Categoria: Segurança Pessoal e Direitos Humanos

  • Previdência Social ou Juros?

    Previdência Social ou Juros?

    por Paulo Kliass*

     

    Ao contrário do que o financismo nos faz crer, não é a rubrica previdenciária aquela se apresenta como a maior deficitária na contabilidade da União.

    A entrada em 2017 também pode ser encarada pela ótica de uma busca desesperada por afirmação de alguma rota de coerência e credibilidade do governo Temer. Afinal, o passar do tempo veio desconstruindo, pouco a pouco, toda aquela falsa expectativa criada em torno das vantagens do “golpeachment”. O canto de sereia dos “putschistas” assegurava que, uma vez consumada a retirada de Dilma do Palácio do Planalto, tudo seria resolvido e o Brasil entraria em um verdadeiro céu de brigadeiro.

    A realidade, porém, insistiu em desmentir os vendedores de tais falsas ilusões. Os equívocos do diagnóstico a respeito da situação econômica e social não foram abandonados em relação à leitura equipe anterior, quando o chefe da turma da economia era Joaquim Levy. Muito pelo contrário! A entrada em campo da dupla Meirelles e Goldfajn recoloca o financismo no centro de decisões, ainda com mais poder de fogo. Assim, a manutenção da estratégia do austericídio se vê reforçada, com elevação sensível dos níveis das maldades a serem praticadas contra a maioria da população brasileira.

    Já virou jargão a afirmação de que governar é fazer escolhas e definir prioridades. Pois a imagem cabe como uma luva para a compreensão dos rumos adotados por Temer, desde que ele encabeçou o movimento pela deposição ilegítima da presidenta eleita. Além de optar pela via da inconstitucionalidade do golpe travestido de ares institucionais, Temer escolheu o campo do conservadorismo ortodoxo no domínio da economia. É bem verdade que tal preferência não revelou nada de muito surpreendente, mas ele resolveu aprofundar a aliança com o núcleo duro do sistema financeiro e incorporou para si, de forma definitiva, a narrativa da inevitabilidade do ajuste recessivo.

    Austericídio: cortes no orçamento e juros nas alturas.

    A leitura da turma do neoliberalismo tupiniquim a respeito da dinâmica econômica permanecia monocórdica. A recomendação para superar as dificuldades se resumia, como ainda se reduz, ao binômio do corte das despesas orçamentárias e da manutenção de uma política monetária arrochada. Às favas com as críticas que apontavam para os graves problemas sociais derivados de tal estratégia, além do desprezo pelos economistas que alertávamos para a própria ineficiência de tais medidas para resolver o que se pretendia. A trágica combinação de política fiscal restritiva com taxas de juros estratosféricas provocaria uma mistura explosiva para o conjunto da sociedade.

    Alçado ilegitimamente à condição de chefe de governo, Temer fez as suas escolhas. A radicalização da trilha austericida veio acompanhada de contingenciamentos mais duros de verbas públicas, de taxas de juros reais e nominais inimagináveis, de desmonte de estruturas essenciais da administração pública, entre tantas outras manifestações dos representantes da “nova equipe técnica e competente” que chegava à Esplanada dos Ministérios. Enfim, nem tão eficiente nem tão nova assim, uma vez que os oportunistas de todos os matizes rapidamente se converteram ao novo credo e se acomodaram aos comandos da nova direção.

    O vice-presidente eleito em 2014 estabeleceu suas prioridades. E assim foram considerados essenciais seus objetivos de: i) promover o congelamento das rubricas orçamentárias pelo horizonte de 20 anos da vida nacional; e ii) empurrar goela abaixo da sociedade uma reforma previdenciária redutora de direitos de trabalhadores na ativa e de aposentados. Levando-se em consideração a insanidade da avaliação subjacente a tal aventura criminosa, nada mais coerente com um diagnóstico que tem seus olhos focados única e exclusivamente na necessidade de promover superávit primário a qualquer custo.

    Ocorre que o discurso é mentiroso e o argumento é falacioso.

    Não é verdade que a estrutura da previdência social seja estruturalmente desequilibrada e que sua manutenção levará à quebradeira generalizada do Estado brasileiro. A situação das contas do Regime Geral da Previdência Social (RGPS) passa por um momento de maior dificuldade em função de problemas das receitas do INSS e não por um descontrole insuperável. Os últimos governos promoveram um festival de desonerações das receitas previdenciárias a serem recolhidas pelas empresas. Por outro lado, a redução do ritmo de atividade econômica e a recessão promoveram também uma drástica redução das receitas do RGPS. O aumento do desemprego tem provocado a retirada de milhões de trabalhadores do mercado de trabalho, com evidentes impactos também sobre a previdência.

    Previdência não é estruturalmente desequilibrada.

    Frente a esse quadro é compreensível que haja um descompasso entre entradas e saídas de recursos do sistema. As despesas se mantêm, uma vez que as pessoas continuam aposentadas e outras passam a se aposentar. As receitas diminuem por conta da estagnação provocada pelo austericídio. E daí os jornalões escancaram as manchetes do suposto “rombo enorme” da previdência. Trata-se do mais puro e conhecido alarmismo irresponsável. Desde 2015 as contas apresentam problemas, mas nada comparável a um descompasso estrutural. Se a economia voltar a crescer, as receitas devem retornar a patamares compatíveis às despesas.

    E tudo isso sem mencionar os problemas associados ao contingente da previdência rural e ao abandono deliberado do conceito de seguridade social, tal como definido na própria Constituição. A parte mais relevante do chamado “déficit previdenciário” tem origem nos benefícios concedidos aos trabalhadores do campo, que só foram incorporados ao sistema em 1988 e não apresentam histórico de contribuição. Ao contrário do que afirmam os especialistas em planilha contábil, a decisão dos constituintes foi o reconhecimento de uma profunda dívida da sociedade brasileira para com que esse setor, que até então sempre fora marginalizado e impedido de participar do sistema previdenciário. Já o tripé “saúde-previdência-assistência” que a Constituição define como seguridade social tem suas fontes de receita asseguradas e apresenta um orçamento formalmente equilibrado.

    Não é verdade que a única maneira de evitar o descontrole da inflação seja pela manutenção da SELIC em níveis tão elevados que fazem do Brasil o campeão mundial da taxa de juros há anos, sem interrupção. Exatamente pelo fato de a economia não ser uma ciência exata, existem várias interpretações para o mesmo fenômeno e mais de uma recomendação de política econômica. Tanto isso é verdade que até um dos principais economistas do campo da ortodoxia, André Lara Rezende, acaba de tornar pública uma espécie de “mea culpa” a esse respeito. De acordo com ele, a política que mantém a taxa de juros alta não apenas é ineficaz para reduzir preços, como em alguns casos pode até provocar inflação. Ainda que meio capenga, em sua auto crítica pública, o banqueiro afirma que esse tem sido o caso brasileiro (nem tão) recente. Em suas palavras: “Ou seja, o juro alto, não só agrava o desequilíbrio fiscal, como no longo prazo mantém a inflação alta.” Em poucas palavras, ele reconhece o equívoco cometido ao longo dos últimos vinte anos. Resta saber quem vai pagar a conta de tanta irresponsabilidade cometida contra a grande maioria da sociedade.

    Por que não uma Reforma da Política Monetária?

    Ora, se o governo estabeleceu mesmo como objetivo o controle de gastos públicos, sua opção em alcançá-lo pela previdência social revela uma prioridade bastante questionável. Senão, vejamos. Os números oferecidos pelas próprias instituições oficiais encarregadas pela política econômica são cristalinos.

    Ao contrário do que nos faz crer o discurso do financismo, não é a rubrica previdenciária aquela se apresenta como a maior deficitária na contabilidade da União. O item do Orçamento federal que oferece o maior rombo é a conta de pagamento de juros. Sim, de acordo com informações do próprio BC, ao longo de 2016 as despesas com esse quesito foram de R$ 407 bilhões, algo que representa em torno de 7% do PIB. Houve momentos, ao longo do ano passado, em que o total acumulado de 12 meses dessa conta chegou a atingir igualmente vergonhosos R$ 540 bilhões. Ainda que sejam gastos da órbita federal, o governo faz cara de paisagem e ignora o assunto quando alguém ousa colocar o tema na mesa. Como não existe nenhuma receita de tributo correspondente a tal atividade, o impacto das despesas é 100% comprometedor do equilíbrio fiscal. No entanto, como outra “prioridade do governo” é a manutenção do superávit primário, não há nenhuma medida para contingenciar ou reduzir os gastos com a política monetária. Afinal, como o povo da finança enche a boca para dizer, os contratos do mercado são sagrados e imexíveis.

    Assim, como a intenção é encontrar contas passíveis de redução na estrutura orçamentária, os especialistas dos cortes não hesitam em apontar o dedo para a previdência social. Afinal, a conta é mesmo expressiva: foram R$ 516 bi em 2016. No entanto, o sistema prevê receitas específicas para sua manutenção. Assim, ainda que fiquemos submissos aos cálculos polêmicos e questionáveis do Ministério da Fazenda, o déficit apresentado pelo sistema no ano passado teria sido de R$ 108 bi. A disparidade entre ambas as contas é evidente! Mas o governo esqueceu juros e optou pela previdência.

    Assim como a chamada “PEC do Fim do Mundo” silenciou sobre congelar os gastos financeiros ao longo dos próximos 20 anos, aqui também o financismo passa incólume – graças ao compadrio generoso dos responsáveis pela equipe econômica. Pouco importa o caráter redistribuidor de renda dos benefícios do INSS. Pouco importa que mais de 40% desse volume de aposentadorias e pensões retorne aos cofres públicos sob a forma de tributos e impostos. Pouco importa que sejam mais de 30 milhões de indivíduos beneficiados por esse tipo de remuneração. A prioridade é a Reforma da Previdência, com o intuito de retirar direitos para reduzir as despesas previdenciárias. E ponto final.

    Juros: R$ 4 trilhões em 2 décadas.

    Por outro lado, a exemplo do que vem sendo praticado há décadas, a prioridade é não mexer com o superávit primário. Assim, não interessa promover nenhuma “Reforma da Política Monetária” – esta sim poderia oferecer algum alívio significativo nos gastos federais. Nesse caso, os dados da Secretaria do Tesouro Nacional são realmente impressionantes. Ao longo de 2 décadas entre 1997 e 2016, por exemplo, o Estado brasileiro registrou um déficit acumulado de R$ 4,1 trilhões em sua conta de juros. Isso significa que foi esse o valor transferido do orçamento público para o sistema financeiro, a título de pagamento dos juros da dívida pública. Todos sabemos que são recursos dirigidos a uma pequena parcela da população e sobre os quais incide uma porcentagem muito reduzida de impostos, em razão da conhecida regressividade de nossa estrutura tributária.

    Previdência social ou juros? Temer fez sua escolha e definiu sua prioridade.

    Cabe à sociedade organizada demonstrar sua discordância e pressionar o Congresso Nacional para evitar a aprovação de tal desastre anunciado.

    * Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.

     

    Publicado originalmente na Carta Maior. 08/08/2017. http://cartamaior.com.br/?%2FEditoria%2FEconomia%2FPrevidencia-Social-ou-Juros-%2F7%2F37670 

  • Carandiru, Pedrinhas e Manaus: as prisões como projeto de dominação de classe

    Carandiru, Pedrinhas e Manaus: as prisões como projeto de dominação de classe

    por Marcelo Biar*

    Eis aí, em Manaus, uma nova velha rebelião. Nova em Manaus, e velha no Brasil. Repetitiva, arriscaria dizer. Uma rebelião de classe, ainda que sem consciência. Há algo que unifica a história do Carandiru (SP), Pedrinhas (MA) e COMPAJ (AM). São presídios brasileiros e cumprem, ou cumpriram, a mesma função. A de aglutinar excluídos. Na verdade, os presídios são locais que recebem os indesejados a ordem dominante, quando em excesso. Quando extrapolam o quantitativo conveniente e controlável. É assim hoje em dia e também desde o século XIX quando recebia em sua absoluta maioria, escravos indisciplinados. Pois é, pena de privação de liberdade para quem não a tinha. Reclusão e castigo a quem ameaçava a ordem. No Rio de Janeiro, entre 1810 e 1821, tivemos o total de 4776 presos. Destes, 3182 eram escravos, 944 libertos (negros ex escravos) e 20 homens livres**. Neste período, seja pela questão étnica ou pela condição jurídica (escravo ou homem livre) ficava muito fácil identificar quem devia ser reprimido no Brasil. Hoje, reconfigurada a questão étnica e, transformada a questão jurídica em questão de classe, seguimos com a mesma prática. A mesma lógica. O encarceramento do excluído.

    Mas não se trata apenas de encarcerar. Na verdade é necessário demarcar este grupo como sendo aquele que erra, para que o projeto de dominação e exploração brasileiro tenha êxito. É preciso, portanto, ter uma prática penal que demarque o indivíduo que delinquiu como impróprio para o convívio social, não apenas no período previsto pela pena, mas por todo o sempre. E, considerando que como preso não temos um sujeito social aleatório que cometeu um delito, mas sim um perfil social muito claramente definido, pode-se, assim, atestar a todos, a incivilidade da classe subalterna. Pronto, a classe social que se apodera do aparato jurídico e repressivo legitimador da ordem classista, criminaliza a existência do grupo social por ela explorado. Transforma o estar à margem em ser criminoso. Ou seja, criminaliza toda identidade do subalterno, justificando e absolvendo a relação de produção que o subalternizou. Absolvendo a si própria da expropriação e naturalizando a diferença de classe.

    Completa este quadro o uso que a classe dominante faz do oprimido que, à margem da sociedade, do emprego formal, da condição cidadã e tudo mais, acaba por se ocupar de atividades criminosas que acumulam capital para seu opressor. O tráfico de drogas é um exemplo. A etapa conhecida, temida e criminalizada desta atividade econômica tão contemporânea quanto concentradora de renda é, justamente, a fase varejista que é executada por este subalterno. Este que morre, é preso e não acumula capital. Este que vive e sofre uma peculiar expropriação do grande capital.
    O presídio é um setor importante desta lógica expropriadora. É o local, inclusive, de onde o Estado organiza, fomenta e regula o crime a partir da concentração daqueles que o cometeram, e da “faccionalização” deste. Não por acaso as facções criminosas conhecidas e desenvolvidas nas últimas décadas foram criadas dentro dos presídios com clara intervenção e/ou mediação de agentes do estado.

    O Estado centauro, aquele que possui parte do corpo voltado para a ausência do Estado (em questões sociais) e outra parte para a grande presença (em questões repressivas), assim chamado pelo sociólogo francês, Loicq Wacquant***, tem seu coração no presídio. Nesta lógica neoliberal, em que quanto maior a ausência do estado no campo social, maior, por consequência, no campo repressivo, o aparato vem se sofisticando. Criaram as SEAPs (secretarias de estado de administração penitenciária), o FUNPEN (Fundo Penitenciário) e uma parafernalha tecnológica como detectores de metal etc. Isto que parece investimento de Estado na questão da segurança é especialização e financiamento de um processo de dominação. As SEAPs são a afirmação do encarceramento como fim, já que de todo amplo espectro da execução penal concentra como seu único foco, a privação de liberdade. Não entende esta como um aspecto de todo um contexto que deve ser abrangido que envolve, dentre outras coisas, a reconfiguração de identidade daquele que delinquiu e a mediação com a sociedade e suas relações para que este sujeito se integre de forma construtiva na mesma. É a afirmação da clausura. Por sua vez, o FUNPEN é o órgão que financia tal prática. Criado em 1994, tem se esmerado em financiar ampliações e construções de cadeias. Ampliação deste sistema.

    Neste Brasil que já é o quarto país em população carcerária, Carandiru, Pedrinhas e o recente episódio em Manaus (COMPAJ), são tão somente acidentes de percurso. O problema não são as rebeliões, mas sim o próprio sistema. Mas as rebeliões, contraditoriamente, ao invés de denunciar a falência deste sistema, reforçam no imaginário coletivo a indesejabilidade do preso, e consequentemente do seu grupo social, ratificam a repressão e, pasmem, afirmam a eficiência do Estado que, como se não lhe coubesse responsabilidade no processo de rebelião, aparece com soluções repressivas que nada diferem de suas ações anteriores, mas que parecem redentoras ante grande parte da população amedrontada pelos “perigosos”.

    A foto, amplamente divulgada, dos rebelados de Manaus com armamento pesado no interior do presídio, assusta tanto e a tantos que impede que se pense na falência da instituição que, antes mesmo de ser queimada por estes, já se apresenta secularmente apodrecida. A mesma foto dá vida a notícia de que o governo Temer liberará R$1,2 bilhões para o FUNPEN. Divulgada dias antes da rebelião sem maiores repercussões, esta notícia reciclada pela rebelião dá pungência a ação repressora. Reafirma a necessidade de tal prática. Revigora um governo ilegítimo e gestor das relações que implodiram.

    Não se trata, por ora, de discutir se a gestão dos presídios é pública, terceirizada ou privada. Trata-se de negar a ação gestora opressora. O laboratório de negação de direitos e estigmatização que é o presídio contemporâneo. Esta instituição que, não por acaso, surge na afirmação da sociedade burguesa, é um importante mecanismo da dominação de classe. Atua no consenso e na coerção. Na repressão e na construção de subjetividades que legitimam a desigualdade. Tanto quanto podemos dizer que a prisão é um elemento de opressão de classe, podemos afirmar que qualquer um que anseie o fim da desigualdade social, da opressão classista, que não repense a instituição de privação de liberdade estará operando de forma inócua. Assim, seja em Manaus ou na Lava Jato, na prisão de um ladrão de celular ou do Eduardo Cunha, temos que ter cuidado para não alimentar o monstro que quer nos engolir. A prática de violações aos direitos do cidadão é um projeto de poder, seja na sociedade livre, no trato do judiciário, ou na prisão. Quando comemoramos tal prática com aqueles que não simpatizamos reforçamos uma lógica de opressões com a qual, salvo engano, também não simpatizamos. (Espero que não!). O sistema não pode receber o respaldo de quem deseja sua derrocada. Milhares de presos, no Rio de Janeiro, tem o acesso a água limitado a 3 vezes ao dia com duração de 20 minutos e defecam em buracos no chão. Os chamados “buraco do boi”. Quando alguém comemora a chegada de Sérgio Cabral a uma destas prisões, percebendo ou não, aceita tal situação. E pior, a cada ex governador a ter seu direito violado, a despeito de sua indigna conduta na vida pública, milhares de oprimidos seguirão sendo desrespeitados em sua dignidade. Quando se comemora uma ação arbitrária do juiz Sérgio Moro com um réu da Lava Jato, repito, a despeito de sua indigna conduta, milhares de populares sofrerão, ou continuarão a sofrer, tais arbitrariedades. Enfim, não se vence um sistema comemorando suas ações. Não se rompe a exploração de classes fortalecendo seus mecanismos.

    Termino recordando uma cena do filme 400 contra 1, baseado no livro homônimo de William de Souza (o Professor, fundador do Comando Vermelho), em que presos comuns ao verem sendo retirados do presídio da Ilha Grande os presos políticos, gritam que estava havendo um engano. Dizem que proletários ali, são eles. Sem entrar no mérito de quem representa o proletariado naquela circunstância, é preciso que se deixe claro que o sistema penitenciário brasileiro e o judiciário com sua prática autoritária, são um projeto classista de dominação e opressão. Em Manaus ou em qualquer lugar, o preso, a despeito do delito cometido, é sim um preso político. Um preso de classe. O desrespeito aos direitos humanos, na cadeia, assim como a arbitrariedade da justiça que fere, por muitas vezes, o próprio direito de defesa e a presunção de inocência, também é um projeto de dominação classista. Não perceber ou não denunciar isto é, portanto, consciente ou não, uma prática reacionária que sustenta esta sociedade desigual.

    Manaus, Pedrinhas ou Carandiru, são panelas de pressão. Todas apitam ou explodem. Mas o que devemos discutir não é isto, mas sim a panela em si!

    *Marcelo Biar é professor de História com mestrado em Serviço Social e doutorado em História, pela UERJ. De 2007 a 2011 trabalhou como diretor de escola e professor no Complexo Penitenciário de Gericinó (Bangu_ RJ) e é autor dp livro ARQUITETURA DA DOMINAÇÃO: O RIO DE JANEIRO, SUAS PRISÕES E SEUS PRESOS, Editora Revan.
    ** Este estudo pode ser encontrado no artigo ENTRE DOIS CATIVEIROS: ESCRAVIDÃO URBANA E SISTEMA PRISIONAL NO RIO DE JANEIRO 1790-1821, de Carlos Eduardo M. de Araújo, do livro HISTÓRIA DAS PRISÕES NO BRASIL, Editora Rocco.
    *** Loiq Wacquant é um sociólogo francês, autor de AS DUAS FACES DO GUETO e AS PRISÕES DA MISÉRIA.

  • Síntese dos debates do Ciclo “Se a Cidade fosse Nossa”

    Síntese dos debates do Ciclo “Se a Cidade fosse Nossa”

         A fundação Lauro Campos, em parceria com diretórios estaduais e municipais do PSOL, realizou uma série de eventos buscando contribuir com a discussão programática do partido e ajudar na apresentação de propostas visando as eleições municipais de 2016.

         Foram dez atividades realizadas em oito cidades brasileiras, que contou com a participação de pesquisadores, estudiosos e militantes dos eixos temáticos escolhidos para o aprofundamento da discussão. Rio de Janeiro, Curitiba, Nova Iguaçu, Fortaleza, Salvador, Recife, Belém e São Paulo sediaram atividades.  

         Confira a síntese de cada discussão realizada pelo Ciclo “Se a Cidade fosse Nossa”:

     

     

     

    Cidades do negócio vs. cidades rebeldes

    Local: Rio de Janeiro – RJ

    Participantes: David Harvey (geógrafo), Juliano Medeiros (presidente da FLC) e Edmilson Rodrigues (deputado federal – PA)

         Tivemos a oportunidade de apoiar o diretório carioca do partido, recebendo o  professor David Harvey, figura destacada do pensamento marxista e mais importante  geógrafo da atualidade. Em duas conferências mais uma aula pública, mostrou como a cidade é o espaço privilegiado de reprodução ampliada do capital, e destacou como os movimentos sociais estão procurando outras formas de organização e articulação para enfrentar a cidade dos negócios.

         O capitalismo em crise tenta resolver seus problemas através do avanço sobre as cidades para transformá-las em ativos financeiros. É a lógica de que a cidade não deve servir para as pessoas, mas para os negócios.

         Há uma enorme irracionalidade do capitalismo e na política. Como lembrou, em tom de brincadeira:  “dizem que nós, marxistas, somos insanos. Insanos são os capitalistas, que defendem esse modelo de cidade feita para especular, e não um modelo decente para as pessoas morarem com dignidade”.

         E continuou: “a solução não é abandonar o processo político, mas reconstruir o sistema. Precisamos de uma revolução política. Nos dizem que a única solução para as nossas dificuldades é mais capitalismo. A verdadeira resposta é nada de capitalismo. Na esquerda, a base tem que ser popular e estar no centro do processo político.”

     

    Tema 1: Saúde

    Local: Curitiba – PR

    Participantes: Bernardo Pilotto (setorial de saúde do PSOL), Lidia Cardieri (socióloga) e Melissa Pereira (Fiocruz)

         A saúde é um dos principais problemas dos municípios e dos cidadãos. A constituição federal estabelece que é competência do município a atenção básica e os serviços locais (em parceria com o estado e a união), o estabelecimento de uma política municipal de saúde, que invista ao menos 15% do orçamento local, e os laboratórios de exames e hemocentros. É muita coisa e os recursos são poucos.

         As restrições financeiras e as imposições da lei de responsabilidade fiscal têm trazido dificuldades adicionais. As administrações em geral, independente da orientação ideológica do partido, tem apostado em formatos de terceirização de serviços e de gestão, precarizando as condições de trabalho e retirando o caráter público do serviço. Para o PSOL, a ideia é fortalecer o SUS e a saúde pública, gratuita e de qualidade, bem como apostar na valorização do profissional, sabendo que sua dedicação e competência podem fazer a diferença.

         Como ressaltou Bernardo Pilotto, “é muito importante que o PSOL construa programas de governo na área de saúde antenados com as lutas de nosso povo nessa área, defendendo a ampliação e desprivatização do SUS. Na gestão municipal, é possível fazer muitas políticas de prevenção e promoção da saúde e é nessa área que devemos ter foco.” A própria melhora das condições de vida da população, com investimentos em saneamento básico, melhorias no transporte público e mais opções de lazer podem ser encarados como política de prevenção.

         Além disso, destacamos um assunto dentro da atenção básica: a saúde mental (junto da política de drogas), onde o município tem papel proeminente. Trata-se de debate com crescente relevância da sociedade e que traz a discussão sobre cuidado e o acolhimento. Aqui, o PSOL reafirma seu compromisso com a luta antimanicomial e com as práticas de redução de danos enquanto diretrizes para nossas políticas locais, focando sua atenção no estabelecimento e qualificação dos CAPS.

    Propostas

    • Ampliar os serviços do SUS e combater a privatização da saúde buscando rever os contratos de serviços e gestão
    • Melhorar as condições de trabalho e salários dos servidores
    • Foco na saúde básica, com fortalecimento das equipes de saúde da família
    • Políticas de prevenção e de informação
    • Construção, ampliação e melhorias dos CAPSs
    • Políticas sobre drogas de inclusão social e redução de danos.

     

    Tema 2: Segurança e direitos humanos

    Local: Curitiba – PR

    Participantes: Juninho (presidente do PSOL-SP e membro do Círculo Palmarino) e Orlando Zaccone (delegado e membro da Leap – Law Enforcement Against Prohibition).

         O desafio para o PSOL é estabelecer uma política de governo baseada no mais amplo respeito aos direitos humanos e no combate à todas as formas de opressão. Essas questões, como apontado pelo Juninho, estão relacionadas à questões estruturais que marcam a sociedade brasileira: a profunda desigualdade social, a cidadania restrita e a violência como forma de controle: “a manutenção desses privilégios de acumulação de riqueza e essa cidadania restrita se mantém através da violência”.

         Essa formação social leva a uma atuação do estado  baseada no controle social, dentro da lógica do combate ao inimigo, do punitivismo penal, da gentrificação e da exclusão social. Ressaltou Orlando Zaccone: “então, a questão da cidadania que o Juninho trouxe mostra que a Declaração Universal dos Direitos Humanos não contemplou essa distinção entre cidadão humano e não cidadão inimigo. O inimigo hoje não é o cidadão, ele é construído dessa forma, pelo discurso: ´direitos humanos para humanos direitos´. E esse nosso cidadão é construído como inimigo, e diversas fatores vão ser contemplados nessa não cidadania, nessa construção de inimigo. E o tráfico de drogas hoje é a grande construção que se faz dessa figura mítica do inimigo que perde toda proteção do ambiente social”.

         A política de segurança do PSOL precisa encarar a discussão da segurança e da violência como produto da desigualdade social: “a violência não será combatida com mais aparato e com mais violência, mas sim a partir de uma dinâmica de desenvolvimento real, de distribuição de riqueza, de desenvolvimento social”, reforçou Juninho.

    Propostas:

    • Políticas de proteção aos direitos humanos e combate às opressões
    • Pelo fim do caráter atual “militarizado” das Guardas Civis Metropolitanas e reforço da atuação comunitária
    • Foco em políticas de revitalização dos espaços e de combate à desigualdade

     

    Tema 3: Poder local nas periferias e no interior

    Local: Nova Iguaçu – RJ

    Participantes: Carlos Vainer (urbanista), Sandra Quintela, Glauber Braga (deputado federal – RJ), José Cláudio Souza Alves (sociólogo/UFRRJ), Josemar Carvalho (geógrafo/São Gonçalo-RJ), Leci Carvalho (pedagoga e presidenta do PSOL-Nova Iguaçu,), Cid Benjamin (jornalista) e Álvaro Neiva (presidente do diretório estadual do Rio de Janeiro)

         As políticas públicas não podem se resumir às capitais. Mesmo quando pensamos nelas, é decisivo incorporar as regiões metropolitanas no debate, porque para as pessoas as fronteiras entre os municípios muitas vezes representam impedimentos e dificuldades. Para Carlos Vainer é preciso superar as divisões baseadas em municípios, muitas vezes incorporadas pelos próprios partidos que têm viés contra-hegemônico. “Sou a favor do comitê metropolitano. Nós queremos os impostos da Barra da Tijuca sendo aplicados em Nilópolis (…) O poder é a capacidade de articular escalas, sejam elas globais, nacionais ou locais”, afirmou Vainer.

         O programa do PSOL é construído em parceria com os movimentos sociais. Sandra Quintela, economista do PACS (Políticas Alternativa para o Cone Sul), lembrando seus vínculos com a Baixada, citou exemplos de embates como os comitês em Nova Iguaçu contra a ALCA, pescadores da Zona Oeste do Rio contra a TKCSA, Comitês Populares denunciando as políticas de exclusão relacionada à Copa e às Olimpíadas. Para Sandra, “o debate sobre poder local não pode abrir mão de fazer as disputas de classe, afinal, o capital é global”.

         Fechando a primeira parte do debate, o deputado federal Glauber Braga (PSOL/Nova Friburgo-RJ) falou sobre as relações entre institucionalidade e resistência nas ruas.  “Somos o partido que toda sexta-feira está em praça pública no Centro do Rio. Temos que construir os programas e prestar contas nas praças, não para negar o poder representativo que hoje existe, mas por entender que ele não dá conta de um projeto de ruptura”, afirmou Glauber.

       Na parte da tarde o debate contou com a participação dos professores José Cláudio Souza Alves (sociólogo/UFRRJ), Josemar Carvalho (geógrafo/São Gonçalo), e Leci Carvalho (pedagoga e presidenta do PSOL-Nova Iguaçu,); do jornalista Cid Benjamin.e do presidente estadual do PSOL-RJ, Álvaro Neiva. Em pauta, as particularidades da militância na Baixada e na periferia em geral, os problemas na segurança e no serviço público e os desafios da luta institucional, entre outros temas.

    Propostas:

    • Políticas integradas para Região Metropolitana – mobilidade urbana, segurança pública, saneamento básico, saúde etc
    • Criação de comitês metropolitanos e de laços entre os governos e os cidadãos dessas regiões

     

    Tema 4: Cidades Negras

    Local: Salvador-BA

    Participantes: Samuel Vida (UFBA), Linesh Ramos (professora) e Dennis Oliveira (USP)

         Para o PSOL o racismo é parte estrutural da formação social do país e da luta de classes. Como destacou o professor Dennis de Oliveira,  o “racismo é a ideologia que vai definir quem tem e quem não tem patrimônio e renda; o racismo que define quem é e quem não é cidadão e é o racismo que define quem é o autor e quem é a vítima da violência. Ele vai ser o elemento que vai justificar essa clivagem que acontece pela lógica do Estado brasileiro”.

         Do ponto de vista da gestão do Estado e das políticas públicas, enfrentar o tema do racismo institucional é decisivo para uma gestão que quer combater o racismo estrutural. Para Samuel Vida, “falar de racismo institucional é tentar entender como esses mecanismos operam de formas distintas e com várias roupagens, podendo ocorrer, inclusive, em espaços governados e administrados por pessoas negras”.

         Da mesma forma, destacamos a importância de abordar esse tema de forma intersetorial, com conexões com a questão das mulheres em especial: “o empoderamento das mulheres negras é fundamental à luta democrática. O racismo atua no sentido de manter a faxina ética. Não existe socialismo e liberdade se não tivermos o fim do racismo”, afirmou Linesh Ramos.

         Para o PSOL a temática do combate ao racismo não pode se resumir às ações de uma pasta específica, devendo estar presente em todas as ações institucionais e políticas públicas, além das políticas específicas.

    Propostas:

    • combate ao racismo institucional
    • combate à violência contra o jovem periférico
    • combate à violência contra a mulher negra

     

    Tema 5: Comunicação

    Local: Fortaleza-CE

    Participantes: Aldenor Jr. (ex secretário de comunicação de Belém), Roger Pires (coletivo Nigéria) e Helena Martins (coletivo Intervozes)

         Segundo a Unesco “todas as pessoas têm o direito de produzir, receber e fazer circular informações”. Essa concepção é mais do que garantir a liberdade de expressão, é pensar em formas e políticas que garantam a todas as pessoas o direito de acessar, produzir e difundir informações e cultura. Esse direito, no entanto, é negado pelo alto grau de concentração da propriedade dos meios de comunicação, inclusive em âmbito municipal (donos de rádios e jornais locais são ligados ao poder econômico).

         Junto dos movimentos sociais, é preciso pensar outras formas de comunicação e de identidade visual. Para Roger Pires, a comunicação no âmbito municipal reflete a segregação existente na própria cidade: a representação dos centros é hegemônica, enquanto que as periferias não se apresentam representadas nos grandes veículos: “qual é o Ceará que nós vemos na televisão?”, questionou.

         Mais do que as políticas específicas de comunicação, é preciso ter uma linha de atuação militante, que contribua para a organização popular e faça o enfrentamento com o pensamento e as forças hegemônicas, na direção da ampliação da participação popular. Assim, a comunicação precisa ser feita “a partir do olhar ‘dos de baixo’, como uma ferramenta para educar, para organizar e para politizar o povo”.

    Propostas:

    • wi fi livre e incentivo à produção popular
    • incentivo à distribuição e circulação da produção popular
    • incentivo à comunicação popular, jornais de bairro, rádios comunitárias, produção local
    • comunicação militante com engajamento social

     

    Tema 6: Meio ambiente

    Local: Fortaleza – CE

    Participantes: Márcio Astrini (Greenpeace) e Alexandre Araújo (PBMC – Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas)

         Pensar em outro modelo de desenvolvimento, sustentável e que respeite todas as formas de vida. O Ecossocialismo, ou qualquer outro nome que se queira dar para uma alternativa para além do capitalismo, precisa ser um projeto que supere o capital em dois aspectos: o da desigualdade social e o do colapso ambiental que promove.

          É importante romper com a dicotomia Homem versus Natureza, e compreender que a humanidade é parte integrante da natureza. O planeta Terra deve ser visto como um único organismo com um metabolismo próprio. Entretanto, a ação do homem no planeta, forçada pela atual forma de exploração devastadora, acaba por desequilibrar este metabolismo, comprometendo a sobrevivência de todas as espécies.

         A tarefa que cabe é a de adequar a exploração do planeta com as reais necessidades da humanidade, o que é incompatível com o atual sistema capitalista, uma vez que a superexploração dos recursos naturais, com o aumento da produção de dejetos, contaminação do meio-ambiente e destruição de biomas, se torna cada vez mais aceleradas na busca da produção de capital e sua consequente hiperconcentração. É mais do que urgente se buscar soluções de baixo custo e alta rentabilidade para o conjunto da sociedade, na construção de uma cadeia produtiva baseada na economia criativa e solidária.

    Propostas:

    • Eficiência no gerenciamento dos dejetos
    • Estímulo a soluções criativas de produção com baixo impacto ambiental e alto retorno social
    • Vigilância rigorosa do uso de agrotóxicos e fertilizantes químicos
    • Incentivo a nova matrizes energéticas, como o programa de instalação de placas solares em equipamentos públicos
    • Estímulo à criação de cadeias de produção e circulação de mercadorias, orientadas pela perspectiva da economia solidária

     

    Tema 7: Moradia e mobilidade

    Local: Recife-PE

    Participantes: Lucio Gregori (ex-secretário governo municipal de São Paulo, na gestão de Luiza Erundina), Socorro Leite (ONG Habitat), Leonardo Cisneros (Ocupe Estelita) e Vitor Guimarães (MTST)

         A cidade tem sido alvo do capital para se tornar espaço de valorização, produzindo desigualdades e exclusão social. O direito à cidade foi abordado em torno dos temas da moradia e da mobilidade urbana.

         Socorro Leite, diretora executiva da ONG Habitat para a Humanidade Brasil, destacou  que “o direito à moradia não está à frente da política pública”. Apresentou também uma série de propostas para a inversão das prioridades nesse tema, como a ocupação de imóveis ociosos, recursos locais para moradia, planejamento para a cidade, proteção nas ZEIS, regularização da posse, diversificação soluções habitacionais e, em especial, a participação popular.


         Já Vitor Guimarães, da coordenação nacional do MTST, destacou que “não existe programa habitacional, existe um projeto econômico, pois a crise urbana é um projeto político. Quem é dono da terra é dono da cidade. O Minha Casa Minha Vida não questiona a especulação imobiliária”. Concluiu chamando à luta e à organização popular, destacando que um programa de esquerda deve enfrentar a questão do valor da terra, ampliar e regulamentar o estatuto das cidades e estabelecer comitês democráticos de mediação de conflitos.


         Para falar de mobilidade, o engenheiro Lucio Gregori, que foi secretário de transporte da gestão Luiza Erundina na cidade de São Paulo, apontou que “a luta de classes é no chão das cidades, mais que nas fábricas”. Lembrando que a mobilidade é questão transversal, destacou também a participação popular e concluiu dizendo que “se a cidade fosse nossa a mobilidade seria de todos”.


        Por fim, Leonardo Cisneros, Professor UFRPE e ativista dos Direitos Urbanos – Recife e do Ocupe Estelita, lembrou que “mobilidade é problema político, cujas soluções expressam visões sobre o modelo de cidade. É a democracia direta do capital, que articula investimentos públicos com os interesses privados”. Assim, a questão da transparência e das prioridades é central, garantindo ao povo a capacidade de decidir e não apenas participar de conferências e consultas esvaziadas de poder.

    Propostas:

    • inversão das prioridades. Ocupação de imóveis ociosos, recursos locais para moradia, planejamento para a cidade, proteção nas ZEIS, regularização da posse, diversificação soluções habitacionais e, em especial, a participação popular.
    • enfrentar a questão do valor da terra, ampliar e regulamentar o estatuto das cidades e estabelecer comitês democráticos de mediação de conflitos.
    • transparência e das prioridades é central, garantindo ao povo a capacidade de decidir e não apenas participar de conferências e consultas esvaziadas de poder

     

    Tema 8: Participação popular

    Local: Belém-PA

    Participantes:  Edmilson Rodrigues (deputado federal-PA), Juliano Ximenes (urbanista) e Jurandir Novaes (urbanista)

         A radicalização da democracia, a participação da sociedade e a construção do poder popular são as principais marcas da proposta de governo do PSOL, ao lado da ideia de inversão de prioridades. Somente  com o povo tendo voz ativa nas decisões do governo é que seus interesses serão atendidos. A crise política e o governo golpista de Michel Temer reforçam essa importância, propondo um formato de governo totalmente oposto ao ministério de homens brancos e ricos de Temer.


         Juliano Ximenes falou sobre a importância de se instituir um ativismo comunitário no Brasil como uma medida para melhorar os mecanismos de controle político utilizados pela população. “Tais processos conferem força e diminuem os conflitos da população. O ativismo é um processo necessário e deve estar integrado às políticas para democratizá-las plenamente”, enfatizou. Já Jurandir Novaes complementou a contribuição do arquiteto, Juliano Ximenes, ao dizer que “a participação popular é uma decisão política, que serve para romper a lógica da dominação sobre o povo”.

         Edmilson Rodrigues finalizou o debate, destacando que a falta da participação popular é um dos fatores que contribuiu para o aprofundamento da crise vivida no Brasil e sofrida pela população. “A participação do povo na gestão é o instrumento que deve ser usado para que superemos as crises e para que possamos caminhar rumo a um futuro democrático, sem diferenças na sociedade e que tenha a população como foco”, concluiu.

    Propostas:

    • Ampliar e reforçar as formas de participação popular, através de conselhos, conferências e mecanismos de participação direta nas decisões, bem como reforçar mecanismos de controle social dos gastos e contratos.
    • Descentralizar o governo e estabelecer mecanismos de protagonismo local e popular.

     

    Tema 9: Educação.

    Local: São Paulo-SP

    Participantes: Luiz Araújo (professor UNB e presidente nacional do PSOL), Lisete Arelaro (professora da Faculdade de Educação da USP) e Sylvie Klein (pesquisadora), com comentários de Paula Coradi (professora)

         Para o PSOL, é central a defesa da educação pública, gratuita e de qualidade para todas e todos. A efetivação desse direito depende das prioridades e opções do governo. Luiz Araújo, professor da UNB e presidente nacional do PSOL, contou que no governo de Belém, quando foi secretário de Educação, “o Edmilson reuniu lá no palácio do governo a equipe que trabalhava comigo na secretaria e fez a seguinte pergunta: de tudo que vocês estão fazendo ou estão planejando fazer, o que a direita não faria?”.

         Para a esquerda socialista são três tarefas: a) garantir o acesso universal aos direitos sociais, o que envolve a inversão de prioridades e a “disputa do fundo público com outras prioridades”; b) fazer uma disputa de valores pela herança imaterial de concepções, o que implica em “empoderar a população”; e c) radicalizar a participação popular , “abrir os dados e discutir a sua composição e capacitar a população a discutir isso e decidir de forma inclusive diferente”.

         Já a professora Lisete Arelaro, professora da Faculdade de Educação da USP, começou lembrando que “nós estamos em tese numa democracia, e efetivamente a gestão democrática foi para as cucuias”. E que a preocupação com os números de matriculados precisa ser balizada pela qualidade. E como faz pra melhorar a qualidade? “Querido, se tiver uma jornada digna para o professor e ele ganhar um salário minimamente decente, surpresa, dá certo a escola, em geral”.

         Sobre a educação de jovens e adultos e a alfabetização no país, Lisete lembrou da enorme dívida social, do alto número de analfabetos e de adultos que não passaram do ensino fundamental ou médio: “ Porque ele pensa: eu trabalho nove horas, 14h eu estou aqui, duas horas para voltar, se eu ainda for estudar três horas e meia, quatro, tem que valer muito à pena”.

          Finalizando o debate, a pesquisadora Sylvie Klein falou sobre educação infantil, que é uma das responsabilidades dos municípios. Para ela, “a creche e a educação infantil, é um direito das crianças, é um direito que as crianças têm de estarem num espaço público, que as crianças têm de estarem num espaço coletivo, um espaço entre pares, que ela saia daquele núcleo que é caminhar, que é o espaço do privado, para estar nesse lugar”. Aqui, o desafio é o acesso com qualidade: “Se é direito das crianças, de todas as crianças, ela é um dever do estado, e aí o estado tem que se responsabilizar por esse atendimento. E o que a gente tem visto é uma desresponsabilização do estado via política de conveniamento”.

    Propostas:

    • Fim das matrículas da educação infantil nas entidades conveniadas e progressiva retomada da prefeitura
    • Limite de alunos por sala de aula definido por critérios pedagógicos
    • Ampliação dos programas de alfabetização de Jovens e Adultos
    • Valorização do professor e ampliação dos mecanismos de participação social nas escolas
  • “A politização do Judiciário”: síntese do debate do Coletivo de Conjuntura

    “A politização do Judiciário”: síntese do debate do Coletivo de Conjuntura

    por Rodolfo Vianna

     

         No dia 20/06 ocorreu mais uma reunião do Coletivo de Conjuntura da Fundação Lauro Campos, com mesas pela manhã e à tarde. Coordenado por Gilberto Maringoni, foi a primeira atividade realizada na nova sede da fundação após a inauguração, ocorrida na sexta-feira (17/06).

         Pela manhã, o tema foi “A politização do Judiciário”. Compuseram a mesa Eloísa Machado de Almeida (FGV-SP), Silvio Almeida (Mackenzie) e Alysson Mascaro (USP).

       A professora de direito da Fundação Getúlio Vargas, Eloísa Machado de Almeida, centrou sua fala na caracterização e atuações do Supremo Tribunal Federal para avançar no debate sobre o tema proposto, buscando uma “análise mais pragmática da politização do judiciário, que vem se acentuado nesses últimos oito meses”.

          O Supremo Tribunal Federal, como instância máxima do Poder Judiciário, tem a prerrogativa de decidir sobre o que é ou não é constitucional, inclusive negando qualquer alteração na Constituição que, por sua leitura, possa ferir seus princípios. Se isto, nos últimos anos, representou o avanço de algumas pautas, como a permissão para o aborto do feto anencéfalo, o casamento e a união estável homoafetivas, entre outras pautas (em ações denominadas como contra-majoritária – já que não passariam pelo sistema político conservador como o nosso) por outro lado, ressaltou a pesquisadora, há a necessidade de se refletir sobre essa forma de atuação do STF.

     

    coletivo 1

    (Parcela dos participantes da reunião do Coletivo de Conjuntura)

           “Se isto pode ser visto com uma função positiva para o país, por outro lado o tribunal vem sendo usado, desde 1988, como um grande tutor do sistema político”, atestou Eloísa. Os partidos perdedores do debate político acabam levando suas questões para o Judiciário, se valendo deste para mudar a lógica das votações, mesmo em questões que pertencem exclusivamente à esfera política. “Todas as reformas políticas, por exemplo, foram corroboradas pelo Judiciário. E aqui eu posso falar de ‘verticalização’, da proibição da doação empresarial para campanhas e também a ação que permitiu a existência do PSOL, que é a ação sobre a ‘cláusula de barreira’”, e continuou “o que é relevante nesse espaço de debate da Fundação, de formação, é refletir o quanto que isso é favorável a um partido fazer, ou seja, não fazer de uma forma ingênua, porque quando você desloca o tema que originariamente deveria se dar nas arenas do sistema político para as arenas do Judiciário você está certamente alterando a lógica de se tratar determinada decisão”, o que pode acarretar num processo de deslegitimação de seu próprio espaço de atuação, que é o espaço político, como se dissesse que “eu prefiro que onze juízes decidam do que eu comprar essa briga na arena política”.

         A grande participação do Judiciário no sistema político não é uma característica brasileira, sendo comum a provocação de Cortes Constitucionais por partidos em países que possuem uma “Constituição tão audaciosa”, informou, o que muitas vezes contribui para que o sistema político, sobretudo o Poder Legislativo, caia em descrença frente ao conjunto da população: “quando analisamos os índices de confiança do Judiciário, é impressionante que a população acaba confiando mais no Judiciário do que no sistema político; o que não faz nenhum sentido, porque temos um judiciário que atua de maneira seletiva, que serve a pessoas e a grupos muito específicos, sobretudo aos interesses financeiros. E isso é um grande problema do ponto de vista democrático, porque a população confia em um Poder que é pouco transparente, seletivo e não representativo”, alertou a professora.

         Do ponto de vista da seletividade, por exemplo, Eloísa foi tachativa ao afirmar que no Brasil as violações aos Direitos Humanos só se perpetuam porque o Judiciário participa para perpetuá-las. “Nós temos ainda um país misógino, racista, que mata as pessoas, que tortura os presos porque o Judiciário é o grande poder que renova e permite que essas violações continuem. Por isso é importante pensar para que serve o Judiciário no Brasil ao invés de dotar nossas esperanças em um Poder tão seletivo e pouco transparente”.

     

    coletivo 2

    (Renato Roseno, deputado estadual pelo PSOL-CE, faz seu questionamento à mesa)

       O debate teve sequência com a intervenção de Sílvio Almeida, professor do Mackenzie e presidente do Instituto Luiz Gama, que logo de início questionou: “quando é que o Judiciário não foi politizado?”. Só é possível começar a falar em Poder Judiciário a partir das revoluções liberais que começam a fazer a separação entre Estado e Sociedade Civil. Assim, o Judiciário “sempre foi o fiador da ordem liberal”, e para entendê-lo é fundamental compreender três aspectos: como o liberalismo e o judiciário estão conectados de uma maneira que não permite compreender um sem compreender o outro; como a atuação do Poder Judiciário e as suas mudanças devem ser compreendidas por meio das transformações das atividades econômicas historicamente; e ver que os juízes são o produto mais bem acabado daquilo que eles mesmos dizem conter: da ideologia, e da ideologia liberal, da ideologia do capital – comprometendo seu discurso de imparcialidade.

       “Não existe golpe de Estado sem a participação do Judiciário, historicamente não existe isso”, lembrou o professor: “o Poder Judiciário sempre chancelou todos os golpes de Estado que ocorreram, inclusive aqui no Brasil”.

       Citando três exemplos históricos ocorridos no Judiciário dos Estados Unidos, Sílvio de Almeida lembrou de como essas transformações foram fundamentais para garantir a estabilidade política, lembrando que por estabilidade política deve ser entendido o bom funcionamento da ordem liberal. No caso brasileiro, voltando a Era Vargas, o professor lembrou da sua medida de aposentar compulsoriamente 100 juízes, além de reduzir o poder do Supremo Tribunal Federal.

       Sobre a chamada “independência do Judiciário”, Sílvio de Almeida afirma que essa bandeira esconde a orientação de que este Poder deve ser “independente em relação ao povo, e não às outras forças que atuam fortemente sobre ele”. E, por fim, atestou que “é uma ilusão liberal acreditar no Judiciário” e, assim, é necessário avançar “num debate político que estabeleça uma conexão com as questões do povo e com os anseios populares.”

     

    coletivo 3

     (Armando Boito, professor da Unicamp, também participou do debate)

          Encerrando a mesa da manhã, Alysson Mascaro, professor de Direito da USP, foi claro ao dizer que não é a força que garante a propriedade, mas o Direito: “o mundo do Direito é exatamente o mundo que garante o capital e a propriedade privada, e ele só serve para isto. E como só serve para isto, e isto é chocante, não pode nem sequer ser contado assim, também não pode ficar nisto que é o fundamental: ele tem que ser salpicado de coisas que pareçam ser o contrário”.

         O professor apontou o que, na visão dele, seria uma contradição da esquerda em “defender mais direitos e nenhum retrocesso”, citando as bandeiras da preservação da CLT, criada na Era Vargas, e do FGTS, instituído durante o Regime Militar. A contradição residiria no fator de que “se nós defendermos os direitos, nós somos obrigados a defender a ordem”. E continuou, referindo-se ao PSOL, pedindo para que “um partido que tem socialismo no seu nome, precisa desta reflexão de que o Direito é um horror, e não que a atual fase do Direito é um horror”; e por isso que vivemos num momento no qual devemos “dobrar a aposta em uma luta política de esquerda: nossa luta é contra o capital e contra a ordem”, e de que “não devemos sacralizar o Estado de Direito”, já que o Estado é a forma do capital.

         Encerrando, Alysson afirmou que vivemos numa sociedade na qual o direito é hiperlouvado e a política hipercombatida, porque o direito deixa de permitir a existência de uma luta aberta e passa a permitir a existência de uma luta modulada. “E isto resultou numa geração de juristas, que é a geração que temos hoje, de pessoas absurdamente mal formadas, lixos intelectuais, mas que sabem muito bem procedimentos jurídicos mas são burríssimas em termos de horizontes políticos”. E, concluindo, afirmou que nós não devemos opor ao “direito” outro “direito”, ou “ao fim de tais direito, mais direitos. Nós devemos opor o contraste: o direito é o que é por causa do capital, então a nossa luta é contra o capital”. E assim, portanto, “a nossa luta tática do presente é desmontar este horror liberal que fala que é imparcial, mas imparcial nunca foi, nunca é e nunca será. Esta é a fórmula pela qual nós temos a pedra na mão no dia de hoje”.

         Seguindo a dinâmica das reuniões do Coletivo de Conjuntura, a palavra foi aberta aos participantes. Lembramos que as sessões do Coletivo ocorrem a cada 45 dias e são abertas a todos os interessados. Em breve, a Fundação Lauro Campos disponibilizará os registros completos das atividades e, para as próximas, fará a transmissão ao vivo pela internet.

     

     

  • O velho álibi do combate ao terrorismo

    O velho álibi do combate ao terrorismo

    A pretexto de combater o terrorismo, o “PL Antiterror” poderá criminalizar ainda mais as manifestações e os movimentos sociais

    Conduta de outros países que aprovaram leis semelhantes justifica receio com o PL 2016/2015
    Conduta de outros países que aprovaram leis semelhantes justifica receio com o PL 2016/2015

    Contestado por diversos setores da sociedade civil, sobretudo por movimentos sociais, o Projeto de Lei (PL) 2016/2015, conhecido como “PL Antiterrorismo”, foi aprovado na quarta-feira 24 pela Câmara de Deputados e agora será encaminhado para sanção presidencial. De autoria do governo federal, o PL já havia sido aprovado no Senado e na própria Câmara em primeiro turno.

    Ainda que os diversos atentados que têm ocorrido ao redor no mundo nos últimos anos despertem uma sensação de insegurança, é essencial que nos esforcemos para reunir o maior número possível de informações e análises a fim de subsidiar um debate aprofundado a respeito do tema “terrorismo” na sociedade.

    Nesse sentido, as experiências de alguns países em relação a leis antiterroristas podem servir como objetos de estudo bastante interessantes.

    Posteriormente aos eventos que se seguiram ao 11 de Setembro nos Estados Unidos, foi possível observar um amplo esforço de diversos países (muito embora em contextos bastante diferentes) na elaboração de leis específicas que visavam a coibir atos terroristas. Inglaterra, Austrália e Canadá são alguns exemplos de nações que buscaram rapidamente se adequar a essa tendência.

    Desde então, paralelamente a esse processo, organismos internacionais vêm alertando para a necessidade de cautela na implementação de leis antiterroristas, chegando inclusive a questionar se esse tipo de legislação é eficaz e realmente imprescindível.

    Uma primeira recomendação nos posicionamentos desses organismos é a de que qualquer lei que vise combater o terrorismo deve respeitar todos os documentos e convenções internacionais de direitos humanos. T

    al recomendação consta, por exemplo, no documento Informe sobre Terrorismo y Derechos Humanos, publicado em 2002 pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, e, mais recentemente, na Declaração Conjunta sobre Programas de Vigilância e seu Impacto na Liberdade de Expressão, assinada pelas Relatorias para Liberdade de Expressão da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da ONU.

    A recorrência desse tipo de recomendação em muitos documentos analisados revela uma preocupação em relação às leis antiterroristas: a de que, ao buscar coibir o terrorismo, a legislação acabe por criminalizar grupos que tenham uma tradição de contestação política e que, historicamente, sejam alvos do aparato repressor do Estado. No Brasil, esses grupos podem ser ilustrados pelos movimentos sociais.

    À luz dessa constatação, a ONU recomendou, por diversas ocasiões, que os países que haviam adotado leis antiterroristas as readequassem de acordo com os padrões internacionais de direitos humanos.

    Em 2005, por exemplo, a ONU concluiu que a lei antiterrorista do Canadá, aprovada em 2001, partia de definição excessivamente ampla, recomendando que o país deveria “adotar uma definição mais precisa de atos terroristas a fim de garantir que indivíduos não sejam alvos por questões políticas, religiosas e ideológicas”.

    A legislação australiana também foi objeto de menção por parte da ONU. Segundo o organismo, a Austrália “deve garantir que sua legislação e práticas contra o terrorismo estejam em plena conformidade com o Pacto (Internacional de Direitos Civis e Políticos). Em particular, deve-se mencionar o caráter excessivamente vago da definição de ato terrorista no Código Criminal de 1995, de forma a garantir que sua aplicação seja restrita a ações indiscutivelmente terroristas.”

    Certamente, a cautela reservada a esse tipo de análise não é em vão: a criminalização de movimentos sociais e manifestações populares é prática recorrente em muitos países e regiões ao redor do mundo. Um dos instrumentos mais efetivos para este fim é a interpretação extensiva de normas que, em tese, possuíam outros objetivos.

    Em setembro de 2014, os relatores especiais da ONU para a Proteção e Promoção dos Direitos Humanos no Combate ao Terrorismo e para o Direito à Liberdade de Associação advertiram a Etiópia para que deixasse de utilizar sua legislação antiterrorismo com o intuito de suprimir direitos humanos de seus cidadãos. De acordo com os relatores, o governo do país estava detendo pessoas arbitrariamente e distorcendo a aplicação da lei.

    Pouco tempo depois, em abril de 2015, o Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos expressou preocupação em relação à lei de combate ao terrorismo na Malásia, que havia sido aprovada havia pouco.

    Sob o pretexto de combater militantes fundamentalistas islâmicos, por exemplo, a legislação, por sua excessiva amplitude, permitia a detenção por tempo indefinido de suspeitos sem direito a julgamento e concedendo poderes amplos às autoridades sem as salvaguardas necessárias para prevenir abusos.

    Nota-se que tanto as recomendações em documentos internacionais quanto as críticas concretas emitidas por representantes de organismos de direitos humanos apontam para uma mesma avaliação: a edição desenfreada de dispositivos legais, derivada de uma sensação de insegurança frente à violência de atos terroristas, não parece eficiente para atacar o problema, acabando na verdade por servir a um propósito diferente: o de intensificar a criminalização de movimentos sociais e manifestações populares.

    Um questionamento recorrente no âmbito internacional se dá sobre a necessidade ou não de se criar um ordenamento jurídico específico para combater o crime de terrorismo. Isso ocorre porque muitas leis vigentes nos países que adotaram tal legislação – e também no Brasil – já punem as condutas as quais as leis antiterrorismo pretendem combater.

    O argumento é o de que a legislação comum já oferece os mecanismos necessários à punição de práticas como dano, incêndio, explosão, sendo que seu uso é preferível à edição de novas leis que carregam consigo um potencial lesivo a direitos fundamentais, e que, além do mais, não garantem serem eficazes.

    A relevância de todo esse contexto para o Brasil, que acaba de ver sua lei antiterrorismo aprovada no Congresso, é enorme. Muitos dos elementos que vêm preocupando os organismos internacionais em relação às leis antiterrorismo na maior parte dos países que as aprovaram estão no PL 2016/2015.

    A existência de definições amplas e vagas sobre o que é uma prática terrorista, a desproporcionalidade das penas previstas, a caracterização de ações historicamente usadas por movimentos sociais como elementos que configuram um ato terrorista (como ocupações de prédios públicos), a punição de atos preparatórios e da “apologia ao terrorismo”, entre outros pontos, formam um quadro bastante preocupante em relação às exigências previstas em documentos internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário.

    Atentos a isso, especialistas da ONU e da OEA para a liberdade de expressão já se manifestaram contrários ao projeto, principalmente quanto à sua tramitação sob regime de urgência.

    Mesmo a ressalva que consta na versão final do projeto aprovada na quarta-feira 24 na Câmara, que visa proteger movimentos sociais, sindicais e manifestações políticas, entre outros (art 2º, parágrafo 2º), não é garantia de que a lei antiterrorismo não será usada contra esses grupos, já que estará sujeita à interpretação subjetiva do Judiciário.

    Além disso, em termos de contexto interno, a criminalização de protestos e movimentos sociais observada em todo o País representa mais um alerta de que a aprovação dessa lei tem grandes chances de ser instrumentalizada no sentido oposto ao da proteção dos direitos humanos, contribuindo para a supressão da liberdade de expressão, de opinião e de manifestação.

    A aprovação do PL 2016/2015, ainda que a pretexto de combater o terrorismo, enseja um preocupante risco de nos lançarmos em um período de flerte com um autoritarismo temerário e indesejável. E quem perde com isso é a democracia.

    *Paula Martins é diretora-executiva da ONG Artigo 19 e Camila Marques é coordenadora do Centro de Referência Legal em Liberdade de Expressão e Acesso à Informação da mesma organização

    Fonte: Carta Capital,  25/02/2016

  • Luta contra aumento das passagens em SP mostra o que virá em 2016

    Luta contra aumento das passagens em SP mostra o que virá em 2016

    choqueNão importa por onde comecemos a falar sobre as manifestações contra os aumentos da tarifa do transporte público de São Paulo; elas trazem características que provavelmente estarão presentes em todas as lutas sociais travadas nas ruas neste ano de 2016. E por isso é essencial entender o que está acontecendo, despindo-se de ideias pré-concebidas sobre os atores em questão. Podemos começar falando sobre a cobertura da imprensa, ou sobre a violência policial. Sobre a forma como se organiza o movimento, ou sobre a tática black bloc. Ou até mesmo sobre a ausência de espaços de diálogo entre o poder público e a sociedade. Todos são ingredientes já conhecidos, no senso comum, há pelo menos três anos.

    O que temos de novo é o aprimoramento da repressão. O chacoalho que 2013 causou nas autoridades levou a uma escalada repressiva jamais vista. Um 2014 de Copa do Mundo e um 2015 de crise e ajuste fiscal também serviram para as aulas práticas dos agentes da “ordem”. E por falar em ajuste fiscal e crise econômica, o Movimento Passe Livre – responsável por convocar os atos – fez um levantamento de gastos em suas páginas da internet, no qual chegou à conclusão de que a crise existe em diversos setores, menos nos recursos da repressão.

    Recentemente, foram comprados 6 blindados israelenses Plasan Sasa pela PM paulista. Segundo informações deste levantamento – feito a partir de dados divulgados por Metrô, SPtrans e imprensa – os veículos custaram 30 milhões de reais. Com essa verba seria possível comprar 100 ônibus, 272 ambulâncias, ou até mesmo financiar a tarifa zero por cerca de três dias para os 4,6 milhões de passageiros diários do metrô de São Paulo.

    O aumento entraria em vigor no sábado, dia 9 de janeiro. Vamos aos fatos.

    Primeiro ato: o caos

    Na sexta-feira, 8 de janeiro, o primeiro ato se concentrou no Theatro Municipal, a partir das 17h. Cerca de 6 mil pessoas saíram de lá às seis e meia e marcharam em círculos, contornando o próprio Theatro Municipal e o Largo do Payssandu antes de ganharem o Vale do Anhangabaú. Enquanto passavam pelo Vale, a Tropa de Choque se posicionava na lateral do Terminal Bandeira, onde se encontram as avenidas 9 de Julho e 23 de Maio.

    A multidão cruzou o Viaduto do Chá por baixo e buscou o acesso à avenida 23 de Maio. A tática do Movimento Passe Livre é exatamente essa. Trancar as ruas para chamar atenção à pauta. Concorde-se ou não, é desonesto afirmar que a ação policial foi decorrente da depredação de qualquer forma de patrimônio. O que se viu foi uma tropa de choque da polícia militar instruída a impedir a qualquer custo que a multidão trancasse a avenida 23 de Maio. E começou a chuva de bombas e balas de borracha, às 19h em ponto.

    Uma parte da multidão subiu em direção à rua Augusta, outra parte voltou na direção do Theatro, e assim toda a manifestação foi se dissipando pelo centro de São Paulo. Estava aberta a temporada de caça. Policiais rondavam ostensivamente as ruas em busca de manifestantes. Nesse momento, e não antes como insistem os grandes meios, alguns manifestantes – e nem todos mascarados – quebraram vidraças de bancos e tentaram fazer barricadas  no trajeto entre a entrada do Terminal Bandeira e a rua Martins Fontes.

    Podemos entender a atitude de diversas formas. O que esta reportagem viu foi uma reação – ainda que impensada – à repressão. Os jovens veem nos bancos um símbolo de opressão. Talvez a ação tomada no calor do momento seja questionável, mas a análise não. Basta uma breve pesquisada a respeito dos inigualáveis lucros de Itaú, Bradesco e Santander em plena crise econômica e ano de ajuste fiscal. E o recente veto da presidenta Dilma em incluir a Auditoria da Dívida Pública nos próximos planos de governo só joga água no mesmo moinho.

    O que a dívida pública tem a ver?  Tem muito a ver com isso, e que nos perdoe a presidenta, mas que pênalti perdido foi esse? Já funcionou no Equador, por exemplo, nosso vizinho.

    Relatos de agressões, abusos de autoridade e práticas questionáveis por parte da repressão começaram a pipocar nas redes sociais. Um deles, esta reportagem teve o desprazer de presenciar. A prisão dos quatro garotos, filmada também pelos Jornalistas Livres, na qual uma série de flagrantes foi forjada para justificar a ação. Os garotos foram conduzidos à base policial localizada na praça Roosevelt sob aplausos de um casal que frequentava a praça. Skatistas solidários aos garotos fizeram coro contrário, em repúdio aos aplausos.

    Na segunda-feira seguinte, o MPL fez o chamado “trancamento de ruas”. Trancou a Faria Lima, na altura do Largo Batata como uma prévia da manifestação do dia seguinte. Também recebemos informações de trancamentos na Lapa. Na segunda-feira, 18 de janeiro, véspera do quarto ato, destacou-se o trancamento do terminal Parque Dom Pedro, o maior terminal de ônibus urbano da América Latina.

    Segundo ato: a barbárie

    O segundo ato contra o aumento das tarifas não começou às 17h, na Praça do Ciclista, como previa sua concentração. Diversas questões anteciparam as tensões. Um vídeo “viralizado” na internet que mostrava um policial infiltrado agredindo uma manifestante e logo sendo agredido por outros manifestantes; um enorme conflito entre poder público e movimento social a respeito do trajeto; e, para variar, a irresponsabilidade dos grandes meios de comunicação na cobertura dos fatos.

    O vídeo citado gerou revolta em setores mais conservadores da sociedade, uma vez que foi lançado em página característica. Foram feitas prisões na casa dos manifestantes que foram filmados, em ações que fugiram do padrão exigido pelos códigos de justiça brasileiros. A não presença de oficiais de justiça com mandado de prisão ou algo do gênero pode vir a caracterizar uma ação ilegal por parte dos policiais envolvidos. Por outro lado, a grande imprensa não ficou atrás. Manchetes de jornais impressos chamando os manifestantes de “mimados”, “vândalos”, entre outros jargões, fez lembrar a mesma mídia de antes do grande massacre de 13 de junho de 2013, no qual muitos profissionais da imprensa foram atacados em nome de uma suposta “retomada” da Paulista, bradada no editorial de um desses famosos jornais.

    Outra questão levantada pela imprensa corporativa foi a de questionar a pauta de modo superficial. “Mas como se revoltam por uma aumento de 30 centavos e não dizem nada sobre os bilhões roubados?” Sejamos francos e menos canalhas. É tão óbvio quanto coerente que quem se revolta com o aumento do transporte público também está revoltado com a situação de crise e corrupção como um todo. Além disso, o MPL já deixou bem claro que não tem a proposta de dirigir um movimento mais amplo, mas, sim, pautar a questão do transporte público dentro das movimentações sociais e populares, por ser uma pauta com a qual eles já possuem acúmulo de mais de dez anos de estudos e atuação.

    Mais uma questão que abalou as relações entre a multidão e o Estado foi a respeito do trajeto a ser percorrido pelo ato. Os manifestantes haviam definido em reunião prévia que iriam para o Largo da Batata, em Pinheiros. A polícia militar fazia questão de que descessem para o centro da cidade e terminassem na praça da República. A distância para ambos lugares é praticamente a mesma a partir da Praça do Ciclista; acontece que além da decisão prévia sobre o destino do ato, a polícia havia preparado uma recepção, digna de autocracia, para os manifestantes ao longo da descida da Consolação e na chegada ao centro da cidade. O clima esquentava.

    A multidão se recusou, em jogral, a seguir o trajeto determinado pela PM, que por sua vez decidiu que por isso a manifestação não poderia acontecer. Por volta das 18h30, a multidão se dirigia para a Avenida Rebouças e era barrada pela PM. Havia bloqueios feitos pelas tropas de Choque e do Braço na Consolação, no acesso da Paulista à Rebouças e na própria Paulista pouco antes da esquina com a Haddock Lobo. Em outras palavras, os pouco mais de 4 mil manifestantes estavam encurralados.

    Na esquina da Paulista com a Consolação, próximo do acesso à Doutor Arnaldo, diversos jornalistas estiveram isolados da multidão pelo cordão policial e eram impedidos de trabalhar do outro lado. Isso antes e também logo depois das 19h, quando novamente começaram as bombas. Assim como na sexta-feira anterior, a repressão foi brava, mas nesse dia podemos dizer que foi um massacre. “Foi pior do que 2013”, afirmou o fotógrafo Sérgio Silva no calor do momento, ele que sentiu na pele (e no olho) a repressão de três anos atrás.

    O saldo final foi incalculável. Esta reportagem acabou envelopada na rua Sergipe junto com grupos de manifestantes que tentavam dispersar. “Todo mundo aqui cala a boca e senta em cima da mão que eu estou mandando”, afirmou o policial do Choque, sem identificação. Muitos jovens secundaristas estavam ali, e nitidamente desesperados. Em um breve espaço de tempo, consegui sacar o cartucho de memória da câmera, substituí-lo por um vazio, e esconder o que continha as fotos do dia – não são raros os relatos de material jornalístico apagado ou apreendido em situações como essa.

    Dois estudantes secundaristas tentaram argumentar e pediram calma aos policiais, que responderam com uma prisão por desacato e um espancamento em cada um. Um colega deles afirmou que eram estudantes do Fernão Dias, segunda escola a ser ocupada no ano passado. O nível de violência na ação e na postura dos policiais chamou a atenção de um professor da FAU que também acabou envelopado: “vou escrever um pós-doutorado sobre essa linguagem violenta com um relato disto que acabou de acontecer”, declarou. Vale lembrar que o envelopamento, ou “caldeirão de Hamburgo”, é uma tática proibida e já gerou polêmicas a seu respeito em fevereiro de 2014, durante manifestação crítica à realização da Copa do Mundo da FIFA que aconteceria dali a poucos meses.

    Após o envelopamento, o jovem Peterson Marques procurou a reportagem do Correio da Cidadania. Ele havia perdido os dentes da frente por causa da agressão policial. “Eu fui ajudar as meninas que estavam apanhando e comecei a apanhar também, na cara. Só percebi que tinha perdido os dentes quando fui cuspir”, contou. Ele foi para a Santa Casa, onde recebeu atendimento. No fechamento desta matéria, a última informação que temos é de que conseguiu um dentista que se ofereceu para fazer tratamento de canal e recolocar os dentes perdidos.

    Além de Peterson, o pintor Douglas Ferreira, de 24 anos, foi atingido no olho esquerdo por uma bala de borracha e correu risco de perder a visão. Apuramos que já não corre esse risco. Além dele, houve centenas de relatos de feridos dos quais o jornalista Alceu Castilho tomou nota e cujo link está disponível ao final desta reportagem.

    A libertação dos três presos, o repúdio à ação da PM e o direito à livre manifestação se juntaram ao aumento da tarifa e deram o tom do ato que se realizou dois dias depois. Em contrapartida, governo do estado e prefeitura tentaram uma anticonstitucional liminar que impedisse manifestações – especialmente as do MPL, visto que em outras manifestações o tratamento é “diferenciado” – de serem realizadas sem uma aprovação prévia do comando da polícia militar em relação ao trajeto que percorrerá. É o poder público dando cada dia mais mostras da sua incrível capacidade de diálogo.

    Terceiro ato: paz com armas, vozes cansadas

    “Por favor, não jogue bomba”, dizia a camiseta de um manifestante, ainda na concentração no Theatro Municipal, e de certa forma expressava o clima de tensão que manifestantes, imprensa e transeuntes sentiam em relação à ação policial. Desde as 14h, três antes do início da concentração, a polícia já tomava toda a região do Vale do Anhangabaú e arredores da Praça Ramos – onde fica o Theatro Municipal, local de uma das concentrações do ato deste dia. Acompanhamos esta manifestação, que foi até o vão do MASP, passando pela avenida Brigadeiro Luis Antônio. A outra concentração foi no Largo da Batata, às 17h em Pinheiros.

    Ainda no Theatro, o jogral de início do ato comemorou a soltura de três manifestantes presos nos atos anteriores, mas lembrou que ainda restavam dois. Havia uma presença mais intensa da mídia. O ato partiu no sentido da Secretária Estadual de Segurança Pública, poucas quadras de distância dali. Chegando lá, encontramos uma secretaria altamente guardada pela PM. Foi feito um jogral criticando a política de segurança e pedindo a desmilitarização da polícia e o respeito aos direitos de se manifestar. O ato seguiu sentido Brigadeiro Luis Antônio, por onde subiria até virar à direita na Paulista e encerrar em frente ao MASP, onde foi feito outro jogral.

    Não houve muitos incidentes durante o trajeto, a não ser uma bomba que estourou fora do espaço da manifestação ainda no início da subida da Brigadeiro. Segundo manifestantes que estavam próximos, policiais as atiraram na direção de moradores de rua que ali estavam. “Houve um princípio de desespero e revolta, mas o povo se segurou e estamos seguindo. Hoje está bonito”, afirmou Luis Berti, livreiro. Também foi possível presenciar um policial da Tropa do Braço dando uma cacetada em um jovem que participava do cordão de isolamento dos manifestantes. Aparentemente sem motivo.

    De qualquer maneira, é importante ressaltar mais uma vez que a presença ostensiva e explicitamente intimidadora da polícia ditou o passo tímido deste terceiro ato. Mas nem tudo foi só intimidação e provocação. Também houve vias de fato. Uma breve confusão de aproximadamente 15 minutos entre manifestantes que tentavam pular a catraca da estação Consolação, na linha verde do metrô, gerou bombas e tiros dentro da estação por parte dos agentes do Estado e alguns vidros quebrados por parte de manifestantes mais exaltados. Este fato foi tomado como um todo pela “rigorosa” cobertura dos grandes meios de comunicação.

    Enquanto isso, na dispersão do outro ato, um fato ainda mais estarrecedor, que prossegue ignorado pelos mesmos rigores. Um grupo de manifestantes foi encurralado pela polícia na ponte Eusébio Matoso. Relatos dão conta de agressões físicas a manifestantes, incluindo até mesmo agressões sexuais. “Não havendo nenhum tipo de registro cinematográfico, espancaram todos com socos, chutes, spray de pimenta e cacetadas. Com as meninas a abordagem foi ainda pior: além de bater, as abusaram, colocando a mão em suas vaginas e tacando-as no chão, aos risos. Que tipo de instituição faz isso? Que tipo de instituição tem como parte do trabalho, além de espancar e desorientar pessoas por elas se manifestarem, também violentá-las sexualmente e, quem sabe, assassiná-las?”, desabafou a manifestante D.M. nas redes sociais. Nenhuma nota na grande imprensa.

    E na semana em que publicamos essa primeira reportagem sobre os atos contra a tarifa, a dura vida paulistana continuará sacudida pelas manifestações contra o reajuste nos ônibus, trens e metrôs. Se a cidade vai parar ou a nova tarifa se imporá, os próximos dias dirão. De toda forma, continuaremos registrando os novos e candentes capítulos das disputas sociais e econômicas que marcam esse incerto período da história brasileira.

    Fonte: Correio da Cidadania, quarta-feira, 20 janeiro de 2016

  • Mortes violentas crescem 3,8 pontos percentuais em quatro décadas

    Mortes violentas crescem 3,8 pontos percentuais em quatro décadas

    chacina_violenciaRio de Janeiro, 30/11/2015 (Agência Brasil) – Nas últimas quatro décadas, a proporção de óbitos violentos no país, em relação ao total registrado, cresceu 3,8 pontos percentuais, passando de 6,4% em 1974 para 10,2%, em 2014. Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados hoje (30), mostram ainda que a maioria (84,2%) das vítimas de mortes violentas é formada por homens, com idade entre 15 e 24 anos, e 16,8% são mulheres, na mesma faixa etária.

    Apesar do aumento registrado no númerto total de óbitos violentos, a gerente da pesquisa Estatísticas do Registro Civil, Cristiane Moutinho, ressalta a “significativa” queda de mortes por causa violenta em alguns estados do país. “É preciso destacar que houve realmente uma variação muito grande por unidade da Federação, com reduções significativas em São Paulo, Rio de Janeiro, Distrito Federal, Rondônia, Roraima, Pernambuco e Acre, nesta faixa etária [de 15 a 24 anos]”.

    Na outra ponta, a pesquisadora do IBGE destaca o Ceará como o estado onde houve maior aumento do percentual de mortes por causas violentas, principalmente na faixa etária entre 15 e 24 anos. “Quando você olha para o Ceará, por exemplo, o aumento de mortes por causas violentas nesta faixa etária chegou, na última década, a 224,4% na última década. Houve também aumento no número de mortes por causas violentas nos estados da Bahia, Maranhão, Alagoas, Rio Grande do Norte e Piauí, tanto entre as pessoas do sexo masculino quanto feminino”.

    Os dados da pesquisa indicam, por exemplo, que a queda da mortalidade masculina por causas violentas no Rio de Janeiro chegou a cair 38,2 pontos percentuais, passando de 131,5, a cada 100 mil homens, para 93,3. Em São Paulo, o índice caiu 34,1 ponto percentual (de 125,7 para 91,6, a cada 100 mil homens). Já em Alagoas, o índice mais que dobrou ao subir 87,8 pontos (de 73 para 160,8, a cada 100 mil), enquanto no Ceará a variação foi 72,2 pontos, passando de 69,3 para 141,5 a cada 100 mil homens, nas últimas quatro décadas.

    Com a publicação de hoje, a pesquisa Estatísticas do Registro Civil completa 40 anos desde o início da divulgação de informações sobre o tema no Brasil, em 1974, quando o Instituto assumiu os encargos de coletar, sistematizar e divulgar os dados remetidos pelos Oficiais dos Cartórios do Registro Civil de Pessoas Naturais.

    Segundo o IBGE, essas informações são “de suma importância, já que esses eventos permitem construir Tábuas de Mortalidade que irão subsidiar as projeções populacionais por método demográfico”. O instituto lembra que nesses 40 anos, o país passou por mudanças profundas nas componentes da dinâmica demográfica, principalmente em relação aos níveis e padrões de fecundidade e de mortalidade, “influenciando significativamente a composição por sexo e idade da população brasileira”.

    Nielmar de Oliveira é repórter da Agência Brasil

  • Eleições na Turquia: Fraude eleitoral e reforço do poder de Erdoğan

    Eleições na Turquia: Fraude eleitoral e reforço do poder de Erdoğan

    Depois das eleições de domingo passado, envoltas em fraudes eleitorais e violações dos direitos humanos, Tayyip Erdoğan tem o caminho aberto para revisão constitucional que o deixará com ainda mais poder. Desde as eleições, políticos curdos já foram presos, três jovens foram assassinados pela polícia e mais de 40 pessoas foram presas por alegada ligação a um rival do presidente.

    Foto de Sinan Eden
    Foto de Sinan Eden

    Nas eleições do passado fim de semana na Turquia, o partido do presidente Tayyip Erdoğan, AKP (Partido da Justiça e Desenvolvimento, islamista conservador), venceu as eleições com 50% dos votos, elegendo 316 deputados, essencialmente no centro do país. O CHP, partido republicano e social-democrata obteve 25% dos votos, com bons resultados no oeste (em cidades como Istambul ou Izmir). O partido de esquerda pró-curdo (HDP) conseguiu obter mais de 10% dos votos, o mínimo necessário para manter a representação parlamentar, correspondendo a 59 deputados, com vitórias expressivas no Curdistão. O partido nacionalista MHP obteve 12% dos votos, tendo eleito 41 deputados.

    Fraude eleitoral

    No entanto, o processo eleitoral decorreu com denúncias de enormes irregularidades. Há relatos de pelo menos 30 casos em que oficiais do AKP negaram a entrada de observadores voluntários nas mesas de voto e em alguns casos, a polícia deteve os observadores. Em Istambul, observadores gregos e franceses viram o seu acesso às mesas de voto impedido. Os observadores gregos foram detidos em Kumkapı e os franceses foram mantidos fechados no escritório do diretor da escola onde se votava em Bayrampaşa.

    Em vários locais, membros oficiais do AKP obrigaram os outros membros das mesas de voto a assinarem em branco os relatórios dos resultados eleitorais. Só em Izmir, há pelo menos 30 denúncias oficiais destes relatórios assinados em branco. Vários carros e carrinhas sem matrículas foram avistados em frente a escolas onde decorria o ato eleitoral. Num caso, a polícia impediu jornalistas de documentar carros suspeitos. Cerca de 200 eleitores do CHP e do HDP foram impedidos de votar, no bairro de Çağlayan, em Istambul. As pessoas faziam-se acompanhar dos seus cartões de eleitor, tinham votado nas mesmas assembleias de voto nas anteriores eleições, em junho, mas os elementos das mesas de votos afirmaram que os seus nomes não apareciam nos cadernos eleitorais.

    No Curdistão, a repressão escalou. Em várias localidades (pelo menos em Amed – Diyarbakır, Şırnak e Antep), as forças especiais da polícia entraram em escolas onde decorria o ato eleitoral e revistaram toda a gente à entrada das urnas. Em todo o Curdistão havia uma forte presença militar e das forças especiais, especialmente na região de Diyarbakır, onde foi recusado o acesso dos observadores internacionais. Um tradutor, chamado Ramazan Tunç, foi detido pela polícia enquanto acompanhava uma delegação dos Estados Unidos e da Itália a uma aldeia no distrito de Dicle.

    Em Yenişehir, no Sul do Curdistão, seis observadores do Parlamento Europeu foram detidos e acusados de terem tentado cumprimentar os locais. À outra equipa de observadores não foi autorizado o acesso às mesas de voto na aldeia de Alangör, sob acusação de não terem consigo os seus passaportes. Em Sur, na região de Amed, ainda no Curdistão, os habitantes começaram a deslocar-se para as mesas de voto ainda durante a madrugada para poderem garantir que votavam, e foram recebidos por um grupo das operações especiais com máscaras que impediam a sua identificação. A delegação de observadores do Parlamento Europeu, ao chegar à mesma zona, também foi recebida por um grupo de polícias com máscaras. Na mesma região, a polícia ameaçou jornalistas, exigindo que não fossem tiradas quaisquer fotografias, ou poderiam “acidentalmente disparar” sobre eles. Vários polícias apagaram as filmagens feitas por jornalistas em áreas controladas pela polícia. Feleknas Uca, um porta voz do HDP para a região, garantiu que foi o governador, e não a Comissão Nacional de Eleições, a pedir a intervenção das forças especiais. Os eleitores, por sua vez, reagiram contra a repressão policial, afirmando que nunca se deixarão intimidar por um estado que emprega a sua força contra escolas.

    Na aldeia de Arabaş, em Sur, outra delegação do Parlamento Europeu foi agredida pelo candidato do AKP Şafak Yentürk e pela sua família, tendo sido obrigada a abandonar as mesas de voto. O condutor dessa delegação foi agredido pelo candidato do AKP. A delegação de observadores britânicos no distrito de Çermik, em Amed, foi igualmente alvo da ira do candidato do AKP, Baran Çelik, e dos seus guarda costas, que tentaram expulsar a delegação da escola pelo uso da força. No mesmo distrito de Çermik, na aldeia Alokoç, os soldados entraram armados nas mesas de voto e tentaram intervir na votação dos eleitores.

    Há pelo menos três denúncias de boletins de votos que não continham o logo do HDP. Na região de Diyarbakır, membros oficiais do AKP exigiram que tanto os observadores do HDP como a imprensa internacional abandonassem a zona das mesas de voto e ameaçaram encontrar “outras formas” de os retirar dali caso os jornalistas não o fizessem voluntariamente. Em Eskişehir, houve relatos de subornos com electrodomésticos, oferecidos por responsáveis do AKP.

    Martina Michels, observadora internacional das eleições e deputada ao Parlamento Europeu pelo Die Linke, afirmou-se chocada com os acontecimentos e pela ausência de democracia na região: “Os incidentes que aqui ocorrem não cumprem qualquer critério democrático. Em nenhum outro lugar do mundo presenciei uma atmosfera tão militarista. É realmente inacreditável.”

    Erdoğan consolida poder

    Nas eleições de junho, o HDP ultrapassou os 10%, passando a ter representação parlamentar, e o AKP, com 240 deputados, perdeu a sua maioria absoluta. Cinco meses depois, apesar de não ter alcançado os 330 deputados necessários para votar em referendo o reforço dos poderes executivos atribuídos à presidência, Erdoğan tem a margem de manobra que desejava para fazer a revisão constitucional. Esta irá expandir os poderes executivos do Presidente, consolidando ainda mais o seu poder.

    Desde a noite das eleições, o governo não perdeu tempo, a revista da oposição Nokta foi revistada pela polícia, o último número foi apreendido e os editores presos. Incursões policiais em Mardin colocaram 11 políticos curdos na prisão, incluindo um Presidente da Câmara. Conflitos entre a polícia e ramos locais do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão) em Yüksekova e Silvan causaram a morte de três jovens (de 18, 20 e 22 anos). Operações policiais em 18 cidades levaram à prisão de 44 pessoas e à emissão de mandatos de captura para mais 13, numa investigação contra a organização do islamista Fethullah Gülen, rival de Erdoğan. O imã Fethullah Gülen é um antigo aliado de Erdoğan que está exilado nos Estados Unidos, onde dirige uma rede de escolas, organizações não-governamentais e empresas. É defensor da modernização do islão e do diálogo inter-religioso, sendo acusado por Erdoğan de conspiração para o derrubar. A investigação levou a ataques contra o jornal Bugün e à prisão de polícias e altos funcionários, incluindo 3 ex-governadores civis. Por último, a casa ocupada mais antiga da Turquia (Don Quixote, em Kadıköy) foi despejada pela polícia.

    Fonte: Esquerda.Net, 3 de Novembro, 2015

  • Drones: 10 revelações sobre o programa norte-americano de assassinatos seletivos

    Drones: 10 revelações sobre o programa norte-americano de assassinatos seletivos

    Entre as revelações, está a de que a ordem para matar é validada pelo presidente dos EUA e que os ataques com drones multiplicaram-se no governo Obama.

    Barack Obama
    Barack Obama

    Milhares de ataques de mísseis e de mortes, em apenas meia dúzia de operações. O programa de assassinato seletivo conduzido pelos Estados Unidos no Afeganistão ou no Iémen, como parte da sua luta contra o terrorismo é extenso – e muito sigiloso. A investigação do site The Intercept, “The Drone Papers”, revela muitos aspectos desconhecidos do programa, e confirma outros já conhecidos, no momento em que a França também começa a realizar ataques direcionados na Síria, com a ajuda dos serviços secretos dos EUA.

    1) Até nove em cada dez pessoas mortas não eram alvos

    A primeira constatação a partir dos documentos do exército norte-americano é a ineficiência do caráter “seletivo” dos assassinatos por drones. Numa análise detalhada dos resultados da operação Haymaker, no norte do Afeganistão, os relatórios militares revelam que o número de “jackpots” – morte da pessoa visada por um ataque – é baixo: em fevereiro de 2013, a operação tem 35 “jackpots”, e 200 “EKIA” – inimigos mortos em combate – no mesmo período.

    Os militares dos EUA usam este termo para designar as pessoas mortas que eles identificam como insurgentes ou soldados inimigos não diretamente visados – para estabelecer esta classificação, o exército baseia-se nas suas próprias fontes, como imagens captadas, também, por drones. Contas que tendem a subestimar o número de vítimas civis, diz o The Intercept. Durante um período de cinco meses no Afeganistão, o site descobriu que nove em cada dez pessoas mortas não eram os alvos dos ataques.

    O The Intercept também cita um estudo realizado pelo académico Larry Lewis, que analisou os resultados das operações americanas no Afeganistão durante vários anos. Segundo os seus cálculos, os ataques realizados por drones na região mataram muito mais civis que os bombardeamentos da aviação: ele conclui que os drones matam, em média, dez vezes mais civis do que os aviões norte-americanos. Uma diferença explicada em parte pela baixa qualidade das informações em que se baseiam os ataques por drones.

    2) A ordem para matar é validada pelo presidente dos Estados Unidos

    Para determinar quem pode ser alvo de um ataque de um drone, o exército dos EUA segue uma complexa cadeia de comando, com alguns aspectos não detalhados nos documentos publicados pelo Intercept.

    Tudo começa com a criação de um “dossier”, chamado “Cartão de Basebol”, que estabelece o perfil da pessoa, as razões pelas quais o seu assassinato é solicitado, e que segue um processo de validação em sete etapas. Em média, leva-se dois meses para obter todas as aprovações necessárias; em seguida, começa um período de sessenta dias, durante o qual o ataque é autorizado.

    Na última cena do documentário Citizen Four, sobre as revelações do informador Edward Snowden, Glenn Greenwald, fundador do Intercept, já sugeria possuir documentos secretos sobre o programa de drones americanos, que lhe foi transmitido por outro informador. No filme, podemos vê-lo a desenhar uma pirâmide num pedaço de papel, mostrá-la a Edward Snowden e dizer: “vai até o presidente” – o diagrama que aparece rapidamente na tela assemelhava-se bastante ao publicado agora pelo Intercept.

    3) Os assassinatos são decididos, essencialmente, com base em espionagem eletrónica

    Os “Cartões de Basebol” e os dossier compilados pelas forças americanas são, em grande parte, elaborados com base em fontes de inteligência eletrónica – programas de vigilância em massa da NSA e escutas, como explica o Intercept. Os próprios drones são utilizados para recolher grande quantidade de dados: armados ou de observação, a maioria dos drones utilizados pelos militares americanos dispõe de uma antena de retransmissão, que os permite triangular a posição de um telemóvel com grande precisão.

    De acordo com uma fonte anónima citada pela reportagem, o sistema “conta com máquinas muito potentes, capazes de recolher uma quantidade incrível de dados”, mas “comporta, em muitos níveis, riscos de erros de análise e de atribuição”. De acordo com a mesma pessoa, “é incrível o número de casos em que um seletor (uma identificação com login e senha, por exemplo) é atribuído à pessoa errada. E só várias semanas ou meses depois percebe que a pessoa que está a seguir não é o seu alvo, porque está na verdade a rastrear o telefone da mãe daquela pessoa, por exemplo”.

    4) Os critérios para entrar na “lista de morte” são vagos

    Oficialmente, a política dos Estados Unidos é a de atirar para matar apenas em casos em que o alvo “represente um risco contínuo e iminente para a segurança dos americanos”. Os documentos publicados pelo Intercept, no entanto, mostram que apenas um critério é analisado para determinar se uma pessoa pode ou não ser incluída na lista de alvos potenciais: o facto de “representar uma ameaça para as tropas dos EUA ou para os interesses americanos”.

    Este critério particularmente vago tem pouco sentido em algumas regiões do mundo onde os militares dos EUA só realizam ataques direcionados por drones – no Iémen, por exemplo, a presença dos EUA é quase inexistente. Os ataques de drones, no entanto, já mataram 490 pessoas no país, segundo dados do próprio exército.

    5) “Capturar ou matar” tornou-se “Matar”

    As campanhas direcionadas do exército americano são chamadas de “Capture/kill” – capturar ou matar. Mas, no caso de ataques de drones, “a expressão é enganadora – “Capturar” escreve-se em minúsculas: nunca capturamos ninguém”, reconheceu o tenente-general Michael Flynn, ex-chefe da agência de inteligência do exército.

    A escolha de se concentrar em ataques letais por drones, em vez de operações de captura, de maior risco, tem implicações para o tipo de informações recolhidas. Sem interrogatórios, os militares fiam-se cada vez mais na inteligência eletrónica, em detrimento da inteligência humana, considerada, no entanto, essencial.

    6) “Exploração e análise” são os primos pobres das operações

    A doutrina do exército americano sobre terrorismo é resumida numa sigla: FFFEA. Find, fix, finish, exploitation and analysis – “encontrar, consertar, dominar, explorar e analisar”. Mas os documentos mostram que a última parte do processo é quase inexistente em ataques de drones, particularmente no Leste da África e no Iémen.

    Na maioria dos casos, depois de um ataque mortal, não há soldados no local para recuperar documentos, computadores ou telemóveis, nem para interrogar os sobreviventes. O que leva a “becos sem saída” em matéria de inteligência.

    7) Os ataques de drones fortalecem os adversários dos EUA

    Devido à falta de precisão dos ataques e aos erros de informação que levam a atingir as pessoas “erradas”, as campanhas de drones ajudam a fortalecer os adversários americanos, explica o Intercept. O site menciona o exemplo de Haji Matin, morto por um ataque em 2012: este comerciante de madeira tinha sido denunciado como militante talibã por rivais nos negócios. O exército dos EUA bombardeou a sua casa, matando vários membros de sua família… e transformou-o num líder local da militância anti-americana.

    8) O número de ataques multiplicou-se no governo Obama

    Antes da posse de Barack Obama, apenas um ataque de drone tinha ocorrido no Iémen, em 2002. Em 2012, houve um ataque a cada seis dias naquele país. Desde agosto de 2015, estes ataques já mataram 490 pessoas.

    Um ex-funcionário dos serviços secretos do governo dos Estados Unidos disse que o uso de drones “foi a escolha política mais vantajosa: de baixo custo, não faz vítimas americanas. É bem recebida nos EUA, sendo impopular apenas no exterior. Os danos desta política aos interesses americanos só serão visíveis a longo prazo”.

    9) A distância e o “efeito canudo” reduzem bastante a eficácia dos drones

    Apesar da tecnologia avançada, e da impressão de que podem intervir em qualquer lugar e a qualquer momento, os drones não são eficazes em todas as situações. Para conseguir identificar, rastrear e abrir fogo contra um suspeito, é preciso manter contato visual por um longo período. No entanto, em algumas áreas, especialmente no Iémen, a longa distância que os drones precisam percorrer torna esta cobertura permanente muito difícil, pois eles muitas vezes gastam mais tempo de voo para chegar à sua posição do que na “ação” propriamente dita.

    Além disso, os operadores de drones são vítimas de um “efeito canudo” (como se estivessem a avaliar o todo observando através de um canudo): o alcance das câmaras é limitado, o que leva a dificuldades para seguir os “suspeitos” e aumenta o risco de erros de identificação.

    10) Para ampliar o programa de drones, o exército americano multiplicou o número de bases na África

    Para reduzir as distâncias percorridas pelos drones, o comando americano discretamente aumentou o número de bases, especialmente na África. Estas bases secretas complementam o sistema criado pelo U.S. Africa Command, cuja base principal está no acampamento Lemonnier, antigo posto avançado da Legião Estrangeira da França.

    Original: Le Monde

    Tradução de Clarisse Meireles para a Carta Maior.

    Fonte: Esquerda.Net, 20/10/2015