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  • É HORA DE VIRAR O JOGO: UM FOLÊGO EM DEFESA DA VIDA . Por Francisvaldo Mendes

    É HORA DE VIRAR O JOGO: UM FOLÊGO EM DEFESA DA VIDA . Por Francisvaldo Mendes

    É HORA DE VIRAR O JOGO: UM FOLÊGO EM DEFESA DA VIDA

    Por Francisvaldo Mendes, presidente da FLCMF

    O debate sobre dívidas, orçamentos, gastos e investimentos é muito mais que um movimento institucional. Do ponto de vista político, inclusive, nos setores organizados, na sociedade civil e mesmo no Estado, precisam predominar os elementos que assumem e deixam óbvias as disputas para virar o jogo da desigualdade em nossa sociedade. O que está em questão é mesmo fazer com que a vida seja superior e mais importante que qualquer influência mórbida, entre os quais o poder do capital e a organização do lucro que predominam. Nós, brasileiras e brasileiros, trabalhadoras e trabalhadores, precisamos dar uma virada nos rumos do país. Significa ter a vida como elemento central na política e nas ações do Estado no lugar do “mercado”, que organiza o Estado, assim como governantes e a grande maioria de “representantes” parlamentares.

    Nesse sentido, a campanha É HORA DE VIRAR O JOGO é uma grande contribuição e acumula fôlego para que a vida predomine e a dignidade humana possa existir. A iniciativa da AUDITORIA CIDADÃ DA DIVIDA, tem por objetivo “mostrar a necessidade de mobilizar a sociedade para modificar o modelo econômico atual, o qual tem produzido escassez, miséria e atraso, que não combinam com a abundância que existe em nosso país”. Devemos superar os modelos de exploração, racismo, machismo e escravidão para tornar comum a coisa pública com acesso para todas as pessoas. A campanha chega para colaborar com as ações que precisamos construir e implementar para mudar o Brasil.

    A campanha tem como desafio enfrentar, com mobilização ampla na sociedade, a lamentável escolha do Estado e dos poderosos de privilegiar os bancos nacionais e internacionais. Assim a campanha contribui para enfrentar o que é imposto para a grande maioria das pessoas: o lucro acima da vida. E nesse momento que as pessoas padecem por uma política que não garante água, saneamento, saúde e cuidado de todas as pessoas, o vírus da COVID se alastra entre as pessoas, principalmente as mais exploradas e oprimidas.

    A chamada atual da campanha é contrária a PEC 32 que transforma o Estado em um espiral privado sem controle com formas de contratos precarizados. Por um lado, essa postura do Governo Central atua para enfraquecer as formas de organização dos trabalhadores no Estado, por outro lado, atua para precarizar as condições de viver, ou seja, gastar menos com qualquer coisa que seja a favor das pessoas. Essa PEC é um golpe duro na grande maioria das pessoas, que são as que mais precisam de Serviços do Estado, assim como um golpe duro nos trabalhadores também que padecem com a venda da força de trabalho para além da exploração. Não é possível que o Estado e o Governo Central apostem na morte dessa forma, ampliando o necrocapitalismo e a necropolítica em todos os aspectos. Agora com a porta aberta para a morte, com o vírus empurrando a vida ladeira abaixo, os organizadores do poder atuam para que diminua mesmo as pessoas que precisam do Estado e o Estado consolide cada vez mais seu vigor de investidor e organizador do lucro.

    O orçamento de 2019 já foi evidente sobre isso, com uma política que aposta em ampliar exploração, precarização, morte e controles dos corpos. Com um total de orçamento executado com o valor de 2,711 trilhões de reais, foram doados para os gastos com juros e amortização da dívida 1,3038 trilhões, ou seja, 38,27% de todo o orçamento. Políticas como taxar as grande riquezas, estabelecer a renda básica incondicional e universal, não passam nem longe das políticas que predominam no Estado. Mas, pior ainda, é necessário fazer movimentos, nas ruas e nas redes, para ter vacina seja garantida para todas as pessoas e assegurar o mínimo de dignidade com o básico para a sobrevivência.

    Esse orçamento executado no pré-covid, já demonstrava o conjunto das políticas comprometidas com o lucro, com o grande capital, com a privatização da coisa pública e com a morte. No mesmo momento que 38,71% são gastos com os bancos, o Estado investiu 0,32% em transporte; 0,12% em gestão ambiental; 0,23% em ciência e tecnologia; 0,02% em urbanismo; 0,03% em direitos e cidadania; 0,03% em cultura; 0,02% em saneamento. Nos percentuais dos números muito já é dito sobre a política que predomina no Estado, pois se trata de ações contra as a grande maioria das pessoas e da utilização do Estado para enriquecer estruturalmente ainda mais algumas famílias encasteladas na estrutura do poder e que se apropriaram do comun.

    Não haverá vida, não haverá democracia, sem o investimento no Bem Viver, na diminuição radical do abismo social na nossa sociedade. Nesse sentido, não se pode seguir como normal a existente de tais ações políticas, predominantes no tempo atual, que fazem da vida massacrada, desapropriada e condenada para fazer com que o lucro e as concentrações de riquezas se ampliarem.

    Não há dúvidas, precisamos virar esse jogo para o hoje e para que exista amanhã. Devermos, nas várias cidades brasileiras, gritar e atuar para a VIRADA. A campanha da AUDITORIA CIDADÃ DA DÍVIDA é mais um desse sopros que agregam ar para a democracia e para de defesa da vida e da dignidade humana. Todos esses sopros precisam ser apoiados, ampliados, fortalecidos em uma unidade que faça crescer a inteligência coletiva em favor da vida. É isso que está em questão no momento atual para suplantar o horizonte de lucro e o capitalismo, trata-se de um desafio que se colocada cada vez mais atual. Para avançar como vencedor, a multidão de explorados e exploradas precisa romper com todos os elos de dominação, virar e jogo e mostrar que nosso mundo deve se fazer com a vida acima de quaisquer moedas, qualquer poder, qualquer lucro, esteja onde estiver. O que queremos é viver e com dignidade plena. Portanto, avançar em direitos, democratização, participação, nas conquistas sociais que nos façam potentes.

  • A direita, a internet  e os livros . Por Haroldo Ceravolo Sereza

    A direita, a internet e os livros . Por Haroldo Ceravolo Sereza

    A direita, a internet e os livros

    O mercado editorial vive uma profunda mudança: as vendas em livrarias físicas caíram, mas a circulação de livros, não

    Por Haroldo Ceravolo Sereza

    No início de janeiro de 2021, o grupo Record, do Rio de Janeiro, anunciou a saída de Carlos Andreazza da direção-executiva, com a substituição por Rodrigo Lacerda. Aparentemente, uma pequena e quase discreta movimentação nos cargos de uma das grandes empresas do setor, que, além da própria editora Record, conta também com os selos Difel, Bertrand Brasil, José Olympio, Civilização Brasileira, Paz e Terra, Verus, BestSeller (e o selo Best Business), as Edições BestBolso, Rosa dos Tempos, Nova Era e Viva Livros.

    Andreazza é hoje mais conhecido pelos comentários que fazia diariamente na rádio negacionista Jovem Pan. Recentemente, foi contratado pela CBN e será um dos âncoras a partir de fevereiro. Também tem uma coluna no jornal O Globo. É sobrinho do coronel Mario Andreazza (1918-88), o candidato preferido dos militares à Presidência. Foi derrotado na convenção do partido da ditadura, o PDS (atual Progressistas), por Paulo Maluf, que perderia a disputa indireta de 1985 para Tancredo Neves (PMDB). Estava na Record havia oito anos.

    Propaganda lacerdista

    O grupo Record, inicialmente uma distribuidora de serviços para a imprensa, como tiras de quadrinhos e artigos, passou a publicar livros nos anos 1960 para divulgar as ideias de Carlos Lacerda (1914-77) e fazer muita propaganda anticomunista. Foi uma das editoras que, obviamente, mais apoiaram o golpe de 1964. Carlos Lacerda, aliás, criou uma editora muito importante também, a Nova Fronteira, da qual o novo diretor do grupo Record, neto do governador do Rio em 1964, já foi gerente editorial.

    O grupo Record, inicialmente uma distribuidora de serviços para a imprensa, como tiras de quadrinhos e artigos, passou a publicar livros nos anos 1960 para divulgar as ideias de Carlos Lacerda (1914-77) e fazer muita propaganda anticomunista. Foi uma das editoras que, obviamente, mais apoiaram o golpe de 1964

    Essas genealogias sugerem a relevância que a tradição cultural da direita dá aos projetos ideológicos de fundo e para o papel fundamental que o mercado editorial teve no golpe de 2016 e na trajetória política do país que levou Jair Bolsonaro ao poder. onge de ser um campo neutro, algumas das principais editoras e livrarias – e entidades que representam as grandes casas publicadoras – foram atores diretos da disputa ideológica em que estamos metidos.

    A construção de um ambiente hostil à esquerda recorreu a diferentes métodos de intervenção no debate político cultural. A edição e a superexposição de autores medíocres, embalados pela publicidade e pela compra de espaço nas livrarias, sugerem que, mais do que “ganhar dinheiro” diretamente com a venda de livros, algumas editoras se engajaram de modo explícito e empolgado na vida política. O resultado econômico imediato cedeu às pressões da luta ideológica. Não há estudos suficientes que indiquem claramente o financiamento político dessas empresas por institutos e think tanks que estiveram à frente desse combate. Mas, como o mercado editorial é, economicamente falando, bastante pequeno, é muito difícil detectar essas movimentações a quente. Normalmente, o entendimento desse mecanismo leva anos para ser desvendado, como foi o caso do apoio norte-americano à editora GRD, na década de 1960, comandada pelo escritor Rubem Fonseca. Essa casa, também especializada na difusão de ideologia reacionária, foi responsável pela publicação dos primeiros livros do hoje consagrado autor, um notório articulador do complexo ideológico Ipes-Ibad, institutos que organizaram o discurso e o dinheiro internacional que sustentou o golpe de 1964.

    Guinada à extrema direita

    Evidentemente ninguém é responsável pelos atos de tios e avós, mas Andreazza é responsável, sim, por uma radical guinada à extrema direita do grupo Record. Ele é o editor de Olavo de Carvalho, Rodrigo Constantino e tantos outros. Também foi o editor que tirou de catálogo incontáveis autores progressistas e socialistas. Lacerda tem um perfil mais discreto e menos radical que o de Andreazza, e creio que ainda é cedo para avaliarmos o impacto da mudança. De todo modo, a saída de Andreazza da Record, em tese, coloca a editora numa posição menos engajada com a ultradireita que liderou o golpe.

    Durante os anos 2010, essa ultradireita levou muito a sério a criação e a difusão, com práticas de marketing agressivas, de livros. O Grupo Record, ainda antes de Andreazza assumir um posto de direção, já responsável pela publicação do jornalista Reinaldo Azevedo, fez uma agressiva campanha, fundada em desinformação, contra o prêmio Jabuti de Livro do Ano de Chico Buarque em 2010, autor de Leite derramado, publicado pela Companhia das Letras.

    Num modelo de financiamento que dependia das editoras para bancar o crescimento, livrarias em dificuldades econômicas trocaram a ideia de gerirem espaços plurais política e culturalmente pela venda descarada de melhores lugares nas gôndolas de livros (não mais estantes) para as editoras capitalizadas. Direitistas envergonhados que dirigiam essas livrarias viram-se também representados por essa onda, e passaram a ser defensores ardorosos do Estado mínimo enquanto se afundavam em empréstimos obtidos no BNDES, num dos maiores erros setoriais do banco durante os anos Lula e Dilma.

    Falência das grandes livrarias

    Como sabemos, o projeto político vingou, mas as livrarias faliram. 2020 foi o ano em que as redes Saraiva e Cultura, as duas maiores do país, minguaram, numa crise que seria pouco diferente se não fosse a pandemia. Esses negócios vinham enfrentando dificuldades de longa data, dificuldades que derivam de erros de planejamento econômico, de administração cotidiana infeliz e, também, das derivas políticas desastrosas, que espantaram parte do público fiel. Essas lojas, que deixaram de pagar centenas de milhões de reais a fornecedores e trabalhadores, sofrem também com uma crise estrutural do setor, que, pressionado pela publicação legal ou ilegal de livros e textos digitais, viu o faturamento cair, em termos reais, 20% nos últimos 14 anos.

     

    Segundo o IBGE, de janeiro a novembro de 2020, as livrarias sofreram uma dura contração: o portal Publishnews, especialista no acompanhamento do mercado editorial, noticiou que o setor varejista de livros, jornais, revistas e papelaria apresentou perda acumulada de 29,7%. A Veja São Paulo também registrou uma nova ronda de demissões na Livraria Cultura, com o corte de dezenas de funcionários em 8 de janeiro de 2021. Dirigindo-se aos trabalhadores da rede, Sérgio Herz, CEO da Cultura, afirmou que a empresa “não está fazendo nada de mais” em atrasar os pagamentos e, em nota, a rede justificou as demissões como consequência de uma adequação “devido à nova realidade”: “o mercado migrou para o on-line e as vendas pela internet representam hoje, em média, 80% do total das vendas no Brasil”.

    Vendas físicas e online

    De acordo com o site da revista Pequenas empresas, grandes negócios, em 2019, segundo pesquisa divulgada pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL), “as livrarias físicas e as vendas on-line representaram, respectivamente, 50,5% e 17,9% do faturamento do setor editorial. A expectativa é que, este ano, a internet tenha sido responsável, sozinha, por mais da metade”.

    O mercado editorial brasileiro vive uma profunda mudança: as vendas em livrarias físicas caíram, mas a circulação de livros, não. Os números detalhados ainda não temos, mas tudo sugere que o principal espaço de difusão de livros deixou de ser a livraria física e passou a ser a Amazon. Trocamos o controle das redes de livrarias reacionárias pelo controle pela empresa do homem mais rico do mundo hoje, Jeff Bezzos

    Como mostra o gráfico 1 acima, essa queda não foi tão sentida pelas editoras em geral, especialmente as que dependiam menos das duas redes, por conta da venda on-line de livros – seja em sites próprios, de cada empresa, seja pela Amazon. Quando os dados incluem a venda on-line, os resultados são outros.

    Segundo o Painel do Varejo de Livros no Brasil (veja gráfico 1), acompanhamento em tempo real do mercado editorial brasileiro, feito pela Nielsen [Media Research por encomenda do Sindicato Nacional dos Editores de Livros, até o fim de novembro de 2020 foram vendidos tantos exemplares e alcançou-se quase o mesmo faturamento que nos doze meses de 2020. De acordo com o Publishnews, “por questões contratuais da Nielsen com as varejistas, o documento não esmiúça o que foi realizado em lojas de argamassa e tijolo e aquilo que foi vendido em lojas exclusivamente virtuais, mas livreiros e editores ouvidos pelo PublishNews apontam que grande parte dessas vendas foi realizada em e-commerces, mostrando que esse segmento é o que tem sustentado essa recuperação apontada pelo Painel”.

    É fundamental que a esquerda leve a sério o acompanhamento e a atuação do mercado editorial, por meio de editoras ligadas diretamente ou historicamente aos movimentos populares e progressistas, e favoreça a construção de redes alternativas de distribuição, compreendendo definitivamente a importância política estratégica e tática do setor, incorporando a suas lutas projetos e reivindicações que revertam a hiperconcentração do setor e a falta de pluralismo que sufoca as propostas populares

    Assim, o mercado editorial brasileiro vive uma profunda mudança: as vendas em livrarias físicas caíram, mas a circulação de livros, não. Os números detalhados ainda não temos, mas tudo sugere que o principal espaço de difusão de livros deixou de ser a livraria física e passou a ser a Amazon. Trocamos o controle das redes de livrarias reacionárias pelo controle pela empresa do homem mais rico do mundo hoje, Jeff Bezzos.

    Redes alternativas

    Nesse cenário, parece fundamental que a esquerda leve a sério o acompanhamento e a atuação do mercado editorial, por meio de editoras ligadas diretamente ou historicamente aos movimentos populares e progressistas, e favoreça a construção de redes alternativas de distribuição, compreendendo definitivamente a importância política estratégica e tática do setor, incorporando a suas lutas projetos e reivindicações que revertam a hiperconcentração do setor e a falta de pluralismo que sufoca as propostas populares.

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    Haroldo Ceravolo Sereza, doutor em Letras pela FFLCH-USP, é fundador de Alameda Casa Editorial, ex-presidente das Liga Brasileira de Editoras (2011-2015) e representante eleito do Conselho do Plano Municipal do Livro, Leitura e Literatura do município de São Paulo.

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    Fontes:
    Agência O Globo/Revista Pequenas Empresas, Grandes Negócios: O ano em que o e-commerce salvou o mercado editorial. https://revistapegn.globo.com/Banco-de-ideias/E-commerce/noticia/2020/12/o-ano-em-que-o-e-commerce-salvou-o-mercado-editorial.html
    O Estado de São Paulo: Mercado editorial brasileiro encolhe 20% em 14 anos. https://cultura.estadao.com.br/noticias/literatura,mercado-editorial-brasileiro-encolhe-20-em-14-anos,70003357850
    Publishnews: Nielsen: Black Friday polpuda salva 2020. https://www.publishnews.com.br/materias/2020/12/18/nielsen-black-friday-polpuda-salva-2020
    Publishnews: Mais demissões na Cultura. https://www.publishnews.com.br/materias/2021/01/18/apanhadao-mais-demissoes-na-cultura
    Veja São Paulo: Cultura demite 30 no último corte; ex-funcionários protestam para receber. https://vejasp.abril.com.br/cidades/livraria-cultura-fgts-rescisao-atrasado-pagamento-funcionario/
    Folha de São Paulo: Editor Carlos Andreazza deixa o grupo Record para se dedicar ao jornalismo. https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2021/01/editor-carlos-andreazza-deixa-o-grupo-record-para-se-dedicar-ao-jornalismo.shtml

  • Baixe a Revista Socialismo & Liberdade n.31

    Baixe a Revista Socialismo & Liberdade n.31

    CONQUISTAR A VIDA E AVANÇAR PARA A DIGNIDADE HUMANA

    Francisvaldo Mendes de Souza
    Diretor-presidente da Fundação
    Lauro Campos e Marielle Franco

    Eis nossa revista 31, coletiva e focada nos desafios do presente. Não temos dúvidas em afirmar que o impeachment de Bolsonaro é decisivo para impedir o desmonte do país e avançar em conquistas e no acúmulo de forças por um Brasil melhor. Mas neste momento há desafios que precisamos construir coletivamente, pois, além de tirar o pior presidente eleito de todos os tempos no Brasil, precisamos fortalecer o SUS, exigir auxílio emergencial e assegurar que todas as pessoas tomem a vacina.

    Medidas urgentes e fundamentais para colocar a vida acima da morte e acima do lucro. As mortes precisam ser paralisadas imediatamente e ações positivas devem tomar as marcas e se fazer como sinais presentes no tempo.

    Assim, seguem as várias contribuições de artigos qualificados com a diversidade para a conquista da liberdade que o PSOL apresenta. Como está nas linhas desenhadas por Juliano Medeiros “o desemprego alcançou a taxa de 14,3% da população economicamente ativa entre agosto e outubro, com uma alta em relação ao trimestre anterior. A pobreza extrema, um dos indicadores mais assustadores da desigualdade social no Brasil, deve dobrar em 2021”. Para além de impedir que tais consequências da política de morte avancem precisamos também criar bolsões coletivos para a política da vida. Não há tempo a perder no avanço político e precisamos sim avançar coletivamente.

    Não é possível viver uma pandemia a cada segundo da vida. A pandemia do desemprego, a pandemia dos baixos salários, a pandemia da ausência de moradia, a pandemia da inexistência de políticas de educação, saúde e arte. Essa estrada repleta de obstáculos para a maioria das pessoas deve ser superada com uma roda que gire a favor da liberdade, da vida e do socialismo. Será com ações como essas, que apresentamos em nossas revistas, unificando as diferenças e a diversidade de mulheres e homens que lutam por um mundo melhor, que avançaremos para superar o capitalismo e conquistar o viver plenamente.

    Nesse sentido, como bem afirmado por Berna, o “Brasil está com boa parte dos pulmões comprometidos, respirando por aparelhos, conseguiu vaga na UTI, mas acabou o oxigênio”. Será, portanto, nossa unidade, com a diversidade que a amplia, com a participação ativa que fará alterar a lamentável realidade do nosso país.

    Como bem descrito por Boulos, o auxílio emergencial que chegou para aproximadamente 70 milhões de pessoas, “funcionou até aqui como um colchão social. Foi por causa dele que nós reduzimos cenas explícitas de miséria e de violência”. E precisamos ir além, para além de manter quaisquer pingos de manutenção da vida, precisamos ampliar. A taxação das grandes fortunas e a conquista da RENDA BÁSICA INCONDICIONAL E UNIVERSAL são elementos centrais nesse potencial avanço, com passos firmes para fazer outro mundo possível.

    Assim, seguimos apostando em nossa inteligência coletiva. Caminhamos no investimento em formação, organização e ação revolucionária, para olhar um futuro que o socialismo exista e que o presente tenha marcas do amanhã com dignidade e ações dos sujeitos sociais, que são as trabalhadoras e os trabalhadores do nosso tempo. A revista é rica e apresenta diversidades de leituras e análises para potencializar nossos desafios. Vamos dar um passo à frente, conquistar direitos, tecer a vida com dignidade e fazer valer nossa unidade na diversidade.

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  • Dez notas inquietas: desafios e perigos em 2021 . Por Valério Arcary

    Dez notas inquietas: desafios e perigos em 2021 . Por Valério Arcary

    Dez notas inquietas: desafios e perigos em 2021

    O resultado eleitoral de 2020 colocou o PSOL em novo patamar na cena nacional. Deixou de ser uma agremiação secundária e passou a ter maior legitimidade social e audiência popular. É nessa situação que o partido deve se preparar não apenas para 2022, mas especialmente para os desafios imediatos, diante de um governo de extrema direita, ainda forte, e em meio à crise da pandemia e de um mergulho recessivo de grande magnitude

    Por Valerio Arcary

    Se de noite chorares pelo sol não verás as estrelas.
    Sabedoria popular indiana

    01.

    O PSOL entra em 2021 mais forte e influente. Cresceu sua audiência popular e autoridade política em plena situação reacionária. Tem novas responsabilidades. Mas há uma “maldição” dialética entre vitórias e derrotas, porque surgem novos desafios e, também, perigos. Ou, na sabedoria popular: “quando as coisas dão certo aumentam as chances de dar errado”. O PSOL obteve vitórias político-eleitorais, mas permanece ainda, organicamente, frágil em implantação de base, formação de quadros, finanças próprias, sistema de imprensa e pressões eleitoralistas. Imaginar que o amanhã será, essencialmente, uma continuidade de ontem é outro desses perigos. Mesmo militantes revolucionários, treinados para a espera de inflexões, têm dificuldades. As mudanças na realidade são sempre quantitativas, e menos perceptíveis, até que ocorre o salto qualitativo. Mas a vida e a luta política não são lineares. A situação defensiva ainda não mudou. Mas não se eternizará, indefinidamente. O mais importante é a capacidade de previsão dos conflitos e rupturas, para que estejamos capazes de enfrentar as oportunidades que virão na hora das grandes turbulências, sem improvisos. As condições objetivas serão terríveis no ano que inicia, mas um agravamento da crise social não será o bastante. A questão decisiva será a maturação das condições subjetivas para derrotar Bolsonaro. É nesse terreno que está o maior desafio do PSOL em 2021.

    O PSOL obteve vitórias político-eleitorais, mas permanece ainda, organicamente, frágil em implantação de base, formação de quadros, finanças próprias, sistema de imprensa e pressões eleitoralistas. Imaginar que o amanhã será, essencialmente, uma continuidade de ontem é outro desses perigos

    02.

    Os fatores objetivos da crise social devem se agravar. A pandemia está à deriva e o colapso em Manaus prenuncia que uma catástrofe está no horizonte, enquanto a vacinação será um processo, na melhor das hipóteses, lento e complicado. O fim do auxílio emergencial de R$ 600 para 65 milhões de pessoas; o fim da complementação salarial para outros dez milhões, no contexto de uma contração econômica de 4% a 5% do PIB sugerem um cenário de crise social. Os empregados, por conta própria, caíram de 24,7 milhões para 21,7 milhões. Os trabalhadores sem carteira assinada, outra parcela do semiproletariado, caíram de 11,8 para 9 milhões. Entre os trabalhadores com carteira assinada a queda, entre dezembro de 2019 e o fim do terceiro trimestre de 2020, foi de 33,6 milhões para 29,3 milhões. Estima-se que até 14 milhões de pessoas poderiam cair na pobreza extrema, na maioria jovens, mulheres e negros. Mas somente a degradação da situação de vida das massas não será o bastante para derrotar Bolsonaro.

    03.

    Entretanto, surgiram mais diferenças internas. Diferenças são inevitáveis, mas é possível evitar a praga do fracionalismo. Tivemos a formação, em alguma medida surpreendente, de um bloco que defendeu o apoio a Baleia Rossi, desde o primeiro turno na eleição da presidênia da Câmara dos Deputados. Confundir a relação de forças políticas ultradesfavorável dentro do Congresso Nacional com a relação de forças social no terreno da luta de classes remete a algum grau de miopia política. Na forma, a diferença foi tática, e não deve ser dramatizada. Mas o caminho para a derrota de Bolsonaro é a mãe de todas as batalhas. Nas últimas décadas de estabilidade do regime, as negociações em torno da eleição da presidência da Câmara, dos cargos na mesa, e distribuição nas comissões e relatorias foram um tema menor, quase uma subtática parlamentar. Só que estamos em condições excepcionais sob o governo Bolsonaro, um presidente neofascista à frente de um governo de extrema direita com um projeto bonapartista. O fato de ter sido tão polêmico o lançamento de uma candidatura de esquerda no primeiro turno, quando havia acordo em um voto crítico contra Artur Lira no segundo turno foi um pouco perturbador. Por quê? Há três grandes blocos políticos no Brasil, não dois. Devemos ter a lucidez de fazer unidade de ação pontual com lideranças burguesas contra Bolsonaro em defesa das liberdades democráticas. Mas não poderíamos entrar, sem diferenciação prévia, se não é necessário, no bloco que sustenta o projeto de Maia.

    04.

    Não podemos saber se Bolsonaro conseguirá ou não concluir o mandato até 2022. Nosso combate deve ser pelo impedimento, não a antecipação da tática eleitoral de 2022. Mas nesse processo, o PSOL estará tensionado, permanentemente, sobre qual deve ser a política de alianças, pois há um desafio dialético: o impeachment só é possível com a tática de unidade de ação, mas o centro da estratégia deve ser a afirmação de um polo de esquerda independente da burguesia na liderança da oposição. Essa disputa está em aberto. Depois de dois anos de mandato, o desgaste do governo vem aumentando, mas lentamente, a despeito do desastre da gestão da pandemia. É possível, senão provável, que no ano de 2021 aconteça uma corrosão da influência que o bolsonarismo mantém nas classes populares, uma aceleração da experiência nas camadas médias, e uma maior divisão na massa na burguesia. É preocupante que o bloco liderado Dória/Maia com o PSDB/DEM/MDB tenha conseguido manter posições, como se confirmou nas eleições municipais, e será reforçado na “guerra” das vacinas. É também inquietante que o bloco liderado por Ciro Gomes, mantenha-se com alguma força na disputa dentro da oposição. O PSOL tem contribuído para que uma Frente de Esquerda se fortaleça ao se comprometer com as iniciativas das Frentes Brasil Popular/Povo Sem Medo, e ao articular com o PT, PCdoB na apresentação de um pedido de impeachment comum. O PSOL não pode ter uma posição indistinta ou equidistante diante dos três blocos em que se divide a oposição, porque há uma linha de classe que nos separa de Dória/Maia e de Ciro Gomes. Podemos fazer unidade de ação com todos, mas a prioridade do PSOL deve ser a Frente de Esquerda.

    A pandemia está à deriva e o colapso em Manaus prenuncia que uma catástrofe está no horizonte, enquanto a vacinação será um processo, na melhor das hipóteses, lento e complicado. O fim do auxílio emergencial de R$ 600 para 65 milhões de pessoas; o fim da complementação salarial para outros dez milhões, no contexto de uma contração econômica de 4% a 5% do PIB sugerem um cenário de crise social

    05.

    A defesa da Frente Única de Esquerda é indispensável para conseguir mobilizar na escala de massas contra Bolsonaro. Devemos reconhecer que a experiência com o PT não se esgotou. Permanece interrompida. E a confiança em Lula é ainda maior que no PT. O PSOL não pode perder o sentido das proporções. Sem o PT não é possível a esquerda disputar a liderança da oposição a Bolsonaro. Com o PT já será difícil. Sem o PT quem estará em melhores condições de expressar o mal-estar contra o bolsonarismo será a oposição liberal, ou até Ciro Gomes, um desenlace regressivo.

    06.

    Frente Única de Esquerda para lutar não tem como desdobramento inevitável candidaturas únicas de esquerda nas eleições desde o primeiro turno. A orientação de lançar candidaturas próprias foi referendada política e eleitoralmente. Time que não joga não tem torcida, mas time que joga e sempre perde, também não tem. Evidentemente, a audiência de Boulos nas eleições presidenciais de 2018 foi favorecida pelo impedimento da candidatura de Lula. A influência de Boulos em 2020 foi, também, aumentada pela ausência da candidatura de Haddad. O mais importante é a defesa de um programa classista e anticapitalista como a saída para a crise. Mas o papel dos indivíduos, como o de Boulos, importa. O crescimento e o fortalecimento de mulheres, negras e negros, pessoas LGBTI+ como parlamentares e lideranças do partido, importam. Os votos para vereadores em escala nacional são uma indicação de que o PSOL ocupa um lugar próprio na representação dos movimentos sociais que se articularam com mais força desde as jornadas de junho de 2013.

    Não podemos saber se Bolsonaro conseguirá ou não concluir o mandato até 2022. Nosso combate deve ser pelo impedimento, não a antecipação da tática eleitoral de 2022. Mas nesse processo, o PSOL estará tensionado, permanentemente, sobre qual deve ser a política de alianças

    07.

    Boulos se afirmou como o principal líder da esquerda depois de Lula. Essa é uma conquista imensa. Não pode ser diminuída, nem deve ser sobre-estimada: um milhão de votos conquistados no primeiro turno de 2021 foi espetacular, mas não nos deve levar a conclusões erradas. A votação de Boulos não permite concluir que as ilusões reformistas na colaboração de classes, que embalaram a confiança no PT durante décadas, foram superadas. Não foram e não poderiam ser em uma situação reacionária, em que pesam muitas mediações. A audiência para as posições políticas de Boulos e do PSOL, a capacidade de convocar mobilizações e o papel desse pólo combativo na oposição a Bolsonaro e ao tucanato se ampliaram, qualitativamente, mas os votos de Boulos não equivalem, diretamente, a votos no PSOL, menos ainda na estratégia da revolução brasileira. Assim, como a votação em Marcelo Freixo no Rio de Janeiro, quatro anos antes, como se pode confirmar na votação para prefeito do PSOL em 2020. Mesmo o apoio de mais de 400 mil votos às candidaturas proporcionais do PSOL na capital paulista deve ser bem calibrado para ser compreendido. A conexão do PSOL com a demanda de representação de movimentos negros, feministas, LGBTI+’s, ambientais, de Juventude, mandatos coletivos não personalistas, e com a necessidade de renovação de lideranças é um passo importante para a implantação do partido na vanguarda da classe trabalhadora. Porém, o trabalho de base orgânico do PSOL na classe trabalhadora e na periferia, ainda é frágil.

    08.

    A vitória político-eleitoral em São Paulo não deve, também, ser subestimada. Boulos e Erundina defenderam uma ideia poderosa: só a luta social muda a vida. Esse é o eixo de método da tradição marxista inspirada no programa de transição: a mobilização permanente. Boulos defendeu não só a legitimidade das ocupações de terra, mas a revolta diante do assassinato de João Alberto no Carrefour, e as lutas contra a PEC do teto com enfrentamento direto ao prédio da FIESP. Uma campanha, corajosamente, classista. O fato desse perfil ter conseguido ir ao segundo turno, diante de um perfil moderado-técnico do PT, mas com enraizamento muito superior, foi formidável. Afinal, no início da campanha, Boulos só era lembrado por 40% da população. A campanha foi vitoriosa entre a juventude de 16 a 24 anos. O apoio do PT e do PCdoB, no segundo turno, à candidatura de Guilherme Boulos em São Paulo era previsível, mas as declarações de líderes de partidos de centro-esquerda contra os tucanos foram atípicas e excepcionais. Boulos não é um clone de Lula, nem o PSOL é uma mimetização do PT. Há continuidades e rupturas.

    O mais importante é a defesa de um programa classista e anticapitalista como a saída para a crise. Mas o papel dos indivíduos, como o de Boulos, importa. O crescimento e o fortalecimento de mulheres, negras e negros, pessoas LGBTI+ como parlamentares e lideranças do partido, importam. Os votos para vereadores em escala nacional são uma indicação de que o PSOL ocupa um lugar próprio na representação dos movimentos sociais

    09.

    O PSOL tem um peso político muito maior que sua expressão parlamentar. Elegeu 88 mandatos municipais e 5 prefeituras, incluindo uma capital: Belém. Entre os mandatos eleitos do PSOL, 40% foram mulheres, cerca de 47,7% dos eleitos foram negros. Ainda houve a eleição de quatro candidaturas trans. O PSOL apostou, ainda que com debate áspero de nuances, majoritariamente, numa aliança com o MTST, o movimento social que mais se destacou desde as jornadas de junho de 2013. O resultado das eleições, em algumas das principais capitais do país, colocou o PSOL ao lado do PT, agora na primeira linha da esquerda, ainda que seja menor, com menos capilaridade e, sobretudo, com menos influência nas organizações que expressam os setores da classe trabalhadora organizada.

    10.

    Mas o PSOL teve, para vereadores, votações superiores ao PT no Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, entre outras, e chegou ao segundo turno para prefeito em São Paulo. Há um balanço político na raiz desse fortalecimento. Uma aposta que se traduziu, em 2018, na campanha de Boulos e Guajajara à presidência. Com essa localização, também, posicionou-se na luta contra o golpe parlamentar que derrubou o governo de Dilma Rousseff, na luta pela liberdade de Lula, assim como na luta pela Frente Única de Esquerda contra Temer e pelo Fora Bolsonaro. Conseguiu a vitória de ultrapassar a cláusula de barreira eleitoral em 2018. Nesse marco político, PSOL e MTST confirmaram ser um polo dinâmico da esquerda. Mas a hora dos grandes desafios ainda não chegou. Não há passagem política para uma nova direção “a frio”. Somente, quando se abrir uma nova situação política, quando de uma grande onda de lutas, o PSOL será colocado à prova diante da história.

    O PSOL tem um peso político muito maior que sua expressão parlamentar. Elegeu 88 mandatos municipais e 5 prefeituras, incluindo uma capital: Belém. Entre os mandatos eleitos do PSOL, 40% foram mulheres, cerca de 47,7% dos eleitos foram negros. Ainda houve a eleição de quatro candidaturas trans

    Valerio Arcary é professor titular do IFSP, doutor em História pela USP. Foi presidente nacional do PSTU entre 1993/98. É militante do PSOL, membro da Resistência e autor de O martelo da história, entre outros livros.

  • Perspectivas para a América Latina no governo Biden . Por Rafael Ioris

    Perspectivas para a América Latina no governo Biden . Por Rafael Ioris

    Algo novo no front ou mais do mesmo?

    Perspectivas para a América Latina no governo Biden

    Não estão claras as prioridades da nova administração dos EUA para o continente, para além da tradicional defesa contra a influência chinesa, o combate ao narcotráfico e as pressões sobre a Venezuela. Biden certamente buscará maior articulação com seus vizinhos, mas isso continuará a ser feito de forma pragmática e guiada pelos interesses econômicos de Washington

    Por Rafael Ioris

    Se a maior potência militar do planeta não pode mais pontificar sobre seu sistema político como modelo para o mundo, pelo menos como terra do espetáculo os Estados Unidos ainda têm alta influência mundial. Após longos dias de antecipação e suspense acompanhados por espectadores atentos ao redor do globo, o inepto e descentralizado sistema de eleições daquele país consagrou Joe Biden, ex-vice-presidente e um dos caciques do Partido Democrata, como o próximo presidente da terra de

    Lincoln. Mas, ao contrário de resolver o clima de disputas internas, a eleição de Biden, pelo menos por ora, aguçou o clima de tensão no país.

    É incerto o que Trump esperava ganhar ao insuflar sua base para ações como a invasão do Congresso. Talvez somente manter a relevância como líder entre os partidários? Talvez efetivamente forçar uma ruptura institucional? O fato é que os Estados Unidos continuarão imersos no mais alto clima de polarização política que o país enfrentou desde os anos 1960

    O que vimos nas semanas seguintes à eleição de novembro de 2020 foi que, liderados pelo magnata imobiliário da extrema direita, apoiadores da agenda xenófoba, autoritária e de supremacia racial branca questionaram a legitimidade do pleito e prometeram reverter o resultado de forma a manter Trump no poder.

    Tais dinâmicas culminaram na invasão violenta do Congresso norte-americano que ocorreu no dia 6 de janeiro de 2021. Foi um evento histórico, traumático e que, ao contrário do que esperavam Trump e os apoiadores, serviu para deslegitimar o grande líder e seus seguidores, e aglutinar forças políticas tradicionais, a mídia e a opinião pública em defesa da institucionalidade.

    Luta incerta

    É incerto o que Trump esperava ganhar com tais eventos ao insuflar a base com ações tão graves e inusitadas. Talvez somente manter a relevância como líder entre seus partidários? Talvez efetivamente forçar uma ruptura institucional? O fato é que os Estados Unidos continuarão imersos no mais alto clima de polarização política que o país enfrentou desde os anos 1960, e dentro de um contexto no qual grupos radicais extremistas conseguem ter um maior peso e influência do que em períodos anteriores.

    Diante da forte crise política e econômica que os EUA vêm enfrentando nos últimos anos, – processo aprofundado pela pandemia e pela crescente presença chinesa na região -, o que se pode esperar do próximo governo democrata com relação à América Latina?

    Imerso em enormes desafios internos, buscará o novo presidente projetos e iniciativas inovadoras na região, ou será Joe Biden um líder focado no contexto doméstico? Que peso terá o hemisfério ocidental na política externa do novo governo?
    Traço a seguir possíveis linhas e tendências para o relacionamento entre a América Latina e os Estados Unidos nos próximos anos. É certo que se trata de um cenário ainda em composição e, portanto, com alta imprevisibilidade. Busquei focar temas e eixos analíticos de viés mais estrutural. Mas, ainda assim, ressalto a natureza provisória e mesmo especulativa da análise que, não obstante, seja útil para novas reflexões a serem produzidas ao longo dos próximos meses e anos.

    País dividido e foco doméstico

    A fim de responder as questões colocadas, caberia apontar, em primeiro lugar, que a realidade saída das urnas na histórica eleição de 2020 é a de um país profundamente polarizado entre setores que defendem posições em grande parte irreconciliáveis, tantos em temas econômicos, como em questões de cunho cultural e moral – cenário que obviamente apresentará grandes desafios para o novo governo. Se com a vitória de Biden, os Estados Unidos poderão retornar a racionalidade em termos de formulação de políticas públicas e de institucionalidade formal em termos diplomáticos, o trumpismo continuará vivo e influente como força política definidora de tendências naquele país.

    Além disso, fazendo jus ao perfil moderado do novo presidente, a administração Biden será provavelmente pautada por um teor reconciliador e tenderá a governar pelo centro. Da mesma forma, dadas as enormes dificuldades sanitárias e econômicas que o país enfrenta, o novo governo deverá se concentrar, em grande medida, no contexto doméstico.

    Barack Obama liderou os governos com o maior número de deportações da história recente do país e teve uma atuação nada modelar na defesa puramente formal das regras democráticas na região, frente aos golpes de Estado dos últimos anos na América Latina. Além disso, os democratas têm um longo histórico de promoção de uma política externa hemisférica de viés neoliberal

    Por fim, levando-se em consideração os nomes indicados até agora para assumir as posições centrais na burocracia responsável pela formulação de política externa na vindoura gestão nos EUA – Antony Blinken no posto de Secretário de Estado e Jake Sullivan como Assessor de Segurança Nacional, todos funcionários de carreira que ocuparam cargos importantes no governo Obama –, teremos uma gestão pautada mais pelo espírito de reconstrução do que de transformação. E mesmo levando-se em conta que no governo Trump os países ao sul eram vistos essencialmente por meio de lentes internas (com um discurso agressivo anti-imigrante, destinado a agradar a base nativista do partido Republicano), lembremos que Joe Biden participou, como vice-presidente, de um governo que também apresentou uma postura dura com relação aos imigrantes latinos.

    Barack Obama liderou os governos com o maior número de deportações da história recente do país e teve uma atuação nada modelar em sua defesa puramente formal das regras democráticas na região, frente aos golpes de Estado dos últimos anos na América Latina. E, além disso, os democratas têm um longo histórico de promoção de uma política externa hemisférica de viés neoliberal, centrada na promoção dos interesses econômicos de suas empresas, assim como no eixo da segurança nacional, definido em termos bem estreitos: defesa da fronteira e combate ao narcotráfico e ao terrorismo.

    Continuidades dentro da tradição diplomática daquele país tenderão a dar o mote do comportamento internacional, embora certamente ocorrerão ajustes em áreas específicas – no mais das vezes, derivados de demandas e pressões internas, como exemplo a temática migratória.

    Maior interesse na região, mas sem sobressaltos

    Embora o patamar de relacionamento de Trump com a América Latina tenha sido mínimo, guinadas históricas rumo a um intenso relacionamento com nossa região seriam surpreendentes. Isso se aplica inclusive à histórica promoção da lógica mercantil (formalmente de livre comércio) da diplomacia norte-americana, uma vez que hoje aquele país vive um momento de protecionismo muito mais intenso, que deve continuar o governo Biden.

    De maneira concreta, em artigo em que analisa a situação latino-americana no final do segundo ano de mandato de Donald Trump, Joe Biden afirmou que os EUA haviam negligenciado de maneira perigosa a presença junto aos vizinhos ao sul da fronteira. Isso teria dado margem excessiva a uma maior influência de outras potências econômicas e militares globais na região, em especial uma maior atuação da China e, em alguns lugares, da Rússia.

    Trump também teria descontinuado programas importantes, como a aproximação estabelecida por Obama junto a Cuba e a ajuda econômica e de segurança que os EUA tinham destinado a países da América Central. Aqui, a referência é ao chamado Triângulo do Norte (Guatemala, Honduras e El Salvador), focos nodais da últimas ondas migratórias rumo ao território norte-americano, decorrentes de continuadas e crescentes crises econômicas e de segurança locais.

    Ainda segundo Biden, o vácuo criado por Trump na região teria de ser revertido a fim de manter a América Latina sob a égide dos interesses e agenda norte-americana. E nessa nova expressão da lógica hegemônica, a liderança norte-americana deveria exercer também pela promoção de sua visão específica de democracia e pelo combate ao que se entende como uma crescente corrupção regional, de maneira especial, na Venezuela e Nicarágua.

    E seria importante apontar que Biden não demostra a mesma preocupação com a crescente erosão das instituições democráticas em outros países da região, nem faz nenhuma mea culpa no que se refere ao papel da diplomacia norte-americana na legitimação de processos golpistas em diversos países da América Latina, como Honduras, em 2009, no Paraguai, em 2013 e mesmo em nosso país, em 2016.

    Cúpula da democracia

    Em uma das poucas promessas concretas para a administração, Biden diz pretender sediar uma Cúpula da Democracia, em que provavelmente se buscará, mais uma vez, a promoção de programas de cooperação entre o FBI e Ministérios Públicos regionais nos moldes das investigações politicamente enviesadas, como as da Operação Lava Jato, no Brasil e Peru. Na mesma direção, no sumário do programa de governo publicado após a confirmação de sua vitória, Biden aponta que tentará reestabelecer princípios multilaterais e institucionais à política externa norte-americana, de modo que os EUA voltarão ao Tratado Climático de Paris e à Organização Mundial da Saúde (OMS). Também trabalharão para reestabelecer o diálogo e a cooperação junto aos aliados tradicionais, em especial a União Europeia e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), de modo a conter a expansão de países que continuam vistos como rivais principais ao redor do globo, em especial a China e, novamente, a Rússia.

    Em uma das poucas promessas concretas para a administração, Biden diz pretender sediar uma Cúpula da Democracia, em que provavelmente se buscará, mais uma vez, a promoção de programas de cooperação entre o FBI e Ministérios Públicos regionais nos moldes das investigações politicamente enviesadas, como as da Operação Lava Jato, no Brasil e Peru

    Fica claro, pois, que a América Latina continuará a ser vista de maneira secundária, como foco de disputa entre as grandes potências. E uma das poucas áreas em que talvez nossa região, ou mais precisamente parte dela, venha assumir alguma centralidade séria na temática ambiental. Biden apostou nesse tema como um elemento central na sua plataforma de campanha para atrair o eleitorado mais jovem do seu partido. E parece provável que um discurso ligado ao meio ambiente venha a servir como uma política de pressão sobre concorrentes comerciais, especialmente junto a países como o Brasil.

    De fato, tanto para manter o apelo junto às alas mais progressistas dos democratas, quanto para agregar setores empresarias ligados ao agronegócio, Biden poderá utilizar o desastre ambiental brasileiro como um exemplo negativo mundial.

    Imigração limitada

    Na temática migratória, Biden diz não defender uma política de fronteira aberta, mas vê o status quo como insustentável e julga necessária uma nova política migratória, que inclua um processo de anistia e legalização de indocumentados. Mas não parece certo que algo tão ambicioso seja aprovado no Congresso, especialmente sem o controle da Câmara Alta do país. O novo presidente promete reestabelecer a decisão legal de não deportar imigrantes indocumentados que foram trazidos pelos pais aos EUA quando crianças.

    A nova administração pretende também suspender a expansão do muro fronteiriço com o México, assim como reverter o tom agressivo em relação às comunidades latinas. No mesmo sentido, planeja-se manter a atual suspensão legal do programa de separação de famílias imigrantes que levou as forças de segurança a prender crianças em jaulas, muitas das quais ainda esperando ser reintegradas aos familiares.

    A América Latina encontra-se hoje em um contexto de maior divisão interna, polarização ideológica, turbulências políticas e dificuldades econômicas e sanitárias do que durante os anos Obama. Acima de tudo, não há clareza sobre quem seria o interlocutor regional para o estabelecimento de diálogo e interação, uma vez que as organizações regionais como a UnaSul, Celac e mesmo o Mercosul, encontram-se fragilizados

    Ainda que Biden deseje retomar o diálogo com o México, lembremos que, contra todas as expectativas, o governo, formalmente de esquerda de Lopez Obrador, foi muito cooperativo com Trump, tanto no que se refere à revisão das cláusulas comerciais do NAFTA (hoje, USMCA) quanto à contenção das ondas migratórias que passavam pelo território mexicano. Aqui não houve novidades. Em 2014, Obama e o então presidente mexicano Peña Nieto criaram o programa Frontera Sur. Por meio dele, Washington forneceria recursos para que o governo mexicano impedisse que migrantes centro-americanos atravessassem o território. Até o momento, Biden não indicou que pretenda rever essa política, ainda que ela provoque forte resistência e desgaste junto aos países do sul.

    China e vácuo de interlocutores regionais

    Os desafios frente à ascenção e crescente influência regional da China, assim como a preocupação com o atual governo venezuelano devem prosseguir. Cabe lembrar que Biden, um moderado, teve na política externa uma atuação forte em defesa dos interesses dos EUA, inclusive na defesa do uso da força militar. De maneira concreta, ele foi um dos defensores da política antidrogas na região, em especial do Plano Colômbia, assim como da tentativa da expansão de acordos de livre comércio. Assim, para além da tentativa de recuperação de um padrão de negociação centrado na diplomacia formal, não se deve esperar mudanças profundas no relacionamento com a região.

    Possíveis exceções seriam a tentativa de retomar o processo de aproximação com Cuba, embora hoje o governo da ilha talvez não tenha o mesmo interesse em repetir os termos da negociação da era Obama. Além disso, a derrota de Biden junto à comunidade cubana do sul da Flórida representa, hoje, resistência interna a um possível rapprochement mais ambicioso. Com relação ao governo de Nicolás Maduro, será surpreendente se houver uma grande mudança de tom por parte de Biden, ainda que seja possível antever que novos canais de diplomacia possam vir a ser estabelecidos, com uma eventual acomodação, especialmente agora que o novo Congresso venezuelano retirou de cena a controversa figura de Juan Guaidó.

    Da mesma forma, a experiência do golpe de estado na Bolívia em 2019, apoiado pelo governo dos EUA e chancelado pela Organização dos Estados Americanos (OEA), requererá um grande esforço de reconstrução da imagem norte-americana na região. Embora seja provável que presidentes como Alberto Fernandez, da Argentina, e mesmo Lopez Obrador tendam a se sentir mais confortáveis com Biden do que com Trump, há arestas que não serão facilmente aparadas, nos âmbitos do comércio e das relações com Pequim.

    De todo modo, parece certo que Biden buscará uma maior interação e diálogo com a região. Mas não parece tão claro que, excetuando-se Jair Bolsonaro, haja uma definição de rumos a serem seguidos pela maioria dos países da região, cada dia mais dependentes do mercado e de investimentos chineses. Apesar de, até o momento, Bolsonaro manter uma postura de alinhamento estreito junto aos EUA, a pressão do agronegócio e de setores de tecnologia na questão do 5G poderá forçar o governo a fortalecer relações com a China.

    Fragmentação política

    A América Latina encontra-se hoje em um contexto de maior divisão interna – polarização ideológica, turbulências políticas e dificuldades econômicas e sanitárias – do que durante os anos Obama. Acima de tudo, não há clareza sobre quem seria o interlocutor regional para o estabelecimento de diálogo e interação, uma vez que as organizações regionais como a UnaSul, Celac e mesmo o Mercosul, encontram-se fragilizados. As alternativas propostas por novas lideranças, como o controverso Grupo de Lima, não foram capazes de se estabelecer como vozes legítimas. Por fim, Brasil e México, que, em tese, poderiam aglutinar interesses regionais, parecem desinteressados e/ou incapazes de assumir a tarefa de falar pela região.

    Mais uma oportunidade perdida?

    Para além da tradicional defesa regional contra influências extra-hemisféricas e do combate ao narcotráfico, não está claro quais as prioridades específicas da administração Biden com relação ao nosso continente. As exceções mais claras seriam a manutenção da agenda anticorrupção da era Obama, cujos resultados, além de controversos desde então, estão hoje muito menos aceitos na região; e, em especial, a temática da proteção ambiental, de maneira central da região amazônica. Biden chegou mesmo a prometer a criação de um fundo de 20 bilhões de dólares para a proteção da floresta amazônica, em especial frente aos incêndios florestais crescentes em território brasileiro, ideia que foi fortemente rechaçada pelo governo brasileiro.

    O desencontro aponta para possíveis atritos entre os dois maiores países do hemisfério.

    Não se devem esperar nem mudanças radicais, nem o mais do mesmo no relacionamento dos EUA para com nossa região. Biden certamente se dirigirá ao mundo com maiores níveis de diálogo e diplomacia, mas é bem provável que o país manterá uma postura dura frente à China, enquanto trabalha para recompor a influência global.

    Num contexto regional em que os organismos de representação multilateral se encontram fragilizados e em que a crise da pandemia trouxe à luz enormes deficiências das sociedades latino-americanas, novas formas de diálogo e colaboração terão grandes dificuldades de efetivação.

    Não se devem esperar nem mudanças radicais, nem o mais do mesmo no relacionamento dos EUA para com nossa região. Biden certamente se dirigirá ao mundo com maiores níveis de diálogo e diplomacia, mas é bem provável que o país manterá uma postura dura frente à China, enquanto trabalha para recompor sua inflência global

    No momento em que políticas de controle sanitário, que certamente teriam tido melhor resultados se buscadas por meios multilaterais – e que poderiam assim servir para aprofundar iniciativas de coordenação diplomática regional-, o que vemos é a reversão de tais projetos e o aprofundamento da lógica e narrativa unilateral e mesmo xenófoba.

    Em grande medida, espera-se que a dinâmica de relacionamento hemisférico seja, pois, mais de caráter bilateral do que multilateral e mudanças em questões específicas tenderão a se dar não só por alguma iniciativa por parte dos EUA, mas também pela forma com que países específicos venham a se engajar com o novo governo norte-americano. Nesse sentido, especialmente em países onde a diplomacia formal esteja encastelada em amarras ideológicas da Guerra Fria – em especial, o Brasil –, novos atores da política externa, como ativistas e acadêmicos poderiam fazer a diferença na busca de inovações que sejam mais promissoras do que tanto o status quo, quanto experiências históricas de claro imperialismo, como nos anos 60, 70 ou 80 do século passado.

    Diferenças no relacionamento

    É inegável que faz muita diferença se os EUA se relacionam com o resto do mundo de uma forma agressivamente unilateral, como fez Trump, ou sob uma abordagem multilateral, institucional e diplomática, como se espera que seja feito por Biden. De toda forma, não é de se esperar que a América Latina venha a aparecer no centro das atenções de Washington.

    Biden certamente buscará maior engajamento com seus vizinhos, mas isso continuará a ser feito de forma ad hoc e certamente guiado, prioritariamente, pelos interesses econômicos e de defesa da potência hegemônica regional. A forma como a América Latina reagirá às novas orientações dos Estados Unidos ajudará em muito a definir os rumos do que tem sido historicamente o relacionamento mais impactante e definidor que a sofrida, mas resistente região tem mantido com o resto do mundo.

    Rafael R. Ioris, professor de História e Política Latino-americana na Universidade de Denver e Pesquisador do Instituto de Estudos do Estados Unidos do Brasil (INCT-INEU).

  • Impeachment já! Com organização e mobilização popular . Por Francisvaldo Mendes

    Impeachment já! Com organização e mobilização popular . Por Francisvaldo Mendes

    Impeachment já! Com organização e mobilização popular

    Por Francisvaldo Mendes . Presidente da FLCMF

    Os limites de todas as possibilidades para manutenção do atual presidente do Brasil ultrapassaram todas as fronteiras. O pior presidente escolhido pelo voto que o país já viveu é também o mesmo que, sem qualquer compromisso institucional, rasga a constituição todos os dias. Para além de atos irresponsáveis, quando a vida das pessoas está em risco e o Brasil ultrapassa violentamente 225 mil mortes causadas por um vírus que atua nas vagas de uma política irresponsável, cínica, que despreza a vida e qualquer noção de governo, ainda brinca com os recursos do cofre nacional. Recorde seguido de recorde de óbitos e é pouco afirmar que o genocídio em curso é incitado “por um vírus sem controle”. Tal situação é provocada pela política que cultua a morte e vem do principal cargo do Estado nacional, encharcando brasileiras e brasileiros de isolamento, medo e desespero. Piadas e desprezo, de um presidente eleito, tomam o cenário com declarações e ações absurdas que fazem a vida deixar de existir. A irresponsabilidade chega a ponto de atrasar, claudicar e vacilar com medidas óbvias: a vacina é necessária e é o principal investimento que deve ser gratuito e praticado imediatamente para todas as pessoas.

    Nenhuma voz pode gritar que em 2022 haverá eleição, e se pode ou deve esperar. Não, não se pode esperar. Para defender os direitos, para defender a dignidade, para defender a verdade, para defender a constituição, para defender que as pessoas possam viver e sentir a vida em seus corpos, não há mais tempo a perder: IMPEACHMENT JÁ!

    O presidente atual conseguiu ser o Bonaparte com as marcas do patrimonialismo e com maior desprezo às pessoas, inclusive as que nele votaram. Não é tempo de esperar, é tempo de fazer acontecer as condições para a vida viver. É evidente que de nós, que somos a maioria, precisamos ainda de mais, pois, necessitamos cobrar e sustentar a retirada do atual presidente, ao mesmo tempo que será tarefa nossa ampliar a organização e a mobilização popular por uma alternativa que defenda a vida. Para ter uma eleição que coloque projetos em debate, é necessário que a vida esteja garantida, mantida, defendida e não se torne uma ação necessária de disputas eleitorais. Vamos disputar projetos de como, porque e em que condições brasileiras e brasileiros devem viver e não se devem ou não viver, como ocorre nos tempos atuais.

    Ainda que a “brasileirice” tenha o impacto da criatividade, em versões de risos e choros nas variadas paródias com as lamentáveis situações, qualquer comédia hoje só tem formato de tragédia. O que se amplia a cada 24 horas ultrapassando números absurdos de mortes, enquanto as cenas são das bizarrices máximas de todos os tipos de irresponsabilidade inconstitucional. Chega-se ao ponto do vice-presidente, um General, admitir a possibilidade do impeachment e assumir que o presidente cometeu erros. E isso não se dá apenas porque o vice assume e mais uma vez um general estará na coordenação direta do poder e no maior controle do Estado, mas porque não é possível quaisquer defesas que possa afirmar que não há erros, que não há razões, que não há fatos e fotos que justifiquem tirar o atual presidente do cargo. Há sim! E ainda que tenha sido lamentavelmente eleito pela maioria das pessoas que votaram, não é possível seguir sem respeito algum pelas pessoas existentes no país. O Brasil vive um ambiente no qual morrem-se pessoas de todos os locais, de todos os grupos sociais, de todas as religiões. Mas não há dúvidas que as que morrem são aquelas que vivem nas piores condições estruturais. Nosso grupo – que é a maioria no país e que toma a periferia brasileira -, é o que mais sofre o impacto e é o que tem o desafio de não deixar qualquer dúvida em cena. Agir como sujeitas e sujeitos, tirar o presidente, constituir ambiente de convivência e com frestas para a vida e a dignidade humana são tarefas fundamentais.

    E atenção, tal afirmação que vem do general e vice-presidente demonstra o tamanho do governo de insegurança e que aposta no desrespeito nacional: “é óbvio que se um presidente colocar em risco a integridade do território, a integridade do patrimônio, o sistema democrático e a paz social do país, ele tem que ser parado pelo sistema de freios existente”. E quais são tais freios nesse momento? Não temos dúvidas. O IMPEACHEMENT É URGENTE E NECESSÁRIO! Assim, podemos debater sobre projetos, políticas e caminhos, sem politizar remédios e vacinas, mas politizando o que precisa ser politizado: o fazer das pessoas.

    O IMPEACHEMENT é o grande desafio do momento, mas para nós trabalhadoras e trabalhadores, que apostamos na politização, na conscientização, na organização e na luta coletiva, sabemos que precisamos mais. O processo precisa ser social, participativo, com movimentos e não um ato institucional afastado das pessoas. Para que isso ocorra precisamos construir tal ambiente que reforça a democracia. É desafio nosso apostar no ambiente da organização e mobilização popular no processo de tirar o atual presidente e de manter, com firmeza, as condições para que a vida fique acima de lucros, irresponsabilidades e cinismos vil. Dessa forma, vamos dar o primeiro passo e seguir ampliando a solidariedade e a organização coletiva para mudar o país.

    Neste momento político pelo qual passa o país, quaisquer processos de mudança precisam afirmar: IMPEACHMENT JÁ!

  • A violência nos tempos da pandemia da Covid-19 . Por Benedito Mariano

    A violência nos tempos da pandemia da Covid-19 . Por Benedito Mariano

    A violência nos tempos da pandemia da Covid-19

    A crise econômica somada ao avanço do novo coronavírus coloca a sociedade diante de novas formas de violência que atingem principalmente os mais pobres. Os setores progressistas enfrentam o desafio de ampliar os programas de proteção social e de construir uma ampla frente democrática e popular para enfrentar a extrema direita

    Por Benedito Mariano

    A pandemia da Covid-19 representa um dos momentos mais tristes da história da humanidade. Desde a gripe espanhola, que foi responsável pela morte de milhões de pessoas entre 1918 e 1920, o mundo não convivia com uma doença de tamanhas proporções, cujas mortes contabilizadas globalmente já ultrapassam a marca de 2 milhões de pessoas.

    No Brasil, um dos epicentros da pandemia, as mortes atingiram mais de 200 mil pessoas. O país, que possui aproximadamente 2,7% da população mundial, já responde por cerca de 10% de todas as mortes pela Covid-19 no mundo. Tais números não são apenas estatísticas. São vidas que se foram, deixando para trás parentes e amigos que mal puderam se despedir, aumentando a angústia e a tristeza desta que é uma das maiores crises sanitárias da história.

    Descaso federal

    O Brasil convive, ainda, com o completo descaso e inação do governo federal, num momento em que a coordenação política se faria tão importante à superação da pandemia e à redução das mortes. A postura negacionista do presidente Bolsonaro, manifesta-se na pouca ação concreta do Ministério da Saúde para imunizar a população, na divulgação e defesa de terapias ditas “preventivas” e de tratamento precoce, sem que possuam eficácia comprovada, no desincentivo ao cumprimento das medidas necessárias para evitar a propagação do vírus, como o distanciamento social, na falta de articulação e ajuda aos Estados e na completa banalização das mortes, limitando-se a responder a um repórter que “não é coveiro” quando questionado sobre o alto número diário de mortes em abril do ano passado.

    Diferente de outros países que já iniciaram a vacinação no final do ano passado, só no início de 2021, a imunização parece estar em vias de se iniciar no Brasil. A Anvisa, pressionada pela comunidade científica e pela opinião pública, aprovou o uso emergencial da vacina Coronavac e da Oxford-Astrazeneca. Após o anúncio da aprovação, o governador de São Paulo, João Dória, antecipou-se ao promover a primeira aplicação da vacina no país, com a vacinação de Mônica Calazans, de 54 anos, negra e enfermeira que trabalha na UTI do hospital Emílio Ribas.

    O Brasil convive com o descaso e a inação do governo federal, num momento em que a coordenação política se faria tão importante à superação da pandemia e à redução das mortes. A postura negacionista do presidente Bolsonaro, manifesta-se na pouca ação concreta do Ministério da Saúde para imunizar a população

    Foi em São Paulo também que a primeira indígena foi vacinada. Vanusa Kaimbé, técnica de enfermagem e assistente social, que vive na aldeia “Kaimbé Filhos da Terra”, em Guarulhos. É inegável que o governador de São Paulo transformou a cena da primeira brasileira vacinada em ato político visando a sonhada candidatura ao Planalto. Porém, também é inegável que, apesar de ter sido eleito na onda bolsonarista, fazendo campanha para o atual presidente sob o slogan “Bolso-Doria”, o governador direitista de São Paulo se apresentou como principal adversário do delírio negacionista de Bolsonaro, delírio este que envergonha o país na comunidade internacional e demonstra desprezo pelas mais de 209 mil vítimas da Covid-19. A maioria dessas vítimas, é importante registrar, é pobre e negra.

    Por ironia do destino, o general, Ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, foi obrigado pela conjuntura a dizer, em coletiva, que disponibilizará a vacina Coronavac aos estados, como parte do Plano Nacional de Imunização, a partir de pactuação com o Instituto Butantã para o fornecimento de doses. Vacina esta que o negacionista Bolsonaro ironizou diversas vezes em suas redes sociais.

    Outras violências

    Além das mortes causadas pela Covid-19, outros tipos de violência aumentaram em todo o território nacional no contexto da pandemia. O isolamento social, medida necessária para inibir a transmissão da doença, trouxe como uma das consequências o aumento da violência doméstica, o que exige a ampliação de programas e projetos de proteção às mulheres como a Patrulha Maria da Penha, para garantir o cumprimento de medidas protetivas, além de outras ações concretas para coibir e diminuir os casos de feminicídio no país.

    A ação das polícias também se mostrou um ponto de atenção. No auge da quarentena, quando os crimes relacionados à circulação de pessoas como furto e roubo diminuíram, a letalidade policial aumentou em vários estados. As vítimas da letalidade policial, esta que nunca foi aleatória, são sempre os jovens pobres e negros das nossas periferias.

    Uma das mais faladas ações do atual governo na área, o chamado pacote anticrime do então ministro Sergio Moro, limitou-se a apresentar ao Congresso uma proposta de aumento de pena e, no que se refere à segurança pública, apresentou uma das maiores aberrações jurídicas que é a ampliação da excludente de ilicitude

    Assim, como é urgente e necessária a imunização de toda a população contra a Covid-19, também é urgente e necessário termos no país um modelo de polícia democrática, cidadã e antirracista, que tenha como princípio norteador o respeito aos direitos humanos. Infelizmente, a cultura do “capitão do mato” ainda permeia as instituições policiais, o que se reflete nas altas taxas e no padrão da letalidade.

    Genocídio negro

    O Relatório da Rede de Observatórios da Segurança do Rio de Janeiro, lançado no final de 2020, é uma prova inequívoca do genocídio da população negra que ocorre no nosso país. Os principais dados contidos no Relatório são:

    1. Na Bahia, 97% dos mortos pela polícia são negros. A população negra no estado é de 76.5%.
    2. No Rio de Janeiro, 86% dos mortos pela polícia são negros. A população negra no estado é de 51%.
    3. Em São Paulo, 64% dos mortos pela polícia são negros. A população negra no estado é de 35%.
    4. No Ceará, 87% dos mortos pela polícia são negros. A população negra no estado é de 67%.
    5. Em Pernambuco, 93% dos mortos pela polícia são negros. A população negra no estado é de 62%.

    É imperativo que tais dados entrem no debate público e norteiem a ação de governantes para que seja possível transformar este cenário. Daqui a dois anos, teremos eleição para os governos dos estados e para Presidência da República. Os partidos do campo democrático e da esquerda têm o dever republicano de apresentar para a sociedade brasileira programas de Segurança Pública que enfrentem o racismo estrutural que marca a formação da sociedade brasileira. É preciso que passem a disputar com os setores conservadores a narrativa da segurança pública, mostrando ser possível a construção de um novo modelo que não seja, apenas, mais efetivo que o atual, mas que não contribua para fortalecer o preconceito e a discriminação históricos existentes no país, pautando-se no respeito à dignidade humana.

    Se não tivermos polícias democráticas, cidadãs e antirracistas, o chamado estado democrático de direito continuará não chegando à população pobre e negra das periferias e continuaremos a ver o genocídio da juventude negra.

    Pacote punitivo

    Uma das mais faladas ações do atual governo na área, o chamado pacote anticrime do então ministro Sergio Moro, limitou-se a apresentar ao Congresso uma proposta de aumento de pena e, no que se refere à segurança pública, apresentou uma das maiores aberrações jurídicas que é a ampliação da excludente de ilicitude. Na prática, tal ampliação daria ‘carta branca” para a letalidade policial. Felizmente, o Congresso Nacional barrou essa iniciativa retrógrada e obscura.
    Além de reformas estruturais das polícias, é fundamental incluir os municípios na política de segurança pública, garantindo recursos para programas e projetos de prevenção à violência e ao crime. O Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), criado no governo Lula sob a coordenação do ex-ministro Tarso Genro, buscou atuar nesse sentido, e foi o principal programa federal de inclusão dos municípios no setor de segurança pública, garantindo recursos federais para programas e projetos preventivos a centenas de municípios.

    Segurança e crise sanitária

    A situação da segurança pública no Brasil durante os próximos anos ainda pode sofrer o impacto de outro importante fator. A grave crise sanitária da Covid-19 ampliou o mergulho econômico vivido no Brasil e o atual governo federal não valorizou uma política econômica de desenvolvimento e de inclusão social. Pautada na agenda neoliberal, aprofundou a crise.

    O auxílio emergencial no valor de R$ 600, principal medida econômica adotada no contexto da pandemia por beneficiar a população mais excluída do país, só surgiu por iniciativa e esforço do Congresso Nacional, por mais que Jair Bolsonaro buscasse capitalizar politicamente tal ação. Como dificilmente teremos vacinas para todos no primeiro semestre de 2021, e não há mais o auxílio emergencial, a situação econômica de milhões de brasileiros tende a piorar.

    Desemprego e desespero

    No dia 11 de janeiro a montadora Ford anunciou a saída do Brasil, após mais de 100 anos com instalações no território nacional em São Paulo e na Bahia. São milhares de desempregados diretos e outros milhares indiretos provenientes da rede de produção. O desemprego, somado à crise sanitária, deve aumentar a violência no país, principalmente entre os mais pobres.

    Os governos municipais terão o desafio de ampliar e muito os programas de proteção social neste momento de crise nacional. Criação de projetos para a juventude, frentes de trabalho, programas territoriais de prevenção à violência com foco nas mulheres, são algumas das iniciativas importantes para enfrentar a crise sanitária, a violência institucional e a crise econômica

    Os governos municipais terão o desafio de ampliar e muito os programas de proteção social neste momento de crise nacional. Criação de projetos para a juventude, frentes de trabalho, programas territoriais de prevenção à violência com foco nas mulheres, são algumas das iniciativas importantes para enfrentar a crise sanitária, a violência institucional e a crise econômica.

    Entretanto, para que tenhamos condições de disputar com a extrema direita que governa o país, que não teve competência e nem vontade política para enfrentar a pandemia da Covid-19, que se mostrou incapaz de adotar ações efetivas para coibir e reprimir as organizações criminosas, que não valoriza as ações de prevenção dos municípios e que alimenta e incentiva, com postura populista, demagógicas e beligerante, as ações de letalidade das policias; o campo democrático e a esquerda têm o grande desafio de construir uma agenda mínima e uma ampla frente democrática e popular para disputar as eleições, sob pena de continuarmos no obscurantismo, mesmo que seja com uma roupagem nova da direita clássica.

    Benedito Mariano, Sociólogo, Mestre em Ciências Sociais pela PUC de São Paulo. Foi Ouvidor da Polícia do Estado de São Paulo. É professor da Faculdade de Direito de Santa Maria (Fadisma), foi Assessor Parlamentar da Deputada Isa Pena (PSOL-SP) e Secretário de Segurança Urbana de São Paulo, nas gestões de Marta Suplicy e Fernando Haddad; em Osasco, na gestão Emídio de Souza e em São Bernardo do Campo, na gestão Luiz Marinho. É secretário de Defesa Social da Cidade de Diadema.

  • O Brasil deve seguir a América Latina . Por Berna Menezes

    O Brasil deve seguir a América Latina . Por Berna Menezes

    O Brasil deve seguir a América Latina

    Bacurau: o começo do fim. A imagem de um povo num futuro distópico que se faz presente! As cenas de um Brasil possível, dentre os caminhos do fluxo aberto da história… Bacurau trata da necessidade de sobrevivência que constrói outros laços sociais, outras formas de relação além e à margem do capitalismo, em contraste aos seus algozes racistas que os tornam seus alvos. E se nos matam haverá uma resposta; porque nada segura a revolta de um povo, muito menos de um povo organizado. Esse povo que foi isolado geograficamente e socialmente, um povo abandonado pelo Estado e vendido por ele, um povo na miséria… Mas, é justamente nisso que consiste sua força e, não por acaso, vemos essa força inserida no contexto do sertão. É assim que Bacurau expõe e recoloca em circulação – no nosso imaginário – a experiência da luta de classes. (Introdução da tese do Fortalecer o PSOL para o Congresso do partido)

    Por Berna Menezes

    Que Brasil sai das eleições de 2020?

    Estamos vivendo uma verdadeira guerra aos pobres. Mais de 200 mil mortes por Covid-19. Mais da metade da população economicamente ativa está desempregada (14%), precarizada (41,1%, segundo o IBGE), desalentada ou vive de bicos. A violência exibe números maiores que países em guerra, aumentaram os assassinatos por balas perdidas, o presidente da República libera e estimula o armamento daqueles que podem comprar seu dispositivo letal.

    Uma verdadeira guerra aos pobres, aos negros periféricos, às mulheres, aos LGBTQI+ e aos indígenas. Exibimos o título de terceira maior população carcerária do planeta, que vive em condições sub-humanas, da qual mais de um terço sequer foi julgada. A desindustrialização segue, a quebradeira de pequenas fábricas e das multinacionais que, depois de embolsarem milhões em subsídios, estão fugindo do Brasil, como o caso escandaloso da Ford. Com o desemprego, as restrições impostas pela Covid-19 e o fim do auxílio emergencial, a situação de miséria estourou. Para piorar, o modelo de exportação de commodities fez com que os preços dos alimentos fossem para as alturas: a cesta básica em São Paulo está custando R$ 563,00. Com todo esse “esforço” do governo Bolsonaro/Guedes, conseguimos voltar ao Mapa Mundial da Fome, mesmo sendo o terceiro maior produtor de alimentos do mundo. Isso só se explica porque a direita, quer seja o setor raiz de Bolsonaro/Guedes/Mourão, quer seja o setor Nutella de Dória/Maia/Baleia, defendem a mesma pauta econômica.

    O Brasil está com boa parte dos pulmões comprometidos, respirando por aparelhos, conseguiu vaga na UTI mas acabou o oxigênio. Apresenta algumas comorbidades, como a de ser o último país a acabar com a escravidão e o último no continente a ter uma universidade

    Ou seja, o Estado brasileiro e o conjunto da direita desemprega, joga na miséria e mata, seja por fome, ausência de políticas públicas, à bala por violência policial nas periferias ou por falta de recursos nos hospitais.

    Usando a linguagem pandêmica, o Brasil está com boa parte dos pulmões comprometidos, respirando por aparelhos. Conseguiu vaga na UTI, mas acabou o oxigênio. Apresenta algumas comorbidades, como a de ser o último país a acabar com a escravidão, o último no continente a ter uma universidade, faz menos de cem anos que garantiu o voto feminino e nunca conquistou uma verdadeira independência com luta. Por outro lado, o paciente possui território continental, biodiversidade fantástica, água e minérios, com povo, cultura, história e juventude fantásticos, uma forte tradição de esquerda, pesquisadores e universidades qualificadas. Temos reservas internacionais de US$ 342 bilhões. É possível termos outro futuro!

    Mobilizações e golpe

    Este é o país que sai das eleições de 2020. Se parece fácil descrever a foto do país, difícil será analisar o filme. Mas a tarefa pode ser facilitada se iniciarmos pela etapa em que estamos metidos desde a ausência de resposta pela esquerda no poder, às gigantescas mobilizações de 2013 e o consequente golpe articulado pelas elites brasileiras e seus aliados. Não saímos dessa etapa. Portanto, o que se esperava, em geral, dessas eleições? O avanço institucional do bolsonarismo, já que ele partia de, praticamente, zero prefeituras e vinha de um fortalecimento conjuntural devido ao auxílio emergencial. Só que isso não se confirmou.

    Bolsonaro acusou o golpe

    “Se nós não tivermos voto impresso em 2022, uma maneira de auditar o voto, nós vamos ter problemas pior que os EUA”. Essa declaração de Bolsonaro não é uma atitude de quem está fortalecido e sim de alguém que acusou o golpe, da derrota de Trump, seu aliado do Norte, e do revés nas eleições do ano passado, nas quais sequer pode apoiar publicamente seus candidatos na TV.

    Não sei de onde partem as análises de setores de esquerda aumentando os resultados eleitorais da direita. A realidade é que a vitória deles foi em 2016, a chegada de Bolsonaro à presidência é que integrava o script do golpe. A direita Nutella foi passada para trás pelo capitão, pois ele representou o setor mais consequente na luta contra o sistema de “entra eleições e sai eleições e nada muda para a maioria da população”. Na realidade, a elite educada estava, a maioria, até o golpe, governando com o PT.

    Maior exemplo foi Michel Temer, vice-presidente de Dilma e um dos quadros do MDB.

    O que ocorreu em 2020? Uma tentativa de setores da direita de normalizar o golpe, aproveitando o desgaste de Bolsonaro pelas falcatruas da família, orientação fora da realidade sobre a pandemia e nenhuma mudança real na economia. Bolsonaro não entregou o que prometeu.

    Houve, portanto, uma redistribuição de votos entre a própria direita que, de quebra, também abocanhou os votos do PSB e PDT. Estes que se autodenominam como centro-esquerda, mas que nos últimos anos tiveram como estratégia dialogar com setores de direita, além de embarcar no antipetismo. O PCdoB também namorou essa tática, aproximando-se de Ciro e do campo com PDT e PSB. Inclusive, no Maranhão, aliando-se a setores conservadores. Todos esses partidos pagaram o preço, pois a realidade está polarizada. Perderam votos para a direita e, mesmo Flávio Dino que começou o mandato de governador muito bem, inclusive sendo cogitado a candidato a Presidente em 2022, termina como candidato a deputado federal. O que salvou o PCdoB foi Manuela D’Ávila que optou por outro rumo, saindo fortalecida do processo eleitoral.

    Avaliar o processo

    Portanto, temos que ser cuidadosos. Não podemos nem dar um peso superlativo e nem minimizar a direita. O setor que aumentou a força conservadora nesse processo eleitoral, errou novamente. Uma esquerda que passou de alardear um “longo inverno siberiano” a esperar a “tomada do Palácio de Inverno” nas eleições. Caiam na real!

    A expressão da ultradireita toma contornos mais graves devido à condição de um país dependente. Aqui, tais setores primam pela entrega violenta de nossas riquezas e patrimônios, assim como as condições de vida de nossa classe

    Não havia nenhuma perspectiva de vitória da esquerda nessas eleições. Nas lutas de rua que ocorreram em 2020, foi o povo que levou praticamente sozinho. Ou alguém chamou as mobilizações das torcidas organizadas e posteriormente, o levante do movimento negro, que mandaram os bolsonaristas e negacionistas para casa? Alguém, em sã consciência, diria em março de 2020 que Boulos iria para o segundo turno em novembro? Que o Rio de Janeiro, sem nosso camarada Marcelo Freixo, teria o resultado espetacular que teve? Porto Alegre ampliando a bancada? E mesmo Belém, era muito difícil.

    PSOL foi a novidade em 2020

    O PSOL sai do processo eleitoral com muita autoridade e com o aumento de responsabilidades em relação ao movimento social e a construção de uma estratégia para o país. Dobramos o número de militantes, aumentamos nossas bancadas nas Câmaras em várias partes do país, ganhamos a prefeitura de Belém com o nosso querido Edimilson Rodrigues e fomos para o segundo turno na maior capital do país, São Paulo, com a dupla Boulos/Erundina. Além disso, o PSOL teve um crescimento importante nas Câmaras Municipais das capitais da região Sul e Sudeste, elegendo 23 vereadores. Em todas as capitais, o partido teve um crescimento de 50%. Em São Paulo, a bancada triplicou.

    É evidente que há uma nova geração de lutadores sociais e juventude cansados da velha política, que vê em nosso partido um enfrentamento consequente ao governo Bolsonaro e um diálogo distinto com novas pautas. Mas falta mais, temos que ir revolucionando nossos métodos de ação e funcionamento, formando novos quadros militantes e aprendendo com nossa classe. Respondendo programaticamente a nova realidade aberta pela etapa de disputa hegemônica entre China e EUA. Enfrentando as crises acumuladas pelo capitalismo decadente e destruidor da natureza, do planeta e na humanidade.

    O PSOL poderá ser o polo de reorganização da esquerda no Brasil. Pois o PT, que cumpriu esse papel por várias décadas, estancou a sangria nessas eleições, mas ainda não se recuperou da queda de mais de 60% de votos, entre os anos de 2012 e 2016.

    O PT, mesmo seguindo como maior partido de esquerda do país, vem numa dinâmica de estagnação e retrocesso nos grandes centros. Lula, a figura principal, não participou do processo eleitoral e, onde esteve presente, como no caso de São Paulo, amargou uma grande derrota terminando em 6º lugar. O PT perde o dinamismo para a vanguarda da classe e de nosso povo após muitas décadas, não dialogando com a base de esquerda, de militantes sinceros e que não entendem o apoio ao candidato bolsonarista no senado. Isso abre espaço para novos atores.

    Bolsonaro, bolsonarismos e o futuro da ultradireita

    Como já afirmamos em artigo ao Boletim da Crise nº. 52, da Fundação Lauro Campos/Marielle Franco, Bolsonaro foi rejeitado pelas urnas. O resultado eleitoral de 2020 mostrou que Bolsonaro não pode tudo, mas não está morto. A etapa internacional aberta pela crise econômica de 2008, abriu as portas do inferno. Surgiram em diversas partes do mundo partidos, movimentos e governantes de ultradireita, negacionistas sobre a ciência, ao combate a pandemia e a gravíssima crise ambiental e ataques aos direitos da nossa classe e nosso povo – que no Brasil foi sintetizada pela máxima de Bolsonaro: emprego ou direitos. Além do retrocesso brutal na pauta de costumes, estimulando a violência, enfrentamos o machismo, a homofobia e preconceitos de toda espécie. Mas há uma face desse setor de direita que é o combate as instituições do regime.

    Fazem a disputa direta de massas, tensionando o tempo todo a sociedade. Criticam o Parlamento, a Justiça, a imprensa, os partidos, os políticos e a política. Tem como centro a crítica a corrupção. No entanto, estão envolvidos até a medula em corrupção, são as velhas raposas da política, que usam parte da imprensa e redes sociais.

    Esse setor corresponde a uma base real, inclusive, e quiçá principalmente e infelizmente, da classe trabalhadora, que se encontra perdida com as profundas transformações no mundo do trabalho.

    País dependente

    No caso do Brasil, a expressão da ultradireita toma contornos mais graves devido à condição de um país dependente. Se no núcleo do capitalismo, os EUA, se expressa em protecionismo de suas indústrias, empregos e dos nascidos em território americano, gerando políticas xenofóbicas, construção de muros; em nosso país, prima a entrega violenta de nossas riquezas e patrimônios, assim como as condições de vida de nossa classe.
    Ao analisar a classe dominante na América Latina, que ele denominou de lumpenburguesia, André Gunder Frank dizia:

    “…esta estrutura colonial e de classe determina os interesses de classe dirigidos pelo setor dominante da burguesia, que se valendo frequentemente dos governos e dos demais instrumentos do Estado, gera políticas de subdesenvolvimento no plano econômico, social, cultural e político para a ‘nação’ e para o povo latino-americano, fazendo com que uma mudança no modo de dependência modifique a estrutura econômica e de classes, se determinem contemporaneamente algumas mudanças na política da burguesia dominante, os quais, salvo determinadas exceções parciais que se indicaram, acabam reforçando as próprias relações de dependência econômicas que favorecem essas escolhas políticas e, por conseguinte, contribuem a agravar ainda mais o desenvolvimento do subdesenvolvimento na América Latina”.

    Que comecem os jogos

    Se não tivermos política, debate de estratégia e construção de um debate democrático sobre programa, vamos ficar assistindo a disputa entre Dória e Bolsonaro pela vacina e o resultado das eleições de 2022 pela Globonews. Para a esquerda, entrar na disputa significa política de mobilização de massas, para alterar a atual correlação de forças.

    É verdade que as eleições – ainda mais em uma etapa pós-golpe, são muito importantes.

    Portanto, o debate sobre os espaços democráticos, são muito úteis na organização e atuação dos revolucionários, mas a serviço de quê? De estimular e organizar a mobilização. Não apenas votar de dois em dois anos. Parece que esquecemos o ABC. Muitos vão dizer, mas não somos negacionistas, estamos no isolamento. É meia verdade!

    Os trabalhadores estão nas ruas, têm que sobreviver. Mais da metade da população economicamente ativa está desempregada, precarizada ou desalentada. Tem que trabalhar para comer. Por outro lado, o povo chileno não é negacionista, tampouco o boliviano, o peruano ou o norte-americano, mas viram a necessidade de sair às ruas para mudar a correlação de forças nessa guerra contra o povo em seus países

    Os trabalhadores estão nas ruas, têm que sobreviver. Mais da metade da população economicamente ativa está desempregada, precarizada ou desalentada (nome bonito para quem cansou de buscar emprego). Tem que trabalhar para comer. Por outro lado, o povo chileno não é negacionista, tampouco o boliviano, o peruano ou o norte-americano, mas viram a necessidade de sair às ruas para mudar a correlação de forças nessa guerra contra o povo em seus países.

    As torcidas organizadas ou as mobilizações negras não foram chamadas por nenhum partido de esquerda. E, foram eles que botaram a correr a direita bolsonarista das ruas. Naquele momento, as mesmas pessoas que diziam que não podíamos dar o mau exemplo e sair do isolamento, foram os que percorreram às ruas das cidades atrás de voto em setembro e outubro, mas não podiam ir a uma mobilização.

    Estamos formados pela agenda eleitoral, queremos superar o eleitoralismo, a conciliação de classes, os acordos por cima, mas temos que construir a aliança com os de baixo para conquistar mudanças reais, que estimulem a juventude a fazer política e o povo a ver possibilidade de futuro

    Estamos formados pela agenda eleitoral, queremos superar o eleitoralismo, a conciliação de classes, os acordos por cima, mas temos que construir a aliança com os de baixo para conquistar mudanças reais, que estimulem a juventude a fazer política e o povo a ver possibilidade de futuro. Um programa antissistema que faça um combate radical ao sistema financeiro e aos representantes, a elite brasileira. Esse é o desafio do PSOL!

    Berna Menezes integra a Executiva Nacional do PSOL e a direção nacional da Fasubra/Intersindical.

  • A guerra da vacina, o SUS e a esquerda socialista . Por Cátia Guimarães

    A guerra da vacina, o SUS e a esquerda socialista . Por Cátia Guimarães

    A guerra da vacina, o SUS e a esquerda socialista

    A guerra negacionista provocada pelo governo Bolsonaro em torno da saúde pública se estende em uma guerra contra a imunização. Sem vacina para todos por tempo, ainda, indefinido e com o agravamento da crise econômica, parte da população aprofundará a situação de pobreza e miséria. Por isso, lutar pela retomada do auxílio emergencial significa executar um programa de combate à pandemia que incorpora e complementa a estratégia de imunização. Significa reconhecer a determinação social da saúde e da doença

    Por Cátia Guimarães

    Quase um ano após a chegada da pandemia ao Brasil, analistas e pesquisadores já nem tentam mais explicar a posição assumida, desde sempre, pelo presidente Jair Bolsonaro. Afinal, apesar da tragédia humanitária sem precedentes na história recente, a Covid-19 oferecia a um presidente em início de mandato, sem experiência nem estrutura de estadista, a oportunidade de não errar. Primeiro, porque o fato de se tratar de uma crise sanitária mundial, em tese, haveria alívio na pressão sobre os governantes nacionais. Segundo, porque pouco se conhecia e pouco se podia fazer diante de um novo vírus, para o qual não havia vacina nem tratamento.

    Apostando no ‘quanto pior, melhor’, como parte de uma estratégia de mobilização de sua base social, Bolsonaro minimizou a pandemia, negou quase tudo que a ciência aconselhava e, principalmente, criou novos ‘inimigos’ externos e internos, como a Organização Mundial de Saúde (OMS) e parte significativa dos governadores

    A aprovação do ex-ministro da saúde Luiz Henrique Mandetta, que nada mais fez do que não atrapalhar o beabá do enfrentamento possível ao novo coronavírus, pareceu-nos uma demonstração concreta desse cenário. No caso específico do Brasil, a crise sanitária se oferecia ao governo ainda como discurso para justificar uma crise econômica que lhe era muito anterior.

    Mas apostando no ‘quanto pior, melhor’, como parte de uma estratégia de mobilização de sua base social, Bolsonaro optou pelo caminho oposto: minimizou o problema, negou quase tudo que a ciência aconselhava e, principalmente, criou novos ‘inimigos’ externos e internos, como a Organização Mundial de Saúde (OMS) e parte significativa dos governadores.

    Falsa dicotomia

    É bem verdade que a posição do presidente não ignorava completamente os dilemas concretos: ao criar a falsa e oportunista dicotomia entre saúde e economia, criticando o isolamento social, ele respondia, de certa forma, à pressão de setores empresariais que se opunham ao lockdown recomendado em algumas regiões. Mas essa oposição se mostrou frágil, já que em pouco tempo os governadores que protagonizavam as críticas a Bolsonaro também se renderam às pressões pela abertura do comércio não-essencial e, progressivamente, de praticamente todos os setores econômicos.

    Não se deve apenas defender o SUS, como um discurso genérico de valorização do público, mas assumir o SUS como guia do seu posicionamento tático-estratégico em relação à vacinação da população brasileira e ao controle da pandemia

    Pouca coisa sobrou desse antagonismo que, no entanto, continua sendo o principal fio de interpretação adotado para o desenrolar político do enfrentamento da pandemia: de um lado, uma extrema direita negacionista, representada pelo bloco bolsonarista, à frente do governo federal; de outro, uma direita que se apresenta como ‘ilustrada’, cada vez mais vendida pela imprensa como centro, que instrumentaliza a crise para construir uma alternativa eleitoral para 2022, tendo como expressão principal o governador de São Paulo, João Dória. Tudo isso é notícia velha. Mas o fato é que, neste momento, se encena um novo capítulo dessa farsa, tendo como cenário as estratégias de vacinação da população brasileira contra a Covid-19.

    Falta de projeto

    Vale lembrar que, entre esses dois falsos extremos, circula uma esquerda que reage, polemiza, combate o obscurantismo, mas pouco propõe como projeto, restringindo-se a pular de um caminho a outro a partir de um cardápio de opções construído fora do seu espectro político.

    Convém também não esquecer que uma camada abaixo da superfície em que se desenrolam essas disputas, agoniza escanteada a política social que carrega, nos seus princípios e organização, um plano de ação completo, de curto, médio e longo prazo, não só para a vacinação como para o enfrentamento mais amplo da pandemia. Referimo-nos ao Sistema Único de Saúde, o projeto capaz de responder ao caráter necessariamente coletivo da produção de saúde e doença, tão escancarado pela crise sanitária atual e claramente expresso nas polêmicas em curso sobre a imunização contra o novo coronavírus. Não apenas defender o SUS, como um discurso genérico de valorização do público, mas assumir o SUS como guia de um posicionamento tático-estratégico em relação à vacinação da população brasileira e ao controle da pandemia, parece-nos o caminho principal para uma esquerda socialista que vise, ao mesmo tempo, controlar a tragédia humanitária e fugir do pobre debate político que se prende à superfície das polêmicas, excluindo qualquer possibilidade de se fortalecer um projeto societário progressista a partir dessa crise sanitária.

    Assumir protagonismo

    Assim, assumir protagonismo na disputa política que se trava em torno da vacina significa, antes de tudo, recusar o comportado lugar de espectador na polarização entre uma direita travestida de centro e uma extrema direita protofascista. No caso da pandemia do novo coronavírus, isso só é possível pelo resgate dos princípios universalistas que orientam o SUS – aqueles que não cabem nos planos de Bolsonaro nem de Dória, mas que precisam ser mobilizados também no esforço de fortalecimento de uma consciência sanitária que vá além da concepção de saúde como problema individual.

    Para início de conversa, nada está mais distante dos princípios do Sistema Único de Saúde em relação à imunização do que as iniciativas que, aqui e ali, confirmam a lógica fragmentária do ‘cada um por si’ na corrida dos entes federados pela vacina.

    Como se sabe, a chamada imunidade coletiva que se espera atingir com a vacinação requer um quantitativo mínimo da população imunizada – no caso da Covid-19, esse número ainda é incerto e depende de cada vacina. Dada a impossibilidade de se determinarem limites fixos entre estados e municípios, a imunização da população local não contribui para o objetivo imediato principal, que é frear a transmissão comunitária do vírus. Em mais um capítulo da disputa política com ‘p’ minúsculo que vem sendo travada em torno de tema tão importante, o governador de São Paulo aparentemente resolveu esse problema quando declarou que não será preciso confirmar moradia no Estado para tomar a vacina, incentivando um ‘turismo de saúde’ e, com isso, naturalizando soluções parciais ou mesmo individuais para um problema que, como os trágicos números da pandemia já cansaram de demonstrar, só tem saída coletiva e universal – um adjetivo que, não por acaso, há mais de 30 anos, é sobrenome do sistema de saúde brasileiro.

    Universalidade do SUS

    Mais do que uma garantia legal de que todos tenham acesso aos serviços de saúde, a universalidade do SUS é um princípio contra a desigualdade e a iniquidade que historicamente assolam a sociedade brasileira. Ao se estabelecer que saúde é direito de todos e dever do Estado, a Constituição de 1988 recusa soluções individualistas como aquelas que privilegiam quem tem recursos para se deslocar de um estado a outro em busca de uma vacina tratada como moeda de troca política.

    Assumir protagonismo na disputa política que se trava em torno da vacina significa, antes de tudo, recusar o comportado lugar de espectador na polarização entre uma direita travestida de centro e uma extrema direita protofascista, o que, no caso da pandemia do novo coronavírus, só é possível pelo resgate dos princípios universalistas que orientam o SUS

    Diante disso, como sustentar que, em resposta a um governo que não se compromete com o direito à saúde, a pauta pragmática da esquerda socialista possa reforçar uma fragmentação que, no limite, significa também a negação desse direito?
    Parece prudente também não esquecer a determinação econômica daqueles fenômenos que, na superfície, mostram-se apenas como disputas políticas. Afinal, o que permite que Dória tenha neste momento a possibilidade de comprar, produzir e oferecer vacina a um contingente da população é a profunda desigualdade federativa brasileira. E essa é uma dimensão importante da luta contra a desigualdade e em favor da universalidade do SUS, que precisa se expressar também no acesso à imunização, já que a maioria dos 27 estados e 5.570 municípios brasileiros não terão condições de adquirir uma cota de vacina para chamar de sua.

    A resposta sobre ‘o que fazer’ passa por um conjunto de ações diretivas de pressão, social e jurídica, sobre o governo federal, mas também de organização da solidariedade federativa que pode reduzir os danos causados pela omissão do Ministério da Saúde.

    Vencer desigualdades

    Incentivar, a partir de ações concretas e urgentes, um regime de partilha – ao invés da concorrência em curso –, redistribuindo a riqueza e a infraestrutura de estados e municípios em prol da universalização da vacina, é uma forma de enfrentar, ao mesmo tempo, a pandemia e a falsa disputa política que reforça a desigualdade no acesso à saúde e contribui, na aparência e na essência, para o jogo da direita.

    E vale ressaltar que solucionar cooperativamente a ausência do governo federal não significa abrir mão da exitosa experiência e da logística do Programa Nacional de Imunização (PNI), ao contrário. Embora seja coordenado pelo Ministério da Saúde, o PNI se estrutura como ação descentralizada, cuja execução final fica a cargo das instâncias locais do SUS, que, norteadas pelo princípio da universalidade, levam a imunização a todos os rincões deste país.

    Tudo isso, no entanto, requer recursos – sobretudo num país em que a maior parte da arrecadação tributária está concentrada na União.

    Portanto, é tarefa urgente da esquerda socialista, especialmente aquela que está presente no legislativo federal, capitanear a luta para garantir dinheiro extra para estados e municípios. Além de todos os desafios de uma pandemia que continua ampliando suas vítimas, e do saldo de doenças acumuladas pelo não acompanhamento em meio ao isolamento social, no que diz respeito especificamente à vacina, governadores e prefeitos terão altos custos com o reforço de pessoal, combustível e transporte em geral – principalmente nas regiões que concentram aldeias indígenas, populações ribeirinhas e outras particularidades – e formação dos trabalhadores da saúde envolvidos na imunização – desafio, aliás, que tem sido pouco tematizado.

    Além de essenciais para frear a pandemia e preservar a vida, pauta prioritária de qualquer programa de esquerda que mereça esse nome, essas medidas têm potencial de mexer no tabuleiro político, ao mesmo tempo denunciando, com ações, a omissão do governo federal e retirando as lideranças da direita, dita civilizada, da zona de conforto em que vêm se movimentando.

    Imunização pública

    Vale insistir ainda um pouco no quanto a questão orçamentária é fundamental para diferenciar, de forma efetiva, a pauta estruturante da esquerda do discurso civilizado, mas ainda assim excludente, da direita que tem se vendido como a real oposição a Bolsonaro. À primeira vista, esse pode parecer um tema externo ao debate da vacina, mas aqui é preciso olhar o contexto – sanitário e político – pela máxima totalidade possível. Comecemos por mapear os limites objetivos.

    Quem conhece minimamente o campo sabe que a produção mundial de imunobiológicos, hoje, não é suficiente para que se garanta a vacinação de toda a população brasileira num curto intervalo de tempo. A primeira conclusão dessa constatação é que não é apenas válido como necessário defender e lutar para que se alcance a vacinação de toda a população adulta em 2021, mas é igualmente importante não apostar em palavras de ordem vazias, que ignorem as dificuldades impostas pela realidade.

    A segunda pauta, urgente, que essa constatação impõe, e que parece ‘correr por fora’ da disputa político-eleitoral entre direita e extrema direita em torno da imunização, é impedir que o setor privado comercialize vacinas no país, exigindo que tudo que for produzido seja destinado aos governos para a vacinação gratuita, universal e equitativa de toda a população, sem privilégios a quem pode pagar.

    Auxílio emergencial

    Mas aqui uma terceira e fundamental conclusão é que, sem vacina durante um número ainda indefinido de meses e com a continuidade (ou agravamento) da crise econômica, parte da população aprofundará a situação de pobreza e miséria. Isso num contexto em que o auxílio emergencial fornecido pelo governo federal foi suspenso, o orçamento aprovado para políticas sociais foi reduzido e o teto de gastos federais continua em vigor. Aqui, apenas um passo além da superfície do debate da vacina, encontramos o ponto que rapidamente iguala as bandeiras da direita ‘de sempre’ e da extrema direita bolsonarista: a defesa intransigente da austeridade fiscal.

    Solucionar cooperativamente a ausência do governo federal não significa abrir mão da exitosa experiência e da logística do Programa Nacional de Imunização (PNI), ao contrário

    Por isso, lutar pela retomada – e ampliação – do auxílio emergencial, por mais recursos para que as escolas públicas tenham segurança de retomar as aulas quando as condições sanitárias permitirem, por mais dinheiro para garantir profissionais e serviços de saúde enquanto o vírus continuar circulando é executar um programa de combate à pandemia que incorpora e complementa a estratégia de imunização. Significa reconhecer a determinação social da saúde e da doença, estágios que se definem para além da contaminação por um ou outro vírus. Mais do que isso, significa colocar em prática o conceito ampliado de saúde, entendendo (e prevenindo) as diversas causas do adoecimento e o quanto ele é marcado pela estrutural desigualdade da sociedade brasileira. Significa, por fim, trazer o SUS como ferramenta para o combate à pandemia e como projeto para o debate político.

    Cátia Guimarães é jornalista, especialista em comunicação e saúde, doutora em Serviço Social, militante do Psol.