Categoria: Artigos

  • “Marighella”, uma biografia

    “Marighella”, uma biografia

    “Em cada época, é preciso arrancar a tradição ao conformismo, que quer apoderar-se dela.”

    Walter Benjamin

    “Marighella, o guerrilheiro que incendiou o mundo”, de Mário Magalhães
    “Marighella, o guerrilheiro que incendiou o mundo”, de Mário Magalhães

    “Marighella, o guerrilheiro que incendiou o mundo” foi o grande vencedor do prêmio Jabuti 2013 na categoria biografia.  O livro do jornalista Mário Magalhães, numa edição primorosa da Companhia das Letras,reuniu todos os requisitos para receber o troféu.  Merecido, em primeiro lugar pelo perfil fascinante do biografado.  Não há dúvida, Marighella é um mulato baiano que seduz e um personagem épico no sentido forte do termo. Mas merecido também porque a obra resultou num artefato de alta qualidade literária, pela prosa envolvente de Mário Magalhães, que, como jornalista, já recebera os prêmios Vladimir Herzog, Dom Helder Câmara, Esso de Jornalismo e o Every Human Hass Rights Media Awards.

    Trata-se de uma reportagem objetiva e bem informada, muito bem redigida, revelando o biografado e suas circunstâncias, ancorada num vasto levantamento historiográfico.  Para escrever a biografia de Marighella, o autor entrevistou 256 pessoas e pesquisou cerca de seiscentos títulos em 32 arquivos públicos e privados, no país e no estrangeiro.  Alinhavou isso tudo em mais de setecentas páginas de tirar o fôlego, costuradas  por uma narrativa ágil, que prende o leitor da primeira à última página.

     

    Revista RUMO, de Angra dos Reis
    Revista RUMO, de Angra dos Reis

    “Marighella” é a vida de um homem que marcou a esquerda brasileira e que, por isso mesmo, se confunde com boa parte da moderna história nacional.  Depois de ler o livro, o leitor fica com a sensação de haver visitado episódios decisivos da vida política brasileira que, não obstante sua importância para a compreensão da totalidade do processo histórico, estavam relegados à penumbra. O jornalismo investigativo de Mário Magalhães lança luz sobre esses episódios e, ao iluminá-los, escova a história a contrapelo, bem ao gosto de Walter Benjamin, para quem “nunca houve um monumento da cultura que não fosse também um monumento da barbárie”.No “Marighella” de Mário Magalhães, o leitor vai cruzar com inúmeras personalidades brasileiras e internacionais que influenciaram a vida política e cultural de seu tempo.  Entre esses notáveis estão Gregório Bezerra, Luis Carlos Prestes, Jorge Amado, Graciliano Ramos, Oduvaldo Vianna, Norma Benguel, Jean Paul Sartre, Fidel Castro, CaetanoVeloso, Glauber Rocha e tantos outros.Sobre Marighella e sua organização guerrilheira, a ALN, Caetano Veloso testemunharia: “o heroísmo dos guerrilheiros como única resposta radical à perpetuação da ditadura merecia meu respeito assombrado”.

    “Marighella” é uma leitura recomendável para quem aprecia o prazer do texto.  Imprescindível a quem quer conhecer a trajetória da esquerda brasileira, é indispensável para se vislumbrar que há uma face oculta na história do Brasil.

    Sergio Granja é Mestre em Literatura Brasileira pela UERJ, professor da rede estadual de ensino e pesquisador da Fundação Lauro Campos

    [Artigo publicado na revista RUMO, de Angra dos Reis]

  • A poesia pulsante e desconfortadora de “Pedagogia do Suprimido”

    A poesia pulsante e desconfortadora de “Pedagogia do Suprimido”

    Pedagogia-do-suprimidoHá muitas razões para que uma leitura seja considerada agradável e um sem-número de motivos para que seja tida como instigante, desconcertante, desassossegadora. E aí está o maior mérito de “Pedagogia do Suprimido”, obra de Zeh Gustavo, publicada recentemente pela Editora Verve, do Rio de Janeiro.

    Em meio a um panorama desumanizante em que, nas sociedades contemporâneas, os indivíduos se deixam consumir pelo mercado e se autoaniquilam, perdendo a própria identidade, surge uma escrita singular, transgressora, tematizando o cotidiano de sujeitos que, deslumbrados pelas facilidades advindas da modernidade e de uma educação midiática emburrecedora, acabam por suprimir a si próprios. Trata-se da escrita de Zeh Gustavo, marcada por um lirismo árduo, que se vale de fragmentos da memória, para dar forma a uma poesia pulsante e engajada, no sentido íntegro da palavra.

    Com alusão direta a Paulo Freire, “Pedagogia do Suprimido” provoca questionamentos em relação à formação dos indivíduos e traça uma radiografia poética de um momento histórico infecundo, entorpecido e dopado por um consumismo desenfreado e por uma educação repleta de falhas em que estamos inseridos e contra a qual precisamos nos rebelar para que não sejamos igualmente extinguidos.

    Fruto também de uma oportuna formação fracassada, latente na própria obra, o autor surge com sua linguagem própria e um estilo único, repleto de experiências sinestésicas, fazendo um uso peculiar do léxico e da estrutura sintática, e se valendo, com destreza, de neologismos necessários para garantir a autonomia de seus pontos de vistas e a produção de sentido de seu discurso libertador e libertário.

    Em diálogo constante com a arte e ciente do seu potencial criativo, o poeta dá novo fôlego a ideais de humanidade cada vez mais esquecidos, ao entoar seus poemas com um timbre particular, dando voz a sujeitos que, por motivos vários, tiveram suas cordas vocais suturadas.

    Luciana Crespo Dutra – Carioca, radicada em São Luiz Gonzaga; colaboradora do Jornal A Notícia; professora e revisora de textos; pós-graduada pela UERJ, com Especialização em Língua Portuguesa; bacharela e licenciada em LETRAS (Português/Literaturas), formada pela UFRJ.

    Fonte: A Notícia (São Luiz Gonzaga, RS, 14/10/2013).

    * Encomendas do livro pelas livrarias Relíquia, Cultura e Saraiva ou diretamente com oautor.

  • Liberdade na nuvem: Snowden, Manning e Assange são os novos heróis da era do controle digital

    Liberdade na nuvem: Snowden, Manning e Assange são os novos heróis da era do controle digital

    Slavoj Žižek
    Slavoj Žižek

    Todos nos lembramos do rosto sorridente do presidente Obama, cheio de esperança e confiança, em sua primeira campanha: “Yes, we can!” — nós podemos nos livrar do cinismo da era Bush e trazer justiça e bem-estar para o povo americano. Agora que os EUA continuam suas operações secretas e expandem sua rede de inteligência e espionagem até mesmo na direção de seus aliados, podemos imaginar manifestantes gritando para Obama: “Como você pode usar os drones para matar? Como você pode espiar nossos aliados?” Obama murmura com um sorriso zombeteiro: “Yes, we can.

    Mas a personalização perde o sentido: a ameaça à liberdade revelada pelos whistleblowerstem raízes mais profundas, sistêmicas. Edward Snowden deve ser defendido não só por que seus atos envergonharam os serviços secretos dos EUA; ele revelou algo que não só os EUA, mas também todos os grandes (e não tão grandes) poderes – da China à Rússia, da Alemanha a Israel – estão fazendo (na medida em que são tecnologicamente capazes de fazê-lo) .

    Seus atos forneceram uma base factual para as nossas suspeitas de que estamos sendo monitorados e controlados – a lição é global, muito além do padrão americano. Nós realmente não soubemos nada através de Snowden (ou Manning) que já não presumíssemos que fosse verdade. Mas uma coisa é suspeitar de maneira geral, outra é obter dados concretos. É um pouco como saber que um parceiro sexual está traindo você – pode-se aceitar o conhecimento abstrato, mas a dor surge com os detalhes picantes, as fotos do que eles estavam fazendo etc.

    Em 1843, o jovem Karl Marx afirmou que o ancien régime da Alemanha “supõe apenas que acredita em si e pede a todo mundo para compartilhar a sua ilusão”. Em tal situação, colocar a culpa em quem está no poder torna-se uma arma. Ou, como Marx continua: “A pressão deve ainda tornar-se mais premente pelo fato de se despertar a consciência dela e a ignomínia tem ainda de tornar-se mais ignominiosa pelo fato de ser trazida à luz pública”. (Crítica da filosofia do direito de Hegel, p. 148)

    Esta, exatamente, é a nossa situação hoje: estamos diante do cinismo descarado dos representantes da ordem global existente, que só imaginam que acreditam em suas ideias de democracia, direitos humanos etc.

    Em seu texto clássico “O que é esclarecimento?”, Kant contrasta o uso “público” e “privado” da razão — “privado” é , para Kant, a ordem institucional em que vivemos (o nosso estado, nossa nação… ), enquanto o “público” é a universalidade transnacional do exercício da razão: “O uso público da razão deve ser sempre livre e só ele pode trazer entendimento entre os homens; o uso privado da razão, por outro lado, pode muitas vezes ser muito limitado, sem particularmente impedir o progresso do entendimento. Por uso público da razão eu me refiro ao que um acadêmico faz perante o público leitor.”

    Segundo Kant, o domínio do Estado é “privado” e contido por interesses particulares, enquanto indivíduos que refletem sobre questões gerais usam a razão de forma “pública”. Esta distinção kantiana é especialmente pertinente com a internet e outras novas mídias. Em nossa era da computação em nuvem, não precisamos mais de grandes computadores individuais: softwares e informações são fornecidos sob demanda e os usuários podem acessar as ferramentas ou aplicativos da web através de browsers.

    Este maravilhoso novo mundo, no entanto, é apenas um lado da história. Usuários estão acessando programas e arquivos de software que são mantidos longe de salas climatizadas com milhares de computadores.

    Para gerenciar uma nuvem é preciso um sistema de monitoramento que controla o seu funcionamento, e este sistema é, por definição, escondido dos usuários. Quanto menor e mais personalizado o item (smartphone) que eu tenho em mãos, e mais fácil de usar, mais sua configuração tem de confiar no trabalho que está sendo feito em outro lugar, num vasto circuito de máquinas que coordena a experiência do usuário. Quanto mais a nossa experiência é espontânea e transparente, mais ela é regulada pela rede invisível controlada por agências estatais e grandes empresas privadas, que seguem suas agendas secretas.

    Uma lei secreta, desconhecida dos indivíduos, legitima o despotismo arbitrário daqueles que a exercem, como indicado no título de um recente relatório sobre a China: “Mesmo o que é segredo é um segredo na China.” Intelectuais incômodos que informam sobre a opressão política, catástrofes ecológicas, a pobreza rural etc ficam anos na prisão por trair um segredo de Estado. Como muitas das leis são confidenciais, torna-se difícil para as pessoas saberem como e quando as estão violando.

    O que torna o controle de nossas vidas tão perigoso não é o fato de que perdemos nossa privacidade e que todos os nossos segredos íntimos são expostos ao Big Brother. Não existe agência estatal capaz de exercer tal controle – não porque eles não saibam o suficiente, mas porque sabem demais. A quantidade de dados é muito grande, e apesar de todos os programas para a detecção de mensagens suspeitas, os computadores são demasiado estúpidos para interpretar e avaliar corretamente, resultando erros ridículos em que pessoas inocentes são listadas como potenciais terroristas — e isso faz com que o controle estatal das comunicações seja mais perigoso. Sem saber por quê, sem fazer nada ilegal, todos nós podemos ser listados como potenciais terroristas.

    Lembre-se da resposta lendária de um editor de um jornal do grupo Hearst à dúvida do dono de por que ele não tirava longas e merecidas férias: “Tenho medo de que se eu sair haverá caos e tudo vai desmoronar – mas eu tenho ainda mais medo de descobrir que, se eu sair, as coisas vão continuar normalmente sem mim, a prova de que eu não sou realmente necessário!” Algo semelhante pode ser dito sobre o controle estatal das nossas comunicações: devemos temer que não temos segredos, que as agências estatais secretas sabem tudo, mas devemos temer ainda mais que elas não consigam se sair bem nessa empreitada.

    É por isso que os whistleblowers têm um papel crucial na manutenção da “razão pública”. Assange, Manning, Snowden são os nossos novos heróis, casos exemplares da nova ética que convém à nossa era de controle digital. Eles não são mais apenas os denunciantes das práticas ilegais de empresas privadas e autoridades públicas; eles denunciam essas próprias autoridades públicas quando elas se engajam no “uso privado da razão”.

    Precisamos de Manning e Snowden na China, na Rússia, em todos os lugares. Há estados muito mais opressivas do que os EUA – apenas imagine o que teria acontecido a alguém como Manning em um tribunal russo ou chinês (provavelmente sem direito a julgamento público). No entanto, não se deve exagerar a suavidade dos EUA: é verdade, os EUA não tratam os prisioneiros com tanta brutalidade como a China ou a Rússia – por causa de sua prioridade tecnológica, os Estados Unidos simplesmente não precisam da abordagem brutal. Nesse sentido, os EUA são ainda mais perigosos do que a China na medida em que suas medidas de controle não são percebidas, enquanto a brutalidade chinesa é exibida abertamente.

    Portanto, não é suficiente jogar um Estado contra o outro (como Snowden, que usou a Rússia contra os EUA): precisamos de uma nova rede internacional para organizar a proteção dos whistleblowers e a disseminação de sua mensagem. Whistleblowers são nossos heróis porque eles provam que, se quem está no poder faz o que faz, nós também podemos fazer.

    Publicado originalmente em 13/08 no In these times, republicado no The Guardian com algumas modificações em 03/09, traduzido por Diário do Centro do Mundo.

  • Antes de História e consciência de classe

    Antes de História e consciência de classe

    Apesar dos esforços dos comentadores em assinalar uma continuidade e uma presença da obra inicial de Georg Lukács em seu primeiro livro marxista, História e consciência de classe, um exame cuidadoso de seus primeiros livros e manuscritos desmente essa hipótese. Além da evidente discrepância formal patente em seus primeiros trabalhos, marcados por súbitas mudanças de registro cultural e filiação, esses textos inserem-se num empenho e num solo conceitual bastante distinto da adoção do marxismo consolidada em História e consciência de classe.

    Luckas

    Os comentários sobre a obra de Georg Lukács, ou mais especificamente sobre História e consciência de classe (de 1923), em geral, iniciam a apresentação e a análise desse livro com a reconstituição do itinerário intelectual do autor. Assim, não deixam de pressupor que seus escritos pré-marxistas constituem uma espécie de chave mestra para a compreensão de sua trajetória posterior ou mesmo da gênese do marxismo ocidental. Essa premissa, no entanto, é frequentemente negada no próprio decorrer da exposição, uma advertência que sinaliza as aporias inerentes a tal perspectiva. Afinal, a par de uma preocupação comum com a compreensão da produção artística, suas obras de juventude discrepam bastante entre si, configurando um percurso marcado por sucessivas rupturas e por descontinuidades formais e metodológicas.

    Seu primeiro livro, Evolução histórica do drama moderno (escrito em 1906-1907 e publicado em 1911), redigido ainda em húngaro, pode ser descrito como uma obra de sociologia literária composta sob o prisma de uma ordenação enciclopédica da cultura.1 Para compreender o trágico moderno – a forma peculiar adquirida pelo conflito entre a afirmação do indivíduo e a objetividade da vida social -, Lukács recorre a categorias como “despersonalização”, “coisificação”, “intelectualismo”, “racionalização” etc., peças proeminentes do arsenal conceitual da sociologia alemã.2

    Em 1911, Lukács publica na Alemanha A alma e as formas, coletânea de artigos redigidos entre 1908 e 1910, na qual incluiu alguns textos já editados na revista húngara Nyugat (Lukács, 1971). Abre o livro, à guisa de prefácio, uma carta a Leo Popper que pondera sobre o estatuto do ensaio, reconhecendo em sua forma autônoma – um âmbito distinto tanto da arte como da ciência e da filosofia – um potente instrumento para a apreensão da totalidade do fenômeno estético e da “vivência” que lhe é subjacente.3 Com essa defesa do ensaio, ele almeja não somente dirimir o viés reducionista dos estudos histórico-literários, mas, sobretudo, fornecer uma fundamentação teórica para a renovação da crítica cultural.

    Apesar da heterogeneidade dos autores escolhidos como ponto de partida dos ensaios – Rudolph Kassner, Søren Kierkegaard, Novalis, Theodor Storm, Stefan George, Charles-Louis Philipee, Richard Beer-Hofmann, Laurence Sterne e Paul Ernst -, patente seja pelo ângulo da tendência estética, do período histórico ou mesmo da língua e nacionalidade; cristalizam-se no decorrer do livro vários fios comuns. O mais destacado deles talvez seja a reiteração da cisão que Lukács expressa por meio da duplicidade entre a “vida” e a “vida”, matriz de uma série de dicotomias: o imediato e o autêntico, a vivência empírica e a essencial, o cotidiano e a existência plena. A mediação entre esses polos constitui a tarefa primordial da “forma artística”, que se torna assim o objeto por excelência da investigação ensaística.

    O programa proposto por Lukács (2008b, p.110), no entanto, extravasa o campo estético:

    O crítico é aquele que vislumbra a fatalidade das formas, cuja vivência mais intensa é aquele conteúdo da alma que as formas, indireta e inconscientemente, escondem em si mesmas. A forma é sua maior vivência, ela é, como realidade imediata, o que há de figurativo, de verdadeiramente vivo em seus escritos. Da força dessa vivência essa forma, originada de uma observação dos símbolos da vida, recebe uma vida própria. Ela se torna uma visão de mundo, um ponto de vista, uma tomada de posição diante da vida da qual ela se originou: uma possibilidade de transformá-la e recriá-la.

    Nessa direção, A alma e as formas procura desentranhar, em cada uma das manifestações literárias examinadas, a partir da observação da “forma artística”, potenciais “formas de vida”, nas quais transparecem determinações valorativas, escolhas éticas, indicações para a ação, experimentos utópicos que apontem à vida verdadeira.

    Em seguida, instalado em Heidelberg, Lukács concentra-se na redação de uma teoria estética sistemática.4 Nesses fragmentos, adota como ponto inicial a existência de obras de arte para, em seguida, indagar sobre suas condições de possibilidade.

    Esse modo de colocar a questão, ainda no âmbito da investigação transcendental, promove, no entanto, um deslocamento em relação ao modo como Kant examina o fenômeno estético na Crítica da faculdade de julgar. Configura também uma ruptura radical com as premissas do neokantismo, movimento que Lukács rechaça a partir do veredicto de que suas análises não superam o estatuto de uma mera “metafísica do belo”.

    Além disso, sua estética desdobra considerações de A alma e as formas acerca da especificidade, da autonomia e do caráter significativo da “forma artística”. Esse movimento direciona sua reflexão para uma espécie de “fenomenologia” das obras de arte, atenta à apreensão do aparato formal que lhes é inerente.

    Apesar da recepção entusiasmada do manuscrito por parte de Max Weber e de seus incentivos para que concluísse o trabalho, Lukács não hesita em interromper – com três capítulos rascunhados – essa tentativa de “filosofia da arte”, para se dedicar integralmente ao projeto de um livro sobre Fiódor Dostoiévski.5

    Com a irrupção da Primeira Guerra e o retorno do autor à Hungria, esse plano é abandonado. Os prolegômenos da obra esboçada, no entanto, foram agrupados e concentrados, no inverno de 1914-1915, em dois ensaios articulados publicados no ano seguinte na revista de Max Dessoir, Zeitschrift für allgemeine Kunstwissenschaft, e editados posteriormente como livro, em 1920, sob o título A teoria do romance.

    Nesse volume, Lukács procura compreender a dimensão histórica das formas estéticas por meio de uma análise comparativa da essência dos gêneros literários no mundo antigo e no mundo moderno. Os pressupostos, os procedimentos e o próprio resultado conciliam, num híbrido, a tentativa de uma filosofia da história (impactada pelos temas da sociologia da modernização) com o esboço de uma tipologia do romance.

    A grande épica, representativa do mundo grego, na reconstrução de A teoria do romance, transcreve um universo “perfeito e acabado”, no qual a imediatez da vida cotidiana ainda se apresenta como plenamente significativa. Nesse solo, os fins do indivíduo se confundem, harmonicamente, com o destino da coletividade:

    Totalidade do ser só é possível quando tudo já é homogêneo, antes de ser envolvido pelas formas; quando as formas não são uma coerção, mas somente a conscientização, a vinda à tona de tudo quanto dormitava como vaga aspiração no interior daquilo a que se devia dar forma: quando o saber é virtude e a virtude, felicidade; quando a beleza põe em evidência o sentido do mundo. (Lukács, 2000, p.31)

    O romance, “epopeia de um mundo abandonado por deus”, em contraposição, desenvolve-se em uma sociedade que se organiza como uma segunda natureza, na qual prevalece a cisão entre as aspirações do indivíduo e a objetividade das relações sociais. Sua composição, estruturalmente problemática, denota o empenho em resistir à perda da imanência do sentido, à privação da “totalidade espontânea do ser”, configurando-se como uma “busca para descobrir e construir, pela forma, a totalidade oculta da vida” (ibidem, p.60).6

    O herói, no romance, apresenta-se como uma individualidade isolada, como uma subjetividade cujos estados de ânimo exprimem sua inadequação à vida convencional. Encontra-se condenado, num mundo em que “objetivo algum é dado de modo imediato”, a perseguir incessantemente um sentido para a existência (ibidem, p.62). O caráter aporético de tal empreendimento é registrado na consciência narrativa como “ironia” – índice de “objetividade do romance” -, um recurso formal que “apreende não apenas a profunda desesperança dessa luta, mas também a desesperança tanto mais profunda de seu abandono” (ibidem, p.87).

    Lukács constrói sua tipologia do romance adotando como diretriz duas modalidades distintas de inadequação do personagem em relação à vida corrente: “a alma é mais estreita ou mais ampla que o mundo exterior que lhe é dado como palco e substrato de seus atos” (ibidem, p.99). Privilegia assim uma explicação mais concentrada no exame de conteúdos do que na decomposição dos elementos formais do gênero, embora parta da pressuposição de que o romance, ao longo de seu processo de desenvolvimento, manteve sua forma exterior “essencialmente biográfica”.

    Denomina a primeira situação de “idealismo abstrato”, destacando já na terminologia a “rigidez da psicologia” do personagem. Engloba os casos em que o estreitamento da alma do herói, sua inaptidão para qualquer espécie de vivência interior restringe sua atividade à pura ação. Suas aventuras, atomizadas no espaço geográfico, extraem sua significação do embate entre o caráter estático de seu ideal e a realidade externa.

    A outra modalidade, o “romantismo da desilusão”, congrega personagens dotados, na estrita esfera da interioridade, de uma “vida própria e dinâmica”, “repleta de conteúdo e mais ou menos perfeita em si mesmo” (ibidem, p.118). Com a rarefação da ação, resultante do pendor contemplativo do herói, predomina a análise psicológica, elevando ao ápice a importância intrínseca do indivíduo. O sentido e a própria configuração formal do romance derivam assim de uma incorporação consciente da temporalidade, sucedâneo da fabulação épica em um “mundo abandonado por deus”.

    O legado do jovem Lukács com sua diversidade de orientações assumiu, nos relatos estabilizadores e unificantes dos historiadores das ideias e dos intérpretes de sua obra, os contornos de um objeto atravessado por incoerências e contradições. Perspectiva acentuada seja pela evidente discrepância formal entre os projetos a que se dedicou – tratado de sociologia literária, ensaios de crítica cultural, fragmentos de reflexão filosófica, teoria histórico-filosófica dos gêneros literários -, seja por súbitas mudanças de registro cultural e de filiação, sinalizadas no decorrer de seu itinerário intelectual.

    Na primeira década do século XX, Lukács, ainda que sob a influência da cultura alemã, insere-se e convive primordialmente no campo intelectual húngaro. Em 1902, estreia como crítico de teatro no jornal Magyar Szalon, uma experiência que durou poucos meses, mas delineou o rumo prosseguido com sua participação, em 1904, na fundação da Sociedade Thalia, uma tentativa bem-sucedida de atualização do movimento teatral de Budapeste.7 A partir de 1906, passa a publicar regularmente nas duas principais revistas da Hungria, Huszadik Század [Século XX] e Nyugat [Ocidente].

    Em entrevistas e relatos autobiográficos, ele destacou seu entusiasmo, nessa época, com dois intelectuais contemporâneos, reconhecendo em suas obras e condutas modelos e fontes de inspiração: o poeta Endre Ady, por seu inconformismo e recusa obstinada em se reconciliar com a ordem social existente, e Ervin Szabó, expoente da ala esquerda que, inspirado no sindicalismo francês e em Georges Sorel, tentou chocalhar a passividade evolucionista do Partido Social-Democrata Húngaro (MSZP).8

    Em 1911, Lukács transfere-se para a Alemanha. Depois de uma breve passagem por Berlin, durante a qual assistiu a cursos e entrou em contato com Georg Simmel, instalou-se em Heidelberg. Lá, integrou-se prontamente ao círculo que se reunia aos domingos na residência de Max Weber, uma congregação de intelectuais consagrados e jovens estudantes, frequentada, entre outros, por Ferdinand Tönnies, Werner Sombart, Georg Simmel, Alfred Weber, George Jellinek, Ernst Tröltsch, Wilhelm Windelband, Emil Lask, Friedrich Gundolf, Karl Jaspers, Franz Rosenzweig, Robert Michels, Ernst Bloch e Ernst Toller.9

    Durante a guerra, convocado pelo serviço militar, retorna à Hungria, prestando serviços civis no exército. Em breve, é dispensado.10 Nesses anos, participa ativamente das discussões e da organização dos cursos oferecidos pela Escola Livre das Ciências do Espírito – instituição concebida e mantida por um grupo de intelectuais que cultivava a filosofia e a sociologia germânicas, alguns deles, como Lukács, retornando de temporadas de estudos na Alemanha.11

    Nos prefácios que redigiu nos anos 1960, por ocasião da primeira reedição de suas obras de juventude, Lukács reconstitui seu percurso como uma “evolução dialética” do idealismo subjetivo (Kant) ao materialismo histórico (Marx), com uma estação de passagem no idealismo objetivo (Hegel).12 Segundo ele, todas as suas obras desse período, incluindo A teoria do romance, foram concebidas conforme os métodos das Geisteswissenschaft [ciências do espírito] tendo como modelo os trabalhos de Dilthey, Simmel e Weber (Lukács, 2000, p.9). As diferenças entre elas devem ser atribuídas, sobretudo, às oscilações de suas inclinações filosóficas.

    Nessa classificação, Evolução histórica do drama moderno e A alma e as formas situam-se na primeira fase, período marcado por sua adesão estrita à “teoria neokantiana da imanência da consciência”.13 A teoria do romance, por sua vez, assinala a transição do idealismo subjetivo ao objetivo, patente não apenas no empenho em aplicar os conceitos de Hegel às questões artísticas, como também no esforço de “historicização das categorias estéticas”, embrião de uma tentativa de filosofia da história (Lukács, 2000, p.11-13).14 O diagnóstico do presente, no entanto, sintetizado, em terminologia fichtiana, no emblema “a era da perfeita pecaminosidade” traduziria antes a influência de Kierkegaard do que um retorno a Fichte (ibidem, p.15).

    Apesar de sua manifesta intenção de procurar evitar a composição de um “desenvolvimento intelectual imanente e orgânico” e de seu cuidado em indicar a presença simultânea de “oposições abruptas”, seus relatos estão regidos por um telos, como se sua trajetória intelectual fosse a consecução ordenada de um projeto, ao que consta, inexistente na origem ou mesmo no decorrer do caminho.15 Assim, nos marcos dessa construção evolutiva, cada etapa passa a ser avaliada com o padrão de medida do resultado final, destacando a cada momento o grau de afastamento ou proximidade da “correta” compreensão do marxismo.

    Outro traço característico desses textos autobiográficos, além da intensidade valorativa, consiste em sua preocupação em identificar desdobramentos de sua obra juvenil no corpo do “marxismo ocidental”. Desse modo, Lukács, que acusou Bloch de invocar contra ele A teoria do romance, no debate sobre o expressionismo nos anos 1930, não deixa também – numa inversão especular – de colocar-se na mesma posição, que considerou “grotesca”: ataca com certa dose de virulência seus primeiros livros, no propósito de assim minar a credibilidade de projetos intelectuais concorrentes.16

    Nesse movimento, não hesita em minimizar a originalidade de seus primeiros trabalhos, apresentando-os como mero epigonismo de escolas e correntes filosóficas ou então como resultantes de uma mesma, homogênea e unilateral, “base sociofilosófica”, o famigerado “anticapitalismo romântico”. Subestima ainda o teor contestatório desses escritos ao sentenciar que são o produto de “uma fusão de uma ética de esquerda e de uma epistemologia de direita”. Não espanta então que Lukács conclua o Prefácio de 1962 proclamando que a leitura de A teoria do romance por quem busca orientação terá como resultado “uma desorientação ainda maior”.

    Em linhas gerais, parece mais factível, no entanto, conceber o itinerário do jovem Lukács como consequência de um empenho em dominar os gêneros predominantes no mundo acadêmico, concomitante ao esforço em incorporar em seu repertório autores e tendências culturais – um aprendizado obrigatório para quem buscava inserção e reconhecimento no campo intelectual da Alemanha guilhermista.17

    Em outro registro, destacando a descontinuidade e o impulso repentino dessas rupturas, cabe observar que suas atitudes e interesses percorrem um trajeto que parece mimetizar o trânsito entre as “esferas” descrito na filosofia de Kierkegaard.18 Impactado pela barbárie da Primeira Guerra, Lukács “salta” do universo estético para o ético e em seguida para a ação revolucionária.19

    A recapitulação de seus trabalhos anteriores certamente contribui para explicar a maturidade intelectual de História e consciência de classe, iluminar sua proficiência no terreno da filosofia e da sociologia alemã ou mesmo para atestar a precocidade de sua crítica à civilização burguesa. Porém, de modo geral, a dissecação do percurso intelectual do jovem Lukács pouco esclarece sobre as teses de sua primeira publicação marxista, alicerçadas na mudança de sua situação da condição de crítico cultural para a de militante político e, em princípio, orientadas por uma decidida tomada de posição no interior dessa linhagem.

    A obra de Engels, a partir do Anti-Dühring, redigida em grande parte após a morte de Marx (1883), contribuiu para estabelecer como parâmetro de inserção na tradição do marxismo o esforço concomitante de divulgação, sistematização teórica e ampliação temática do materialismo histórico.20

    Em Lukács, o empenho em atualizar o marxismo – empreitada renovada a cada geração tendo em vista o caráter assumidamente histórico dessa vertente – adquiriu contornos próprios. História e consciência de classe estabelece como critério de aferição da pertinência e validade de qualquer obra que se pretenda herdeira do legado de Marx a sua capacidade em desdobrar de forma articulada três tarefas, distintas e entrelaçadas: fornecer um diagnóstico do presente histórico, se posicionar ante a já extensa linhagem do marxismo e conceber uma interpretação original dos textos canônicos dessa doutrina.

    História e consciência de classe se propõe, assim, a recuperar a capacidade autorreflexiva que o marxismo havia perdido nos anos de predomínio da Segunda Internacional. Nesse sentido, um de seus alvos principais consiste na codificação da dialética apresentada pelo último Engels, avaliada como uma das premissas dos equívocos políticos e intelectuais da geração subsequente. Não se trata apenas do fato de Engels, seguindo o panlogicismo de Hegel, estender a atuação da dialética ao reino da natureza, adotando as ciências naturais como regra e modelo. A sua principal crítica refere-se à desatenção ante o vínculo entre método e transformação do mundo, que tende a ignorar o papel da dialética como “álgebra da revolução” (cf. Musse, 2005).

    Para além dessa correção metodológica, convém observar que História e consciência de classe se insere em outro cenário, moldado por novas circunstâncias históricas – entre as quais cabe destacar a sucessão de insurreições operárias que só foram derrotadas definitivamente alguns meses depois da publicação do livro, no outono de 1923 – que permitiram a Lukács vivenciar um contexto semelhante àquele que levou o jovem Marx a expor sua teoria como “expressão pensada do processo revolucionário”.

    Notas

    1 Lukács (1981), Entwicklungsgeschichte des modernen Drama. O livro comenta a dramaturgia, entre outros, dos seguintes autores: Lessing, Schiller, Goethe, Hebbel, Ibsen, Strindberg, Gerhart Hauptmann, Anton Tchékhov, Maurice Maeterlinck, Bernard Shaw, Oscar Wilde, Gabriele d’Annunzio e Hugo von Hofmannsthal. Um dos capítulos foi publicado, em 1914, na então mais prestigiosa revista acadêmica alemã, os Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik, sob o título “Zur Soziologie des modernen Dramas”.

    2 Lukács destaca, entre suas leituras nesse período, a Filosofia do dinheiro, de Georg Simmel, e os textos de Weber sobre o protestantismo (cf. Lukács, 2008a, p.38).

    3 Lukács (2008b), “Sobre a essência e a forma do ensaio: Uma carta a Leo Popper”. Rejeitado em seguida pelo próprio autor, esse texto foi recuperado e desdobrado, quase meio século depois, em Adorno (2003), “O ensaio como forma”.

    4 O manuscrito, iniciado em Florença no inverno de 1911-1912, só veio a lume, em 1974, numa edição organizada por György Márkus e Frank Benseler, sob o título Heidelberger Philosophie der Kunst 1912-1914 (Lukács, 1974b). Para uma apresentação da “primeira” estética de Lukács, ver Tertulian (2008) e Almeida da Silva (2008).

    5 Weber avaliava que esse texto, com sua pretensão sistemática, constituía a melhor opção que Lukács dispunha para desenvolver e apresentar como tese de habilitação, exigência obrigatória para o ingresso na carreira de professor na Universidade alemã. Embora contrariado, ele acabou aceitando a sugestão de Weber. A partir desse manuscrito, redigiu a tese com a qual pleiteou a habilitação em 25 de maio de 1918 junto à Universidade de Heidelberg. Apesar dos apoios, sua postulação foi recusada. A tese também só foi publicada postumamente, sob o título Heidelberger Ästhetik 1916-1918 (Lukács, 1974a).

    6 “O romance é a epopéia de uma era para a qual a totalidade extensiva da vida não é mais dada de modo evidente, para a qual a imanência do sentido à vida tornou-se problemática, mas que ainda assim tem por intenção a totalidade” (ibidem, p.55).

    7 Na entrevista autobiográfica Pensamento vivido, Lukács (1999, p.33-4) relata que – além das tarefas de organização do grupo Thalia e da tradução para encenação de O pato selvagem, de Ibsen -, ciente das insuficiências da crítica impressionista, dedicou-se nesse período ao estudo de obras teóricas, especialmente as de Kant, Dilthey e Simmel.

    8 Apesar e talvez por conta dessa admiração, Lukács (1999, p.40-2) confessa que manteve escasso contato pessoal com eles.

    9 Para um relato pessoal desses encontros e das opiniões de Weber sobre seus contemporâneos, ver Honigsheim (1968).

    10 Décadas depois, Ernst Bloch intriga-se ainda com o fato de Lukács, um opositor declarado da guerra, ter acatado o alistamento militar (ver a entrevista concedida a Michael Löwy (1979, p.284-5) em Para uma sociologia dos intelectuais revolucionários). Em Pensamento vivido, Lukács (1999) esclarece que contava com a influência de seu pai, então diretor-presidente de um banco de crédito – e a corrupção vigente nas altas esferas da sociedade húngara – para conseguir sua liberação.

    11 Ministraram conferências lá, além de Lukács, entre outros, Karl Mannheim, Arnold Hauser, Béla Balázs, Ervin Szabó, Béla Bartók, Eugene Varga e Béla Fogarasi.

    12 Prefácio (1962) de A teoria do romance e Prefácio (1967) aos Frühschriften II (em Lukács, 2003, p.1-50). Nesses textos, Lukács desenvolve de forma pormenorizada a descrição esboçada em 1933 no artigo “Meu caminho para Marx” (Lukács, 2008a).

    13 Lukács reconhece afinidades com Windelband, Rickert, Simmel e Dilthey, mas não com os pensadores da tendência que denomina “idealismo subjetivo extremo” – os neokantianos da escola de Marburgo e Ernst Mach (ver Lukács, 2008a, p.38).

    14 Ele reconhece aí sua dívida para com a correspondência Schiller-Goethe, no que tange à questão dos gêneros literários, e de Friedrich Schlegel e Solger, no tratamento do conceito de ironia.

    15 No Prefácio de 1967, ele destaca: “Se a Fausto é permitido abrigar duas almas em seu peito, porque uma pessoa normal não pode apresentar o funcionamento simultâneo e contraditório de tendências intelectuais opostas quando muda de uma classe para outra em meio a uma crise mundial?” (Lukács, 2003, p.4).

    16 No Prefácio de 1962 para A teoria do romance, Lukács menciona explicitamente Jean-Paul Sartre, Ernst Bloch e Theodor W. Adorno.

    17 Nos relatos autobiográficos, Lukács, conforme a conjuntura, ora ilumina ora joga sombra sobre os autores que leu. Em “Meu caminho para Marx” menciona Marx, Simmel, Weber, Dilthey, Windelband, Rickert, Hegel, Feuerbach, Szabó, Rosa Luxemburg e Lenin. No Prefácio de 1962, adiciona a esse catálogo Bergson, Friedrich Schlegel, Solger, a correspondência Goethe-Schiller, Kierkegaard, Bloch, Tolstói e Dostoiévski. O roteiro de Pensamento vivido completa a lista com o acréscimo de Paul Ernst, Mehring, Lessing, o romantismo de Iena, Schopenhauer, Nietzsche e Georges Sorel.

    18 Kierkegaard (1986). Sobre a teoria das “esferas”, ver também Adorno (2010, p.193-231).

    19 Para uma descrição dos dilemas éticos de Lukács antes de aderir ao Partido Comunista ver Lukács (1979).

    20 Para uma exposição do papel de Engels na gênese da tradição marxista, ver Musse (2000).

    Referências

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    Ricardo Musse é professor do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP

  • Londres: como ficam as liberdades de expressão e imprensa?

    Londres: como ficam as liberdades de expressão e imprensa?

    The_GuardianO premiê David Cameron ordenou contatar diretores do jornal The Guardian para pressioná-los a destruir informação polêmica que ele prefere esconder.  Esta é a mais recentes notícia do Reino Unido, um dos paladinos da democracia ocidental.

    Mas a história não termina aí. Ante a negativa da publicação de obedecer, a decisão foi enviar agentes da segurança para fazer o trabalho: eliminar os arquivos secretos filtrados pelo ex-analista da inteligência estadunidense Edward Snowden.

    “Os estados membros da União Europeia (UE), incluído o Reino Unido, fazem um estardalhaço quando algo semelhante ocorre em países de outros continentes”, alertaram os integrantes do grupo Socialistas e Democratas do Parlamento Europeu.

    É um escândalo, agregaram, a maneira como as autoridades britânicas intimidaram o jornal e violaram os direitos que protegem as liberdades de informação e expressão.

    Em 20 de agosto, o editor do jornal britânico The Guardian, Alan Rusbridger, havia denunciado que agentes do Quartel Geral de Comunicações do Governo (GCHQ) destruíram os discos rígidos dos computadores que armazenavam as informações secretas providas por Snowden.

    Segundo o jornalista, o fato ocorreu quando já haviam recebido várias advertências por parte do Governo a respeito da necessidade de destruir os dados.

    Faz um tempo, “fui contatado por um alto oficial que dizia representar a posição do premiê David Cameron. Em seguida ocorreram duas reuniões nas quais ele demandou a devolução ou destruição de todo o material em que estávamos a trabalhar”, explicou.

    O jornal não obedeceu à solicitação, agregou, o que suscitou novos encontros com figuras governamentais, nas quais a demanda era a mesma: entregar toda a informação de Snowden ou destruí-la.

    CONFIRMADA DENÚNCIA: A ORDEM VEIO DE DOWNING STREET

    Um dia depois, a denúncia de Rusbridger confirmou-se e a fonte foi o próprio Governo: o premiê em pessoa tinha ordenado ao servidor público de seu gabinete Jeremy Heywood executar as ações que já conhecemos.

    Com ar de infalível lorde inglês, o porta-voz de Downing Street – assim se conhece a residência do chefe de governo pela rua onde se localiza -, Nick Clegg, explicou ao mundo as razões da intromissão governamental no trabalho da imprensa: a preservação da segurança nacional.

    Se essas informações caem em mãos equivocadas, declarou, poderiam significar uma ameaça para a segurança do Reino Unido.

    E que elementos arriscados estão nos documentos secretos filtrados por Snowden?

    Em essência, a maneira como os serviços secretos (NSA) dos Estados Unidos operam para vigiar milhões de pessoas em seu país e no mundo inteiro, espionando as comunicações de telefone e Internet, com a colaboração de seus pares de outras nações, principalmente da inteligência britânica.

    Desde meados de junho último, os jornais The New York Times e The Guardiancomeçaram a publicar as informações confidenciais filtradas pelo ex-analista da NSA, que pouco depois teve que fugir das autoridades de seu país e asilar-se na Rússia.

    As revelações causaram um reboliço mundial, pois evidenciaram um assalto à privacidade cidadã em níveis que as pessoas e alguns governos não parecem estar dispostos a tolerar.

    De fato, recentemente conheceu-se que a segurança norte-americana tem capacidade para espiar mais de 75% de todo o tráfico na Internet nesse país.

    Depois das primeiras informações sobre a questão, Washington e Londres, protagonistas da espionagem, apressaram-se a justificar o programa de vigilância com palavras mágicas: segurança nacional e luta contra o terrorismo, como se o planeta já não tivesse demasiados conflitos em nome dessa mesma desculpa (diga-se Iraque, Afeganistão e Líbia, entre outros).

    Não obstante, os acontecimentos recentes parecem indicar que o Reino Unido decidiu a pôr um entrave à onda de descobertas, sem se importar o quão longe devia chegar.

    DETENÇÃO E APREENSÃO NO CASO SNOWDEN

    David Miranda e seu parceiro Glenn Greenwald, jornalista de The Guardian. Miranda foi detido pela polícia inglesa no aeroporto de Heathrow. Foto: Marcelo Piu / AFP / Getty

    David Miranda e seu parceiro Glenn Greenwald, jornalista de The Guardian. Miranda foi detido pela polícia inglesa no aeroporto de Heathrow. Foto: Marcelo Piu / AFP / Getty

    O jornalista do The Guardian que divulgou os documentos de Snowden se chama Glenn Greenwald e seu colega, o brasileiro David Miranda, foi detido de maneira surpreendente a 18 de agosto último no aeroporto Heathrow de Londres, quando fazia escala em um trajeto de Berlim ao Rio de Janeiro.

    As autoridades mantiveram-no retido por nove horas, durante as quais o interrogaram, ameaçaram e lhe apreenderam todos os dispositivos eletrônicos que levava consigo.

    Um dia depois, Miranda denunciou a ilegalidade de sua detenção, posição que o governo do Brasil apoia e assim o expressa publicamente em pronunciamentos diplomáticos. Neste sentido, os senadores do país sul-americano exigiram explicações pela ação que qualificaram de injustificada a partir da ausência de evidências concretas contra o jovem.

    Por sua vez, a polícia defendeu seus procedimentos e assegurou que estavam baseados, uma vez mais, nas leis de luta contra o terrorismo, pois Miranda poderia levar consigo dados potencialmente úteis para os terroristas.

    Mais tarde, a ministra britânica de Interior, Theresa May, declarou conhecer de antemão que as autoridades policiais deteriam o brasileiro e assegurou apoiar totalmente esta decisão.

    Em resumo, o sucedido deixa poucas dúvidas a respeito de duas questões: primeiro, o Reino Unido tem realizado atos extremos dirigidos a impedir a continuidade das polêmicas revelações de Snowden; segundo, tudo tem ocorrido com a anuência, e inclusive, sob as ordens dos mais altos dirigentes do Governo do país.

    “As medidas tomadas pelas autoridades britânicas em torno do The Guardian estão fora de sintonia com os postulados desse país sobre os direitos humanos universais, incluída a área dos meios de comunicação, a proteção dos direitos de jornalistas e da privacidade”, observou a respeito o porta-voz da chancelaria russa, Alexander Lukashevich.

    ESTAMOS NA ERA DA INTERNET

    Para o editor Rusbridger os fatos recentes constituem um indício de um perigo à espreita: a profissão jornalística pode enfrentar no futuro grandes complicações para seu funcionamento, derivadas do grande aparelho de vigilância articulado pelo Estado.

    “Não estamos nesse ponto, mas pode não passar muito tempo antes de que seja impossível para os jornalistas ter fontes confidenciais. A informação, de fato, a vida humana em 2013, deixa já demasiada impressão digital”, assinalou.

    Mas essa moeda tem outra face: na era das novas tecnologias, ainda que alguém apague ou apreenda informação, nunca poderá confirmar com a certeza total de que não existam outras cópias.

    Ao referir-se ao assunto, o presidente dos socialistas e democratas do Europarlamento, Hannes Swoboda, considerou que a destruição dos arquivos de The Guardian foi um ato simbólico, pois se sabe que há cópias da informação em outros lugares.

    Por sua vez, Rusbridger vaticinou que os jornalistas continuarão pacientemente fazendo seu trabalho: “seguirão as revelações, ainda que já não sejam de Londres”.

    Luisa María González é jornalista da redação Europa de Prensa Latina

     

    Carter apoia Snowden: “EUA não tem uma democracia que funcione” – por CONTRAINJERENCIA
    Jimmy Carter

    Jimmy Carter

    O ex-presidente do EUA Jimmy Carter criticou a atividade da Agência de Segurança Nacional dos EUA, ressaltando que “os EUA não tem uma democracia que funcione”.
    Durante seu discurso em um evento de portas fechadas da associação Atlantik-Brücke, em Atlanta (EUA), Jimmy Carter criticou o serviço de inteligência dos Estados Unidos e disse que o fato de os cidadãos americanos tomarem conhecimento do programa de espionagem interna da Agência de Segurança Nacioal (NSA) é algo “benéfico” para eles.
    “Na atualidade, os Estados Unidos não tem uma democracia que funcione”, diz o jornal alemão Der Spiegel citando o ex-presidente dos EUA.
    Segundo o Der Spiegel, Carter também expressou um pessimismo geral para com a situação global. “Não há nenhuma razão para ser otimista”, disse Carter referindo-se a situação no Egito. Ele também lamentou a crescente dissidência política nos EUA, a influência excessiva do dinheiro nas campanhas eleitorais dos EUA e as confusas regras eleitorais americanas.
    Carter destacou o triunfo da tecnologia moderna que “ajudou as revoluções em alguns dos países da Primavera Árabe, levando-os a um progresso democrático”, mas ressaltou que, devido à atividade da NSA, plataformas como o Google e o Facebook perderam credibilidade em todo o mundo.

    Não é a primeira vez que Jimmy Carter criticou abertamente a atividade NSA. “Eu acho que a invasão de privacidade já foi longe demais”, disse Carter à CNN em outra ocasião. “E eu acho que o segredo em torno dele [o programa de espionagem] foi excessivo”.

    No ano passado, ele escreveu um artigo para o The New York Times alegando que os Estados Unidos “perderão a sua autoridade moral” se continuarem a privar sues cidadãos de seus direitos civis. “Numa altura em que as revoluções populares estão varrendo o mundo, os Estados Unidos devem fortalecer, e não enfraquecer, as regras básicas do direito e os princípios da justiça, enumerados na Declaração Universal dos Direitos Humanos”, escreveu Carter. “Mas, em vez de tornar o mundo mais seguro, a violação dos direitos humanos nos Estados Unidos encoraja nossos inimigos e aliena os nossos amigos.”
    Tradução: Gabriel Alvarez
    Fonte: Controvérsia
  • O ministro Paulo Bernardo tornou-se “um lobista” das teles

    O ministro Paulo Bernardo tornou-se “um lobista” das teles

    “Querem transformar a internet em uma grande rede de TV a cabo; prejudicar quem usa a internet livremente. Por isso temos de defender o Marco Civil”, afirma Sérgio Amadeu

    teleO sociólogo Sérgio Amadeu da Silveira tem sido um dos especialistas mais acionados para ajudar a explicar a força das redes sociais na articulação das recentes formas de manifestação política no Brasil e no mundo. Amadeu, além de expert em sua área, em que combina a ciência política e a tecnologia da informação, é antes de tudo um ativista da democracia. No governo de Marta Suplicy na prefeitura de São Paulo, trabalhou pela implementação de mais de uma centena de telecentros, até então uma das mais inovadoras políticas públicas de inclusão digital.

    Militante e estudioso dos softwares livres, presidiu o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação da Casa Civil da Presidência da República, onde desenvolveu ações de inclusão digital e de estímulo ao uso de softwares livres na máquina federal. Nos últimos anos, acompanhou de perto o crescimento da insatisfação de diversos coletivos sociais com as ações governamentais nas áreas da cultura, ambiental e das comunicações – por isso diz não ter se surpreendido com os protesto de junho.

    Representante da sociedade no Comitê Gestor da Internet (CGI), é defensor rigoroso do projeto de Marco Civil da internet que está próximo de ser votado no Congresso Nacional. Porém, depois de ser elaborado dentro do CGI e de incluir ampla participação da sociedade, o Marco Civil sofre com um lobby da grandes empresas de telecomunicações, que ameaçam, segundo ele, a liberdade, a criatividade e a privacidade dos usuários da rede.

    No último dia 16, Amadeu visitou a redação da RBA e concedeu esta entrevista. Ele critica ferozmente a atuação do ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, por ter se tornado “um lobista” das teles. E chama a atenção dos movimentos sociais: que estejam atentos para defender o Marco Civil; e que entendam o novo das redes em seu papel na mobilização e na tomada de decisões da sociedade.

    Você consegue identificar processos de indignação e de insatisfação antes da explosão de manifestações que tomaram as ruas em junho?

    Sérgio Amadeu: Conseguia. Um dos primeiros embates que a gente teve de descontentamento com uma política pública foi na cultura. A política de cultura tinha invertido a lógica: não tem de levar cultura para a periferia, a cultura está na periferia, você tem que dar condições para ela avançar. Foi a política dos ex-ministros Gilberto Gil e Juca Ferreira. Essa política foi fuzilada pelo grupo do Ecad, que se acastelou no Ministério da Cultura por dois anos. O que tem no Ministério da Cultura, inclusive hoje? Nada. Se você for ver a política ambiental, também, vão dizer “eu preciso do Brasil desenvolvimentista”. Bom, o Brasil de desenvolvimento não pode fazer como o Japão? Estudar alternativas? Depois daquela crise nuclear com o maremoto (Fukushima), eles passaram a ter um plano de em 30 anos mudar a matriz energética (hoje altamente dependente da energia nuclear). E nós temos uma série de possibilidade que não desenvolvemos. É uma política equivocada que gera uma excrescência como Belo Monte e uma política equivocada com as nações indígenas. Mais de 100 mil pessoas na rede, talvez a maioria de classe média, que trocaram seu sobrenome para Guarani Kaiowá, uma forma de dizer: “Eu estou descontente”.

    E tem também a área de comunicação.

    É. Na comunicação, a minha área, o ministro é um ministro das operadoras de telecom. Isso já é um descontentamento brutal. Ele quer quebrar a neutralidade da rede. No Brasil, as operadoras não querem controlar a rede como na Europa e nos Estados Unidos, de maneira aberta. Querem regulamentação das exceções ao princípio da neutralidade, jogando para a Anatel, que não tem nenhuma condição de controlar e fiscalizar nada. Vou te dar um exemplo: um dos grandes problemas do Brasil é a qualidade da banda larga. Você paga por 100 e recebe 20. O comitê gestor da internet, que eu integro, como representante da sociedade civil, fez toda uma ação de construir um medidor de qualidade de banda larga, que é o Simet (Sistema de Medição de Tráfego de Última Milha). E as teles não querem fiscalização. A pressão era tão grande que a Anatel disse “eu vou fiscalizar o que é vendido de banda larga”, inclusive depois de o Ministério Público proibir a antiga Telefônica de vender conexão de banda larga aqui na região central, porque não entregava. O que a Anatel fez para controlar a qualidade da banda larga? Chamou o Comitê Gestor e disse “vamos tornar a medida de vocês oficial”? Não. Entregou para o sindicato dos donos das empresas a tarefa de fiscalizar as empresas… de telecom. Em qualquer país do mundo isso é um escândalo. No Brasil o ministro bancou, dizendo “eles têm competência técnica”.

    E por que você acha que falta reação nessas situações?

    Tinha reação? Tinha. Muita reação pontual. E aí explodiu. O governo tinha muita paciência de ouvir, ia lá, tirava foto, e ficava assim, ouvindo. E não encaminhava nada. Tanto é que o governo parou uma lei que colocaria o Brasil na vanguarda da democracia da rede, que era o Marco Civil da internet. Na contramão do vigilantismo norte-americano. Só que o Paulo Bernardo entrou pondo o pé à porta. Depois, o pessoal do Ministério da Justiça aceitou a pressão da Globo e pôs a remoção de conteúdo sem ordem judicial no projeto de Marco Civil. Não foi PP, antigo DEM… Foi PT. Quer dizer… Essas forças de esquerda que estão no governo talvez não acompanharam o que aconteceu no Oriente Médio, na Espanha, na Inglaterra. E quando se bate forte em várias políticas públicas do governo, se está batendo em um governo que – no meu caso – eu votei. Enfraquece o governo, mas e aí? Você deixa esse governo ser quase a cópia de uma ação, nessa área, do que seria um PSDB?

    Aqui no Brasil tem internet funcionando há duas décadas. Por que só agora o país precisa de um Marco Civil?

    Excelente questão. É uma lei para garantir que a internet continue funcionando do jeito que funciona hoje. A internet está sob ataque. Essas grandes corporações e os aparatos conservadores querem mudar o jeito de a internet funcionar.

    Algo como o que existe na China ou no Oriente Médio?

    Sim, sim. A nossa resistência à Lei do Azeredo, que apelidamos de AI-5 digital, é exatamente isso.

    Por exemplo?

    Hoje, 52% dos brasileiros com acesso à internet baixam música. A maioria, na verdade, compartilha músicas. Dizer que essa prática é criminosa… faça o favor. Você não tem cadeia suficiente para colocar essa moçada toda. A rede permite a troca. A rede é troca. E a troca não destrói o original, e estamos falando de bens imateriais. Internet é compartilhamento. E a Lei Azeredo parou. A partir da ida do ex-presidente Lula ao Fórum Internacional de Software Livre. Ele viu uma faixa escrita “Presidente, vete o AI-5 digital” e disse: “Não vou vetar, porque não será aprovado”. E chamou o então ministro da Justiça, Tarso Genro, e determinou: “Ministro, tome uma providência em relação a isso”. E a providência adotada foi correta. Foi construir um processo de montagem de uma lei que não fosse feita em gabinete, mas pela própria internet. Na plataforma da Cultura Digital, vocês podem ter acesso a isso, houve uma primeira rodada de contribuições, uma síntese, depois uma segunda rodada e aí foi entregue ao presidente Lula. Como estava no final do segundo mandato ele disse que não ia mandar ao Congresso. Ficou para a Dilma tomar essa providência. A Dilma demorou, mas enviou, e respeitando o que foi encaminhado pela sociedade civil.

    Que é esse o projeto para o qual foi nomeado relator o deputado Alexandre Molon (PT-RJ)?

    Isso. E além de ter sido uma construção coletiva para defender os direitos dos internautas na rede, teve ainda outras sete audiências públicas feitas pelo Molon. Depois disso é que ele fez o relatório final. Só que aí entra o Ministério das Comunicações…

    Em que momento?

    Foi no segundo semestre de 2012. No momento em que ele apresentou o relatório, parou… Na hora do vamos ver. As empresas entraram forte com interesses básicos. E o argumento deles é muito claro: “estão usando cada vez mais a internet, então eu tenho de interferir para gerenciar o tráfego”. Trata-se de um negócio que, a cada x meses, o tráfego de dados aumenta, porque as pessoas melhoram suas máquinas, as aplicações são feitas para ter maior velocidade, o uso de multimídia é cada vez maior. É um negócio que você sabe que você já tem de aumentar a capacidade de transformar bits em sinais de luz, nas fibras óticas. É como se nós estivéssemos falando de energia elétrica. Quando chega 5 da tarde, todo mundo começa a usar muito mais energia. O uso urbano cresce. Se você agisse como as operadoras de telecom, a energia ia começar a falhar, ficar cada vez menos intensa até você ter uma luz fraca. E é o que as teles fazem. Embora mais gente comece a usar a rede, eles não aumentam a disponibilidade para você navegar. Daí a sua banda cai e você acaba tendo uma das internets mais precárias do mundo. A gente não critica o modelo de negócios nem impõe limites. Mas o negócio deles é TI, transferência de dados, com cada vez mais demanda. Então, querem resolver o problema quebrando a neutralidade de rede, filtrando o tráfego.

    Hoje a prioridade é para bancos e indústria, né?

    Não necessariamente. Dados bancários não consomem muita banda. É multimídia que consome, imagens, vídeo, áudio. E o que as teles querem é interferir no tráfego para manter a qualidade do serviço, já que eles não aumentam a banda disponível. E para poder interferir, não pode ter na lei do Marco Civil da internet a garantia de neutralidade. O que eles querem é criar uma diferenciação de serviços, similar à que existe no mundo da TV a cabo. Você já paga diferenciadamente por velocidade – paga por 1 mega ou por 10 mega. Mas eles querem outra coisa. Mesmo que você pague 1 mega, ou 10, querem que você pague um plano diferenciado para acessar vídeos. Um plano diferente para acessar som. Um plano diferente para participar de rede peer-to-peer. Querem fazer uma interferência e filtrar o tráfego.

    E querem também a filtrar a personalidade do usuário.

    Que é outra coisa que a proposta do Marco Civil atrapalha: eles querem copiar nossa navegação para poder fazer análise e entregar publicidade dirigida para os internautas. Aí eles dizem: “O Google já faz”. Aí eu digo: “Problema de quem usa o Google”. Eu não sou obrigado a usar o Google, mas sou obrigado a usar uma telecom para me conectar à internet. Eu posso navegar, de manhã até a noite, sem usar uma única empresa do grupo Google, mas sou incapaz de navegar sem usar uma operadora. Se a operadora puder me filtrar da minha casa até a nuvem da internet, estou perdido. Existem empresas que vendem esse software, uma delas é a Phorm, a gente até denunciou. Ela foi denunciada na Europa. A Oi contratou a Phorm sem avisar os usuários e começou a testar o software da Phorm para acompanhar a navegação de seus usuários, violando claramente a privacidade. Na época, eu estava em uma comissão em Brasília, discutindo ainda a Lei do Azeredo. E perguntei se a ação desse executivo que permitiu isso geraria pena de prisão, ou se a ação dos bancos que impõem rotinas que você nem sabe, para você poder navegar no netbanking, não é uma intrusão na sua máquina. É intrusão. Quem mais invade máquinas são bancos e as operadoras. Falei isso e disseram que não é verdade.

    E por quê?

    Porque daí iam ter de discutir isso. Então, o que precisamos é de uma lei para garantir que a internet continue uma internet livre, e isso inclui o princípio de neutralidade, e que quem controla a infraestrutura não controle o fluxo de informação. E para garantir que nós possamos criar conteúdos de tecnologia sem autorização de ninguém, seja Estado ou uma operadora de telecom. Se quebrar o princípio da neutralidade, quando a minha universidade criar um protocolo de internet 3D, vai passar um pacote que ele não sabe o que é, e daí o computador dele destrói. Ai tenho que negociar com ele o meu invento, se não, não passa na rede dele. Eles querem controlar a criatividade, a liberdade de expressão e montar modelos de negócios que nós não escolhemos.

    Existe essa briga nos EUA?

    Tem uma briga lá contra isso. E tem um movimento muito forte em relação à neutralidade chamado Save the internet, no qual participava até o Obama antes de ser presidente. Na Holanda, foi aprovada uma lei em defesa da neutralidade da internet, no Chile também. Aqui, estávamos prestes a aprovar. Mas o ministro das Comunicações, infelizmente, é um lobista das teles, claramente. Por que não investigam as relações entre os diretores das operadoras de telecomunicação e a Anatel? Deveria ser proibido alguém que foi integrante de um órgão de regulador atuar em empresa, e vice-versa. Porque é muito poder, é um setor que tem 8% do PIB.

    É difícil para as pessoas entenderem exatamente o que está em jogo. É possível impedir a violação de privacidade?

    O escândalo da NSA só é possível porque as corporações já violam a privacidade. OK, tem a concordância dos usuários, mas a NSA jamais conseguiria montar um aparato desses se não existisse Google, Facebook, Twitter, Microsoft, ou as back-doors de quem usa o Windows. Por isso que começamos a falar: querem transformar a internet em uma grande rede de TV a cabo. Eles querem prejudicar você, que usa a internet hoje, livremente. Eles querem poder copiar os seus dados sem que você saiba. Daí falamos que é por isso que tem de defender o marco civil

    Hoje não tem lei que regulamente scripts e ferramentas que os bancos vão jogando no meu computador? “Você precisa atualizar o Java poder utilizar o homebanking”…

    Não. Se ele instalar uma coisa estritamente para a sua seção e você concordar, ótimo. Mas e se ele instalar algo que acompanha toda sua navegação sem você saber? Não existe uma fiscalização, e a lei do Marco Civil vai permitir que você tenha de autorizar qualquer coisa que viole a sua privacidade. Pelo artigo 5º da Constituição, você pode, por analogia, pensar na privacidade na rede. Mas é melhor que não seja por analogia, que seja diretamente. E preciso ser bem concreto nos direitos. O Marco Civil não é criminal, é direito civil, ele declara uma série de direitos que a gente passa a ter. Entrar na sua máquina e copiar seus e-mails e vender sem que você saiba, isso tem que ser considerado crime. Mas antes precisamos garantir os direitos, que a internet continue funcionando como ela funciona, o que descontenta muitos governos e corporações, principalmente do mundo do copyright. E as teles, que não querem conviver com a criatividade intensa da rede. Se as teles conseguirem impor o controle da rede, vai ser do jeito que elas querem.

    O lobby dos direitos autorais criou uma frente de ação no ambiente da Cultura, outra na Justiça e agora entra na discussão do Marco Civil, é isso?

    Entra. Porque a ideia – debatida na construção coletiva do marco – é que você só possa remover um conteúdo com ordem judicial. Nós sabemos que, mesmo entrando na Justiça, a disputa, muitas vezes das ideias, se dá em torno da propriedade intelectual. Por exemplo, o site Falha de S. Paulo. A Folha não barrou (o site que satirizava o nome e a política editorial do jornal) na Justiça por calúnia, injúria ou difamação, mas por “uso indevido da marca”. Para dizer que ela é democrática, que “não estou te proibindo de me criticar, estou dizendo que você violou a minha marca”. E isso não é só no Brasil. No Brasil, o parágrafo 2º do artigo 15 do Marco Civil, que foi posto depois das consultas todas, faz o que a Globo quer. Autoriza a remoção de conteúdo sem ordem judicial. Não tem a mínima condição. Então, temos solicitado que o relator tire ou pelo menos deixe claro que não há remoção de conteúdos.

    No Congresso existe um mapeamento dos parlamentares com quem se pode falar?

    Não é uma luta perdida. A maioria dos parlamentares tende a cair para o lado democrático O problema é o lobby das teles, que tem um poder de financiamento de campanha muito grande, que tenta manipular o argumento, tem agências de publicidade, faz cafés das manhãs com deputados, atua diretamente. E a gente também atua, temos do nosso lado o funcionamento livre da internet, que é uma grande coisa. Então, retomando a questão principal, por que o Marco Civil? Porque estavam vindo vários ataques ao funcionamento da internet hoje. Precisamos de uma lei que assegure nosso direito de ter uma internet livre, com diversidade cultural, privacidade e neutralidade da rede. É uma lei de defesa.

    Você não acha que depois de tudo o que vem acontecendo, eles não podem ficar com uma coceira de tentar censurar a internet?

    Mas isso é no mundo inteiro. A internet é um inconveniente já. Por isso a extrema-direita está muito descontente. Queria um vigilantismo forte. Você tem governos que não gostam dessa liberdade de compartilhar na rede, de convocar manifestações, o que vimos em junho. Então, tem uma tensão por censura. E tem uma grande pressão dos jovens, da periferia e da classe média, para que ela continue livre. Por isso essa batalha não é perdida.

    E como você vê o futuro disso que, no Brasil, começou em junho?

    Acho que isso é um movimento. Estamos em uma mudança nas estruturas políticas, que se esgotaram. Tiveram seu ápice no século 19 e no século 20. Elas, sozinhas, não dão conta mais, dessa intensa ação de mudanças que muitos grupos coletivos e indivíduos querem. Então, tem uma passagem do mundo industrial para o mundo informacional. E isso sugere profundas alterações. E gera crise de intermediação, em tudo, até nas escolas. E sei disso porque sou professor. Eu não sou o bom da boca na informação. A informação eu não controlo mais. Há uma crise das instituições do mundo industrial. Partido político é uma instituição verticalizada, do modelo industrial. Não estou dizendo que ele não é importante na democracia, estou dizendo que ele está em crise, como toda as estruturas de intermediação.

    Em todas as áreas?

    Os próprios médicos vão estar em breve em manifestação contra sites que fazem diagnósticos na internet. As pessoas vão lá e “deixa eu ver o que eu tenho”. E o paciente às vezes pesquisou e adquiriu conhecimento maior que o do médico. Eu tenho um amigo que tem um problema raríssimo, que não se estuda nas boas escolas, e que está vivo hoje porque participa de uma comunidade na internet que estuda e troca informações. Há uma enorme diferença hoje. O mundo da informação é o mundo do código. A política não é política do puro poder, é a biopolítica mesmo, a política sobre a vida das pessoas. E essa política está na fronteira do código. Eu falo para a galera do MST: vocês estão brigando pela reforma agrária, mas devem brigar também contra a colonização do código genético, porque vão controlar as sementes da sua terra. A Monsanto é como a Microsoft. Vende licenças de propriedade. A Microsoft de softwares, a Monsanto, de sementes. É tirar o conhecimento das comunidades tradicionais, botar num laboratório, patentear e vender cognição apropriada privadamente. E é difícil discutir isso. Para entender a relevância disso é você ver em alguns supermercados coisas estranhas, como fralda próxima do corredor da cerveja.

    É estudo de algoritmos…

    Porque eles mineraram dados, é uma correlação que nunca íamos fazer, mas se você tem o controle das máquinas no caixa, cruza os dados e faz várias correlações, você descobre que quem comprava fralda comprava também cerveja. É o mundo dos códigos e do autoprocessamento. Nem o MST, nem os movimentos tradicionais podem se descuidar disso. O primeiro movimento social a ter uma grande articulação com os hackers foi o movimento zapatista, que se ligou a hackers e fizeram sites espelhos, DDOS, que é o serviço de ligação do governo do México ao governo americano. E foi uma articulação muito importante que destapou o cerco da mídia que os índios e os camponeses no sul do México estavam tendo. Então, veja, não é tão absurda essa questão. Os sindicatos precisam entender isso.

    O escritor José Saramago afirmava não confiar na internet, porque quando virem nela algo de revolucionário tratarão de controlá-la. “Nada há que seja verdadeiramente livre nem suficientemente democrático”, dizia.

    A internet em si não muda, mas as pessoas podem usar a internet para mudar. Já perceberam isso e querem transformar a internet em TV a cabo, reduzir a interatividade, controlar a criatividade. Por incrível que pareça, para garantir esse caráter da rede, que é transnacional, precisamos aprovar leis nacionais que façam ela funcionar do jeito que ela foi criada. Tudo muito complexo, mas muito real. A internet comporta o mercado, mas ela não é o mercado.

    Fonte: Rede Brasil Atual, 30/07/2013

  • LIBERDADE DE EXPRESSÃO: Jornalista em Sergipe é condenado à prisão por escrever crônica ficcional

    LIBERDADE DE EXPRESSÃO: Jornalista em Sergipe é condenado à prisão por escrever crônica ficcional

    artelibA Justiça em Sergipe acaba de condenar o jornalista José Cristian Góes a sete meses e 16 dias de detenção. O crime cometido por ele: ter escrito uma crônica ficcional sobre o coronelismo.

    Mesmo sendo um texto em primeira pessoa e sem citar nome de ninguém, o desembargador e vice-presidente do Tribunal de Justiça Edson Ulisses, alegou que se sentiu pessoalmente ofendido pela expressão “jagunço das leis” e pediu a prisão do jornalista por injúria.

    Apesar de todo o processo ter sido presidido pela juíza Brígida Declerc, do Juizado Especial Criminal em Aracaju, a sentença foi assinada no último dia 04 de julho pelo juiz substituto Luiz Eduardo Araújo Portela.

    “Esta é uma decisão em primeira instância. Vamos ingressar com os recursos. Em razão de ser uma sentença absurda, não acreditamos que ela prospere, mas se for o caso vamos até o STF em razão da decisão ferir gravemente à Constituição Federal, e quem sabe, podemos ir até ao CNJ e as Cortes internacionais de Direitos Humanos”, informou Antônio Rodrigo, advogado de Cristian Góes.

    Os sete meses e 16 dias de detenção foram convertidos pelo juiz Eduardo Portela a prestação de serviço em alguma entidade assistencial.

    Perguntas vedadas

    O desembargador Edson Ulisses, cunhado do governador Marcelo Déda, alegou que a crônica literária intitulada “Eu, o coronel em mim”, escrita pelo jornalista Cristian Góes em maio de 2012 em seu blog ataca diretamente o governador de Sergipe e a ele, por consequência.

    Por isso, ingressou com duas ações judiciais. Na criminal, o desembargador pedia a prisão de quatro anos do jornalista. Na ação cível, solicita que o juiz estabeleça um valor de indenização por danos morais e já estipula os honorários dos seus advogados em R$ 25 mil.

    Numa audiência o desembargador afirma: “Todo mundo sabe que ele escreveu contra o governador e contra mim. Não tem nomes e nem precisa, mas todo mundo sabe que o texto ataca Déda e a mim”.

    O advogado Antônio Rodrigo provou com farta documentação que é completamente impossível na crônica literária assinada por Cristian Góes encontrar a mínima prova da intenção de ofender a honra de ninguém. “Esse ‘alguém’ não existe no texto. Não é uma questão de interpretação. A figura do injuriado não existe”, disse o advogado.

    Durante o processo, a juíza negou que à defesa do jornalista a ouvida de duas de suas testemunhas, sendo uma chave para esclarecer todo processo: o governador Marcelo Déda. Também não foi permitida uma série de perguntas do advogado ao desembargador Edson Ulisses e as suas testemunhas.

    Segurança reforçada

    A crônica literária “Eu, o coronel em mim” é um texto em estilo de confissão de um coronel imaginário dos tempos de escravidão que se vê chocado com o momento democrático. Não há citação de nomes, locais, datas, cargos públicos.

    Em Sergipe, o irmão do governador Marcelo Déda, o desembargador Cláudio Déda é o presidente do Tribunal de Justiça e o cunhado do governador, o desembargador Edson Ulisses é o vice-presidente, sendo que este último foi escolhido e nomeado pelo governador.

    Atendendo ao pedido do desembargador Edson Ulisses, o Ministério Público, ainda na primeira audiência de conciliação denunciou criminalmente o jornalista. Por coincidência, dias depois da denúncia, a promotora de Justiça Allana Costa, que era substituta e trabalhava no interior de Sergipe, foi premiada com a promoção para a capital, em cargo de coordenadoria.

    Em uma das audiências do caso, vários representantes de movimentos sociais que lutam pela liberdade de expressão e até familiares do jornalista foram impedidos de participar da audiência. A segurança da Polícia Militar foi reforçada na sede do Tribunal de Justiça. Todos os lugares da sala de audiência foram tomados desde cedo por funcionários com cargos comissionados e terceirizados do Tribunal de Justiça.

    Fonte: Sindicato de Jornalistas do Estado de Sergipe, 09/07/2013

  • Centro de ciber-espionagem do Reino Unido é maior que o dos EUA

    Centro de ciber-espionagem do Reino Unido é maior que o dos EUA

    O Government Communications HeadQuarter é o quartel general de espionagem na rede do Reino Unido, o “Grande Irmão” inglês. Considerado mais intrometido até que o centro de dados de Utah, da NSA americana. Nenhum só bit se move na rede sem que esse monstro o classifique, o agrupe e cuspa o resultado. Um grande templo à repressão.
    O Government Communications HeadQuarter é o quartel general de espionagem na rede do Reino Unido, o “Grande Irmão” inglês. Considerado mais intrometido até que o centro de dados de Utah, da NSA americana. Nenhum só bit se move na rede sem que esse monstro o classifique, o agrupe e cuspa o resultado. Um grande templo à repressão.

    Apresentamos o GCHQ, Government Communications HeadQuarter, o quartel general de espionagem na rede do Reino Unido, o “Grande Irmão” inglês. Considerado inclusive como mais intrometido que o centro de dados de Utah, da NSA americana. Nenhum só bit se move na rede sem que esse monstro o classifique, o agrupe e cuspa o resultado. Um grande templo à repressão.

    No verão de 2011 o GCHQ havia colocado interceptadores em mais de 200 linhas de fibra ótica. A informação é levada por 200 condutos de fibra ótica e cada um transmite em média 10 gigabits por segundo, o que disponibiliza 21,6 petabytes por dia.

    Capacidade de armazenamento
    Essa instalação armazena os conteúdos por três dias e os metadados 30, para elaboração de suas análises. Nos três dias os conteúdos são, obviamente, a maior dor de cabeça em relação ao armazenamento, ocupando aproximadamente 64,8 petabytes, mas os metadatos também acumulam em uma quantidade surpreendente de espaço.

    Consideraremos que os metadatos constituem aproximadamente 4% de todo o armazenamento, em sua maioria para arquivos de escritório, imagens, etc. Como o GCHQ armazena os metadatos durante 30 dias, isso equivale a outros 25,9 petabytes de armazenamento.

    Afinal, estamos diante 90,72 petabytes de armazenamento, o que é muito. Tomando o valor de 12p [16cent] por gigabyte, significa que a fatura mensal de armazenamento do GCHQ oscila por volta das £11.415.217 libras anuais.

    Software espião, programa Tempora
    No final de 2011, o programa Tempora havia sido posto totalmente em funcionamento, e compartilhado com os norte-americanos havia três meses em modo de experiência.

    Utiliza-se a técnica de Redução de Volume Massivo (MVR). Descargas Peer-to-peer, por exemplo, são classificadas como “tráfico de alto volume e baixo valor” e são descartadas por um filtro inicial. Isso reduz 30% o volume de dados. Utilizando buscas específicas, que podem estar relacionados a palavras, endereços de correio eletrônico, pessoas selecionadas, números de telefone… O GCHQ e a NSA identificaram respectivamente cerca de 40.000 e 30.000 palavras chave.

    O GCHQ analisa todos os dados em tempo real
    O GCHQ analisa todos os dados em tempo real, o que se estima em 2.000 gigabits de dados, dos quais se deve extrair palavras chave, cruzá-los e analisá-los, demandando uma potente fonte de energia. Ainda que as informações sobre a quantidade de energia necessária para vigiar uma nação não esteja à livre disposição, há alguns projetos, como o SETI e o Large Hadron Collider do CERM, o acelerador de partículas, que lança luz sobre a grande quantidade de dados e energia que se precisa para a análise informática.

    Por exemplo, o LHC: analisa por ano 15 petabytes de dados, utilizando uma rede conectada a um ‘supercomputador’ que executa 7 teraflops -FLOPS operação de ponto flutuante por segundo, unidade de cálculo computacional-.

    Os números manejados pelo SETI são da mesma ordem. O programa SETI@home conecta 3 milhões de usuários em linha para analisar sinais de rádio em busca de alguma emissão inteligente. Uma agulha num palheiro do tamanho de um uma galáxia. Claro que o tipo de análise realizada não é muito diferente e o GCHQ poderia filtrá-los de uma forma mais eficiente, mas essa é a melhor informação que temos.

    Estima-se que até 21 petabytes por dia sejam processados através de GCHQ, por cerca de 2,5 petaflops de potência de cálculo, que são necessários para buscar, indexar e analisar todos os dados. Isso é, tem 500 vezes mais potência computacional que o colisor de partículas, com sua correspondente fatura elétrica.

    Superordenado
    O GCHQ necessita um supercomputador muito eficiente. Uma máquina similar, recentemente construída para a empresa elétrica TOTAL, Pangea, custou 50 milhões de libras e demorou quatro anos para ser construída, com 110.000 núcleos e 54.000 GB de memória.

    Fator humano
    O GCHQ dispõe de 300 analistas que trabalham a tempo integral na “pesca de arrasto” através dos dados produzidos pelas “capturas” na rede. Ainda que o sítio de recrutamento na web do GCHQ esteja ‘convenientemente’ fora do ar no momento, sabemos, graças a um artigo do Telegraph, que o salário inicial de um analista do GCHQ é de aproximadamente 25.000 libras anuais. Aceitando que os novatos provavelmente não trabalharão em questões de grande confidencialidade, e que os analistas especialistas [Glassdoor] e os analistas de inteligência recebem mais de 30 mil libras por ano.

    Também existem os custos do pessoal de escritório, advogados, recursos humanos, técnicos e técnicos em TI, para não falar da limpeza e do pessoal de segurança. Esse documento, ‘apaixonante’ (intitulado Back Office Análisis Benchmarking 2008-2009), parece sugerir uma média de 28% de gastos extras em funções burocráticas a serviço daqueles que são a ‘primeira linha’, nesse caso temos a soma de 2.520.000 £.

    Orçamento internet espionagem
    O Orçamento exato do GCHQ não é de conhecimento público, mas seus fundos provem da Conta de Inteligência Individual (SIA, fundos reservados), que durante 2012-13 se estabelece em torno dos 2,1 bilhões de £. Também existe um fundo, criado pelo governo, dedicado a subornos, de cerca de 650 milhões de £, para fazer frente a segurança cibernética. Levando isso em conta, é fácil crer que o GCHQ é capaz de gastar 84 milhões de £ em seu programa de espionagem, seu navio insígnia.

    Negócio: 850.000 contratados com credencial “top secret”

    Segundo documentos, a vigilância do GCHQ lhe proporciona o “acesso à internet superior ao dos cinco olhos”, que consistem as agências de espionagem da Austrália, Nova Zelândia, Reino Unido, Canadá e EUA, os operadores da rede ECHELOM. 850.000 contratados com credenciais “top secret” [mercenários] da NSA têm acesso aos dados.

    À margem da lei
    A NSA reconhece haver solicitado por via judicial acesso direto à informações de milhares de pessoas através de empresas de armazenamento de dados como Google, Facebook, Apple, Hotmail, Yahoo, AOL, amparando-se na Ata Patriótica de 2001 e seu monitoramento constante, graças ao programa PRISM como relatam em sua página da web. Mas o acúmulo de dados sem permissão é um delito contra a intimidade e vai contra a lei de proteção de dados.

    O programa espião Prism parece ter permitido ao GCHQ evitar o processo legal requerido para solicitação de materiais como correios eletrônicos, fotos e vídeos de empresas de Internet, de pessoas e entidades com sede fora do Reino Unido.

    A chave: Intercâmbio de informação internet intervida
    As agências de inteligência dos Estados Unidos e do Reino Unido cooperam a fim de prevenir restrições nacionais na coleta de inteligência – a NSA não está sujeita às restrições legais do Reino Unido na vigilância dos cidadãos Britânicos, e o GCHQ não está submetido as restrições dos Estados Unidos quanto a vigilância dos cidadãos estadunidenses.

    Conclusões
    O êxito da rede de espionagem se baseia na colaboração entre os países membros dos “cinco olhos”, operadores da rede ECHELOM que dispõem de serviços de espionagem similares. Cada um espiona os cidadãos dos outros, onde suas leis não têm jurisdição, e depois intercambiam os dados. Assim, pois, se pode considerar uma rede de espionagem global e não um caso isolado de um país zeloso.

    O negócio é tão apetitoso que o gasto diário de mais de 11 milhões de libras é pequeno em comparação com seus benefícios. Quase um milhão de “espiões” têm acesso aos dados apenas na agência americana, a única que esclareceu, mesmo que parcamente suas atividades graças ao escândalo Snowden que escancarou a trama. Esse número poderia quintuplicar.

    Os contratados com acesso são de todo tipo: de empresas de segurança informática, segurança militar, empresas de armamento ou simplesmente agências de publicidade, grupos de investimento ou comissões do governo. Sua nacionalidade pouco importa, já que o requisito de acesso é o passe “Top Secret”.

    Quais dados são analisados e quais informações são encontradas são dos mais variados. Mediante a classificação e agrupação dos mesmos se pode obter pautas horárias, pautas de comportamento ou tendências de consumo, o que permitiria influenciar no mercado, para então influir na publicidade. Suas aplicações são infinitas.

    O escândalo emergiu pela infâmia que configura a espionagem dos cidadãos ingleses por seu próprio governo, o protetor de sua segurança e guardião de seus interesses. Se foram capazes de espionar impunemente seu povo, onde existem leis que os protegem, que não farão com os cidadãos de outros países. Resposta fácil: vender os dados tratados a diferentes governos. O negócio da espionagem e da repressão.

    A última finalidade, reconhecida pela própria NSA em sua página web, é poder crackear os códigos de 256-bits AES empregados por seu próprio governo e que são base do sistema bancário mundial. Procuram por todas as chaves, por todos os segredos.

    Legal ou ilegalmente, cada click os interessa, é sua nova forma de dominar-nos. Por isso cada dia é mais importante proteger-nos contra esse tipo de intromissão. É parte de nossa responsabilidade.

    A rede não é segura.

    *http://tarcoteca.blogspot.com.br/

    Tradução: Liborio Júnior

    Fonte: Carta Maior, 27/07/2013

  • “Se houve um assomo de Trotsky em Cuba, foi o Che”

    “Se houve um assomo de Trotsky em Cuba, foi o Che”

    Seu romance sobre Trotsky e seu assassino causou impacto em nosso país. O escritor cubano fala no sábado na Feira.

    “Lutarei para ser a cada dia um pouco mais livre.” No domingo 17 de fevereiro, na Sala Guillén da Fortaleza de la Cabaña de La Habana, o escritor Leonardo Padura recebeu o Prêmio Nacional de Literatura 2012.
    “Lutarei para ser a cada dia um pouco mais livre.” No domingo 17 de fevereiro, na Sala Guillén da Fortaleza de la Cabaña de La Habana, o escritor Leonardo Padura recebeu o Prêmio Nacional de Literatura 2012.

    A última vez que Leonardo Padura esteve na Argentina foi em 1994. Ainda fazia barulho a queda da URSS, o “período especial” começava em Cuba e aqui nos ensinavam que um peso era igual a um dólar. O cubano apenas publicara as primeiras histórias de seu detetive Mario Conde em Havana e passeava por esta Feira como um perfeito desconhecido. “Eu era outro escritor” diz agora, nesta entrevista a Clarín. Grande parte desse salto para a fama, ele o deve a El hombre que amaba a los perros [O homem que amava os cachorros]. Publicou esse livro em 2009 e desde então não para de ganhar leitores e prêmios, em Cuba e na França, no México e na Espanha. Mas aqui ocorreu algo curioso: a difusão dessa obra se fez boca a boca. Assim, Padura – que veio ao país convidado pela revista Nueva Sociedad – é hoje o autor mais vendido de Tusquets nesta Feira, superando Milan Kundera, Henning Mankell e o próprio Haruki Murakami. O cubano engoliu o japonês, o sueco e o checo também.

    Em seu livro mais celebrado, Padura desanda os caminhos do assassinato de Trotsky. Indaga sobre este fato crucial para o Século XX, através da vítima e de seu vitimário, Ramón Mercader. Faz isso a partir de uma perspectiva cubana, a sua, a de um autor que sempre viveu em Havana. Mas é um livro universal. “Levei cinco anos escrevendo-o, com uma busca documental intensa e extensa. De Trotsky havia abundante informação, de Mercader quase nada”, recorda. Por que elegeu contar esta história? Padura diz que aí pode haver algo de nostálgico, mas também do resentimento que lhe causou encontrar os culpados. “De pronto entendi algumas das razões pelas quais se perverteu a utopia. O papel do stalinismo, a herança de sua figura, foi algo terrível”, diz e o assume na própria carne. Está falando de uma revolução traída, quando conta a morte de Trotsky.

    Para dinamizar a história, Padura inventou o escritor Iván Cárdenas Maturell, que em 1977 conhece um tal López, uma enigmática personagem que passeia pela praia dos formosos galgos russos, um homem disposto a lhe confiar os detalhes mais profundos da vida de Ramón Mercader, o verdugo de Trotsky. Trotsky tem cachorros, Mercader os tem, também Iván.

    –  Que são os cachorros, Padura?

    –  Recursos que utilizo para ir além das perspectivas históricas e encontrar elementos de permanência.

    Diz isso. E fala de outros dois romances seus, um anterior, no qual a personagem é o poeta José María Heredia, e de Herejes, seu novo trabalho, que dará à luz em setembro e que está enfocado em Rembrandt, o pintor. “Me identifiquei com Heredia quando descobri que ele gostava de um prato cubano que eu também gosto: a sopa de quimbombó . No caso de Rembrandt, me aproximou dele o fato de que padecera dores de dente, de que quase não tivesse dentadura porque gostava de comer caramelos na Holanda”. Cães, guisados, dor de dente.  Assim Padura se mete nas personagens. Assim e com muita investigação bibliográfica.

    Enquanto investigava para El hombre que amaba… [O homem que amava…], o cubano ia acumulando bronca. “Encontrei um documento que me comoveu. Um editorial de um jornal mexicano comunista dos anos 30, stalinista claro, celebrava a morte de Sandino. Dizia que morrera como um pequeno burguês e sozinho como um cão, porque a visão de Sandino violava os códigos que se queriam impor através da Terceira Internacional. Quando vi essa mesquinharia comecei a me preocupar por essas histórias perversas”.

    Essa perversão, essa cegueira a reflete Mercader na história. Uma cegueira que arrasou figuras como Andreu Nin, o trotskista espanhol que dirigiu o POUM, e os mesmíssimos filhos de Trotsky, entre tantos outros. Através de Iván, o escritor cubano que dirige a história, Padura busca explicar Mercader, ao mesmo tempo que vai se aproximando da figura de Trotsky, cuja magnitude o envolve e cativa de vez. Liev Davídovich Bronstein, Trotsky.

    Padura sustenta que um dos problemas da literatura cubana é a sua falta de universalidade. Essa é sua grande preocupação, algo que aprendeu com Alejo Carpentier, que por sua vez o aprendera com Miguel de Unamuno. Celebra que a literatura tenha hoje um espaço maior do que o da imprensa em Cuba. Mas sofre pela falta de difusão.

    –  Quando alguém no ano 2040 ler um de meus romances e ler um jornal Granma vai pensar que se trata de dois países diferentes. E creio que o meu país é mais parecido com a realidade do que o do jornal.

    E acrescenta que esse é um problema que o próprio governo cubano critica. “Conheço pouco o fenômeno dos blogs, mas nele há um embrião de um jornalismo diferente”, sugere. E diz que sua independência como escritor quiçá radique em que nunca militou na Juventude Comunista. “Eles não me quiseram ”, esclarece, e diz que se passou muito tempo até que notasse a importância desse fato. Hoje, Padura tem melhores condições de vida que a maioria de seus compatriotas. E celebra algumas das mudanças que se estão produzindo na ilha, ainda que se lhe mude a expressão quando conta que está encerrado em trâmites burocráticos para comprar um carro: “Não fazem ideia”.

    –  Há dois Padura, um autor de policiais e outro que faz um trabalho mais documental e jornalístico?

    –  Não. Minha obra tem uma preocupação fundamental, a busca das orígens. Nos policiais há uma busca, a da verdade. E em romances como El hombre… [Ohomem…] também utilizei certas estruturas do romance policial para marcar mais essa busca duma verdade que pode ser filosófica, histórica ou política.

    –  Conde, o detetive de seus policiais, e Iván, o escritor que desenrola a história de Mercader, têm pontos comuns então…

    –  Conde é a expressão de minha geração, uma figura metafórica. Iván é uma personagem simbólica à qual se lhe agregaram elementos que o superam como individuo. Tem uma vida tão cheia de frustrações e contradições que transpassa o verossímil. Eu precisava desse ajuste para que essa única personagem significasse o que pode haver sido a frustração de um pensamento, de uma vocação dos ideais de uma pessoa em Cuba.

    –  Iván, ou Padura, sente compaixão por Mercader?

    – Sente-se tentado à compaixão. E é possível que a sinta, mas não estou seguro. Esse foi um matiz que discutí muito comigo mesmo e com os amigos que sempre leem meus livros. No fundo, Mercader também foi uma vítima, mas foi um homem que obedeceu e nessa obediência chegou à perversão ética mais elementar. Não lhe serviu de nada, porque o destinaram ao ostracismo, primeiro em Moscou e logo em Cuba, vivendo sob outra identidade. Quiçá isso promova a compaixão, mas não tenho a resposta ainda.

    – Me permito uma crítica: os espiões russos, a NKVD, parecem tirados de um filme de Hollywood.

    –  O espiões são parecidos em todo o mundo. É um trabalho sujo, no qual você tem que mentir, usar os outros, essa essência é comum. Mas não nego que possa haver uma influência de John LeCarré. Seus espiões, homens infelizes e incompletos, me fascinam.

       Houve um Trotsky na revolução cubana?

    –  Não creio. A culpa da virada política de Cuba, para muitos, foi da política norteamericana. Naqueles anos, os Estados Unidos estavam acostumados a governar a América Latina duma maneira e a revolução rompeu os esquemas. Nessa época, o Che Guevara começa a fazer, a partir de seus cargos de poder, determinadas leituras e declarações que, vistas em perspectiva, resultam antissoviéticas. Se houve um assomo de Trotsky em Cuba, esse foi o argentino. Se conta que o Che teve uma relação muito próxima com o grupo de trotskistas cubanos originários. No principio da revolução, o projeto socialista do governo cubano não estaba definido. Mas ali havia, sim, um grupo de revolucionários trotskista, com os quais o Che se relacionava. Houve um momento em que o Che saiu de Cuba e, quando regressou, havíam afastado de seus postos muitos desses trotskistas. E, graças ao Che, muitos recuperaram seus postos. Isto quer dizer que havia um conhecimento e uma simpatia com o pensamento trotskista.

    –  Havana, Cuba, é um ímã para o mundo. É vantajoso escrever a partir de lá?

    –  Sempre a cultura cubana foi maior do que a geografía da ilha. Escrever desde Havana dá certa vantagem. Como Buenos Aires, tem uma tradição cultural reconhecida.

    –  O que resgataria de sua experiência para o futuro da vida socialista?

    –  Há uma experiência que considero fundamental. É a de poder realizar a liberdade individual. O indivíduo que não pode exercitar sua própria liberdade não pode construir uma sociedade livre. É preciso resolver os problemas individuais para logo resolver os coletivos. Um dos problemas do socialismo é que se fez ao revés. Se você diz a um crente que ele tem que deixar de crêr, para essa pessoa, este mundo já não é o melhor.

    Fonte: Clarin, 08/05/13

    Tradução: Sergio Granja

     

    Participação extraordinária na Feira do Livro de Buenos Aires

    Buenos Aires, 14 mai. (Prensa Latina) – A Feira Internacional do Livro de Buenos Aires atraiu um 1,12 milhão de pessoas, que foram a seus pavilhões no recinto La Rural, informaram seus organizadores no encerramento deste megaevento.

    A edição 39 desta Feira, a maior de seu tipo no mundo hispânico, foi encerrada ontem à noite com chave de ouro, apresentando uma programação variada no bairro Palermo, no centro. Hoje circulam estatísticas admiráveis sobre seu desenvolvimento.

    De acordo com os organizadores, reunidos pela Fundação El Libro, participaram ao redor de 1.600 delegações de escolas, assistiram delegações de 20 países e de 18 províncias argentinas.

    Nos 45 mil metros quadrados que ocupou, foram abertos espaços dedicados aos leitores, crianças e jovens, profissionais, educadores, editores, livreiros e público curioso em geral.

    Contou com 460 expositores distribuídos em sete pavilhões e cerca de mil atividades culturais foram realizados em 10 salas.

    Além disso, 450 mil internautas visitaram o recinto da Feira, que contou adicionalmente com 90 mil amigos no Facebook e 20 mil seguidores no Twitter, divulgaram nesta terça-feira os responsáveis pelo departamento digital.

    Aproximadamente 500 autores participaram do megaevento, destacando-se entre eles o representante da Teologia da Libertação, Leonardo Boff.

    Também estiveram outros como Florencia Bonelli, Claudio María Domínguez, Nik, Arturo Pérez-Reverte, Verónica de Andrés, Florencia Andrés, John Katzenbach, Silvia Freire, Gabriel Rolón e Felipe Pigna.

    Participaram ainda María Isabel Sánchez, Javier Cerca, Marcos Aguinis, Claudia Gray, Rosa Montero, Luis Pescetti e Leonardo Padura, entre outros.

    Por iniciativa do Coletivo Imaginário, da Rede Solidária e da Fundação El Libro – e graças à colaboração do público – foram doados 29 mil livros novos e usados que serão distribuídos a seis bibliotecas, dois jardins de infância, dois colégios primários e um secundário de La Plata.

    Isso tudo apesar dessa cidade ter sido severamente prejudicada por uma tempestade sem precedentes no começo de abril que provocou inundações avassaladoras.