um grande aumento do investimento público em infra-estrutura, educação e tecnologia. Este terá de ser financiado, ao menos em parte, pela criação de impostos ambientais — inclusive sobre a emissão de carbono — e de impostos sobre o monopólio e outras rendas não ligadas à produção — que se disseminaram na economia de mercado e contribuem enormemente com a desigualdade e o crescimento fraco.

    [1] Trata-se de um processo de injeção maciça de dinheiro nas economias dos EUA e União Europeia, por iniciativa coordenada de seus governos e bancos centrais. Estes liquidaram antecipadamente grandes quantidades de recursos públicos — ou seja, pagaram em dinheiro aos aplicadores –, num esforço para combater a recessão pós-2008 ampliando o estoque de moeda disponível. No entanto, como explica Stiglitz a seguir, fizeram-no beneficiando os extratos mais ricos. Tais grupos, ao invés de movimentar a economia, ampliando o consumo ou investimento, utilizaram os recursos para novas aplicações financeiras ou aquisição de empresas já existentes — inclusive no exterior. O quantitative easing favoreceu, entre outros processos, a ultra-valorização do real brasileiro, entre 2009 e 2014. [Nota da Tradução]

    Tradução: Inês Castilho
    Fonte: Outras Palavras, 14/02/2016

    Joseph Stiglitz

    Joseph Stiglitz

    Joseph Eugene Stiglitz (Gary, 9 de Fevereiro de 1943) é um economista estadunidense.  Foi presidente do Conselho de Assessores Econômicos (Council of Economic Advisers) no governo do Presidente Bill Clinton (1995-1997), Vice-Presidente Sênior para Políticas de Desenvolvimento do Banco Mundial, onde se tornou o seu economista chefe.

    Stiglitz, recebeu, juntamente com A. Michael Spence e George A. Akerlof, o Prêmio de Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel, também designado por “Prêmio Nobel de Economia”, em 2001, “por criar os fundamentos da teoria dos mercados com informações assimétricas”.

    Stiglitz defende a nacionalização dos bancos americanos e é membro da Comissão Socialista Internacional de Questões Financeiras Globais.

    Stiglitz formou-se no Amherst College (B.A., 1964), em Amherst, Massachusetts, e no Massachusetts Institute of Technology (Ph.D., 1967), em Cambridge, Massachusets. O estilo acadêmico característico do MIT – modelos simples e concretos, que objectivam responder questões econômicas relevantes – agradou a Stiglitz e muito contribuiu para o desenvolvimento do seu trabalho posterior. Foi agraciado pela Fullbright Comission com uma bolsa de estudos para Cambridge, onde estudou de 1965 a 1966. Stiglitz lecionou em várias importantes universidades americanas, dentre elas Yale, Harvard e Stanford. Em 2001 Stiglitz tornou-se professor de economia, administração de empresas e negócios internacionais na Columbia University em Nova York.

  • Colóquio Relações Internacionais e Marxismo

    Colóquio Relações Internacionais e Marxismo

    MarxTribune

    Colóquio Relações Internacionais e Marxismo

    8 e 9 de Junho de 2016*

    UFRRJ/UFRJ

    A corrente marxista ocupa uma posição marginal nos debates tradicionais sobre Relações Internacionais. Quando não ausente, aparece diluída em outros matizes de pensamento, incluída no campo residual das teorias críticas. O ensino introdutório das RI passa ao largo da explicação marxista, por vezes sob o argumento de falta de tempo para Marx finalizar seu estudo sistemático sobre a sociedade burguesa, notadamente quanto ao Estado e o mercado mundial. Esta visão, largamente esposada pela maioria das academias no Brasil e no mundo reluz, não apenas desconhecimento sobre o arcabouço teórico como esconde certa rejeição ao projeto político acoplado à teoria social marxiana. Ainda nos Grundrisse, Marx alude que a tendência de criar um mercado mundial é inerente ao próprio conceito de capital.

    Este argumento ratifica o descompasso existente no estudo da área. Antes mesmo do marco temporal adotado, do pós-Primeira Guerra Mundial para o primeiro debate entre realismo e liberalismo, os estudos marxistas já manifestam sua preocupação e sua ênfase à temática internacional. As teorias clássicas do imperialismo, por exemplo, carregam um substrato teórico robusto e consistente. Isto se comprova por sua relevância para o pensamento e as lutas revolucionárias daquele período. A identificação das transformações no modo de produção capitalista, ocorridas a partir do último quartel do século XIX, confere aos teóricos do imperialismo, em que pesem as divergências significativas entre si, uma perspectiva que permite avaliar os fenômenos históricos para além da aparência, atingindo a essência do objeto de análise.

    A expansão exponencial do modo de produção capitalista pelo mundo e a reorganização política pós-1945 permitiram o avanço nas reflexões teóricas e nas lutas revolucionárias, como atestam o surgimento de correntes de pensamento que rachavam o monolitismo do bloco anglo-saxão, como as teorias da dependência, e os movimentos de descolonização e de autodeterminação, sobretudo, na África e na Ásia. A emergência da periferia enquanto centro de resistência e de transformação marca as discussões sobre desenvolvimento e subdesenvolvimento, divisão internacional do trabalho, as leituras da formação histórica do sistema capitalista, até os atuais debates sobre globalização, empresas multinacionais, a natureza e papel do Estado no capitalismo, hegemonia, contra-hegemonia e o império americano, compondo o vasto horizonte marxista de pensamento sobre a esfera internacional, cedendo elementos para a construção desta área de conhecimento.

    No Brasil, particularmente desde os anos 1970, há a participação ativa e direta de pesquisadores latino-americanos, com figuras de destaque na corrente marxista da Teoria da Dependência ou na Teoria do Sistema-Mundo. Contudo, essa influência não se materializou em uma assimilação mais sistemática e profunda na academia brasileira destas proposições. A relativa ausência da perspectiva marxista como paradigma legítimo de reflexão nas Relações Internacionais no Brasil enfraquece a capacidade de elaboração de alternativas para a atuação internacional de um país dependente, como o Brasil. Esta limitação é, ao mesmo tempo, causa e efeito de uma identificação da intelectualidade de Relações Internacionais e dos operadores de política externa brasileira com o centro hegemônico estadunidense, sua teoria e prática, sendo uma barreira à construção de uma nova identidade profundamente latino-americanista, terceiro-mundista e ligada às causas populares de todo o mundo.

    A construção de um campo marxista nas Relações Internacionais no Brasil coloca-se hoje como necessidade. Com o objetivo de supri-la,  o Laboratório Interdisciplinar de Estudos em Relações Internacionais (LIERI), da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, e o Laboratório de Estudos sobre Hegemonia e Contra-hegemonia (LEHC), da Universidade Federal do Rio de Janeiro, organizam o colóquio “Relações Internacionais e Marxismo”.

    O desenvolvimento do campo marxista pode impactar sobre a área no Brasil em múltiplos aspectos. Teoricamente, permitirá o aprofundamento dos debates, impondo um desafio aos paradigmas dominantes. Por suas características intrínsecas,  o marxismo enfatiza o aspecto histórico e a possibilidade de transformação das estruturas internacionais. Por romper com a compartimentalização do conhecimento, é a única abordagem capaz de confluir a Economia Política Internacional, as Teorias de Relações Internacionais e a Geopolítica. Ademais, o marxismo transcende o campo da teoria, tendo um papel político – o qual é indissociável do científico – e mesmo social:  a inclusão de perspectivas que emergem dos setores explorados e oprimidos. O marxismo vai além de outras correntes críticas, que apontam, corretamente, a inexistência de neutralidade axiológica nas Relações Internacionais. Ele assume organicamente um compromisso ao teórico e político com os oprimidos do mundo.

    Este colóquio terá, como desafio, a construção de uma unidade na diversidade de concepções marxistas. Há elementos de convergência, tanto teóricos, como metodológicos e políticos. Ainda que existindo leituras distintas, há um conjunto conceitual que aproxima e estabelece pontos mínimos de contato, como a dependência, a hegemonia e o imperialismo. Neste sentido, ressalta-se a convergência do evento com o calendário internacional de comemorações dos cem anos de lançamento da obra seminal para as Relações Internacionais, O Imperialismo, etapa superior do capitalismo, de Vladimir Lênin e a menos de um ano do centenário da Revolução Russa.

    Para a construção deste campo comum do marxismo nas Relações Internacionais brasileira, o evento se propõe a ser um espaço de reflexão duplo, tanto interno ao próprio marxismo, como crítico em relação aos outros paradigmas. No que diz respeito ao colóquio, serão organizados dois espaços distintos, mas complementares, de discussão sobre os temas e conceitos próprios que são parte do patrimônio teórico marxista (imperialismo, dependência, hegemonia, entre outros), e outro onde se exercerá o processo de análise crítica em temas centrais das Relações Internacionais (teoria, política externa, integração regional, entre outros).

    Por fim, este evento se dará nos marcos não só da elaboração marxista, mas de uma perspectiva desde a periferia. Procurar-se-á contribuir para colocar em evidência o papel do antagonismo Centro-Periferia no âmbito global, nacional e local. Isso significa pensar as Relações Internacionais a partir das experiências da realidade periférica. Assim, este evento não poderia ser mais propício: ocorrerá num país da periférica América do Sul, parte do Sul Global, e terá como um dos seus organizadores uma universidade situada na periferia do Rio de Janeiro, a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, localizada em Seropédica.

    CHAMADA PARA ARTIGOS

    Um evento que pretende à construção de um campo teórico-político exige uma profundidade reflexiva, que se expressará não só nos dois dias do evento, mas na discussão e circulação prévia dos textos produzidos pelos participantes. Por isso, abrimos desde já a chamada para o envio dos resumos/abstracts e resumidos expandidos, com o prazo limite de 19 de fevereiro de 2016.

    Os trabalhos poderão variar entre diferentes temas nos eixos Tópicos das Relações Internacionais sob o prisma marxista (incluindo-se entre estes, mas não os esgotando, a Teoria das Relações Internacionais, Política Externa Brasileira, Geopolítica e Integração Regional) e Análises marxistas da ordem mundial  (abordando conceitos e perspectivas da tradição marxista, como Imperialismo, Dependência, Sistema-Mundo, Hegemonia, Bolivarianismo, entre outros).

    Os resumos/abstracts deverão contar com no máximo 200 palavras e os resumos expandidos com no máximo 1000 palavras.

    Propostas deverão ser enviadas em formato word para o e-mail: rimarxismo@gmail.com

    MEMBROS DO COMITÊ CIENTÍFICO E ORGANIZAÇÃO

    Prof. Dra. Ana Saggioro Garcia (LIERI/UFRRJ)

    Prof. Dra. Mayra Goulart da Silva (LIERI/UFRRJ)

    Prof. Dr. Muniz Ferreira (LIERI/UFRRJ)

    Prof. Dr. Luiz Felipe Osório (LIERI/UFRRJ)

    Prof. Dr. Carlos Eduardo Martins (LEHC/UFRJ)

    Prof. Me. Carlos Serrano Ferreira (LEHC/UFRJ)

    Prof. Me. Miguel Borba de Sá (IRI/PUC-Rio)

    Prof. Dr. João Márcio Mendes Pereira (Pós-graduação de História, UFRRJ)

    Coloquio Relaciones Internacionales y el marxismo

    8 y 9 de junio 2016*

    UFRRJ/UFRJ

    La corriente marxista ocupa una posición marginal en los debates tradicionales sobre Relaciones Internacionales. Cuando no está ausente, aparece diluida en otros matices de pensamiento, incluidos en el ámbito residual de teorías críticas. La enseñanza introductoria de RI pasa de largo de la explicación marxista, a veces con el argumento de la falta de tiempo de Marx para finalizar su estudio sistemático de la sociedad burguesa, especialmente con respecto a el Estado y el mercado mundial. Este punto de vista, ampliamente abrazado por la mayoría de las academias en Brasil y en el mundo, brilla no sólo la ignorancia del marco teórico bien como oculta cierto rechazo al proyecto político unido a la teoría social marxista. Ya en los Grundrisse, Marx se refirió a la tendencia a la creación de un mercado mundial como inherente al concepto mismo de capital.

    Este argumento confirma el descompás existente en el estudio de la área. Aún antes del marco temporal adoptado, el post-Primera Guerra Mundial para el primer debate entre el realismo y el liberalismo, los estudios marxistas han manifestado su preocupación y su énfasis en la temática internacional. Las teorías clásicas del imperialismo, por ejemplo, tienen una sólida y consistente base teórica. Esto queda demostrado por su relevancia para el pensamiento y las luchas revolucionarias de la época. La identificación de los cambios en el modo de producción capitalista, a partir del último cuarto del siglo XIX, da a los teóricos del imperialismo, a pesar de las diferencias significativas entre ellos, una perspectiva que permite evaluar los fenómenos históricos más allá de la apariencia, de llegar a la esencia del objeto de análisis.

    La expansión exponencial del modo capitalista de producción en todo el mundo y la reorganización política posterior a 1945 permitió el avance en las reflexiones teóricas y las luchas revolucionarias, como lo demuestra la aparición de corrientes de pensamiento que dividen el bloque monolítico anglosajón, como las teorías de la dependencia, y los movimientos de descolonización y autodeterminación, especialmente en África y Asia. El surgimiento de la periferia como centro de resistencia y transformación marca las discusiones sobre el desarrollo y el subdesarrollo, división internacional del trabajo, las lecturas de la formación histórica del sistema capitalista, hasta los debates actuales sobre la globalización, las empresas multinacionales, la naturaleza y el papel del Estado en el capitalismo, hegemonía y contrahegemonía y el imperio estadounidense, que componen el vasto horizonte del pensamiento marxista en el ámbito internacional, dando elementos para la construcción de esta área de conocimiento.

    En Brasil, en particular desde la década de 1970, hubo la participación activa y directa de los investigadores de América Latina, con figuras principales en la corriente marxista de la Teoría de la Dependencia y en la Teoría del Sistema-Mundo. Sin embargo, esta influencia no se materializa en una asimilación más sistemática y profunda de estas proposiciones en la Academia Brasileña. La relativa ausencia de la perspectiva marxista como paradigma legítimo de pensamiento en Relaciones Internacionales en Brasil socava el desarrollo de alternativas para las actividades internacionales de un país dependiente como Brasil. Esta limitación es, al mismo tiempo, causa y efecto de una identificación de la intelectualidad de Relaciones Internacionales y de los operadores de la política exterior de Brasil con el centro de la hegemonía de Estados Unidos, su teoría y práctica, siendo una barrera para la construcción de una nueva identidad profundamente latinoamericanista, tercermundista y vinculada a las causas populares de todo el mundo.

    La construcción de un campo marxista en Relaciones Internacionales en Brasil sobresale hoy como una necesidad. Para desarrollarlo, el Laboratorio Interdisciplinario de Estudios en Relaciones Internacionales (LIERI), de la Universidad Federal Rural de Río de Janeiro, y el Laboratorio de Investigación en Hegemonía y Contrahegemonía (LEHC), de la Universidad Federal de Río de Janeiro, organizan el Coloquio “Relaciones Internacionales y el marxismo”.

    El desarrollo del campo marxista puede impactar en el área en Brasil en muchos aspectos. En el campo teórico permitirá la profundización de los debates, poniendo un desafío a los paradigmas dominantes. Por sus características inherentes el marxismo enfatiza el aspecto histórico y la posibilidad de transformación de las estructuras internacionales. Al romper con la compartimentación del conocimiento, es el único método capaz de confluir la Economía Política Internacional, las Teorías de las Relaciones Internacionales y la Geopolítica. Por otra parte, el marxismo trasciende el ámbito de la teoría, tiene un rol político – que es inseparable del científico – e incluso social: la inclusión de perspectivas que surgen de los sectores explotados y oprimidos. El marxismo va más allá de otras corrientes críticas, que señalan, con razón, la falta de neutralidad axiológica en Relaciones Internacionales. El marxismo hace orgánicamente un compromiso  teórico y político con los oprimidos del mundo.

    Este coloquio tendrá el desafío de construir una unidad en la diversidad de las concepciones marxistas. Existen elementos de convergencia, tanto teóricos, como metodológicos y políticos. Aunque existan diferentes lecturas hay un conjunto de conceptos que aglutina y establece puntos mínimos de contacto, como la dependencia, la hegemonía y el imperialismo. En este sentido, se enfatiza la convergencia del evento con el calendario internacional de las celebraciones de los cien años de lanzamiento de la obra seminal para las Relaciones Internacionales, El imperialismo, fase superior del capitalismo, de Vladimir Lenin, y menos que un año del centenario de la revolución rusa.

    Para la construcción de este campo común del marxismo en las relaciones internacionales de Brasil, el evento pretende ser un espacio de doble reflexión, tanto interna para el propio marxismo, como crítica de los otros paradigmas. En el coloquio se organizarán dos espacios diferenciados, pero  complementarios de discusión, uno acerca de los temas y conceptos que forman parte de la herencia teórica marxista (el imperialismo, la dependencia, la hegemonía, etc.), y otro en el que se ejercerá un proceso de análisis crítico sobre temas centrales de Relaciones Internacionales (teoría, la política exterior, la integración regional, etc.).

    Por último, este evento se llevará a cabo en el marco no sólo del desarrollo marxista, sino de una perspectiva desde la periferia. Se tratará de contribuir a sacar a la luz el papel del antagonismo centro-periferia a nivel mundial, nacional y local. Esto significa pensar las Relaciones Internacionales desde las experiencias de la realidad periférica. Por lo tanto, este evento no podría ser más propicio: ocurrirá en un país del periférico América del Sur, parte del Sur Global, y tendrá como uno de sus organizadores una universidad situada en la periferia de Río de Janeiro, la Universidad Federal Rural de Río de Janeiro, ubicada en Seropédica.

    CONVOCATORIA DE PONENCIAS

    Un evento que tiene como objetivo construir un campo teórico y político requiere una profundidad reflexiva, que se expresa no sólo en el evento de dos días, pero la discusión previa y la circulación de los textos producidos por los participantes. Así pues abrimos desde ya la convocatoria para la presentación de resúmenes/abstracts y resúmenes extendidos, con la fecha límite del 19 de febrero.

    Los artículos pueden variar entre los diferentes temas en los ejes Tópicos de Relaciones Internacionales bajo el prisma marxista (incluyendo la teoría de las Relaciones Internacionales, la política exterior brasileña, Geopolítica e Integración Regional, etc.) y Análisis marxistas del orden mundial (abordando conceptos y perspectivas de la tradición marxista, como el imperialismo, la dependencia, el sistema-mundo, hegemonía y el bolivarianismo, entre otros).

    Resúmenes / abstracts deben contar con un máximo de 200 palabras y los resúmenes extendidos de no más de 1000 palabras.

    Las propuestas deben ser enviadas en formato Word a la dirección de mail: rimarxismo@gmail.com

    MIEMBROS DEL COMITÉ CIENTÍFICO Y ORGANIZACIÓN

    Prof. Dra. Ana Saggioro Garcia (LIERI/UFRRJ)

    Prof. Dra. Mayra Goulart da Silva (LIERI/UFRRJ)

    Prof. Dr. MunizFerreira (LIERI/UFRRJ)

    Prof. Dr. Luiz Felipe Osório (LIERI/UFRRJ)

    Prof. Dr. Carlos Eduardo Martins (LEHC/UFRJ)

    Prof. Me. Carlos Serrano Ferreira (LEHC/UFRJ)

    Prof. Me. Miguel Borba de Sá (IRI/PUC-Rio)

    Prof. Dr. João Márcio Mendes Pereira (Pós-graduação de História, UFRRJ)

    Colloquium International Relations and Marxism

    June 8th and 9th, 2016*

    UFFRJ/UFRJ

    The Marxist strand occupies a marginal position on traditional debates about International Relations (IR). When it is not absent, it appears diluted into other currents of thought, placed on the residual camp of critical theories. Nevertheless, since the beginning of IR as an academic discipline, at the post-First World War period, Marxist studies (and revolutionary struggles of the time) turned to international themes as, for instance, the classical theories of imperialism. At the post-1945 world, theoretical reflections and struggles evolved to beyond Europe, with dependency theories in Latin America, as well as decolonization and self-determination movements, above all, in Africa and Asia. The emergence of the periphery as a hub of resistance and transformation marked early discussions on development and underdevelopment, international division of labour, readings of the historical formation of the capitalist system, all the way until current debates around globalization, multinational companies, the nature and role of the State within capitalism, hegemony, counter-hegemony and the American empire. All this composes the vast Marxist horizon of thinking about the international sphere, forming the elements of this knowledge-area.

    Since the 1970’s, Latin-American and Brazilian scholarsbecame distinguished figures within the Marxist strand of dependency theory, as well as in World-Systems theory. However, this did not let to a deeper and more systematic assimilation of those theories’ propositions by the Brazilian academy. The absence of the Marxist perspective as a legitimate paradigm in IR weakens the capacity of elaboration of alternatives to the international behaviour of a dependent country, such as Brazil. This limitation is, at the same time, cause and effect of an identification of IR scholarship and foreign policy markers with the North-American hegemonic core, its theory and practice, constituting a barrier to the construction of a new and profoundly Latin-American, third-worldist identity connected with popular causes from around the world.

    The development of a Marxist camp has the potential to impact on the area of IR in Brazil in multiple ways. Because of its intrinsic characteristics, Marxism emphasizes the historical aspect and the possibility of the transformation of international structures. Due to its refusal of compartmentalization of knowledge, it is able to gather International Political Economy, International Relations theory and Geopolitics. Furthermore, Marxism transcends the fields of pure theory, assuming a political role that is inseparable from the scientific one: the inclusion of perspectives that emerge from exploited and oppressed sectors. Marxism goes beyond other critical currents, which point, correctly, to the inexistence of axiological neutrality in IR. It assumes organically a political and theoretical compromise with the oppressed of the earth.

    The building of a Marxist camp within the Brazilian IR community presents itself, today, as a necessity. With the aim of fulfilling it, the Interdisciplinary Laboratory of International Studies (LIERI, in Portuguese) from the Federal Rural University of Rio de Janeiro (UFRRJ), together with the Laboratory of Studies on Hegemony and Counter-Hegemony (LEHC), from Rio de Janeiro’s Federal University (UFRJ), decided to organise the colloquium “International Relations and Marxism”.

    This colloquium will have, as a challenge, the construction of unity amidst the diversity of Marxist conceptions. There are elements of convergence, theoretical and methodological, as well as political. Even if diverse interpretations exist, there is a conceptual apparatus that brings them closer to oneanother, establishing minimal points of contact, such as dependency, hegemony and imperialism. In this sense, it is worth noticing that the event coincides with the international calendar of commemorations of the hundred years of the publishing of a seminal work for IR, Vladimir Lenin’s Imperialism, superior stage of capitalism(1916), as well as one year before the centennial anniversary of the Russian Revolution.

    CALL FOR PAPERS

    An event that wishes to construct a political-theoretical camp demands a capacity to deepen reflections, that will be expressed not only during the two days of event, but also previously, during the circulation and discussion of the texts submitted by participants. In order to achieve that, we now open the call for the submission of abstracts and expanded abstracts, which will be finished at  _______ 2016.

    The works will be allowed to vary amongst different themes on the axes Topics of International Relations from a Marxist Prism (including among them, but not exhausting, IR theory, Brazilian Foreign Policy analysis, Geopolitics and Regional Integration) and Marxist Analyses of World Order (encompassing concepts and perspectives from the Marxist perspective, such as Imperialism, Dependency, World-System, Hegemony, Bolivarianism, among others).

    Abstracts should limit themselves to the maximum of 200 words and expanded abstracts to the maximum of 1000 words.

    Proposals must be sent in Microsoft Word format (.doc) to the following e-mail: rimarxismo@gmail.com
    MEMBERS OF THE SCIETIFIC COMMITTEE

    Prof. Dra. Ana Saggioro Garcia (LIERI/UFRRJ)

    Prof. Dra. Mayra Goulart da Silva (LIERI/UFRRJ)

    Prof. Dr. MunizFerreira (LIERI/UFRRJ)

    Prof. Dr. Luiz Felipe Osório (LIERI/UFRRJ)

    Prof. Dr. Carlos Eduardo Martins (LEHC/UFRJ)

    Prof. Me. Carlos Serrano Ferreira (LEHC/UFRJ)

    Prof. Me. Miguel Borba de Sá (IRI/PUC-Rio)

    Prof. Dr. João Márcio Mendes Pereira (Pós-graduação de História, UFRRJ)

    * A data do evento poderá ser alterada para o segundo semestre em caso de atraso no repasse de recursos da Faperj.
    * La fecha del evento se puede cambiar para la segunda mitad en el caso de transmisión tardía de los fondos por parte de la Faperj.
    *The dates of the event can be postponed to the second semester in case of delay in the disbursement of resources from FAPERJ.

  • Ocupações das escolas goianas expõem faceta terrorista das relações público-privadas

    Ocupações das escolas goianas expõem faceta terrorista das relações público-privadas

    pm_escola_goiásEntre o final de um 2015 de crise e o início de um novo ano de mais crise e precarização da vida, persiste a grande cortina de fumaça sobre os estudantes secundaristas de Goiás e sua resistência à versão local de “reorganização escolar”, celebrizada nas mais de 200 ocupações de escolas estaduais em São Paulo. Para entender o contexto goiano, conversamos com a professora Kim Xavier, que tem acompanhado de perto o dia a dia dos secundaristas goianos.

    “No primeiro ato, antes das ocupações, a polícia jogaria jatos de água para dispersar a multidão, como normalmente fazem. Mas jogaram jatos de esgoto nos manifestantes. Alguns foram parar no hospital por intoxicação”, conta Kim Xavier, logo após dar um panorama geral da situação anterior, na qual algumas escolas foram entregues para a administração da Polícia Militar, tornando-se, literalmente, escolas militares, para além das que já haviam sido entregues a Organizações Sociais (OSs), com possibilidades até de cobrança de mensalidade.

    Ela conta que no início do movimento o tempo era de “vacas gordas” no que se refere ao apoio da sociedade. Recebiam muitas doações e faziam oficinas abertas para a população. Defende que graças à repressão policial, ameaças e muita propaganda midiática contra os alunos e seus familiares, muitos apoiadores ficassem mais distantes. Como pano de fundo, o tradicional conluio entre agentes do estado e pretensos empresários de um ramo com potencial de lucro.

    “Já fizeram o processo para a região de Anápolis e entorno. De três das empresas que ganharam a licitação, uma delas é da Maria do Rosário, ex-reitora da UFG, hoje no conselho estadual de educação e aliada do governo estadual. José Izecias, ex-reitor da UEG, já foi condenado por processo de corrupção e é uma das pessoas que foram licitadas. Seu escritório ganhou licitação para educação, cultura e saúde, porque a saúde aqui também está sendo gerida por OSs, e o escritório dele é o mesmo escritório de um outro advogado que, por coincidência, é o advogado do governador do estado”.

    Já a brutal violência policial, infelizmente, se tornou a assinatura do Estado brasileiro em toda e qualquer mobilização social que promova um debate mais amplo, qualquer seja a questão, e neste caso os graves casos de agressão e abuso de poder também dizem presente. “É perfeitamente possível perceber que toda a violência é arquitetada pelo governo do estado”, denuncia a professora.

    Confira abaixo a entrevista na íntegra.

    Correio da Cidadania: Acompanhamos que o movimento secundarista goiano se levantou após o anúncio do governo estadual de que mudaria a gestão das escolas públicas, passando-as para a administração das ditas Organizações Sociais. Como estava a situação das escolas estaduais de Goiás no período anterior a este estouro? Já havia indícios do novo plano de governo?

    Kim Xavier: Já está em funcionamento algo muito parecido com as Organizações Sociais (OSs): as escolas militares. Literalmente, escolas militarizadas cuja administração é totalmente feita pela polícia militar. Esse é um modelo que já temos de terceirização. Nesse modelo não há acesso para todos, é um modelo excludente. E eles se desculpam falando de uma avaliação que o aluno faz para ingressar, mas na verdade não funciona como na teoria. Na prática, é necessário alguém para indicar o aluno.

    Além disso, o fardamento custa 500 reais. É o uniforme que os alunos usam para poder estudar: uma farda militar – e cobra-se uma mensalidade. Também nas escolas conveniadas, conseguiram aprovar nos últimos períodos que fosse paga uma mensalidade.

    Em resumo, o governo propõe ou a militarização ou as parcerias com as OSs e ONGs. A grande maioria das escolas estava abandonada. Ficamos em uma escola ocupada na região nobre de Goiânia onde a maioria dos vidros da parte de baixo da escola já estava quebrada e a parte de cima – a escola é como se fosse um sobrado, tem o térreo e mais um andar – cheia de infiltração. Como estamos em época de chuva, pudemos verificar que todas as salas alagavam. Mesmo as escolas mais novas, as chamadas “escolas do século 21”, várias na periferia, dentre as quais pudemos acompanhar a Ismael Silva de Jesus. Essa escola inundava toda vez que chovia.

    No final das contas, temos escolas novas cheias de problemas e também escolas mais antigas e tradicionais sem reforma e manutenção há um bom tempo. Muitas vezes vemos placas anunciando reformas, mas no final fazem qualquer coisa. Por exemplo: colocar novas telhas no telhado da quadra e dizer que reformaram todo o espaço. É isso que, de modo geral, acontece aqui nas escolas do estado.

    Quanto ao fechamento das escolas, a José Carlos de Almeida é uma das escolas mais antigas e tradicionais de Goiânia. Ela foi fechada há um ano e meio e até hoje tem um diretor trabalhando lá. O que um diretor está fazendo na escola que foi fechada há um e meio atrás? Há outra escola, no Jardim América, um bairro de classe média, que está sendo fechada para ser uma base da Polícia Militar. Há vários casos de escolas que estão sendo fechadas, em algumas já foi possível reverter o processo com pressão popular, como a Pedro Gomes, uma escola também antiga daqui de Goiânia.

    Correio da Cidadania: E como se deu o processo de ocupações no seu início, tendo em vista essa influência policial militar no governo estadual?

    Kim Xavier: Tanto as ocupações daqui quanto as de São Paulo se inspiram na Revolução dos Pinguins no Chile (documentário sobre a revolta chilena disponível ao final desta entrevista), que foi uma luta contra a terceirização e a reorganização escolar que aconteceu dentro do Chile.

    Temos um link com algumas pessoas do movimento secundarista de São Paulo, tivemos uma visita há um mês de três estudantes da Fernão Dias (segunda escola a ser ocupada em SP), e agora veio mais um pessoal do movimento secundarista de São Paulo. Temos essa conexão, mas tem coisas que temos de analisar sob diferentes pontos de vista.

    O movimento de São Paulo foi vitorioso, em parte, porque os estudantes já começaram a se posicionar no processo de greve do ano passado. Vários foram apoiar os professores. Várias escolas entraram em greve estudantil. Conheço diversos casos onde tinham 30 alunos ajudando uma ocupação. Muitas vezes com os apoiadores ficando do lado de fora da escola, em barracas. Aqui o processo se dá de forma diferente.

    Em Goiânia, desde o sucesso do Movimento Passe Livre em 2013, os secundaristas têm estado um pouco desligados das questões sociais. Participavam de alguns protestos discretamente, só agora estão retomando. Portanto, foi feita a organização para ocupar as escolas através dos atos de rua contra as OSs e o fechamento das escolas.

    Houve o primeiro ato, vamos falar dele adiante. No segundo ato já fizeram a ocupação da José Carlos de Almeida, a escola que estava fechada. Seria até mais fácil de ser ocupada por causa disso e assim foi. A partir desta escola, ocuparam o Liceu de Goiânia, uma escola muito antiga e tradicional, considerada a melhor escola do estado e declarada patrimônio da humanidade, enfim, há uma série de questões envolvendo-a.

    O Liceu sempre teve alunos bem politizados. Os alunos do José Carlos de Almeida também são mais politizados, e assim contribuíram muito no processo. A seguir se deu a ocupação do Robinho (Colégio Estadual Robinho Martins de Azevedo), e vai-se para um contexto de periferia, acelerando o processo de ocupações. Teve dias que contamos três ou quatro ocupações. Chegamos a ter 27 ocupações no estado.

    Correio da Cidadania: Qual a relação do movimento com a sociedade civil?

    Kim Xavier: No começo, a quantidade de doações para as escolas foi algo surpreendente. Vários pais e pessoas das comunidades sempre levavam alimentos. A gente brinca dizendo que houve a época das vacas gordas e agora estamos na época das vacas magras. Houve uma doação muito grande de alimentos. As pessoas vieram para as escolas, tinham oficinas, houve a tentativa de promover muitos espaços de ensino e cultura, e realmente funcionou muito bem antes de começar a repressão e criminalização policial.

    Muitos pais apoiam o movimento e em todas as escolas que estive vinham pais visitar. Fizeram jantares com os pais nas escolas, houve reunião com eles tentando explicar o que estava acontecendo. Mas o governo foi convencendo as pessoas ao fazer pressão nas secretarias das escolas, deixando a comunidade contra o movimento, através de propaganda na televisão e no rádio, além de lideranças regionais dos partidos de direita, como o PSDB por exemplo, que tentaram minar as ocupações o tempo todo.

    O que aconteceu no Ismael foi isso. Políticos do PSDB se juntaram a um diretor da escola próximo do partido para desmobilizar a ocupação. Conseguiram apoio do Conselho Tutelar, da Associação de Moradores, tudo para derrubar o movimento dos alunos com o argumento de que estariam atrasando o calendário escolar e atrapalhando os estudantes.

    Desta mesma forma, vários outros colégios foram sofrendo ataques. No Cecilia Meireles, de Aparecida de Goiânia, vimos a coordenadora e mais alguns professores contra o movimento dos alunos. Existe um adendo importante sobre a questão da participação dos professores no movimento daqui: há várias escolas de tempo integral nas quais os professores ganham uma gratificação para poder ficar no segundo período, ou seja, o dia inteiro. Não podem ter uma falta sequer. E até atestado têm de levar com reconhecimento de firma no cartório.

    Portanto, a situação está complicada até em relação aos direitos dos professores. Muitos professores ficam contra o movimento por estarem perdendo a gratificação. Os professores que estão apoiando o movimento o fazem à parte do sindicato dos professores de Goiás. No caso do Cecília Meireles, os professores, junto com a coordenadora e alguns alunos, tentaram por várias vezes desocupar. Chegaram a quebrar o portão da escola para poder entrar. A escola acabou desocupada, mas não dessa forma. Entraram em acordo com a comunidade e já até fizeram manifestação contra as OSs por lá.

    Na minha opinião, o maior ganho em todo o processo é conseguir o contato maior com a comunidade e fazer com que ela abrace a causa. O tempo todo na televisão tem propagandas do governo do Estado – e eles investem muito em propaganda – a mostrar as escolas como se fossem a Terra do Nunca. E ninguém acredita no que se fala na televisão, tamanha é a mentira que se veicula.

    Outro processo interessante foi o das escolas do centro. No Liceu, por exemplo, a Secretaria de Educação passa os contatos de telefone e endereço dos alunos para a Secretaria de Segurança Pública para que a ordem de reintegração de posse chegue endereçada aos secundaristas daquela escola, com multas altíssimas, como 50 mil reais ao dia. E a intimação chegou na casa de alunos. Outra coisa que a Secretaria de Educação faz é passar dados para o Conselho Tutelar; o Conselho liga para os pais e diz que se os alunos não saírem eles correm o risco de apanhar da polícia, sofrer retaliação e serem processados pelo Estado.

    Correio da Cidadania: A respeito da repressão policial, o que você pode contar? E, aproveitando o gancho, fale um pouco mais da importância desses altos gastos estatais em propaganda oficial dentro da tática da repressão.

    Kim Xavier: No primeiro ato, antes das ocupações, a polícia jogaria jatos de água para dispersar a multidão, como normalmente fazem. Mas jogaram jatos de esgoto nos manifestantes. Alguns foram parar no hospital por intoxicação. No quarto ato, que seria o segundo cadeiraço, havia vários policiais infiltrados e foi roubada uma câmera da mão dos estudantes. Essa câmara era da UFG, Universidade Federal de Goiás. Foi comprovado que o sujeito que afanou a câmera era um “p2”, a polícia chegou para defender este infiltrado apontando armas na cara dos estudantes secundaristas e isso pode ser comprovado por vídeos e fotos.

    Policiais à paisana também marcaram presença na frente das escolas tentando filmar e registrar o cotidiano. Isso sem contar as ameaças. No Dantas, que é uma escola na periferia, a polícia jogava bombas por dias seguidos e a própria comunidade via que eram viaturas da polícia que paravam e jogavam as bombas. Passei a virada de ano nessa escola e jogaram uma bomba que caiu muito perto de onde estávamos, e olha que nem perto dos muros era. Como jogaram uma bomba tão longe? E não eram bombas como as de efeito moral ou gás lacrimogêneo, mas bombas de festa junina, de pólvora, semelhantes a rojões. Muitos alunos nunca haviam passado por situações de violência como essa e ficaram assustados.

    No Ismael foram expulsos debaixo de agressão polícia. A polícia invadiu a escola por volta das seis da manhã, chutaram muitos alunos, uma menina levou uma cadeirada nas costas e os professores que foram lá buscar os alunos foram seguidos pela polícia e policiais à paisana os obrigaram a ir até a delegacia sob alegações de que se não fossem seriam presos. Eles foram e prestaram depoimento falando sobre qual era o envolvimento deles com os alunos e com a ocupação daquela escola. Ainda prestaram outros depoimentos.

    Vimos a forma que fizeram para criminalizar o movimento. No Robinho, escola periférica que citei antes, entraram pessoas mascaradas. O curioso é que logo depois do processo de violência, depois que pessoas vêm, xingam e ameaçam os alunos, começam a chegar as viaturas da polícia. Também aparece o superintendente do Seduce.

    É perfeitamente possível perceber que toda a violência é arquitetada pelo governo do estado. Inclusive, nessa semana que passou um estudante do Ismael, ao voltar para casa depois de visitar ocupações, foi perseguido por policiais na rua que tentaram prendê-lo, mas felizmente não conseguiram.

    Comigo já aconteceu. Durante uma visita a uma escola furaram o pneu do meu carro à faca e dois dias depois vi uma tentativa de abrir à força o portão da escola. Na ocasião, eu estava chegando na escola de noite e a viatura estava com o farol apagado no meio da rua. Por pouco eu não consigo entrar, já com a polícia lá dentro, e na hora que consegui chegar eles estacionaram a viatura bem na frente do portão.

    Todos os casos são tentativas de amedrontar, fazer advertência, inclusive ligações anônimas foram feitas para os alunos e muitas famílias. Já conhecemos a forma ditatorial e autoritária do governo do Estado, portanto, já esperamos essa reação da parte deles.

    Correio da Cidadania: Como você explica a invisibilidade midiática desta luta, levando em conta tudo o que tem relatado neste entrevista?

    Kim Xavier: A imprensa em geral vem blindando o governo e não é de agora, sempre foi assim. A imprensa sempre tenta proteger o governo. Como nas últimas notícias, eles tentam colocar como se fossem os pais que tentaram desocupar as escolas e nós sabemos que não é verdade. No caso do Ismael, onde eu sei porque estava lá e posso te falar claramente que quem organizou a desocupação foram os próprios partidários do PSDB, partido do governador do estado.

    Temos um jornal que chama Diário da Manhã com o qual até brincamos falando que é o Diário do Marconi (Perillo, governador do estado) e logo nas primeiras ocupações saiu uma matéria de capa onde se criminalizou vários apoiadores. Até gente que na verdade nem estava apoiando entrou no mesmo balaio. Soltaram fotos de todos os apoiadores no jornal afirmando que todos eram do “Fora Marconi”, das manifestações contra o aumento da passagem, que alguns deles foram detidos na operação 3,30, a do aumento da passagem recente e outros nas jornadas de junho de 2013.

    Tentaram o tempo todo jogar a população contra as manifestações, o que se via claramente nos telejornais. Por isso que desde o começo houve uma resistência de se dar entrevistas para qualquer meio de comunicação, porque eles sempre cortavam, como foi o caso das primeiras entrevistas que foram dadas.

    Para quê? Para blindar o governo. Infelizmente, é uma situação que perdura há muitos anos e faz com que o governador continue no comando do estado – até porque ele é pré-candidato a presidente da República.

    A quebra da manipulação da mídia está começando a romper a barreira do estado. Vieram meios de comunicação alternativos, como a Carta Capital e a TVT, de São Paulo também, que fez uma matéria televisiva passando ao vivo o depoimento do Lucas, aluno do Ismael, a respeito da violência policial.

    Correio da Cidadania: Que prospectivas pode fazer a respeito do futuro da pauta colocada pelos estudantes?

    Kim Xavier: Analiso que agora vai haver uma quebra no movimento por causa do aumento da passagem novamente. Os movimentos, muitos apoiadores dos estudantes, estão tentando se articular com relação ao aumento da tarifa, que se deu de uma hora para outra (a partir de sábado, 6 de fevereiro).

    Importante lembrar que não temos concursos para professor do estado desde 2010. O salário, hoje, é assim para os contratados: se você fizer 20 horas vai ganhar um salário de 572 reais, e se você fizer 40 horas esse salário vai subir para R$ 1030. Os trabalhadores da educação vão ficar com o salário nessa média e ainda verão contratações de professores não formados.

    E com o processo de licitação? O que está garantido em edital é que fique em cada escola 30% do quadro. O que vai ser feito dos 70% do quadro de professores que estão em cada escola hoje? Eu acredito que vai ser feito um PDV (plano de demissão voluntária), já realizado em outras épocas aqui no estado, uma forma de indenizar o funcionário por sua saída do estado. E acredito que ou no meio do ano ou até o final de 2016 já devam sair os PDVs.

    Como ficarão com 30% dos professores da rede, fixos do estado em cada escola, acredito que vão fazer uma manobra, alguma coisa para dispensar os outros professores porque é muito mais barato os professores nessa medida de contratação do que através de concurso. Para os professores do estado, tem de se garantir pelo menos o piso, e a gente já sabe que os professores vão perder o piso.

    Já fizeram o processo para a região de Anápolis e entorno. De três das empresas que ganharam a licitação, uma delas é da Maria do Rosário, ex-reitora da UFG, hoje no conselho estadual de educação e uma das aliadas do governo estadual, há muitos anos. José Izecias, ex-reitor da UEG, já foi condenado por processo de corrupção e é uma das pessoas que foram licitadas. Seu escritório ganhou licitação para educação, cultura e saúde, porque a saúde aqui também está sendo gerida por OSs, e o escritório dele é o mesmo escritório de um outro advogado que, por coincidência, é o advogado do governador do estado. A empresa funciona no mesmo escritório.

    E a outra pessoa é o dono de uma editora que também tem ligação com o governo, já ganhou várias licitações, inclusive. Eles usam a justificativa de que quando se faz um processo de licitação, demora-se de três a quatro meses para fazer uma obra dentro de uma escola, e através das OSs, não: em três dias se resolve. Vejamos: se dentro de um processo de licitação há vários problemas de corrupção, imagina sem licitação? Eu acredito que vai ser ainda pior, e a expectativa é de que, infelizmente, do jeito que anda a situação, se forem feitas as desocupações como têm ocorrido vai ser complicado.

    Estamos em um processo de reestruturação do movimento para ver o que é possível fazer de agora em diante e qual seria a forma de atuação. Infelizmente, estamos vendo que isso vai tirar direitos dos professores, vai fazer com que a educação seja completamente privatizada, mesmo que eles digam que não é privatização, “porque a OS é uma aliada do governo no processo”, só que a OS não vai aceitar que continue o mesmo diretor de determinada escola, ou o mesmo professor; ela vai querer mandar na escola. E quando uma pessoa monta uma empresa, não monta CNPJ se não tiver lucro, se não vir que terá retorno daquilo.

    Há uma entrevista da secretária de Educação de alguns meses atrás em que ela fala mal das OSs, afirma que prefere a parceria público-privada. Na opinião dela, as PPPs são garantia de lucro, nas OSs nem tanto. Como ela muda de opinião de uma hora para outra? Isso é uma situação muito difícil. E o colégio José Carlos de Almeida, que foi a primeira escola ocupada das que falei, nos planos do estado deixará de existir para dar lugar ao Conselho Estadual de Educação e do Idoso.

    É muito complicado tirar um colégio antigo, tradicional, com a fachada em art deco, para transformar num conselho. Hoje o conselho tem um andar num prédio em Goiânia em um bairro de classe média, um bairro chique onde eles já fazem as reuniões. Portanto, como se tira uma escola tradicional para transformar o prédio em mais um órgão do governo?

    Raphael Sanz é jornalista do Correio da Cidadania

    Fonte: Correio da Cidadania, quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016