Em Florianópolis, capital de Santa Catarina, ocorreu nessa semana o lançamento do manifesto “Unidade para Reconstruir o Brasil”, na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (ALESC). Organizado pelas fundações ligadas aos partidos PSOL, PDT, PT e PC do B. O evento faz parte de uma série de lançamentos do manifesto que acontecem pelo Brasil, ratificando a proposição de medias conjuntas de um projeto de desenvolvimento nacional.
O representante da Fundação Lauro Campos, vereador Afrânio Boppré, ressaltou o papel fundamental que as fundações dos partidos estão tendo para a unidade do campo progressista brasileiro. “As fundações estão aproximando os partidos. O PSOL nasceu como partido de oposição. Agora, o que está acontecendo no Brasil impõe uma necessidade histórica. Quem não sabe contra quem luta, não pode vencer. E, aqui, nós precisamos afirmar que temos que nos esforçar para que se tenha uma unidade mínima. Sabemos que temos as nossas diferenças. Mas, nesse momento temos que ressaltar aquilo que nós temos de unidade”.
Afrânio ainda analisou a atual conjuntura da crise mundial, iniciada em 2008 nos Estados Unidos e se espalhou pelo mundo. “O neoliberalismo é politicamente vitorioso, mas economicamente um fracasso. Temos uma crise gigantesca por conta da reprodução do capital e o nosso campo político tem a obrigação de teorizar, de compreender que o está acontecendo. Teorizar as práticas e praticar as teorias. Para relembrar o velho Lenin: “não há teoria revolucionária sem prática revolucionária” e vice-versa”, conclui.
Já para o presidente da Fundação Leonel Brizola – Alberto Pasqualini, Manoel Dias, o momento nacional demanda um avanço na conscientização dos cidadãos e mobilização da militância. “O crescimento de opções fascistas é resultado do abandono da educação oferecida ao nosso povo. Nesse sentido relembro a destruição do projeto dos Cieps, criado por Leonel Brizola e Darcy Ribeiro. Seriam milhares de crianças e jovens salvos do crime organizado”. Comenta ainda que “a união do campo popular é a verdadeira arma contra a onda fascista que afeta o Brasil”.
Ideli Salvatti, representando a Fundação Perseu Abramo, ressalta que não estamos em “tempos fáceis” e que temos a frente um grande desafio. “Felizmente que para enfrenta-los, nós estamos buscando, através de algumas ações, articulações unitárias. Esse movimento das fundações dos partidos vem para nos dar a perspectiva de unidade para o enfrentamento, na construção de uma plataforma mínima para o diálogo para ações coletivas de atuação política”.
A representante da Fundação Maurício Grabóis, Ângela Albino, comenta o importante passo para a construção da unidade da esquerda. “Assim como a nossa base não entende como a gente se divide aqui no estado e no município, nós também vemos com muita apreensão que nós não consigamos estar juntos numa mesma candidatura. Torço que a construção nacional priorize o Brasil e não apenas os nossos partidos”.
Os lançamentos do manifesto têm sido exitosos em todos os estados, por expressar o desafio da unidade da esquerda necessária para o enfrentamento das consequências do golpe. Este sucesso foi o estímulo para a formulação de um novo documento empenhado em unificar parlamentares e pré-candidaturas proporcionais por todo o Brasil em torno de bandeiras comuns para a superação do golpe e avanço do desenvolvimento nacional. O desafio de uma frente parlamentar com estas características é algo inédito que prova a capacidade da esquerda dialogar em suas diferenças.
No sábado (16/6), os representantes da Fundação Lauro Campos, Perseu Abramo, Maurício Grabois e Leonel Brizola-Alberto Pasqualini estiveram em Belém (PA) para realizar o debate “Os desafios da esquerda na Amazônia em defesa dos direitos do povo e pela soberania nacional” e lançar no Pará o manifesto “Unidade para Reconstruir o Brasil”, elaborado e assinado pelas fundações do PSOL, PT, PC do B e PDT. As fundações já realizaram atividades conjuntas para o debate sobre a unidade da esquerda em Brasília, Salvador, São Paulo e Curitiba. Outros encontramos, com a mesma temática serão realizados em outras cidades.
A representante da Fundação Lauro Campos, Lívia Duarte, fez uma homenagem em memória de Marielle Franco e destacou no início da fala a aprovação do aborto legal e seguro pela câmara de deputados da Argentina, como um exemplo de que a luta travada no país vizinho é um exemplo que pode ser repetido no Brasil. Sobre o manifesto, Lívia destacou o tipo de desenvolvimento que precisamos pensar para o nosso país. “Até que ponto essa fórmula atual de desenvolvimento nos serve? O que é progresso para nós? Altamira – cidade que serviu de base para a instalação da hidrelétrica de Belo Monte – foi até o ano passado o município mais violento do Brasil. Existe um diagnóstico de violência nessas áreas com grandes construções que não são dados atoa”, salienta.
Na continuação, Lívia destaca os rumos que precisamos tomar para um desenvolvimento sustentável e conjunto entre os partidos e os setores de unidade em torno do manifesto. “Precisamos pensar num projeto de futuro que nos caiba, que caiba nossa tez, que caiba nosso sangue, que caibam as nossas características. Precisamos de uma unidade além da resistência, a gente precisa pensar em pontos programáticos de unidade, pensar em objetivos futuros de dignidade e esperança para o povo. Precisamos avançar e, para avançar, precisamos estar juntos para uma pátria livre”, conclui.
Edval Bernardino Campos, representante da Fundação Maurício Grabois, destaca que “esse manifesto que nos congrega é um alento de possibilidade real de tirar o Brasil de uma encruzilhada, apontando para o progresso, para o desenvolvimento, para a redução das desigualdades regionais e sociais”.
Já Isabel dos Anjos, representante da Fundação Perseu Abramo, pontua que o manifesto surge em virtude do enfrentamento necessário e urgente à avalanche do capitalismo que temos vivido nos últimos tempos. “A crise iniciada em 2008 já é apontada por especialistas e pela realidade dura do nosso povo, como uma das piores crises do capitalismo. Essa crise tem possibilitado a hegemonia do capitalismo em todo o mundo e, especialmente, no Brasil, onde os índices de desigualdades são históricos. Quando estamos falando de avanço do neoliberalismo – ou seja, do capitalismo -, estamos falando de vida e morte das pessoas. Por isso, não temos dúvidas de que, juntos, podemos superar a crise que está posta nesse país e essa superação passa pelo diálogo e pela construção coletiva de todos nós”, encerra.
O jornalista Oswaldo Maneschy, representante da Fundação Leonel Brizola – Alberto Pasqualini, destacou a importância do manifesto para o futuro do nosso país. “Essa é uma proposta que junta todos nós em defesa do Brasil e da nossa soberania nacional. Tivemos um golpe, um golpe diferente, mas que precisamos reagir. O objetivo desse manifesto é tentar costurar uma proposta de governo, de país. Nós temos uma tarefa muito grande pela frente: a eleição. Disputar a eleição não vale a pena, nós precisamos é ganhar a eleição”, conclui.
Os lançamentos do manifesto têm sido exitosos em todos os estados, por expressar o desafio da unidade da esquerda necessária para o enfrentamento das consequências do golpe. Este sucesso foi o estímulo para a formulação de um novo documento empenhado em unificar parlamentares e pré-candidaturas proporcionais por todo o Brasil em torno de bandeiras comuns para a superação do golpe e avanço do desenvolvimento nacional. O desafio de uma frente parlamentar com estas características é algo inédito que prova a capacidade da esquerda dialogar em suas diferenças.
A Fundação Lauro Campos realizou, no último final de semana, um evento para debater os acontecimento do ano de 1968, o ano rebelde, no mundo e no Brasil. Com a casa cheia, a Fundação Lauro Campos convidou Muna Zeyn, assistente social, ex-apresentadora do Programa allTV Mulher no período de 2003 a 2014 e chefe de gabinete, exercendo inclusive o cargo de Chefe da Secretaria Particular da Prefeitura Municipal de São Paulo no mandato “Governo Democrático Popular” de 1989 a 1992 quando Luiza Erundina foi a primeira prefeita mulher de São Paulo; Cid Benjamin, jornalista, ex-dirigente do PSOL, do PT, do antigo MR-8 e líder estudantil em 68; e Darcy Rodrigues, ex-Sargento do Exército e ex-dirigente da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) com CARLOS LAMARCA para debater o tema.
Confira como foi o evento e a palestra de cada um dos convidados:
A Vigília Lula Livre, em Curitiba (PR), foi palco da mesa de diálogo “Unidade para Reconstruir o Brasil”, que une representantes das fundações partidárias para traçar uma agenda progressista comum entrem os partidos e formar uma Frente Democrática de unidade composta pelo PSOL, PT, PCdoB, PDT e PSB.
Francisvaldo Mendes, presidente da Fundação Lauro Campos, abriu a exposição das fundações com uma análise histórica e da atual situação do Brasil. “A elite sempre utilizou o Estado para seus interesses. No Brasil, ainda tem um agravante porque o Estado é usado para interesses particulares. É o interesse pessoal de determinada família que está no poder, que se apropria do Estado para seus próprios interesses”, enfatiza.
Joaquim Soriano, da Fundação Perseu Abramo, destaca que a construção democrática sempre é feita por um caminho tortuoso. “A classe dominante no Brasil não gosta do voto. E tratam os representantes do povo como populistas. Numa democracia de massas quando o povo elege, é muito difícil votar em proposições que sejam contra o povo. Isso explica a popularidade insignificante de um presidente que não foi eleito como Michel Temer”.
Rubens Diniz, da Fundação Mauricio Grabois, afirma que o caminho para retomar a democracia no Brasil passa pela liberdade do ex-presidente Lula. “Acreditamos que as saídas para o Brasil se passam pela política. O que vemos neste momento é um desrespeito ao poder soberano do voto popular e ao direito de Lula ser candidato”.
A união das fundações Lauro Campos, Perseu Abramo, Mauricio Grabois, Leonel Brizola e João Mangabeira tem o objetivo de construir uma nova maioria política e social capaz de retirar o Brasil da crise e encaminhá-lo a um novo ciclo político de democracia, de soberania nacional e de prosperidade econômica e progresso social. Outros encontros como esse estão programados para acontecer em outras cidades do país.
O cientista político e professor de matemática da Universidade Aplicada de Berlim, o alemão Michael Heinrich, esteve na Universidade de São Paulo (USP) para lançar a obra “Karl Marx e o nascimento da sociedade moderna”. O livro é uma biografia que investiga os anos iniciais de Marx, de sua infância aos anos de formação intelectual, em que se torna doutor na Universidade de Iena. Esse é o primeiro de uma série de três volumes e promete ser o trabalho definitivo para compreender, de forma integrada, a vida e a obra do filósofo alemão.
A atividade contou com a presença de muitos convidados, entre eles o presidente da Fundação Lauro Campos, Francisvaldo Mendes, o presidente da Fundação Roxa Luxemburgo, Gehard Dilger e os professores Ruy Braga e Leda Paulani.
“Há certa de 30 extensas biografias sobre Marx. Então, entendo porque perguntem: por que estou apresentando uma nova biografia de Karl Marx em três volumes? Devo dizer que as biografias existentes têm muitos erros e déficits, por conta da idade dessas obras. As mais velhas tem cerca de 100 anos. Hoje, há novas e melhores informações e acredito que devemos superar as visões enviesadas de Marx, por isso minha pesquisa identifica uma forte interferência entre vida e obra do filósofo. Sua obra influenciou a sua vida e vice-versa. E é por isso que essa biografia foi elaborada, para demonstrar um novo enquadramento sobre a sua vida e a sua obra”, destaca o autor do livro, Michael Heinrich.
Michael Heinrich, autor do livro, junto com o presidente da FLC, Francisvaldo Mendes.
Sobre a atividade e o livro, Francisvaldo Mendes comenta que o debate foi de grande importância para a para a defesa da atualidade das obras de Karl Marx do início do século XIX. “Michael Heinrich produziu uma obra magnífica, onde demonstra a importância, por exemplo, da cidade de Trier, na Alemanha, na infância de Marx, assim como a influência de seu pai na sua formação cultural”.
Lembra, ainda, da influência do seu sogro sobre a sua trajetória de vida e formação política, do seu talento em escrever poemas e depois deixa-los de escrever por não conseguir provar que por meio dos versos também poderia falar sobre política, entre outros tantos detalhes e acontecimento da vida de Marx que cria uma outra forma de estudar e entender as suas obras. “O autor é brilhante no cuidado que tem com as fontes históricas e na construção dos fatos da vida do filósofo, como a sua criação, seu envolvimento político, sua forma de se opor ao governo na época, enfim, Marx e suas obras são de enorme importância para os dias atuais e foi um prazer inenarrável compartilhar desse momento junto com o autor do livro”, finaliza Francisvaldo Mendes.
Os dois próximos volumes da biografia estão previstos para lançamento em 2019 e 2020, respectivamente.
Quais os constrangimentos ao pleno funcionamento da institucionalidade democrática diante do poder desmedido dos mercados, que impõem leis, ditam regras de conduta e acabam por influenciar decisivamente a atuação dos três poderes da República?
José Luís Fevereiro
A democracia tal como o mundo ocidental a conhece desde o pós-guerra está em risco. O desenvolvimento do capitalismo sob hegemonia do capital financeiro, a globalização da produção de mercadorias e dos fluxos de capital, as novas crises de superprodução, o enorme avanço da concentração de renda a partir da apropriação concentrada dos ganhos de produtividade da inovação tecnológica, tornaram a democracia disfuncional para o Capital.
A busca insensata pela redução dos custos do trabalho usando a globalização para desconstruir direitos conquistados por décadas de luta política e sindical, o desmonte dos sistemas tributários e políticas fiscais que viabilizaram a universalização de direitos sociais nos países centrais e a busca dessa universalização em países de desenvolvimento médio como o Brasil usando como argumento a concorrência industrial asiática, o avanço das isenções tributárias para os mais ricos reduzindo a capacidade de financiamento dos estados e justificando o desmonte de seus mecanismos de seguridade social, não podem conviver com a democracia sem sustos para a elite.
Barragens de propaganda, debates de TV onde todos os debatedores defendem as mesmas teses pseudo científicas, utilização dos aparatos de formação de consensos, imposição de pautas diversionistas, nada disso tem impedido que aqui e acolá as classes trabalhadoras reajam e coloquem em risco a estabilidade de governos liberais portadores das “verdades científicas” das políticas de ajuste e corte de direitos.
Esvaziamento do Estado
Desde os anos 1990 é nítido o projeto de esvaziamento de poder das esferas eleitas do Estado. A construção de uma burocracia supranacional em Bruxelas, fora do alcance dos eleitores dos estados membros da União Europeia, a própria moeda única europeia, retirando a política monetária do controle dos governos eleitos, a defesa mundo afora da “independência” dos Bancos Centrais, subtraindo ao controle do povo e de seus representantes eleitos esse importante mecanismo de poder, faz parte da estratégia.
No Brasil, a “Lei de Responsabilidade Fiscal” e suas “cláusulas de ouro”, que limitam as possibilidades de ação de governos eleitos, o desmonte acelerado dos aparatos do Estado como o programa de privatizações dos anos 1990 e sua retomada após o golpe de 2016, buscam reduzir o poder de fogo na economia dos executivos eleitos da República. Reduzir a democracia à eleição de síndicos desprovidos de poder real é a principal iniciativa à escala global das elites.
Nessa mesma linha está a pressa com que o governo do golpe aprovou a Emenda Constitucional 95, que congela por vinte anos os gastos primários da União, tentando amarrar as próximas administrações à condição de gerenciadoras do desmonte do Estado.
Em outra linha de ação, a imposição de pautas morais e culturalistas pela via do fortalecimento do fundamentalismo religioso, buscando retirar centralidade à agenda da desigualdade, foi também largamente utilizada desde os anos 1980. Trabalhadores pobres acabam votando em candidatos por serem contrários à legalização do aborto ou ao casamento igualitário. Curiosamente são os mesmos que reduzem impostos de ricos e cortam programas sociais dos pobres. É uma cena que começa nos EUA nos anos 1970 e se generaliza pelo planeta, ganhando força no Brasil duas décadas depois, quando, por exemplo, se aprovou a isenção de Imposto de Renda na distribuição de lucros e dividendos.
Desmoralização dos poderes eleitos
Mais recentemente uma terceira linha de ação, e que por bom tempo passou despercebida para boa parte da esquerda, é a desmoralização dos dois poderes eleitos da republica, legislativos e executivos, pela disseminação da lógica da antipolítica e o fortalecimento do poder judiciário, o único dos poderes não eleito, composto pela “meritocracia” tal como a conhecemos com seu perfil de origem nas classes medias e altas e, portanto, mais confiável aos interesses da elite.
Manifestação contra a PEC que congela o orçamento por vinte anos, avenida Paulista (SP), outubro de 2016
A imposição da pauta da ética como centro do debate nacional foi o primeiro passo e com o qual a esquerda alegremente contribuiu. A defesa despolitizada da Ética na politica, como se a politica não tratasse de luta de classes foi um erro estratégico. Desde os anos 1980 que a esquerda flerta com essa agenda aproveitando-se que conjunturalmente ela atingia seus adversários diretos com mais força dado o fato da burguesia controlar a maior parte dos aparatos do estado. É obvio que a corrupção deve ser denunciada e combatida e que não cabe à esquerda defender representações políticas carcomidas pela corrupção e muito menos deixar de zelar nas suas administrações para que a lógica dos “300 picaretas”, que Lula denunciava em 1989, não as invada como terminou acontecendo com o próprio governo de Lula. Mas também está evidente que a aceitação da centralidade dessa agenda no lugar da denuncia da desigualdade termina por ser uma enorme prestação de serviços á Casa Grande.
O pacote do desmonte das prerrogativas dos poderes eleitos vem bem embrulhado. Temos a Lei de Responsabilidade Fiscal em contraposição às “irresponsabilidades”, a Lei do Teto dos Gastos em contraposição à “gastança”, a Lei da Ficha Limpa em contraposição aos detestáveis “fichas sujas”, o fim do foro privilegiado em contraposição “aos privilégios” e, no meio do caminho, a rejeição da PEC 37 que buscava restabelecer a separação de atribuições entre as policias, as procuradorias e a magistratura.
Há uma clara conexão entre essas agendas, todas elas fortemente impulsionadas pela mídia corporativa e todas elas dentro da lógica do esvaziamento dos poderes eleitos da República, os únicos que de fato estão submetidos a algum crivo popular. A estratégia é manter as formalidades da democracia eleitoral, mas cuidando de esvaziar de consequências escolhas “insensatas” por parte dos eleitores que, vez por outra, insistem em eleger candidatos “populistas”, ou seja todos aqueles que não comungam da cartilha de interesses dos mercados e das elites econômicas globais.
Redução do Estado
É neste cenário que ocorre o golpe de 2016 no Brasil. A corrupção endêmica ao sistema econômico e não apenas ao sistema politico é conhecida há décadas. Circunscrever ao Estado e aos seus agentes o problema do desvio de recursos públicos é também uma forma de luta política das elites a favor da sua agenda de redução do papel do Estado, de desmonte da seguridade e da privatização de suas empresas do setor produtivo, do setor bancário e das suas funções de garantidor de direitos sociais.
A Operação Lava Jato não desvendou nada que não fosse de amplo domínio publico há muito tempo, mas se aproveitou do enorme desgaste da presidenta Dilma Rousseff junto à sua base social e eleitoral, resultado da traição programática cometida em 2015. Ali se adotou um programa de ajuste fiscal suicida que a enfraqueceu, derrubou do poder e entronizou um governo que é a expressão pura e dura dos interesses da elite econômica globalizada. Contribuiu para a desmobilização de qualquer resistência de massa a despolitização construída deliberadamente por Lula, que nunca buscou a mobilização da sua enorme base social para pressionar por mudanças estruturais.
Tal qual em 1964, o simulacro de legalidade foi mantido, com o Congresso votando o impeachment com a mesma cara dura de 10 de abril daquele ano, ao “eleger” indiretamente Castelo Branco. O STF, como há meio século, “legalizou” a tramoia. Não faltou a cassação de direitos políticos do principal candidato às eleições presidenciais seguintes, hoje Lula, antes Juscelino Kubitschek. Lula está preso como resultado de um processo que jamais tramitaria em um sistema judiciário minimamente sério, Juscelino teve que responder a Inquéritos Policiais Militares durante a ditadura.
Tirando os tanques nas ruas e os coturnos marchando, o modelo não foi muito diferente.
Para a esquerda, é fundamental identificar corretamente a estratégia do inimigo buscando fugir do taticismo que, no mais das vezes, opera na lógica do adversário. É fundamental colocar no centro da agenda a desigualdade, a imperiosa necessidade de superação da crise, de revisão do sistema tributário grotescamente concentrador de renda, desmontar os entraves à ação dos poderes eleitos, tanto no campo da condução da economia como da restauração das suas prerrogativas plenas hoje usurpadas pelo judiciário.
Usurpação de poderes
É inacreditável a usurpação crescente de poderes do Executivo e do Legislativo, como vimos no impedimento da posse de Lula como ministro de Dilma, mas também no impedimento da posse de Cristiane Brasil como ministra de Temer. Nessa mesma linha, o ministro do STF Luiz Roberto Barroso se outorga poderes para rever o indulto de Natal, função também precípua da Presidência da Republica, e a justiça prescinde da autorização das casas legislativas para prender seus membros, como ocorreu na ALERJ.
Se era correta a atitude da esquerda em votar a favor da autorização, derrotada em plenário, não compartilho do regozijo dos que comemoraram o fato de a justiça ter renovado a prisão dos mesmos, prescindindo dessa autorização. Estrategicamente quebrar as prerrogativas dos poderes eleitos submetendo-os á tutela do Judiciário é um equivoco enorme ainda que venha embrulhado em boas causas. É certamente o caso das prisões dos deputados Jorge Picciani, Paulo Melo e Edson Albertassi, todos do PMDB.
Para os de curta memória vale lembrar que o AI-5 foi editado em 1968 na sequência de uma negativa do Congresso Nacional em autorizar o processo contra o deputado Márcio Moreira Alves. A Lei da Ficha Limpa, o fim do foro determinado – mal denominado de privilegiado – e o inusitado acumulo de funções de investigação e oferecimento de denúncias pelas procuradorias, que a PEC 37 buscava impedir, são operações de esvaziamento da democracia e de submissão dos poderes que emanam do povo ao poder que emana da meritocracia.
As eleições de 2018
Teremos eleições em 2018 e o golpe não é a total reprodução de 1964, embora algumas características se repitam. A estratégia da elite golpista é a do esvaziamento das prerrogativas de quem venha a ser eleito, seja pelo desmonte do Estado, seja pelos impedimentos ao exercício da política fiscal constitucionalizados com a EC-95 do teto de gastos e seja pelas ações do Judiciário. Há também tentativas de edição de novas PECs, que buscam impedir a emissão de divida pública, seja também pela subordinação de suas ações ao judiciário que hoje se sente empoderado para sustar qualquer ação de governo que contrarie interesses.
Essa nova logica ascendente não ocorre apenas na esfera federal, mas em todas as instâncias de poder no país. Prefeitos, por exemplo, têm assistido aumentos de IPTU votados nas Câmaras de Vereadores sendo sustados na justiça. Se permitirmos que essa escalada continue, o presidente da República a ser eleito em 2018 assumirá desprovido de prerrogativas básicas de governabilidade. Um exame histórico do Brasil no campo dos direitos sociais pode mostrar que os avanços mais significativos obtidos se deram por iniciativa de poderes Executivos. Raramente isso aconteceu pelos Legislativos e nunca pelo Judiciário.
O golpe não tem uma única data marcante, ele é uma agenda politica que, passo a passo, vai esvaziando de conteúdo real o pouco de democracia que temos.
Identificar corretamente a sua estratégia é essencial para combate-lo com efetividade.
Marielle Franco chegou ao mundo com marcas da opressão e da violência. Era uma mulher negra, nascida e criada na favela da Maré, em uma sociedade radicalmente desigual, construída sobre a escravidão do povo negro, estruturada em uma cultura machista, patriarcal e com um ódio de classe latente.
Marielle compartilha uma história de brutalidade e repressão com milhares de outras mulheres. Marielle representa também minhas demandas de negra, periférica e socialista. Para alguém assim, tudo é mais difícil: trabalhar, estudar e mesmo militar politicamente.
Marielle, foi mãe aos 19 anos, frequentou curso pré-vestibular comunitário, assim como eu e tantas e tantas. A sua não é uma história de superação individual e nem uma narrativa sobre “meritocracia”. É uma vivência de projetos coletivos de enfrentamento de desigualdades e imposições de cima.
Projetos coletivos
A violência trouxe Marielle à militância, após a morte trágica de uma amiga, vítima de bala perdida em confronto entre policiais e traficantes. E a violência tirou Marielle da militância. A execução, o crime político matou fisicamente a afrossocialista da Maré.
A luta coletiva fez a preta favelada, bolsista ProUni, se tornar socióloga, formada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). A mulher de pele escura foi mais longe e quebrou as estatísticas, concluindo o mestrado em Administração Pública pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Ela levou a pauta da favela para os espaços privilegiados da Universidade ao defender a dissertação “UPP: a redução da favela em três letras”.
A sucessão de asperezas que assinala a vida de Marielle, somada à sua formação acadêmica, possibilitou a realização de trabalhos exemplares em organizações da sociedade civil e na coordenação da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ). Essas tarefas foram realizadas juntamente com o deputado estadual Marcelo Freixo, personagem de outra vivência moldada pelo enfrentamento às nossas mazelas ancestrais.
Trincheira e reconhecimento
Marielle consolidou sua trajetória pautada pelos interesses da classe trabalhadora e fez do PSOL sua trincheira. O reconhecimento veio através dos 46.502 votos recebidos em 2016 para o cargo de vereadora, a quinta maior votação da cidade do Rio de Janeiro.
No plenário da Câmara dos Vereadores, a menina da Maré fez ecoar vozes silenciadas, enfrentando uma estrutura machista, com ódio a tudo que ela representava. Como parlamentar, insistiu na criação de políticas públicas que garantissem vida digna para os historicamente marginalizados.
Marielle denunciou e combateu o modelo falido de segurança pública que vitima pobres, periféricos e agentes de segurança. É um modelo que garante a prevalência de um pequeno grupo no poder e que utilizou do arbítrio para um presidente da República ilegítimo decretar intervenção militar no estado do Rio de Janeiro.
Os que a temem
Na noite de 14 de março, quatro tiros fizeram Marielle tombar. Foram quatro projéteis disparados pela vontade de poderosos que temem tudo o que ela representa. Executaram quem ousou organizar os de baixo contra o sistema. Esses mesmos poderosos fulminaram, com três balas nas costas, Anderson Pedro Gomes, marido, pai e trabalhador que, como muitos brasileiros, lutava por uma vida melhor.
Marielle era uma mulher que tinha cor, filha, companheira, partido e lado. Tentaram calá-la em vão. Sua voz e determinação se ampliaram e ganharam mundo
Não contentes com a eliminação física de Marielle, seus assassinos tentaram matar sua história e sua honra. Buscaram implantar o medo em todas e todos que ousam acreditar que outro mundo é possível.
O Brasil passa por um período de recrudescimento da repressão, de criminalização dos movimentos sociais, de intenso ataque a direitos historicamente conquistados e de perseguição aos que se batem por uma sociedade justa.
Os crimes cometidos durante a ditadura militar, cujos autores nunca foram punidos, revelam o triste e trágico histórico de que assassinatos de militantes de esquerda sempre foram prática comum na tentativa de conter a luta coletiva, organizada e classista.
Não foi crime comum
A morte de Marielle não foi crime comum e não entrará para a estatística das milhares de mortes brutais que ocorrem cotidianamente em nosso país. Como Helenira Resende e Alceri Maria, executadas durante os anos de chumbo, a vida de Marielle foi ceifada por ser ela de esquerda e porque lutava pelos seus iguais.
Marielle era uma mulher que tinha cor, filha, companheira, partido e lado. Tentaram calá-la em vão. Sua voz e determinação se ampliaram e ganharam mundo. Marielle não é uma. São todas e todos os inconformados que vão à ação.
O que se viu após o fuzilamento no centro do Rio foi surpreendente. Milhares de pessoas, mesmo corroídas pela dor, encontraram forças para sair às ruas, enfrentar seus executores e dizer que a luta de Marielle está maior, mais forte e mais determinada, rumo a uma sociedade livre, justa e igualitária.
Apresentamos mais um número da nossa revista SOCIALISMO e LIBERDADE. Ao fazê-lo, não podemos deixar de registrar sua crescente aceitação dentro e fora do PSOL. A revista caminha para atingir um de nossos objetivos, senão o principal deles: ser uma referência no debate das forças progressistas em nosso país.
Nesta edição, você pode conferir a entrevista com Guilherme Boulos, pré-candidato a presidente da república pelo PSOL. Também pode conferir o artigo “Eu sou porque nós somos”, de Débora Camilo, sobre a morte da vereadora Marielle Franco. Os efeitos da reforma trabalhista, por Clemente Ganz. O artigo “Fim de um ciclo no continente?”, de Gilberto Maringoni e muito mais.
Série de entrevistas PSOL pelo Brasil, com os presidentes estaduais do PSOL. Produzida pela Fundação Lauro Campos e com ancoragem do presidente da FLC, Francisvaldo Mendes, a série busca entender as realidades dos estados e do PSOL 50 por meio dos presidentes estaduais do Partido Socialismo e Liberdade.
Direção: Ricardo Pessetti
Produção: Fundação Lauro Campos / Pedro Otoni
Fotografia: Ricardo Pessetti / Renato Libanio / Leandro Araújo
Edição e Finalização: Ricardo Pessetti