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  • GOLPE: OBJETO DE DESEJO DO ATUAL PRESIDENTE BRASILEIRO . Por Francisvaldo Mendes

    GOLPE: OBJETO DE DESEJO DO ATUAL PRESIDENTE BRASILEIRO . Por Francisvaldo Mendes

    GOLPE: OBJETO DE DESEJO DO ATUAL PRESIDENTE BRASILEIRO

    Por Francisvaldo Mendes . Presidente da FLCMF

    Março passou novamente, no último dia ressoa a lembrança dolorosa do Golpe Militar no Brasil. Foi no dia 31 de março de 1964 que o poder do Estado mostrou a maior face de terror, medo e culto à tirania. Um golpe de Estado, dirigido pelos militares, tomava o contorno do poder em nome dos civis. A liberdade que envolve as pessoas, foi devidamente acorrentada com uma organização de poder militar, que faz todo o tipo de totalitarismo. E, lamentavelmente, o atual presidente do Brasil, eleito pela maioria das pessoas, possui o desejo de consumo do golpe em sua gestão. Mais que isso, organiza uma ditadura diferente, impondo uma política genocida, haja visto a quantidade de mortes do período atual que superou, em muito, os tempos sombrios dos militares.

    Agora, em 2021, fazem 57 anos do golpe militar, sem que nada exista para comemorar. Muito pelo contrário, foram 21 anos de totalitarismo, torturas e mortes. Direitos humanos não existiam, mas nos tempos atuais também padecem aos interesses individualistas e escusos que orientam o governo central. No lugar de torturas corporais, desaparecimentos sem rotas, exílios sem sentidos, execuções com o máximo da violência letal, as pessoas vivem outra forma de ditadura neste ano do século XXI. Mortes, medo, impedimentos, punições, doenças, fome, proibições, perseguições com base na lei de segurança nacional, tomam as pessoas atualmente. O desejo de golpe, que existe na presidência, mistura-se a um modelo de ditadura que tira mais vidas que se poderia imaginar. As mentiras combinadas com a pior das ideologias, buscam fazer a festa totalitária do que foram os tempos sombrios do passado impondo mais terror no tempo atual. Não por menos, o atual presidente conseguiu autorização para comemoração do golpe militar.

    Passar por essa fase em que o necrocapitalismo toma a existência e a necropolítica orienta a organização do poder é um golpe duro demais para viver. Não se pode falar de civilização nesse tempo e todas as possibilidades de disputa de projetos políticos parecem perecer na disputa para assegurar a vida das pessoas. E ainda que existam rasgos incontroláveis, com morte de alguns ricos que roubaram o comum e de alguns membros da organização do poder que não respeitam a força do vírus ampliada pelas suas próprias ações irresponsáveis, a grande maioria das pessoas, nos mais de 300 mil óbitos, são das periferias e dos setores populares das cidades.

    O sentimento de submissão pesa como sempre em tempos como este. Um país colonizado que não se livra das marcas da colonização cruel, se dispõe seguir modelos de colonização nos tempos atuais por seus sujeitos dominantes. O que foi no início a Europa, principalmente Portugal, desde o século passado até os dias atuais, padece no imperialismo decrépito dos Estados Unidos da América. E para isso se exagera nas impropriedades das falácias, pois, quando o totalitarismo se faz com o apoio aberto das armas, como no passado, ou quando se faz no apoio do discurso armamentista e feroz como os tempos de hoje, arte, cultura, liberdade e criatividade são impulsos que se tornam inimigos dos donos do poder e de seus organizadores pelo Estado.

    Quaisquer ilustrações cínicas servem como apoio para se fingir mudanças e alterações da política desastrosa. O presidente faz sua festa de clubes do poder tentando abraçar ainda mais o militarismo e movimentando as mesmas peças do seu jogo de xadrez destrutivo. Vale destacar que, mesmo sendo aparentemente obvio para os “donos do poder”, que as chamadas forças militares são para defender a nação que se diz existir ou produzir a guerra contra outras nações. Por sua vez, a organização do poder em movimento no Brasil aposta em uma força armada que possa ampliar medo, controle e opressões contra seu próprio povo.

    Com as portas abertas para o vírus e com as notícias diárias de recorde de mortes, brasileiras e brasileiros, a grande maioria empobrecida pelo sistema, padecem na tristeza e na descrença. Eis um cenário que muito interessa a ignorância que sobressai para a população sobre as garantias do poder. Nega-se a ciência, nega-se o acúmulo dos conhecimentos ancestrais, nega-se as condições materiais para viver, nega-se a história e o totalitarismo é imposto em uma máscara cruel de democracia que nos falta.

    Mas o que ocorre, nada natural é. Há sujeitos que impõe as condições atuais. Assim como há sujeitos que podem acumular forças para romper com toda essa ordem “necrogenocida” imposta. De um lado se força mostrar que nem como “exército de reserva” para a venda da força de trabalho serve as pessoas que podem ser cruelmente descartadas do viver. Do outro lado, essas pessoas, uma multidão criativa e poderosa com consciência e unidade, não pode apenas sentir os impactos mais duros da vida. Precisamos, todas e todos nós, reagir e lutar.

    Para a multidão que precisa vender a força de trabalho para viver é tempo de um grito de liberdade e superação. Tempos incandescentes para fazer com que a unidade tenha propósito e se amplie na defesa da vida avançando para a radicalização da democracia. Radicalizar com condições de viver, saúde, moradia, educação, cultura e liberdade, é mais do que necessário conclamar aos sujeitos que fazem e podem fazer a diferença – mulheres e homens que vivem da venda da força do trabalho e podem abraçar o trabalho criativo em todas as dimensões, e a política é uma delas. Para isso a vida é mais que necessária, para que corpos sejam diferentes atores de uma unidade potente e que conquiste a dignidade.

    Tirar o presidente atual, mudar as pessoas que organizam o poder, ter mais de nós em todos os espaços da política e do conhecimento, são ações que sempre foram necessárias. Nos dias atuais, no entanto, tais ações são imprescindíveis para superar a atual política em curso e impedir a ampliação e continuidade das mortes. Vamos então ampliar a vida, com formação, organização e ação, construindo um programa de libertação política do povo, sem nos iludirmos com as eleições, pois somente o fazer, para além de sonhar, construirá a transformação na diversidade humana pelo viver melhor.

  • Em defesa da Vida e da Democracia, Interditar Bolsonaro e Revogar a Lei de Segurança Nacional

    Em defesa da Vida e da Democracia, Interditar Bolsonaro e Revogar a Lei de Segurança Nacional

    Em defesa da Vida e da Democracia, Interditar Bolsonaro e Revogar a Lei de Segurança Nacional.

     Hoje, completam-se 57 anos do golpe militar que interrompeu o processo de aprofundamento da democracia liderado pelo presidente João Goulart, por meio das Reformas de Base. A partir de então e por longos 21 anos, perdurou uma ditadura que usou dos mais diferentes meios para violentar as liberdades dos brasileiros e brasileiras. Para isso, cassou mandatos parlamentares e de governadores, fechou partidos políticos, sindicatos e a UNE, suspendeu as eleições para os governos estaduais, prefeituras das capitais e cidades rotuladas como “áreas de segurança nacional”, censurou a imprensa, interveio nos sindicatos, prendeu sindicalistas, torturou, assassinou, obrigou ao exílio importantes lideranças políticas e sociais. E tudo isso com o objetivo de “limpar o terreno” para a preservação dos privilégios dos grandes proprietários e o ingresso maciço do capital estrangeiro.

    Pela extinção da LSN, um entulho autoritário que persiste

    Mas o povo brasileiro não se dobrou. Travamos a luta contra a ditadura pelos mais distintos caminhos e, depois da memorável campanha das Diretas-Já, enterramos esse período escabroso. Por meio da Constituição de 1988, o país foi dotado do mais avançado estatuto legal da nossa história. Mas não conseguimos ainda revogar todo o entulho autoritário. É verdade que enterramos o AI-5 e a famigerada Lei de Segurança Nacional, que, em sua versão mais truculenta, foi editada pela Junta Militar em 1969. Inspirada na doutrina da contra-insurgência, elaborada na Escola Militar de West Point, nos Estados Unidos, pregava a existência do “inimigo interno”, a ser perseguido pelas Forças Armadas. O avanço da luta democrática extinguiu a velha LSN ainda durante a ditadura, em 1983, mas o regime ainda teve fôlego para impor uma nova LSN (no. 7.170/83), que, embora mais branda, mantinha resquícios autoritários de sua predecessora.

    Conforme Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, ajuizada no STF pelo PT, o PCdoB e o Psol, em 25 deste mês, essa Lei abriga diversos dispositivos que violam a Constituição de 1988. Muitos deles vêm sendo hoje acionados pelo presidente Bolsonaro para criminalizar manifestações desfavoráveis a ele. O uso e abuso desses dispositivos por Bolsonaro denota seu espírito autoritário, incompatível com a liberdade de expressão e opinião garantida na nossa Carta Magna. Os partidos também questionam a competência atribuída pela Lei de Segurança Nacional à Justiça Militar e às autoridades militares para processarem e julgarem cidadãos civis em razão do suposto cometimento dos crimes previstos na LSN que não possuem enquadramento na Constituição Cidadã.

    Crise humanitária e sistêmica: Bolsonaro começa a ser abandonado

    Quanto mais a crise se agrava, mais o Presidente, sentindo-se acuado, recorre a instrumentos autoritários. Trata-se de uma crise de múltiplas dimensões. A crise sanitária já se transformou numa verdadeira tragédia. A pandemia ceifou a vida de mais de 300 mil pessoas. Passamos a marca de três mil mortes por dia, com tendência ascendente, e a de 100 mil novos casos. O Brasil tornou-se campeão mundial dos dois indicadores, desbancando os EUA dessa nefasta posição. Terreno fértil para o surgimento de novas variantes do Coronavírus, o Brasil é hoje o epicentro mundial da pandemia, tornando-se uma ameaça para todos os demais países. O sistema de saúde está em colapso no Brasil inteiro. Milhares de brasileiros e brasileiras acometidos pela Covid-19 se acotovelam, sem atendimento, nas portas e nos corredores dos hospitais, que estão abarrotados: não há leitos disponíveis, as UTIs estão lotadas, sem oxigênio, sem respiradores nas quantidades necessárias.

    O recrudescimento da pandemia, agravado pela retirada dos estímulos monetárias e fiscais (o Congresso aprovou em 2020 pacotes emergenciais no valor de R$ 587,46 bilhões e, agora, depois de três meses sem qualquer auxílio emergencial, o governo anuncia que vai gastar nessa rubrica apenas R$ 44 bilhões) e pelo retorno da trajetória de elevação da taxa básica de juros, indica que a recessão tende a continuar. Ao mesmo tempo, a inflação, nascida nos preços dos alimentos (que nos últimos 12 meses subiram 15%) e dos combustíveis, já se espalha por outras áreas, como revelam as elevadas cifras do IGP (29% nos últimos 12 meses), sinalizando a volta do fantasma da estagflação. Nesse quadro, a crise social explode sob a pressão dúplice da carestia e do desemprego. Além dos 14 milhões abertamente desempregados, milhões de trabalhadores gostariam de trabalhar, mas não procuram emprego por causa da pandemia.

    Nesse contexto, começa o distanciamento das bases de apoio do governo, acelerando a crise política. A “elite econômica” da Faria Lima, que, por meio do ministro Paulo Guedes, tem apoiado o governo Bolsonaro, em documento assinado por centenas de economistas, empresários, banqueiros e figuras conhecidas do mercado financeiro anuncia seu afastamento, exigindo um “Bom Governo”. No Congresso, o Centrão, que, com apoio de Bolsonaro, foi vitorioso há pouco tempo na eleição das duas casas, ameaça, por meio de discurso do presidente da Câmara, Arthur Lira, desembarcar do governo, ao anunciar “remédios amargos e até fatais”, em 25 deste mês.

    Genocida Bolsonaro quer provocar o caos

    O morticínio e a crise sistêmica (sanitária, econômica, social e política) não são decorrência natural da pandemia. Decorrem diretamente da atitude negacionista e irresponsável, movida pelo obscurantismo de Bolsonaro e seu grupo, mas também de uma sequência articulada de decisões por eles adotadas. Bolsonaro sempre foi um apologista da ditadura, inclusive de seu aspecto mais perverso, a tortura, criticando esse período apenas por sua suposta moderação na repressão. Chegou a estabelecer em 30 mil o número de mortes que seria necessário naquela época. Já no governo, manteve essa postura, ameaçando, a cada momento, ultrapassar os limites da democracia e implantar uma ditadura no país. Alimentou a crise e o morticínio, tudo indica, com o objetivo de engendrar uma situação caótica favorável a seu intento golpista. Sabotou abertamente todo o esforço de testagem massiva, distanciamento social e uso de máscara recomendado pela OMS e praticado por todos os governos responsáveis. E nem de longe cogitou adotar a vigilância epidemiológica e o rastreamento ativo para o enfrentamento mais adequado à pandemia.

    Manteve essa mesma atitude em relação à vacina, instrumento mais poderoso, segundo a ciência, para combater a pandemia. Além de fazer uma verdadeira campanha contra seu uso, o governo, conscientemente, deixou de tomar as providências essenciais para o estabelecimento de parcerias com os laboratórios e deixou de contratar, na hora certa, as vacinas oferecidas por vários laboratórios. Agora, quando a tragédia se aprofunda, tem dificuldade de encontrar disponível a quantidade necessária de vacinas. Tudo indica que há método nesse desastre. Para agravar ainda mais a situação, não tomou qualquer atitude até este mês para manter os estímulos monetários e fiscais, com destaque para o auxílio emergencial, que permitiram manter a vida de 68,2 milhões de beneficiários em 2020, além de garantir o funcionamento da economia. E, agora, depois de três meses em que as famílias brasileiras estão passando enormes dificuldades, decidiu por um auxílio emergencial de apenas R$ 250 em média por família (quando o auxílio anterior era de R$ 600 por beneficiário e o custo de uma cesta básica na capital paulista é de R$ 639,47) para apenas 45,6 milhões, cerca de dois terços das pessoas que foram beneficiadas em 2020.

    Salvar vidas, interditar Bolsonaro e revogar LSN

    O direito à VIDA, valor supremo de todos os seres humanos, é negado a milhares de compatriotas. O Congresso, pressionado pelos partidos de oposição, mas incorporando setores do chamado Centrão, decidiu deixar de votar qualquer projeto até equacionar o programa de vacinação. Isso significa, antes de tudo, garantir vacina para toda a população e auxilio emergencial para as populações mais vulneráveis, num valor mínimo que equivalha à cesta básica, pelo tempo que durar a pandemia.

    Mas devemos também impedir que o Presidente Bolsonaro continue a alimentar esse genocídio. Consideramos que a criação da CPI da Pandemia é um instrumento poderoso para ajudar a barrar essa mortandade. Já existem 74 pedidos de impeachment na Câmara de Deputados. Existem também várias queixas crime em apreciação no Supremo Tribunal Federal e até um pedido de interdição foi formalmente apresentado recentemente. Em manifesto divulgado em 17 deste mês, as Fundações partidárias abaixo assinadas apresentaram, para apreciação do Congresso Nacional, mais um caminho alternativo: uma Proposta de Emenda Constitucional que, se aprovada, resultará na interdição de Bolsonaro..  Pesquisas de opinião pública indicam que a população, majoritariamente, avalia como ruim ou péssima a atuação de Bolsonaro para enfrentar o Coronavirus.

    Paralelamente, para evitar que Bolsonaro prossiga na perseguição a seus adversários políticos e na violação continuada da liberdade de opinião e expressão, urge revogar a Lei de Segurança Nacional. A essa conclusão, chegou em 2016 o ministro do STF Luís Roberto Barroso, quando, ao julgar um caso nela enquadrado, afirmou: “já passou a hora de nós superarmos a Lei de Segurança Nacional, que é de 1983, do tempo da Guerra Fria, que tem um conjunto de preceitos inclusive incompatíveis com a ordem democrática brasileira”.

    Basta! Temos que unir toda a Nação em defesa da Vida.  Conclamamos a todos os democratas, todos aqueles que têm compromisso com a vida: os partidos políticos, os movimentos organizados da sociedade, os governadores, prefeitos, parlamentares, cientistas, intelectuais, trabalhadores, empresários, igrejas, estudantes, enfim, a sociedade organizada, a mobilizarem-se pela aprovação da emenda constitucional que possibilita a interdição de Bolsonaro e a revogação do entulho autoritário, que é a Lei de Segurança Nacional de 1983. Em defesa da Vida e da Democracia, o Brasil interditará o genocida Bolsonaro e revogará a Lei de Segurança Nacional!

    São Paulo, 31 de março de 2021

    Fundação Lauro Campos/Marielle Franco, PSoL
    Fundação João Mangabeira, PSB
    Fundação Leonel Brizola/Alberto Pasqualini, PDT
    Fundação Maurício Grabois, PCdoB
    Fundação Perseu Abramo, PT
    Fundação Ordem Social, PROS
    Fundação Astrojildo Pereira, Cidadania
    Fundação Verde Herbert Daniel

    PT, PSOL e PCdoB ACIONAM O STF AÇÃO CONTRA A LEI DE SEGURANÇA NACIONAL.

    Na manhã dessa quinta-feira (25), o Partido dos Trabalhadores (PT), o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) ajuizaram, no Supremo Tribunal Federal, Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental contra diversos dispositivos da Lei de Segurança Nacional (Lei n. 7.170/83), que vem sendo amplamente utilizada para criminalizar manifestações desfavoráveis ao Presidente Jair Bolsonaro.

    As agremiações afirmam que a Lei de Segurança Nacional apresenta diversas violações à Constituição da República de 1988, de modo a não poder ser reconhecida em vários de seus pontos como constitucional. Alegam que o uso recente dessa lei deixa claro o seu espírito autoritário, oriundo de sua própria criação em tempos de ditadura militar, o que não se coaduna com a liberdade de expressão e opinião garantidas no atual paradigma constitucional brasileiro.

    Por fim, os partidos também questionam a competência atribuída pela Lei de Segurança Nacional à Justiça Militar e às autoridades militares para processarem e julgarem cidadãos civis em razão do possível cometimento dos crimes previstos naquela mesma lei, o que também representa um entulho autoritário do regime militar brasileiro e não possui enquadramento na Constituição Federal de 1988.

    A ação deve ser distribuída, por prevenção, ao Ministro Gilmar Mendes, que já é relator de outras duas ADPF sobre o mesmo tema, mas ainda não há uma data para julgamento.

  • A POLÍTICA SUCUMBIU AO VIRUS . Por Francisvaldo Mendes

    A POLÍTICA SUCUMBIU AO VIRUS . Por Francisvaldo Mendes

    A POLÍTICA SUCUMBIU AO VIRUS

    Por Francisvaldo Mendes, presidente da FLCMF

    A política praticada pelo governo federal, de irresponsabilidade e descaso com a saúde do povo, levou às mortes descontrolada e não pode ser ignorado. Ao contrário, precisa ser enfrentado politicamente para condenar o responsável pelo Genocídio causado, que destrói diariamente a vida das pessoas. Para piorar o Estado e seus agentes políticos de maior hierarquia atuam como se apreciassem a morte e debocham da grande maioria de pessoas exploradas e subjugadas à falta do básico para viver. Estamos com mais de 303.726 óbitos por covid, dentre os quais os maiores índices estão entre os empobrecidos e negros da periferia das cidades. Mas o vírus mata porque a política que predomina abriu as portas para a morte e inexiste no cenário um projeto político com força acumulada para destruir a vida.

    Trata-se de uma política que visa desorganizar a organização econômica para que os corruptos de plantão possam tirar proveito da coisa pública com falta de investimento, principalmente em saúde. O momento no qual vivemos demanda um projeto para um Estado de Exceção vetorizado para a vida com papel decisivo do Estado para assegurar que as pessoas não morram e com o Governo coordenando uma ação contundente para que condições estruturais para moradia, saúde e alimentação, em todas as dimensões, exista. Para isso é primordial o auxilio emergêncial com vista uma renda básica permanente. Neste contexto mórbido as condições de vida das pessoas precisam ser asseguradas e os repasses financeiros precisam assegurar o viver e não ser garantido apenas o dinheiro para os banqueiros e grandes empresários, o que tem sido feito religiosamente todo mês com o discurso de pagamento da dívida.

    Neste momento não há o que se duvidar, pois, se um presidente eleito pelas pessoas atua para que as pessoas morram e não para garantir suas vidas, este presidente precisa ser retirado do seu lugar, urgentemente. E o Estado não pode vacilar nesse verdadeiro Estado de Exceção, pois, precisa estancar sua prioridade de organizar o lucro, o controle e dominação para apostar em vida, sobrevivência e seguridade. A Constituição brasileira após a ditadura militar que foi organizada pelos civis donos do poder, aprovou uma constituição que afirma que os crimes de responsabilidade do presidente em seu artigo 85 são: I – a existência da União; II – o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação; III – o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; IV – a segurança interna do País; V – a probidade na administração; VI – a lei orçamentária; VII – o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

    Salientamos que diante da nova realidade mundial de pandemia e dos atos realizados ou não realizados pelo governo federal esses crimes ficaram obsoletos devendo ser atualizados com uma emenda constitucional que responsabilize e afaste o presidente em caso de omissão em pandemias nos cuidados necessário com a população tendo como base a ciência. Assim, o observatório da democracia, composta de 8 fundações partidárias apresentará uma PEC que incluirá a responsabilidade criminal do presidente neste caso de omissão, afim de proteger o povo dos desmandos de um governo irresponsável.

    Haja vista que desde que foi declarada pela OMS, em 11 de março de 2020 a pandemia, a situação de sindemia prevalece na vida da maioria das pessoas em países que não existe seguridade como prática do Estado. No Brasil a Constituição é distante da maioria da população e utilizada pela minoria no dia-a-dia para ampliar o lucro, o individualismo e toda ideologia narcisista que encharca o país com a morte, a ponto de alguns empresários furarem a fila da vacina de forma criminosa. O vírus mata, mas mata porque há a porta aberta como política predominante no Estado para fazer a morte tomar os corpos dos viventes em escalas mórbidas de ampliação das desigualdades.

    Ou seja, neste momento, realmente de exceção, que não pode ser ideologicamente utilizado como um discurso sofista e cínico para ampliar o lucro, mas deve seguir a assertividade da garantia da vida, o Estado deve agir como o principal ambiente de organização do poder. O poder precisa se organizar para a manutenção da vida. Os projetos precisam existir para isso, com a prática de todos os estadistas, sejam os alçados pelo voto ou pelo mérito pessoal. Os partidos políticos, assim considerados pela legislação, devem movimentar-se para esse fim. As organizações da sociedade civil, sejam as favoráveis a multidão que vende sua força de trabalho ou ao pequeno grupo que explora a força de trabalho, precisam entrar no vetor da defesa da vida. Assim, dessa forma, será possível constituir um vetor no qual a vida possa se fazer existente.

    Nessa hora, ainda que a morte seja causada pelo vírus, que encontra a porta aberta pela política, a política deve ter como unidade a defesa da vida. E, nesse vetor da vida, a ciência é a base de orientação com investimentos e atuação para o fazer necessário pelo viver. Assim como as pessoas para viver precisam do investimento do Estado, em todos os aspectos e sentidos, pois, além de vacina para todas as pessoas, precisa-se também garantir para todas as pessoas a seguridade para morar, ter água potável, redes de esgoto, alimentação e mobilidades que assegurem o viver.

    Para o que é conhecido como esquerda no mundo e no Brasil esses princípios do tempo histórico precisam ser inquestionável na política atual. Mas para além disso o consenso necessário para fluidos de senso comum precisam agitar todas as letras e ações a favor da vida. O encontro entre direito e politica agora, de forma inquestionável, é para garantir o viver. O Estado precisa se colocar na situação de assegurar tais condições, a sociedade civil deve agir com a força dessa garantia e o mercado precisa aceitar que a hora do lucro, nesta onda de exceção, deve dar lugar para o investimento na vida. Trata-se do momento, pois, um ano atrás isso já deveria ser inequívoco e o contrário foi o que predominou no Estado e no Governo central para ampliar os óbitos chegando a números atuais que nem em guerra e neste modelo capitalista sustentado pelo necrocapitalismo e a necropolitica as pessoas sentiram com tanta dor como nos dias atuais. Não se trata somente de números, são seres humanos com alma e historias. Basta de morte e que se abra o tempo de exceção para a garantia da vida em todos os aspectos e todas as dimensões. Um projeto político para esse fim se faz necessário com imediata formulação e aplicação fazendo-se lei!

  • MAJOR OLÍMPIO: O PÂNICO CHEGA AO ANDAR DE CIMA . Por Gilberto Maringoni

    MAJOR OLÍMPIO: O PÂNICO CHEGA AO ANDAR DE CIMA . Por Gilberto Maringoni

    MAJOR OLÍMPIO: O PÂNICO CHEGA AO ANDAR DE CIMA

    Por Gilberto Maringoni
    A morte do Major Olímpio – 58 anos, vida saudável – representa a primeira grande perda que a extrema-direita tem na pandemia, em meio a um festival de negacionismo genocida.
    Olímpio participou ativamente de uma presepada em Bauru – cidade que entrou em colapso sanitário – há um mês, juntamente com patifes como o Véio da Havan e a prefeita bolsonarista na cidade. Em ato de vandalismo, colocaram um caminhão atravessado numa das pistas da via Marechal Rondon, a principal da região, e dirigiram impropérios a Dória à esquerda e aos defensores do isolamento social.
    A morte do senador-policial representa um impacto para a boçalidade reinante. Não é pouca coisa.
    Não tenho ideia se o comportamento genocida de um governo fanatizado por militares golpistas se alterará muito. É possível que tenhamos um efeito contrário e que o abismo sanitário entre pobres e ricos se aprofunde. Tudo na tentativa de salvar a Faria Lima – novo endereço da casa grande – e seus agregados.
    O país está em pandarecos e o futuro imediato torna-se nebuloso, com claros responsáveis pela situação.
    Mas uma coisa é certa: o pânico chega ao andar de cima.
  • 8M: transformar esperanças

    8M: transformar esperanças

    8M: transformar esperanças

    Mulheres simples e anônimas me ensinaram a paciência de quem luta para vencer a opressão que sufoca e a coragem de enfrentar o que parece impossível mudar.

    Com elas aprendi a abrir brechas de rebeldia no conformismo do presente, a encharcar de indignação o solo que alimenta o sonho de liberdade, a transformar esperanças em passos que aproximam o hoje ao amanhã.

    Em suas aulas sigo aprendendo as lições que fazem a vida vencer.

    Emilio Gennari.
    8 de março de 2021.

     

     

  • O Estado, seus objetivos e suas possibilidades . Por Francisvaldo Mendes

    O Estado, seus objetivos e suas possibilidades . Por Francisvaldo Mendes

    O Estado, seus objetivos e suas possibilidades

    Por Francisvaldo Mendes, presidente da FLCMF

    O Estado é um instrumento para organizar a opressão ao cidadão em favor daqueles que detêm o lucro, controlam a exploração para a classe que domina, não sendo possível disputar a sua essência.

    O Estado não garante o Bem Estar da População, apenas ameniza para uma parcela afim de manter o povo contra o povo para deixar que os governantes administrem tranquilamente em favor de alguns com todas as contradições existentes. O Estado se compõe pela totalidade por aqueles que usufruem da estrutura do aparato Estatal para seus negócios privados, como exemplo a mansão de 6 milhões do filho do presidente.

    No caso do Brasil, por exemplo, o Estado é organizado para beneficiar o sistema financeiro a qual chamam de “mercado” e afirmam isso categoricamente com a complacência da imprensa que não esclarece para a população que o mercado são os banqueiros e investidores que controlam a política. Ou seja, só quem tem muito dinheiro que controla a política.

    As vezes perdem o controle do processo eleitoral e fazem acordos para administrar o Estado, mas impõem condições para deixarem aquele político no cargo como fizeram com o PT. E por isso, o PT administrou mais de 13 anos aceitando a condição do “mercado”. Assim aparece que está em disputa a administração do Estado por um partido mais progressista ou um partido democrático.

    Importante ressaltar que no Brasil, há 33 partidos legalizados pelo Tribunal Superior Eleitoral, mas apenas 10% aproximadamente são partidos que defendem a transformação social sendo os demais apenas siglas de negócio no mundo eleitoral, pois não há diferentes posições, práticas, trajetórias e identidades sociais. Senão vejamos, a realidade social do Brasil, na qual mulheres e negros são maioria na sociedade brasileira, estão longe de ser a mesma realidade no parlamento e em todos os cargos de poder. Aparentemente se apresenta como uma pluralidade na disputa, mas a estrutura é para manter os representantes do poder econômico na estrutura política do País.

    Devemos compreender que o Estado não é um ambiente para a melhorar a sua vida. O Estado atua para ampliar o lucro de alguns que controlam a política para seus interesses pessoais na atuação em repasses de verbas, investimentos e comprometimentos da verba pública para suas empresas.

    O Estado atua para controlar a sociedade civil e não se dobrará para se colocar em disputa para as várias organizações sociais. Mas isso não significa que devemos abrir mão em fazer o combate nas suas estruturas, mas temos que saber que essa disputa sempre será limitada pelo próprio desenho do Estado.

    A atuação nas brechas do estado ajuda as organizações ganharem folego na auto organização da sociedade civil, inclusive para combater a exploração que o próprio Estado pratica sob a égide dos interesses dos proprietários dos meios de produção.

    E assim que os grandes proprietários ampliam sua riqueza material, controlando o Estado, e quando o seu poder de controle está ameaçado pela regra democrática, procura-se esvaziar o poder do Estado retirando o patrimônio construído com o dinheiro público através da privatização de cada instituição.

    As concessões ou privatizações são propagandeados como modernização e ganham a mente de muitas pessoas que não entendem o papel do Estado e assim defendem entregar um patrimônio que é de todos para um empresário que o prejudicará futuramente.

    Por exemplo a saúde, que com os planos privados, agora não conseguem atender a pandemia na qual vivemos. Por outro lado, se houvesse uma estrutura do SUS bem equipada, estaríamos enfrentando essa tragédia humana com muito mais vigor e condições materiais. E muitos que defenderam os planos de saúde contra o SUS – público e de qualidade – para todos, hoje são deixados à própria sorte por atendimento médico.

    Por isso é importante destacar que o Estado está abertamente na mão dos proprietários das riquezas do pais, e me arrisco a dizer que 99% deles nem vive no Brasil, apenas comandam e manipulam os mecanismos de controle da nação (a política, os meios de comunicação e o judiciário).

    E essa é uma reflexão que precisa ampliar e promover canais de diálogo para a compreensão da maioria das pessoas, pois, são as pessoas que podem alterar a história, se conseguir entende-la.

    O Governo atual de Bolsonaro aplica uma política deliberada de imposição da necropolitica condenando as cidades ao fracasso administrativo sem condições de garantir água potável e esgoto, habitação decente, emprego e saúde com o caos dos leitos lotados. São consequências de uma política do sistema capitalista, da lógica do dinheiro, do “mercado” e sem nenhum compromisso com a vida. Essa é a realidade que vivemos hoje, sem quaisquer ilusões, onde a vida está cada vez mais desprezada esperando ser descartada.

    Pois então, está colocado um desafio central: buscar lutar por espaços que acumulem forças, que invistam em formação coletiva, organização e no crescimento coletivo para superar esta dura realidade imposta que é aprofundada nos dias atuais com aumento das desigualdades que massacram a vida com as ações organizadas indiretamente pelo Estado.

  • Racismo e branquidade na transformação social . Por Danilo Moura

    Racismo e branquidade na transformação social . Por Danilo Moura

    “(…) Pois o desrespeito das elites pensantes brasileiras com as coisas do negro sempre foi a marca maior da ideologia deste país. As elites pensantes brasileiras, como subsidiárias do pensamento europeu/estadunidense, durante séculos vêm produzindo pilares ideológicos que dão sustentação ao preconceito, ao racismo, à discriminação que sempre se viu e se vê no Brasil” . Fernando Conceição¹

    Racismo e branquidade na transformação social

    O racismo não pode ser reduzido ao preconceito de cor ou mesmo de raça. Ele precisa ser compreendido como produto de quase quatro séculos de escravização dos povos africanos, ao longo da etapa de acumulação do capital no estágio mais primitivo. O que significa dizer que é parte constitutiva da identidade nacional

    Por Danilo Moura

    Escrever sobre o racismo no Brasil é uma tarefa intrigante, em parte por ser um tema já amplamente debatido, remoído e de aparentes obviedades, mas também por ser uma questão que teimam em colocar no campo das subjetividades pessoais e sempre caindo no velho “não é bem assim” ou “vocês vêm isso em tudo”. O fato é que o falar sobre o racismo em nosso país é tão cansativo quanto necessário e a cada vez que se fala é necessário “repassar” conceitos básicos e triviais, quase como se tivesse que ensinar ao seu filho a engatinhar toda vez que for sair de casa, mesmo ele já tendo corrido a casa inteira.

    A branquidade é um lugar de vantagem estrutural na dominação racial, um ‘ponto de vista’, um lugar a partir do qual se vê e vê os “outros” e as ordens nacionais e globais. Superar o racismo implica superar os privilégios da branquidade e isso passa por uma revisão de comportamento da militância, em uma autovigilância permanente

    A primeira coisa que precisa ser dita, praticamente mastigada e regurgitada para compreensão, é que o racismo não pode ser reduzido ao preconceito de cor ou mesmo de raça, precisa ser compreendido como produto de quase quatro séculos de escravização dos povos africanos, ao longo da etapa de acumulação do capital no estágio mais primitivo. O que significa dizer que é parte constitutiva da identidade nacional, assegurado pela perpetuação de relações sociais baseadas na assimetria entre brancos e não brancos, o “branco” como padrão e todos os demais como negação desse padrão, estabelecendo e protegendo privilégios cotidianos e quase invisíveis, de tão naturalizados, ao primeiro grupo.

    Compreender que racismo é, necessariamente e invariavelmente, um produto do processo de escravização e parte orgânica da sociedade brasileira, deve ser suficiente para uma segunda constatação que dela deriva, quase que instintivamente, a de que não é possível racismo reverso ou qualquer outra coisa do gênero, tampouco a afirmação de que o racismo parte ou deriva dos próprios negros.

    Seria preciso inverter completamente as relações sociais, séculos de exploração econômica, negação de valores estéticos, religiosos e epistemológicos, para somente daí acreditar na possibilidade do tal “racismo reverso”.

    Negação de direitos

    Em consequência das constatações anteriores devemos chegar a uma terceira que teima em se esconder e nunca ser debatida que é a “branquidade” e seus privilégios. Ela é tão perversa quanto a negação de direitos e a opressão infligida a negras e negros e os privilégios “naturais” concedidos às brancas e aos brancos, que se perpetuam há séculos, criando distorções econômicas, sociais e de direitos. Em sua obra Racismo e sociedade: novas bases epistemológicas para entender o racismo, Carlos Moore reflete sobre isto:

    “Nas sociedades multirraciais, é por intermédio do fenótipo que se organiza a gestão dos recursos. Na medida em que o racismo visa ejetar esse ‘Outro Total’ do circuito de usufruto dos recursos de um espaço definido, garantindo a marginalização completa, ele almeja a substituição do Outro, a erradicação mediante à assimilação ou qualquer outra forma mais radical. Na origem, o racismo constituiu-se e consolidou-se por intermédio do exercício da agressão, da conquista, da dominação ou do extermínio de qualquer agrupamento humano existente fora dessas redes. Assim, o racismo passa a ser nada menos que uma visão coletiva totalizante, que garante a gestão monopolista e racializada dos recursos, sendo a população-alvo considerada como parte integrante desses recursos”.

    O branco de esquerda tem papel nessa luta e não é de espectador. Para o nosso campo a luta contra o racismo deve ser uma tarefa árdua e um desafio cotidiano para toda a militância, independentemente de lugar no espectro da racialidade

    O silêncio dos brancos de esquerda é tão perverso quanto os gritos racistas do bolsonarismo, exemplo da defesa dos privilégios brancos levados ao extremismo, e se somam à manutenção do racismo. A branquidade é um lugar de vantagem estrutural na dominação racial, um ‘ponto de vista’, um lugar a partir do qual se vê e vê os “outros” e as ordens nacionais e globais. Superar o racismo implica superar os privilégios da branquidade e isso, necessariamente, por uma revisão de comportamento da militância, em uma autovigilância permanente.

    Não se trata de mi mi mi

    Por conseguinte, a esta altura já devemos constatar que o racismo não é uma questão para ser enfrentada e resolvida pelos negros, porque não se trata de “dorzinha”, “mi mi mi”, ou falta de autoestima. Como tudo que é estrutural, somente pode ser superado pelo enfrentamento de contradições e encontrando nas manifestações as formas de resistência e, por fim, de superação.

    O branco de esquerda tem papel nessa luta e não é de espectador. Para o nosso campo a luta contra o racismo deve ser uma tarefa árdua e um desafio cotidiano para toda a militância, independentemente do lugar no espectro da racialidade. Antes de qualquer conclusão precipitada não há nessa posição qualquer tentativa de culpabilidade sobre o que antepassados brancos fizeram, mas o reconhecimento de que isso construiu os privilégios aos quais todo homem branco e mulher branca estão devidamente sentados e usufruindo de uma magnânima vista de uma sociedade racializada e que funciona a seu favor.

    O privilégio da branquidade faz com que manifestantes desarmados defendendo a vida sejam vistos como mais perigosos do que homens brancos armados que invadem o Capitólio construindo um cenário de atentado terrorista

    Recentemente, o centro do capitalismo mundial foi abalado por uma tentativa de golpe, com a ocupação do Capitólio dos EUA no dia em que seria feita a homologação da vitória de Joe Biden. O que saltou aos olhos foi a diferença no contingente policial e no tratamento destes aos manifestantes em comparação ao que foi visto nas manifestações do “Black Lives Matter!” (Vidas Negras importam!). A sobreposição das imagens deixa evidente para qualquer um quem é “mais perigoso” e quem não.

    Sim, o privilégio da branquidade faz com que manifestantes desarmados defendendo a vida sejam vistos como mais perigosos do que homens brancos armados que invadem o Capitólio construindo um cenário de atentado terrorista.

    O preconceito nos shoppings centers

    Vale, ainda como exemplo, lembrar os rolezinhos de 2014, em que a simples presença de corpos negros em determinados ambientes, nesse caso os shoppings centers, aciona um verdadeiro sistema de segurança para proteger e salvaguardar o espaço “naturalmente” destinado para o grupo racial e social privilegiado com o usufruto deste. A branquidade é quem, silenciosamente, alerta a todos no ambiente que tem algo errado, algo está fora do lugar, quem avisa à “gente de bem” que esse é o tipo que não cabe naquele espaço; portanto, enfrentar o racismo é enfrentar seus próprios privilégios.

    Ainda ilustrando, a branquidade estabelece, na mídia e no imaginário social, principalmente a partir da linguagem, a diferença entre o traficante que tinha 200g de maconha e o jovem estudante portando 3kg de cocaína, racionalizando o racismo e promovendo uma falsa sensação de legítimos ao encarceramento e genocídio da população negra. Por tudo isso, não é um exagero afirmar que as populações negras encarceradas são formadas por presos políticos, ou assassinados por motivação política, no Brasil ou onde quer que seja, em vista da condição que o escravismo – racializado nos legou.

    Engana-se quem avalia que o Estado brasileiro é ausente e que nunca teve política pública relacionada a essa questão. O que acontece é que o Estado sempre agiu para manter o status quo dos brancos e, inclusive, com diversas tentativas de “embranquecer” a nação

    Vale resgatar que em 1978, na oportunidade da fundação do Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial (MNUCDR); um grupo de “presidiários” de São Paulo, manifestaram-se do seguinte modo:

    “Do fundo do grotão, do exílio, levamos nosso sussurro a agigantar o brado de luta e liberdade dado pelo MNUCDR. Nós, presidiários brasileiros, contamos com nosso grupo unificado contra a discriminação racial. E aqui estamos no lodo do submundo, mas dispostos a dar nossos corpos e mentes para a ação da luta, denunciar também a discriminação dentro do sistema judiciário. Aqui, no maior presídio da América do Sul. (…) Também tem o seguinte: Se (direito humano) for algo do qual dependemos da sociedade branca para nos conscientizar, algo que se consiga com docilidade de servos, não apresente!… Já estamos fartos de palavras, demagogias, por isso somos um grupo, por isso gritamos sem cessar. Somos negros, somos netos de Zumbi. (E vovô ficaria triste, se nos entregássemos sem lutar…)”

    Estado embranquecedor

    Engana-se quem avalia que o Estado brasileiro é ausente e que nunca teve política pública relacionada a essa questão. O que acontece é que o Estado sempre agiu para manter o status quo dos brancos e, inclusive, com diversas tentativas de “embranquecer” a nação. Basta para isso correlacionarmos o genocídio com as levas de imigrantes europeus.

    O Brasil, depois de quase quatro séculos de escravização de povos africanos e descendentes, após uma abolição incompleta que não concedeu a cidadania e/ou integrou os negros e negras à sociedade, sem realizar referência ao genocídio dos povos originais, ainda não consegue reconhecer os efeitos nefastos do que significou esse período e, por isso mesmo, é incapaz de fazer um acerto de contas com a história. Ainda se fala do racismo como se folclore fosse, homenageia-se escravocratas e se criminaliza aquelas e aqueles que por sentirem na pele as mazelas, levantam-se insurgentes contra as desigualdades.

    A esquerda precisa inaugurar um novo período em que o privilégio da branquidade seja combatido com a mesma voracidade que combate a exploração capitalista e, portanto, incorporar a ideia de que “numa sociedade racista, não basta não ser racista. É necessário ser antirracista”, logo, enfrentar os próprios privilégios e se colocar como aliada das negras, negros, povos indígenas e demais segmentos racialmente excluídos.

    Há no movimento negro quem pense que “os brancos podem ficar do nosso lado nas questões pequenas, mas jamais nas fundamentais”. Entretanto, também há quem pense que é na superação da branquidade e dos privilégios que dela derivam que encontramos o tal “lugar de fala” de boa parte da esquerda e do campo progressista.

    Concluo esse brevíssimo artigo com um alerta às companheiras e aos companheiros da dita esquerda branca, meio clichê e até repetida: no Brasil a revolução será negra ou não será, e como bem dito por um intelectual negro: “se a esquerda não é negra, sejamos nós a esquerda.”

    Danilo Moura é diretor de Articulação Jornal Questões Negras e Membro da Rede Brasileira de Justiça Ambiental;

     

     

    (1)Jornalista, docente da Faculdade de Comunicação da UFBA; no livro: Negritude favelada: a questão do negro e o poder na “democracia racial brasileira”; 1988
    (2)Movimento Negro Unificado; 1978 – 1988 10 anos de luta contra o racismo. São Paulo, Confraria do Livro, 1988; p – 8-9.
    (3)Angela Davis, professora e filósofa socialista estadunidense, ex-integrante do Partido Comunista dos Estados Unidos e dos Panteras Negras.
    (4)Malcolm x, defensor do Nacionalismo Negro nos Estados Unidos, fundador da Organização para a Unidade Afro-Americana.
    (5) Clóvis Moura, sociólogo, jornalista, historiador e escritor brasileiro que desenvolveu a Sociologia da Práxis Negra.

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  • Luta contra o racismo: resistência à opressão do capital global . Por Dennis de Oliveira

    Luta contra o racismo: resistência à opressão do capital global . Por Dennis de Oliveira

    Luta contra o racismo: resistência à opressão do capital global

    O enfrentamento do racismo é o elemento central da construção de um projeto político transformador do país, de ruptura com a ordem capitalista global e de transformação radical das estruturas sociopolíticas. Não se trata de política meramente identitária, tampouco de enfrentar comportamentos disfuncionais, mas de se perceber a luta de classes em sua complexidade e múltiplas implicações

    Por Dennis de Oliveira

    1. A restauração conservadora do século XXI

    A luta contra o racismo no Brasil está diretamente conectada aos movimentos de resistência às novas formas de exploração do capital global. Após o período chamado pelo historiador egípcio Eric Hobsbawm de Era dos extremos, entre 1914 e 1991, ou também chamada por “breve século XX”, o início do terceiro milênio é marcado por uma restauração conservadora.

    Essa restauração tem dois elementos. O primeiro é a vitória das forças lideradas pelos Estados Unidos na Guerra Fria, marcada simbolicamente pela queda do Muro de Berlim em 1989 e o fim da antiga União Soviética em 1991. Tal fato histórico possibilitou uma avalanche ideológica conservadora sem precedentes que deu bases a um processo civilizatório baseado na imposição do paradigma da economia de mercado como discurso único. O segundo é a consolidação da reorganização do modelo de reprodução do capital – processo já iniciado nos anos 1970 como resposta à crise cíclica do capitalismo – com a transformação da produção das grandes plantas industriais em redes globais de nichos produtivos especializados, radicalizando a divisão internacional do trabalho.

    Em 1978, no ato de fundação do Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial, realizado nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo, lideranças de uma organização de encarcerados, chamada Centro de Lutas Netos de Zumbi, denunciaram as condições bárbaras em que os detentos viviam. O ato também foi um protesto contra a tortura e assassinato de um jovem trabalhador negro numa delegacia policial

    Por uma coincidência trágica, tais processos ocorreram no mesmo momento da redemocratização do Brasil, nos anos 1980. Os novos sujeitos coletivos que protagonizaram a luta contra a ditadura militar de 1964/85 ganharam força na arena política e pressionaram na repactuação sociopolítica da Nova República, obtendo conquistas importantes na Constituição de 1988, em especial no tocante aos direitos sociais.

    Importante destacar que o movimento negro foi um dos sujeitos coletivos desse processo. Entretanto o racismo estrutural brasileiro impediu uma maior visibilidade das agendas. Em 1978, no ato de fundação do Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial, realizado nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo, lideranças de uma organização de encarcerados, chamada Centro de Lutas Netos de Zumbi, denunciaram as condições bárbaras em que os detentos viviam.

    O ato de fundação do MNU também foi um protesto contra a tortura e o assassinato de Robson Silveira da Luz – jovem trabalhador da zona oeste da capital paulista -, numa delegacia policial.

    Esses fatos ocorreram três anos depois dos grandes atos de protesto contra o assassinato de Vladimir Herzog, no DOI-CODI, em outubro de 1975, que deu início a uma grande campanha contra as torturas e assassinatos de presos políticos. Nesse contexto, o MNU defendia a tese de que “todo preso comum é também um preso político”, infelizmente não abraçada pelo campo progressista.

    Por que esse fato é importante? No ano de 1988, mesmo ano de promulgação da Constituição, a Escola Superior de Guerra (ESG) – a mesma instituição vinculada às Forças Armadas e que foi o think-tank responsável pela elaboração da Doutrina de Segurança Nacional que permeou toda a lógica político-ideológica da ditadura – lançou um importante documento. Tratava-se de Estrutura do Poder Nacional para o Século XXI – 1990/2000 – Década vital para um Brasil moderno e democrático. No capítulo social foi apontado que os focos desestabilizadores da democracia nesse período foram os cinturões de miséria e os “menores abandonados”. Por esta razão, a ESG defendia a manutenção dos aparatos repressivos constituídos na ditadura.

    No final da ditadura, a Escola Superior de Guerra na prática defendia que os “inimigos internos” deixaram de ser “os opositores do regime” para serem “os moradores da periferia ou dos cinturões de miséria”

    É interessante observar que a pactuação democrática dos anos 1980 não tocou a fundo a mudança nesse item. Mais que isso, a própria transição negociada pelo alto da ditadura para a democracia, entre o final dos anos 1970 e 1980, impediu o pleno julgamento dos agentes da repressão. A Lei da Anistia foi o instrumento normativo que possibilitou isso.

    Assim, o que a ESG na prática defendia é que o “inimigo interno” deixou de ser “os opositores do regime” para “os moradores da periferia ou dos cinturões de miséria”. Visionária ou não, a ESG já preparava o terreno para uma situação de intensificação da miserabilidade com a adoção do modelo neoliberal na economia brasileira que começou com maior força a partir dos governos Collor e Fernando Henrique Cardoso.

    2. As ações do movimento negro e o “Neoliberalismo progressista”

    Nesse período, o movimento negro brasileiro, com todas as dificuldades, teve importantes ações, como a organização de Encontros Nacionais de Mulheres Negras. Neles, lideranças feministas negras apontavam os mecanismos estruturais de opressão sobre a mulher negra. Foram realizados também Encontros Regionais e Nacionais de Entidades Negras. Destaca-se aqui o importante encontro de 1991, na cidade de São Paulo, em que cerca de 600 delegados representando 250 entidades denunciaram o “extermínio programado da população negra e pobre” tendo como base justamente esse documento da Escola Superior de Guerra e apontando a articulação entre racismo, capitalismo e neoliberalismo. Vale também destacar a Marcha da Consciência Negra, de 20 de novembro de 1995, em celebração aos 300 anos de Zumbi dos Palmares e, na sequência a realização do Congresso Continental dos Povos Negros das Américas no Memorial da América Latina, em São Paulo.

    Nos anos 1990, há uma inflexão pontual do projeto neoliberal que, diante das demandas crescentes das populações empobrecidas, passa a incorporar reivindicações pontuais desses movimentos, buscando retirar perspectivas de ruptura. É a corrente que a pensadora Nancy Fraser chama de “neoliberalismo progressista”

    O ano de 1995 foi ímpar por conta da confluência de dois processos políticos. O primeiro foi o acúmulo político-ideológico do movimento negro, que chegou a apresentar um programa político de combate ao racismo ao então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. Ele se tornou o primeiro chefe de Estado a reconhecer o racismo como problema nacional. O segundo, decorrente disso, foi uma inflexão pontual do projeto neoliberal que, diante das demandas crescentes das populações empobrecidas com a intensificação da concentração de renda por conta do novo padrão de acumulação e reprodução do capital, passou a incorporar as reivindicações pontuais desses movimentos, buscando retirar as perspectivas de ruptura. É a corrente que a pensadora Nancy Fraser chama de “neoliberalismo progressista” e que vai ter papel importante em várias conferências internacionais, entre elas a Conferência de Combate ao Racismo de Durban, em 2001.

    Fraser afirma que…

    …foi uma aliança real e poderosa de dois companheiros improváveis: por um lado, as principais correntes liberais dos novos movimentos sociais (feminismo, antirracismo, multiculturalismo, ambientalismo e direitos LGBTQ); por outro lado, os setores mais dinâmicos, de alto nível “simbólico” e financeiro da economia dos EUA (Wall Street, Vale do Silício e Hollywood). O que manteve esse casal estranho junto foi uma combinação diferenciada de pontos de vista sobre distribuição e reconhecimento.

    Mais adiante, a pensadora estadunidense elencou o programa desse bloco:

    O bloco progressista-neoliberal combinava um programa econômico expropriativo e plutocrático com uma política liberal-meritocrática de reconhecimento. O componente distributivo desse amálgama era neoliberal. Determinado a soltar as forças do mercado da mão pesada do Estado e da mina de “impostos e gastos”, as classes que controlavam esse bloco queriam liberalizar e globalizar a economia capitalista. (…) Calhou, desse modo, aos “Novos Democratas” contribuir com o ingrediente essencial: uma política progressista de reconhecimento. Recorrendo às forças progressistas da sociedade civil, eles difundiram um ethos de reconhecimento superficialmente igualitário e emancipatório. O núcleo desse ethos eram os ideais de “diversidade”, “empoderamento” das mulheres e direitos LGBTQ; pós-racialismo, multiculturalismo e ambientalismo. Esses ideais foram interpretados de uma forma específica e limitada que era totalmente compatível com a Goldman Sachsificação da economia dos EUA. Proteger o meio ambiente significava comércio de carbono. Promover a posse da casa própria significava empréstimos subprimes agrupados e revendidos como títulos lastreados em hipotecas. Igualdade significava meritocracia.

    A radicalidade da luta antirracista no Brasil que apontava para uma ruptura com a ordem capitalista neoliberal, enfrentava dois campos: um da extrema direita expressa na proposta da Escola Superior de Guerra, de intensificação dos mecanismos de extermínio; e outro, de uma comoditização das agendas antirracistas dentro dessa proposta do “neoliberalismo progressista”

    A Conferência de Durban foi um palco onde essas visões ideológicas se confrontaram. A radicalidade da luta antirracista no Brasil que apontava para uma ruptura com a ordem capitalista neoliberal enfrentava dois campos: um da extrema direita expressa na proposta da Escola Superior de Guerra, de intensificação dos mecanismos de extermínio; e outro, de uma comoditização das agendas antirracistas dentro dessa proposta do “neoliberalismo progressista”. O Banco Mundial, nesse período, atuou como uma instituição de governança global que financiava programas de enfrentamento da pobreza como “danos colaterais” das políticas de ajuste fiscal preconizadas pelo Fundo Monetário Internacional.

    Uma pessoa importante nesse período que impactou essas discussões foi James David Wolfensohn, empresário australiano radicado nos EUA que atuou como presidente do Banco Mundial, entre 1995 e 2005. Foi justamente nesse período que Wolfensohn colocou o tema do combate à pobreza como central na agenda do Banco Mundial. Porém, a ideia de combate à pobreza ia no sentido de articulá-la dentro da perspectiva de constituição de uma governança global que garantisse o ajuste das economias dos países dependentes aos paradigmas da globalização neoliberal.

    No relatório anual de 2000, o Banco Mundial afirmou que a “pobreza mundial continua sendo um problema de grandes proporções”. Na abertura do relatório, Wolfensohn defendeu a necessidade de se combinar esforços em nível nacional (estabelecendo compromissos do país, abordagem integrada de longo prazo, parcerias e focos nos resultados) e global (na qual o banco se colocou como uma plataforma-suporte para implantação de políticas de combate à pobreza).

    A ação do Banco Mundial se articulou com o FMI (responsável pela imposição dos ajustes macroeconômicos) por meio dos chamados Poverty Reduction Strategy Papers (PRSP), que consistem em trabalhos realizados por países membros do FMI que combinaram ajustes macroeconômicos com políticas de redução da pobreza monitoradas por técnicos do fundo e do Banco Mundial.

    Após esse período, o cenário da luta contra o racismo teve mudanças significativas. Primeiro, a crise do modelo neoliberal no início do século XXI possibilitou o fortalecimento da corrente antineoliberal e, com isso, em vários países da América Latina foram eleitos governos com plataformas desenvolvimentistas ou anticapitalistas. No caso do Brasil, em 2003, com a vitória da frente liderada pelo PT em 2002, várias demandas do movimento social de negros foram institucionalizadas, em especial as ações afirmativas (como a promulgação da Lei Nº 10.639/03, as cotas raciais nas universidades e serviço público, o Estatuto da Igualdade Racial, entre outros). Mais: o modelo de governança participativa proposto pelo PT possibilitou a presença de lideranças do movimento negro em diversos espaços institucionais sem, contudo, haver uma reformulação nas estruturas racistas do Estado brasileiro.

    A resultante disso é que essa participação institucional ocorreu perifericamente, “nas franjas” dos espaços governamentais. Apesar de tudo, houve uma incorporação institucional da energia do movimento negro para tais espaços, configurando um “antirracismo de resultados”, isto é, a luta contra o racismo se deslocou meramente para a eficácia de políticas institucionais.

    Porém, o grande problema é de fundo ideológico. A luta contra o racismo, centrada nas políticas públicas de promoção, consolidou a ideia de que o racismo é um problema de ordem comportamental. Mesmo algumas enunciações de “racismo institucional” e “racismo estrutural”, centram-se em argumentos de comportamentos inadequados de agentes no poder. A diferença é que há aqueles que consideram que é possível uma reforma por meio de mecanismos institucionais – ressaltando os aspectos teoricamente disfuncionais do racismo e que, portanto, por meio do convencimento ou por pressões dos movimentos sociais e outros que desconsideram essa possibilidade, reafirmando uma essencialidade racial que determina os comportamentos preconceituosos.

    3. Os erros do reducionismo “progressista” da luta antirracista

    Como resultado, há uma tendência no campo progressista de reduzir a luta antirracista a dimensão comportamental e enxergar o movimento meramente como “identitário”. Quais são os erros dessa visão?

    Primeiro: a componente racial está diretamente articulada com as hierarquias da divisão internacional do trabalho radicalizada com os novos arranjos produtivos globais. Tais arranjos se organizam da seguinte forma: no topo, os centros produtores e disseminadores de tecnologias e processos, no intermédio, a aplicação das tecnologias e produção manufatureira, e na base, o fornecimento de insumos e matérias primas.

    Essa foi uma zona de enfrentamento dos projetos progressistas na América Latina. Países como Bolívia e Venezuela tiveram que garantir uma situação de bem-estar às populações, como também envidar esforços para retirar as economias dos países da situação de mero fornecedores de matérias-primas.

    No caso do Brasil, país colocado na zona intermediária e que, por situações singulares, tem uma estrutura capacitada de produção tecnológica, a luta foi contra o desmonte das universidades públicas e empresas estatais capazes de induzir cadeias produtivas de maior valor agregado.

    O modelo de governança participativa proposto pelo PT possibilitou a incorporação de lideranças do movimento negro em diversos espaços institucionais sem, contudo, haver uma reformulação nas estruturas racistas do Estado brasileiro

    Nesse sentido, a democratização do acesso tanto a universidades públicas como às empresas públicas, por meio das cotas raciais, permitiu a inserção da população negra nessa produção tecnológica, possibilitando a articulação do desenvolvimento científico-tecnológico às demandas sociais dessas populações.

    Não é à toa que as campanhas direitistas contra Evo Morales e Hugo Chavez, por exemplo, tiveram forte conotação racista. Ideologicamente, tal discurso cristalizou os lugares subalternos desses povos e suas nações no cenário global do capitalismo, assim como o próprio Banco Mundial que historicamente prega o desinvestimento no ensino superior com o argumento populista de que se deve priorizar a educação básica.

    Também esse elemento explica o porquê da USP – a universidade responsável pela esmagadora maioria da produção científica e tecnológica do país e colocada entre as cem maiores do mundo – ter sido a mais resistente em adotar as cotas raciais.

    Ciência e tecnologia é o poder dentro da cadeia global da produção capitalista.

    Um exemplo que deixa isso nítido são as telas de cristal líquido que equipam celulares, produto que envolve uma sofisticação tecnológica desenvolvida nos centros de pesquisa e desenvolvimento sediados nos países centrais do capitalismo e que tem como matéria-prima o mineral coltan, extraído com mão de obra de crianças escravizadas na República do Congo.

    Basta ver a composição étnica dos países em que se situam esses centros de pesquisa sofisticados (bem como os seus integrantes) e do país que fornece a matéria-prima e o insumo (e das crianças escravizadas nesse tipo de trabalho).
    Segundo: o capitalismo brasileiro foi construído a partir do sistema escravista e não significou uma ruptura com a ordem anterior e sim uma transição, como afirma o pensador brasileiro Clóvis Moura.

    Moura defende a ideia de que entre 1850 e 1888 se constituiu uma “modernização sem mudança”, pois a constituição da infraestrutura necessária para o estabelecimento do capitalismo foi feita por meio de inversões de capital estrangeiro, principalmente britânico. Assim, constituiu-se uma aliança entre esse capital e as classes dominantes brasileiras que se, ao mesmo tempo aceitaram serem sócias minoritárias nesse projeto, mantiveram seus privilégios, interditando qualquer possibilidade de constituição de um projeto nacional que implicasse uma aliança com a classe trabalhadora nacional.

    A luta contra o racismo, centrada nas políticas públicas de promoção, consolidou a ideia de que o racismo é um problema de ordem comportamental. Mesmo algumas enunciações de “racismo institucional” e “racismo estrutural”, centram-se em argumentos de comportamentos inadequados de agentes no poder

    O racismo operou, assim, como uma ideologia que sustentou esse projeto de submissão e, inclusive, de transformação da imensa massa de negros e negras ex-escravizados em excedente de mão de obra que possibilitava o rebaixamento geral do valor da força de trabalho. Foram criadas as condições necessárias para a realização do fenômeno da superexploração da mão de obra – isto é, o pagamento em valores inferiores às necessidades de reprodução – elemento essencial do capitalismo dependente, segundo Ruy Mauro Marini.

    Constituiu-se, assim, uma tipologia de Estado que tem como tripé de sustentação a concentração de renda e patrimônio, a concepção restrita de cidadania e a violência como prática política recorrente. Daí as dificuldades de implantação no Brasil de pactuações democráticas efetivas, ainda que dentro dos marcos de uma democracia burguesa liberal clássica. Esse é o sentido da palavra de ordem de uma organização do movimento negro, a Rede Quilombação, de que “a democracia não chegou na periferia”.

    Assim, o enfrentamento do racismo é o elemento central da construção de um projeto político transformador do país, de ruptura com a ordem capitalista global e transformação radical das estruturas sociopolíticas. Não se trata de política meramente identitária, tampouco de enfrentar comportamentos disfuncionais.

    Após a Abolição, em 1888, o racismo operou como uma ideologia que sustentou o projeto de transformação da imensa massa de negras e negros ex-escravizados em excedente de mão de obra que possibilitava o rebaixamento geral do valor da força de trabalho

    Lelia Gonzales, no texto intitulado Amefricanidade, fala do “racismo como denegação”, ou seja, uma postura recorrente das classes dominantes de negar a condição amefricana do país, independente do pertencimento étnico pessoal.

    Em um projeto político que tem como centro aprofundar a democracia e combater as desigualdades sociais, colocar a luta contra o racismo em segundo plano é desconsiderar que negras e negros sempre foram excluídos de qualquer possibilidade de pactuação democrática e que o racismo é uma ideologia que sustenta a concentração de renda, a ponto de naturalizarem-se cenas de crianças negras vendendo doces nos cruzamentos e a Escócia, país majoritariamente branco, ter uma reitora negra na Universidade de St. Andrews, enquanto aqui…

    Isso não é mero identitarismo, mas produto de uma arquitetura ideológica que define lugares sociais. Pois, desde as origens, no Brasil, as classes sociais são racializadas: negras e negros foram escravizados para o trabalho e brancos educados para colonizar e expropriar as riquezas.

    Dennis de Oliveira é professor da Universidade de São Paulo, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados (IEA), coordenador do Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação (CELACC) e do GT Epistemologias decoloniais, cultura e territorialidades do Conselho Latino Americano de Ciências Sociais (CLACSO). Coordenador da Rede Quilombação. E-mail: dennisol@usp.br

     

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    Referências
    ALMEIDA, S. O que é racismo estrutural. S. Paulo: Pólen, 2018.
    FRASER, N. “Do neoliberalismo progressista a Trump – e além” in: Revista Política e Sociedade – revista de sociologia política. V. 17, n. 40 (2018), disponível em https://periodicos.ufsc.br/index.php/politica/article/view/2175-7984.2018v17n40p43/38983 (acesso em julho de 2020).
    GONZALES, L. “A categoria cultural de amefricanidade” in: Por um feminismo negro latino-americano. Rio de Janeiro: Zahar, 2019.
    HOBSBAWN, E. A era dos extremos: o breve século XX (194-1991). S. Paulo: Cia das Letras, 1995.
    MARINI, R. Dialética da dependência. Cidade do México: Ed. Era, 1977.
    MOURA, C. Dialética radical do Brasil Negro. S. Paulo: Anita Garibaldi, 2018.
    OLIVEIRA, D. “Globalização e racismo no Brasil” S. Paulo: Legítima Defesa, 1994.
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    SOUZA, C. L. S. Racismo e luta de classes na América Latina: as veias abertas do capitalismo dependente. S. Paulo: Hucitec, 2020.
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  • O PESO DAS CONTRADIÇOES NA DEMOCRACIA . Por Francisvaldo Mendes

    O PESO DAS CONTRADIÇOES NA DEMOCRACIA . Por Francisvaldo Mendes

    O PESO DAS CONTRADIÇOES NA DEMOCRACIA

    Por Francisvaldo Mendes, presidente da FLCMF

    O tempo atual no Brasil mistura o medo, a ignorância, as mentiras e as atrocidades. A cada dia um novo ataque surpreende o ambiente nacional com mais de 240 mil óbitos. Lamentável desprezo pela vida em ondas crescente de eliminação das pessoas praticado por esse presidente genocida que atua para os poderosos. E para esses, a maioria das pessoas são desnecessárias ou desprezíveis. Nesse contexto assombroso há a discussão sobre os poderes jurídicos legais – executivo – legislativo – jurídico – em um ataque causado por um deputado federal que obteve 31.789 votos na última eleição, a mesma que elegeu o presidente genocida e, registre-se, eleitos pelo mesmo partido.

    A mesma pessoa que hoje unifica STF contrário as suas ações que disseminam mentiras, crueldades e opressões, rasgou a placa da Marielle Franco e espalhou fake news a gosto sobre COVID. Suas práticas contra a vida estão sendo relevadas e dessa vez, sua defesa do AI-5 em vídeo, tão inapropriadas como defender fascismo, nazismo, racismo, exploração e opressão para todas as vias da vida, unificou o STF. O ambiente de organização que deve imputar a reprimenda definitiva é a Câmara Federal, devido a sua provocação cínica que se esconde na liberdade de expressão, subvertendo e afrontando o “Estado de direito”.

    Importante salientar que uma pessoa eleita para a corte federal de deputados teria mais responsabilidade que todas as demais pessoas comuns, algo que está distante de ser conhecido e vivido nos dias de hoje, ainda mais com um presidente que debocha das mortes. Nesse quadro que morre mais pessoas que em períodos deflagrados de guerra e o genocídio à vida parece tão natural quanto a água potável inexistente, questões como essas ganham dimensões mais amplas que costumeiramente aparecem aos sentidos.

    Estamos no século XXI, ou seja, há muito já passamos pelo século XVIII quando surgiu o advento do iluminismo. Tais práticas autoritárias exercidas como naturais, que se evidenciam nesta atitude absurda do deputado Daniel Silveira, permeiam o Governo Federal. Nessa escalada da ignorância que vivemos chama atenção que a cultura e a educação não estejam nas guias frontais para o enriquecimento intelectual das pessoas.

    O conhecimento é fundamental na vida das pessoas, inclusive para que se possa saber sobre os atos ditadores e autoritários como o AI-5. A cultura educacional fomenta o estudo e o conhecimento organizado para a vida, o que contribuiria para encontrar ações coletivas que poderiam amenizar a agonia e a angústia que vivemos hoje. Assim, tenderia a não haver defensores, nem nas mesas de bares, para descaso com a morte que predomina na formação social brasileira.

    Nessa fase em que o necrocapitalismo e a necropolítica nadam de braçada, atos que desrespeitam a dignidade humana, como esse que foi condenado pelo STF, precisam trazer energia para os sentidos. É sim necessário o investimento no conhecimento em todos os aspectos e, certamente, viverá melhor quem conhecer mais. Em uma situação como atual que não viver parece normal, mesmo sem ser, abre-se uma estrada para genocídios dos mais absurdos como existente em governos e organizações políticas das mais autoritárias. Para além de defender o Estado de Direito tão falado e divulgado sem muitas explicações, deve-se também defender o Estado da Vida. Afinal o Estado que predomina, e é lamentavelmente conhecido pela maioria das pessoas, principalmente na periferia é o Estado da Morte.

    Que os espasmos das contradições existentes possam trazer questões para reflexão e, por essa razão em si, debater as circunstancias da prisão e importante, pois, prisão não é ambiente de mudança, e punição não é prática para estabelecer o bem viver. Mas se deve lembrar que punir, vigiar e condenar é algo que o Estado mais faz e se dispõe fazer.

    Devemos querer do Estado a garantia a vida com vacina para todas as pessoas, renda básica, auxilio emergencial. Para além de discutir Estado de Direito, papel dos “poderes” legais e as variações da legalidade, devemos avançar contra a defesa das várias faces das ditaduras e as práticas que provocam a discriminação, os preconceitos e o autoritarismo mais cortante, que emana em uma sociedade na qual o racismo e o machismo possuem seus elos estruturais e institucionais. Superar essa ordem capitalista que nos é imposta é um grande desafio para a liberdade e para a vida que construímos na história do povo trabalhador. Para nós, fica o compromisso com a formação, organização, mobilização e ação para aprofundar a democratização em todos os níveis e dimensões humanas.