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  • Ato de filiação de 200 militantes em Manaus com a FLC

    Ato de filiação de 200 militantes em Manaus com a FLC

    Ato de filiação de 200 militantes em
    Manaus com a FLC

    Construir seminários regionais e subsidiar debates de formação política no norte do país. Foi com esse objetivo que a Fundação Lauro Campos esteve presente no ato de filiação de mais de 200 novos membros do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) em Manaus (AM), na última sexta-feira (16/2). Entre lideranças sindicais, comunitárias, professores, militantes de movimentos populares e da juventude, os novos filiados do partido puderam compartilhar as ideias e debater com diferentes lideranças do partido como o Presidente Nacional do PSOL, Juliano Medeiros, o Presidente da Fundação Lauro Campos, Francisvaldo Mendes e a Presidente Estadual do PSOL, Pedrinha Lasmar.

    “Eventos como esses demonstram que a crise de representatividade não afeta um partido como o PSOL. Filiar 200 novos membros num Estado tão importante como o Amazonas, demonstra a relevância do partido para a construção de uma nova alternativa para o Brasil. Iniciativas como essa, promovida pela Presidente estadual do partido, Pedrinha Lasmar e por Eduardo Vieira, militante histórico da região, que trouxe o peso das cidades do interior do Amazonas para o encontro, só confirmam essa relevância”, afirma Francisvaldo Mendes.

    Francis comentou ainda que a Fundação terá papel fundamental para a manutenção e a expansão do partido no norte do país com o fomento de seminários e debates de formação sobre o Brasil e sobre questões específicas da região. “Nosso objetivo é abarcar todos os Estados do norte nessa construção. Mantendo sempre a qualidade dos debates e a conexão entre todas as regiões do nosso país para a consolidação de um projeto de Brasil que caibam todas as suas realidades”, conclui.

  • Com os pés no chão e sem medo de lutar

    Com os pés no chão e sem medo de lutar

    Com os pés no chão e sem medo de lutar

    Por Juliano Medeiros*

    O ano de 2017 está chegando ao fim. Foi um ano marcado por retrocessos, como a implementação da Emenda Constitucional 95, que congela os investimentos públicos por 20 anos, a reforma trabalhista, que retira conquistas históricas dos trabalhadores e trabalhadoras, a mudança no regime de exploração do pré-sal —da partilha para a concessão— e a retomada das privatizações em massa.

    Foi, também, o ano da grande infâmia: por duas vezes seguidas, a maioria fisiológica da Câmara dos Deputados salvou um presidente ilegítimo das acusações de corrupção apresentadas pela Procuradoria-Geral da República.

    Mas este também foi um ano de resistências. Em 2017, os movimentos sociais, sindicatos e partidos de esquerda promoveram a maior greve geral da história do Brasil. Também derrotamos o decreto presidencial 9159, que extinguia a Reserva Nacional do Cobre, no Amapá.

    A pressão popular ainda obrigou o governo a inúmeros recuos na tentativa de aprovar sua reforma da Previdência, impedindo até agora a retirada de direitos dos aposentados.

    O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) esteve em todas as lutas dos trabalhadores e trabalhadoras, da juventude, das mulheres, dos negros e negras, indígenas, quilombolas e da comunidade LGBT.

    Apostamos no entendimento entre as forças do campo popular para enfrentar os ataques promovidos por Temer, especialmente através da articulação entre as frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular. Evidentemente, a unidade viveu altos e baixos, como ilustra a tentativa de cancelamento, por parte das maiores centrais sindicais do país, da greve nacional convocada para o último dia 5 de dezembro.

    Diante desse cenário, o ano de 2018 aponta inúmeros desafios para as forças de esquerda. Enquanto o desemprego atinge quase 13 milhões de trabalhadores e trabalhadoras, o crescimento econômico no último trimestre não supera míseros 0,1%.

    A proporção dívida/PIB alcança alarmantes 76%, enquanto a proposta orçamentária do governo Temer prevê uma redução de 82% nos investimentos públicos, pressionando especialmente as despesas obrigatórias em saúde e educação.

    Por tudo isso, em 2018 o PSOL seguirá apostando na construção de uma ampla frente social contra os ataques de Temer e seu governo aos direitos do povo brasileiro, em especial, a reforma da Previdência.

    Essa frente, porém, não deve ser confundida com uma frente eleitoral: nas eleições do próximo ano o PSOL apresentará candidatura própria à Presidência da República.

    Acreditamos que nosso partido pode oferecer um nome que represente não só a resistência aos ataques promovidos por Temer, mas uma ampliação para além das fileiras partidárias, expressando o acúmulo das lutas dos movimentos sociais combativos, da Frente Povo Sem Medo e dos embates no parlamento.

    Essa candidatura deve expressar, ainda, a negação da conciliação com as velhas oligarquias que promoveram o golpe institucional de 2016, afirmando claramente sua independência política em relação a esses setores. Uma candidatura, enfim, que represente um novo ciclo na esquerda brasileira.

    Conforme decisão soberana de nosso 6º Congresso Nacional, o nome que representará o PSOL na disputa presidencial será definido em conferência eleitoral, no primeiro trimestre de 2018.

    Tomaremos como ponto de partida para o debate programático o trabalho de centenas de ativistas sociais, lideranças populares e intelectuais progressistas que participaram da construção da plataforma Vamos, elaborada ao longo dos últimos meses.

    Estamos prontos para assumir a responsabilidade de colaborar com o processo de reorganização da esquerda brasileira. Com generosidade, entusiasmo e sentido de urgência, mas sem abrir mão de princípios, convicções e de nosso compromisso com um Brasil socialista.

    *Juliano Medeiros é presidente da Fundação Lauro Campos, e foi eleito presidente do PSOL Nacional no 6º Congresso do partido, realizado em dezembro de 2017.

    (Texto originalmente publicado na Folha de S. Paulo em 13/12/207)

  • A Revista Socialismo e Liberdade agora em seu celular

    A Revista Socialismo e Liberdade agora em seu celular

        Agora é possível conferir a revista Socialismo e Liberdade diretamente no seu celular. A edição especial sobre os 100 anos da Revolução Russa também pode ser lida por meio de um exclusivo aplicativo desenvolvido para a Fundação Lauro Campos.

        Todo o conteúdo da revista, 13 artigos que abordam a vitória do partido bolchevique em 1917 sob diversos ângulos, está disponível no aplicativo gratuito. Segundo Claudio Zamboni, um dos responsáveis pela criação desta nova ferramenta, o intuito foi o de aumentar o alcance da publicação: “nos temos a versão impressa da revista, a versão on-line, na página da Fundação, e agora o aplicativo, que é uma adaptação do conteúdo para uma linguagem que facilite a leitura em aparelhos móveis, um formato pensado para celular”. Além de Zamboni, participaram do desenvolvimento do aplicativo Luciano Perobelli e Paulo Loffredo, da Zaha Comunicação.

     

     

        A edição especial da Revista Socialismo e Liberdade tem artigos de José Salles, Valerio Arcary, Roberto Robaina, Marcelo Badaró Mattos, Ana Cristina Carvalhaes, Marcio Farias, Daniela Mussi, Rosa Maria Marques, Luiz Arnaldo Dias Campos, Daniel Araão Reis, Rejane Hoeveler e Carla Silva. São mais de 80 páginas e diversos pontos de vista sobre a vitoriosa revolução proletária na Rússia e seus desdobramentos históricos.

        Para além da nova ferramenta pensada para celular, a revista também pode ser conferida AQUI em sua versão online. A versão impressa pode ser encontrada na sede da Fundação, em São Paulo, ou nos diretórios estaduais do PSOL pelo Brasil.

     

     

     

  • Haters: os grupos paramilitares virtuais do início do século XXI

    Haters: os grupos paramilitares virtuais do início do século XXI

    Haters: os grupos paramilitares virtuais
    do início do século XXI

    Por Rodolfo Vianna*

         A dimensão virtual já é parte constitutiva da vida social de qualquer pessoa. Um perfil em rede social é uma importante ferramenta de lazer, de instrução, profissional etc. Promover e incentivar um “linchamento virtual”, forçando determinada pessoa a excluir de sua vida esta dimensão cada vez mais presente e necessária na contemporaneidade, é um ato de violência e que deve ser rechaçado de pronto, sem titubeio, incluindo o acionamento da esfera jurídica para que seus protagonistas respondam por isso: tanto aqueles que objetivamente o fazem quanto aqueles que o incentivam.

         A presença de “haters” no mundo virtual não é um fenômeno novo, pessoas que, protegidas ou não pelo anonimato, destilam ódio, preconceito e ameaças pela internet. Entretanto, os casos mais recentes permitem caracterizar este fenômeno sob um novo ângulo, uma vez que sua manifestação ganha espaço na esfera pública e no agendamento das pautas políticas. Os “haters”, massa mais ou menos amorfa, mais ou menos organizada, coadunam-se sob certas bandeiras ideológicas e, assim, necessitam serem entendidos atualmente como um novo agente político no cenário brasileiro. Ignorar esta nova dimensão é um grande e perigoso equívoco.

         A perseguição, o amedrontamento e a agressão tampouco são ferramentas novas na política. Entretanto, a força de sua presença na esfera pública sempre foi inversamente proporcional à força da democracia vivenciada. Não raro, foi prenúncio de tempos sombrios do império do arbítrio e do totalitarismo. Enquanto agentes políticos, os “camisas negras” na Itália foram o aríete e a pavimentação do caminho de ascensão de Benito Mussolini na Itália dos anos 1920. Os “camisas pardas”, ou SA, cumpriram os mesmo papel, no mesmo período, para a ascensão de Hitler na Alemanha, como exemplos.

         Estes grupos paramilitares eram formados majoritariamente por jovens movidos pela descrença na política institucional então vigente, indignados com a falta de “ordem”, conservadores no plano moral e dos costumes, patriotas exaltados e ávidos pelo resgate de um mítico orgulho nacional. Paranoicos, viam por todos os lados ameaças aos valores que julgavam serem caros a qualquer “cidadão de bem”, alarmados com o que consideravam ser o estado de degeneração em que se encontrava a sociedade, além de apontar inimigos “externos” que ameaçariam à unidade da nação: anarquistas, comunistas, judeus, ciganos, homossexuais etc. Tudo dentro de um contexto de acentuada crise econômica que minava expectativas positivas sobre o futuro se nada fosse feito.

         Em que pese a existência de uma organização formal, o método de ação destes grupos na maioria das vezes era espontaneísta e pulverizado: respondendo a algum estímulo, alvoroçavam-se contra artistas, intelectuais, sindicatos (e sindicalistas), partidos políticos (e militantes), jornais (e jornalistas) ou qualquer coisa que julgavam ser uma ameaça à sua crença moral e política, usando da intimidação, humilhação pública e violência. A principal função era a de criar distúrbios, demonstrar força e silenciar os contrários. Cachorros loucos, cresceram exponencialmente nos anos de 1920 e 30, sob o estímulo de determinadas lideranças e, importante frisar, sob a cumplicidade silenciosa de outros atores políticos que viam neles oportunas ferramentas de ataque aos seus inimigos comuns. O que se sucedeu já é sabido.

     

    Do início do século XX ao início do século XXI

         Durante a campanha eleitoral de 20141, “haters” já estavam nas ruas e não foram raros os relatos de agressões verbais e físicas. Expressões de determinada posição política eram rechaçadas com violência. Tornou-se tenso sair à rua com camiseta ou boné de determinado partido político ou movimento social; pior, tornou-se tenso até mesmo trajar uma cor, o vermelho. Um clima de insegurança e amedrontamento já estava instaurado, e aquele conselho que jamais se esperaria ouvir numa democracia lhe era dado por pessoas que queriam o seu bem: “não se vista assim, não use esse broche, não fale isso… cuidado”.

         Alguns entenderam esse fenômeno como consequência da polarização política expressa naquela eleição, mas isso por si só não é suficiente. Não foi a primeira eleição polarizada na história recente do país, tampouco o primeiro embate acirrado entre aqueles dois partidos (PTxPSDB). A polarização, portanto, não era inédita: mas o clima de agressividade, violência e amedrontamento derivado de um posicionamento político, sim.

         Terminada a eleição, derrotado nas urnas o candidato de oposição (PSDB), o arrefecimento previsível derivado da ausência da disputa eleitoral não se deu. O discurso de ódio continuava sendo propagado abertamente por comentaristas políticos em grandes veículos de comunicação. A teia de boataria, já amplamente utilizada no período eleitoral, ampliava-se em redes sociais e meios eletrônicos de comunicação (vale lembrar que o boato tampouco é novidade na disputa política). Organizações novas, percebendo a potencialidade da arena política virtual, fortaleceram-se e protagonizaram as maiores manifestações de rua da história recente do país exigindo o “impeachment” da presidenta recém-eleita.

         O processo de “impeachment”, entre aspas por ter sido um golpe parlamentar, não é o objeto deste artigo, e por isso não se fará uma análise mais detalhada dos movimentos das forças políticas que o promoveram. Entretanto, cabe ressaltar três coisas: 1) A existência crescente dos “haters” na arena política (tanto virtual quanto material); 2) O fomento ao seu crescimento por novos agrupamentos políticos (MBL, Vem pra rua e afins), e 3) A cumplicidade de agentes políticos tradicionais que buscavam instrumentalizá-los para o alcance de seus objetivos estratégicos (o impeachment e a aniquilação de qualquer organização entendida como de “esquerda”).

     

    A moral, os bons costumes e os esquerdistas

         Passado o processo de “impeachment” e assumindo o presidente Michel Temer, a fachada farsesca da bandeira do “combate à corrupção” ruiu pela dureza dos fatos concretos que se sucederam, explicitando o real caráter das grandes manifestações pelo processo de impeachment, a saber, um “anti-petismo” e um inconformismo com a derrota eleitoral. Se não era mais plausível trabalhar somente na caracterização da esquerda como corrupta, como operado no processo pré-impeachment, o discurso mobilizador de ódio deu mais peso às chamadas pautas “morais”: ameaça à família, à educação, à infância e juventude, a Deus, etc.

         Assim, resgatou-se o velho discurso da esquerda como corruptora da “sociedade” e de seus “valores” pétreos. A luta do movimento feminista de denúncia da condição subalterna da mulher na nossa sociedade é tachada como sendo “histérica” (adjetivo mais do que sintomático); a luta do movimento LGBT de denúncia da violência que sofre e por igualdade de direitos é tachada como sendo a de “busca por privilégios e destruidora da família tradicional”; a luta pelo ensino de valores mínimos como tolerância, respeito e convivência é alardeada como “doutrinação” (e até a educação sexual como sendo “sexualização precoce”); artistas e suas obras tornam-se “degenerados”, a denúncia de discurso de ódio de certos segmentos religiosos evangélicos viram “cristofobia” e a luta pela defesa dos Direitos Humanos é encarada como sendo a de proteção do bandido em detrimento do “cidadão de bem”. A estas inversões, permanece e amplia-se o recorrente discurso de tratar os movimentos sociais populares como organizações oportunistas e compostas por “vagabundos” e “criminosos”.

         Propositalmente, todas estas pautas são agrupadas ideologicamente como sendo oriundas dos “esquerdistas”, termo genérico e pejorativo que denota aqueles cujas reivindicações são tomadas como destruidoras dos valores morais vigentes e, ainda, uma ameaça à mítica unidade nacional: não à toa, o velho recurso do embate entre o “verde e amarelo”, cores da Bandeira Nacional, e o “vermelho”, cor de alguns partidos e movimentos sociais, é estimulado. Assim, o elemento ideológico do “nacionalismo” é ativado, ainda que farsescamente. Mas, novamente, nenhuma novidade: todo nacionalismo tem por base o farsesco, e eleger determinado grupo como o grande inimigo da nação também não é de hoje. Entretanto, é justamente nesta falta de novidade que mora o perigo desses novos agentes políticos que são os haters do início do século XXI.

     

    Dos métodos

         Retomando o início deste texto, a dimensão virtual já é parte constitutiva da vida social do indivíduo contemporâneo, assim também como parte importante da atividade econômica de estabelecimentos comerciais e de informação. Feita a constatação, as perguntas: o que difere o linchamento em um perfil de rede social da execração em praça pública? Da intimidação virtual e consequente exclusão de um perfil da privação de liberdade e do medo de sair à rua? O massivo ataque calunioso a determinado estabelecimento de uma pichação de parede ofensiva ou quebra de vidraças? A “derrubada” de uma página on-line do empastelamento de um veículo de comunicação? O que há é a manifestação da mesma e conhecida tríade “perseguição, intimidação e violência”, só que agora na esfera pública virtual, inexistente no início do século XX porém ubíqua neste início de século XXI.

         Recentemente, porém, um evento foi emblemático: o encerramento precoce de uma exposição de arte devido às pressões destes grupos. No mês de setembro de 2017, o Santander Cultural de Porto Alegre encerrou um mês antes do previsto a exposição “Queermuseu – cartografia da diferença na arte brasileira” após pressão de grupos religiosos e do movimento MBL, sob infundadas (e absurdas) alegações de estímulo à pedofilia e à zoofilia que circularam pela internet. O recuo do Santander Cultural, encerrando a exposição e emitindo ainda uma nota bastante condenscendente com os inverídicos argumentos dos ataques sofridos, foi uma infeliz sinalização. Estes grupos conseguiram um resultado concreto: forçaram uma instituição cultural a se auto-censurar. O Rubicão2 fora atravessado.

         Protestos semelhantes ocorreram após o alardeamento de um factóide envolvendo uma performance no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP), culminando com um ato em frente à instituição com ameaças de ocupação e resultando na agressão física a uma funcionária. Mais recentemente, a perseguição foi contra a filósofa americana Judith Butler, com movimentações que visavam inviabilizar as conferências que faria no país.

         Outro caso que merece destaque foi a demissão de um jornalista pela Folha de S.Paulo (um dos maiores e mais importantes jornais do país) após uma onda de ataques sofrida por ele ter criticado o filme de Danilo Gentilli. Usando seu perfil do twitter, com quase 16 milhões de seguidores, Gentilli replicou a crítica negativa com os dizeres: “para enquadrar”. O termo em si já reflete o arbítrio e a violência. Segundo levantamento parcial realizado pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), mais da metade das denúncias feitas por jornalistas e recebidas formalmente pela entidade no ano de 2017 relatam ameaças vindas do MBL3.

         Não se aprofundando sobre as diversas e cada vez mais recorrentes manifestações similares, o que vale salientar é justamente a constatação do método: não se trata de criticar, expor a diferença e/ou o posicionamento contrário a algo (ainda que derivados de falta de informação, mentiras ou crenças religiosas particulares), posturas necessárias e que cabem num regime democrático. O que se dá nessas ações, por suas vez, é a tentativa de silenciamento do contrário mediante a perseguição, intimidação e violência. E isso não cabe numa democracia e nem pode ser tolerado.

         São essas manifestações que dão sustentação a projetos de lei que avançam nas diversas esferas legislativas. Movidos por identificação com as reivindicações ou por mero oportunismo eleitoral, parlamentares apresentam (ou aprovam) propostas cujo espírito antidemocrático e mesmo antirrepublicano são explícitos. Como exemplo maior, o “Escola sem partido”, projeto de patrulhamento ideológico e de imposição de temário específico no escopo da Educação: sob o discurso do combate à suposta doutrinação nas escolas, implementa-se a censura e o controle ideológico de conteúdo.

         As enormes labaredas consumindo uma pilha de livros considerados “degenerados” e “subversivos”, em cerimônias realizadas na Alemanha nazista em 19334, tornaram-se prenúncio dos tempos que viriam. Ainda em 1823, século XIX, o poeta alemão Heirinch Heine escrevera: “onde se queimam livros, acaba-se por queimar pessoas no final”5. Heine era judeu.

         No ato do dia 07/11 em frente ao SESC Pompeia, em São Paulo, um boneco representando a filósofa Judith Butler fantasiada de bruxa foi queimado pelos que queriam impedir a realização da sua conferência no local. Para além desse emblemático gesto, a instituição recebeu forte pressão destes grupos – e de políticos ameaçando corte de repasse de verbas – para que sua palestra fosse cancelada. A instituição SESC, diferentemente do Santander Cultural, não cedeu e o evento ocorreu. A filósofa iniciou sua conferência agradecendo a posição do SESC.

     

    Considerações finais

         Em que pese as diferenças, as semelhanças já são assustadoramente grandes para compreender a motivação e a ação desses grupos de haters em analogia as dos grupos paramilitares fascistas do início do século XX. Esta caracterização se faz importante por dois motivos: 1) identificar o fenômeno em sua dimensão política e, consequentemente, 2) combater o fenômeno em sua dimensão política.

         Há de se perder, de uma vez por todas, um certo olhar complacente para com eles motivado muitas vezes pelo caráter exdrúxulo, caricatural e profundamente ignorante de algumas de suas lideranças e, em maior escala, de seus membros. Não há mais espaço para riso quando alguém difunde um vídeo “comprovando” o projeto de dominação comunista ao confundir uma alegoria com a bandeira brasileira e a japonesa dentro do Congresso Nacional, tampouco desdenhar por ser absurdo quando propagam que há uma conspiração internacional em marcha para destruir os valores “basilares” da sociedade, incluindo a “família” e a “natureza humana”, com participação ativa da Unicef. A História já demonstrou que não é por ser insano que um argumento deixa de conquistar corações e mentes na política.

         Outra medida urgente é denunciar e combater a postura de muitos políticos tradicionais que flertam com estes grupos movidos por oportunismo político e eleitoral, vendo neles alguma utilidade particular ao seu projeto pessoal. A estes, somam-se aqueles que, se não flertam abertamente, silenciam-se frente às suas práticas e ações pelos mesmos motivos. Novamente a História já demonstrou o peso da omissão em determinadas conjunturas. O que está em jogo aqui não é o resultado da partida, mas as suas próprias regras. E por isso que cabe também uma cobrança sistemática dos grandes veículos de comunicação para não terem postura que possa parecer cúmplice. Vale lembrar como agravante que hoje a segunda maior emissora de televisão do país já é de um agrupamento evangélico com claro projeto político.

         Às possíveis críticas que este texto possa receber apontando um superdimensionamento do tamanho e influência destes grupos, ou mesmo o quanto de atenção dada a eles só os fazem aumentar, há uma resposta prática: dada a potencialidade destrutiva deste fenômeno, superdimensioná-lo em seu combate é antes de tudo necessária prudência política, talvez mesmo urgência histórica. E sobre o ponto da atenção e consequente propaganda a eles, há de reiterar o quanto a omissão historicamente já se demonstrou potencializadora de barbáries. Vale lembrar, retomando a analogia aqui colocada entre os “haters” e os grupos paramilitares fascistas do início do século XX, que estes últimos também eram minoritários no conjunto da sociedade e, no princípio, tratados com desdém dado a seu caráter folclórico e “descolado da realidade”6.

         Cabe ainda uma reflexão que merece um aprofundamento posterior, mas que já deve ser lançada. As então novas tecnologias de comunicação foram intensamente utilizadas pelos grupos nazi-fascistas do início do século XX. Cabe perguntar-se até mesmo se sem a existência do rádio e do audiovisual, poderiam estes movimentos crescerem e se tornarem regimes políticos. Assim, a pergunta provocativa: será que a consolidação desta nossa nova tecnologia neste início de século XXI, a internet, também não pode passar a ser a possibilitadora de um neomovimento fascista e a consequência de um neoregime fascista? Reparem: o prefixo neo está nas palavras “movimento” e “regime”, e não no adjetivo “fascista”. Ou seja, o “novo” está na forma, e não na caracterização.

         Por fim, cabe trazer a etimologia da palavra “virtual”. A palavra deriva do radical latino “virtus”, que significa “força” ou “potência”. Assim, uma acepção de virtual é aquela que toma alguma coisa como detentora de força ou que carrega em si a potência de existir. “Virtual”, portanto, não é sinônimo de “irreal”, “inexistente”: virtual é aquilo que carrega em si a possibilidade/potencialidade de se tornar real ou até mesmo a de se equivaler ao real. Enxergar o “virtual” como “irreal” é um perigoso equívoco metodológico que pode levar a análises e diagnósticos, estes sim, completamente descolados da realidade. É com esse entendimento da palavra que deriva a compreensão dos haters como sendo os grupos paramilitares virtuais do início do século XXI.

         A História, em sua dinâmica, é permeada de fenômenos “neovelhos”. Antes de serem uma contradição, são resultados das condições históricas de cada período (sociais, econômicas, culturais e tecnológicas). Dada a experiência vivida pelos regimes totalitários de meados do século XX, e sua magnitude destruidora e trágica, cabe como dever histórico de qualquer humanista a luta para que a História não se repita, nem mesmo como farsa.

    * Rodolfo Vianna, 32, é jornalista, doutor em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem. Filiado ao PSOL, é assessor de comunicação da Fundação Lauro Campos.

    1Ainda em 2013, dentro do que ficou conhecido como “jornadas de junho”, ao menos na cidade de São Paulo já havia a presença desta turba intimidatória contra militantes de determinados partidos ou ideologias. No ato comemorativo à redução da tarifa de ônibus (bandeira que deflagrou as manifestações), em 20/06/13, militantes identificados como de esquerda foram agredidos física e verbalmente por outros manifestantes “apartidários”.

    2Durante a antiga República Romana, havia uma lei promulgada pelo Senado que proibia a qualquer general que atravessasse o rio Rubicão (ao noroeste de Roma) com suas tropas, justamente para evitar qualquer ameaça à República por meio do uso da força militar. Júlio César atravessou o Rubicão em 49 a.C., desencadeando uma guerra civil e, posteriormente, a instauração do Império Romano. César teria dito, neste momento, outra famosa expressão: “alea jacta est” ou “a sorte está lançada”. A expressão “atravessar o Rubicão”, portanto, passou a significar a realização de um passo ousado e com grandes consequências, sem retorno.

    4Em 6 de abril de 1933, a Associação Nazista Estudantil Alemã divulgou nacionalmente um “Ato contra o Espírito Não Germânico”, o qual culminou em uma “ “depuração“ ou “limpeza” literária pelo fogo. Em um ato simbólico de envergadura profética, em 10 de maio de 1933 os estudantes universitários atearam fogo em mais de 25.000 livros por eles considerados “não alemães”, pressagiando uma era de censura política e de controle cultural nazista sobre toda a população. Naquela noite, estudantes em trinta e quatro cidades universitárias na Alemanha marcharam à luz de tochas em desfiles organizados para protestar “contra o espírito não alemão”. Muitos faziam parte das SA hitleristas. (fonte: Museu do Holocausto de Washington https://www.ushmm.org/wlc/ptbr/article.php?ModuleId=10007978)

    5dort wo man Bücher verbrennt, verbrennt man auch am Ende Menschen” (No livro Tragödien: nebst einem lyrischen Intermezzo – Tragédias: além de um intermezzo lírico – 1823).

    6Em 1923, Hitler tenta um mal fadado golpe para tomar o poder na Baviera. É preso. Em 10 anos, assume o poder pela via democrática.

  • Lançamento “Centelhas” e debate com Michel Löwy

    Lançamento “Centelhas” e debate com Michel Löwy

    A Boitempo e a Fundação Lauro Campos convidam para o debate de lançamento do livro CENTELHAS: Marxismo e revolução no século XXI, de Michael Löwy e Daniel Bensaïd (Boitempo, 2017).

    O debate contará com a participação de Michael Löwy, de José Correa (organizador do livro) e de Michele Vieira (presidente municipal do PSOL). Entrada gratuita.

     

     

     

  • O dia depois do referendo curdo no Iraque

    O dia depois do referendo curdo no Iraque

    por Thomas Cantaloube *

    Contra todo prognóstico, ou melhor contra todos, os curdos iraquianos levaram a cabo sua consulta na segunda-feira, 25 de setembro de 2017.. Não é um referendo sobre a independência em si, mas um referendo sobre a perspectiva da independência, o que não é exatamente o mesmo, ainda que o matiz não seja suficiente para apaziguar os vizinhos de um hipotético Curdistão futuro.

    Se bem que os resultados não se conhecem ainda quando se escreve este artigo (na noite da terça-feira, 26), não há muitas dúvidas. Segundo estimativas oficiais, 72% dos eleitores registrados compareceram às urnas, o que sem representar uma participação massiva, demonstra o apoio de uma grande maioria dos curdos iraquianos aos projetos de independência encabeçados pelo presidente do Governo regional Massoud Barzani e seu partido, o PDK. É significativo que no feudo de seus oponentes o grande partido rival, o PUK, ao redor da cidade de Sulamaniyah, a participação foi muito mais baixa, geralmente abaixo dos 50%.

    Entretanto, ninguém considera que a resposta à pergunta “Deseja que a região do Curdistão e das zonas curdas fora da região se convertam em um país independente?” possa ser negativa. Porque para muitos curdos, “o maior povo sem estado”, como se costuma dizer, esta votação poderia ter uma ressonância histórica.

    O primeiro-ministro da região, Nechirvan Barzani (sobrinho de Massoud), entretanto, esforçou-se por assegurar a todos os que veem a perspectiva da independência com receio que “o referendo não significa que a independência seja para amanhã ou se vão modificar as fronteiras. Se o voto é afirmativo, vamos resolver nossos problemas com Bagdá em paz”. Os países vizinhos e as grandes potências temem principalmente duas coisas de um desmantelamento do Império Otomano há um século (que todo o mundo está de acordo em que são inadequadas).

    Até o dia da votação, os principais aliados do Curdistão Iraquiano (Estados Unidos sobretudo, mas também a UE) e os países vizinhos, cada um com uma grande população curda, solicitaram a anulação ou o adiamento da consulta. Uma pequena parte dos próprios curdos também defendeu a consigna “Não agora”, para enfatizar que era inútil e precipitada. Mas Massoud Barzani negou-se a suspendê-la, pelo que se abriu um período incerto para o Curdistão e por toda a região, onde as fronteiras e os conflitos no Iraque, Irã, Síria e Turquia cruzam-se como placas tectônicas.

    Para realçar seu descontentamento, o Irã suspendeu seus voos aéreos entre Teerã e o Curdistão, fechando sua fronteira, a pedidos de Bagdá. Na escala das sanções esta é a decisão mais dura. O Parlamento iraquiano, por sua vez, votou uma resolução pedindo para o governo enviar o exército às zonas controladas pelos curdos (ou seja, principalmente à disputada região petroleira de Kirkuk) e recuperar o controle dos postos fronteiriços atualmente em mãos curdas. Em teoria, a Constituição iraquiana requer que o primeiro-ministro cumpra com este mandato parlamentar, mas se faz isso, equivalerá a uma declaração de guerra (civil). Para não falar que o exército iraquiano está ainda ocupado na luta contra os restos do Estado Islâmico.

    No lado turco, o presidente Recep Tayyip Erdogan tampouco encarou bem a consulta. Depois de dar a entender que “nossas tropas bem poderiam chegar durante a noite (ao Curdistão)”, fustigou o ministro da Fazenda do governo regional do Curdistão iraquiano, literalmente, esfregando as mãos: “Ainda veremos através de que canais e onde vão vender seu petróleo. As válvulas são nossas. Se as fechamos, acabou-se…”. Sabendo que o petróleo e o gás são o principal recurso do Curdistão, que exporta cerca de 90% de sua produção (600.000 bpd) através da Turquia, a ameaça de cortar o fluxo é grave. Sobretudo porque estas exportações são parcialmente ilegais (as rendas deveriam ir para a Fazenda federal iraquiana), e também porque provêm da região de Kirkuk, que não pertence oficialmente ao governo regional curdo.

    Entretanto, esta ameaça da Turquia não pode ser considerada definitiva. Ancara não só se beneficia economicamente destas exportações, mas que pode fazê-lo ainda mais, graças a um contrato assinado entre o Curdistão e a empresa russa Rosnef para construir um gasoduto através da Turquia para levar o ‘gás curdo’ a Europa. “As advertências de Erdogan são antes de tudo uma forma de marcar seu território, em particular em relação a sua própria população curda, para mostrar que não é preciso pedir demasiado e menos rapidamente a independente”, disse sob condição de anonimato um diplomata europeu em relação com os curdos. “Entretanto, no fundo, Erdogan tem boas relações com o Curdistão iraquiano”.

    O conflito com Bagdá é mais difícil de resolver, porque incubou-se durante muito mais tempo. Muitos observadores pensaram nos últimos meses que a convocatória do referendo sobre a independência buscava melhorar a correlação de forças curda mas complicadas negociações com o governo central (sobre os temas orçamentários, pagamento dos funcionários públicos, o estatuto de Kirkuk, etc). Mas como Bagdá não fez nenhuma concessão, a consulta teve lugar finalmente, o que agrava as tensões de ambos os lados. Isso não quer dizer que não tenha nada que negociar.

    “Massoud Barzani conseguiu seu objetivo: situar o Curdistão iraquiano no caminho da independência e assegurar o prestígio subsequente, observa o diplomático consultado. Mas não tem interesse em que seu país seja assediado e sangrado financeiramente, como ameaçam seus vizinhos nas próximas semanas e meses. Será necessário negociar com Bagdá e dar garantias a seus vizinhos”. O primeiro passo, já anunciado há muito tempo, é não declarar a independência de imediato ou inclusive rapidamente. O Governo Regional do Curdistão não tem nenhum interesse de anunciar uma data, mais ou menos distante e difusa, em vários anos.

    Barzani quer buscar um compromisso com Bagdá. Com a promessa de não voar por sua conta imediatamente, retomando as conversas de verdade sobre Kirkuk (Curdistão ou não?), as rendas da venda de petróleo ou o papel dos peshmerga (a milícia curda), Barzani poderia obter importantes concessões por parte do governo central iraquiano. Este último, que ainda está se recuperando da desestabilização e da guerra provocada pelo Estado Islâmico não quer abrir uma nova frente nem fomentar novas divisões complicadas num país que está unido com alfinetes.

    Um acordo com Bagdá permitiria a Barzani demonstrar que não pode ser marginalizado e que sua decisão de convocar a consulta foi correta. Porque além das questões geopolíticas ligadas ao escrutínio de 25 de setembro, sua dimensão política interna não é insignificante. A família Barzani está acusada de corrupção e nepotismo, e o prestígio associado com o êxito do referendo traz a possibilidade de que permaneça no poder. Especialmente porque em 1 de novembro, haverá eleições parlamentares e presidenciais na região do Curdistão (que foram adiadas vários anos).

    Se Barzani não joga o apaziguamento com Bagdá e seus vizinhos daqui até lá e as coisas se complicam, corre o risco de perder as eleições. Se, pelo contrário, mostra que a perspectiva de um Curdistão independente, por remota que seja, é aceita, é provável que seja o vencedor ou inclusive que possa voltar a adiá-las sem demasiado dano…

     * Thomas Cantaloube é jornalista especializado em temas de Oriente Médio da Medyapart.

    Fuente: Medyapart, 27 de setembro 2017 (Traduzido para o português por Charles Rosa, do Observatório Internacional da FLC)

  • Um país um pouco mais tranquilo

    Um país um pouco mais tranquilo

    por Francisco Louçã *

     

       Teve razão Jerónimo de Sousa quando, no domingo de manhã, sugeriu cuidado com as leituras nacionais das autárquicas. Se as eleições, todas, medem as temperaturas e as relações de forças, cada uma fá-lo na medida das suas particularidades: nas autarquias, medem-se poderes e forças locais, que importam aos cidadãos, aos partidos e ao futuro imediato. Oito notas então sobre essas temperaturas.

      Primeiro, abstenção reduzida, bom sinal, mas ainda demasiada e sempre muitas lágrimas de crocodilo. Ora, nem os cadernos eleitorais estão actualizados, e portanto sobrevalorizam a abstenção, nem o sistema político tem sabido criar a confiança e mobilização que a democracia exige.

       Segundo, derrota de alguns candidatos populistas (Valentim, Narciso), mas vitória de Isaltino. Aqui, tudo como se esperava. A experiência de extrema-direita do PSD em Loures termina em fiasco, como antecipei, além de que a queda do PSD a nível nacional arrasta todas as suas candidaturas – ou seja, ainda vamos ter mais ensaios André Ventura no futuro, pois a direita radicaliza-se na exasperação.

       Terceiro, o PSD afunda-se e o PS ganha. Em Lisboa e Porto o PSD ronda os 10%, enquanto o PS reforça a sua maioria autárquica. Para Passos Coelho é um desafio difícil, foi ele quem escolheu os candidatos e quem pensou que comoveria o país arrastando o seu despeito por ter sido derrotado.

       Quarto, Moreira ganha no Porto, apesar de prejudicado pela sua pose sobranceira. Fica um problema: as duas sondagens sucessivas da Universidade Católica estavam completamente fora da margem de erro e, sendo um estímulo óbvio à campanha do PS, ficam sob suspeita. Lembro-me de casos parecidos, nenhum tão grotesco.

       Quinto, o CDS ganha ao PSD em Lisboa e era isso que importava a Assunção Cristas. Assim, ajuda-se a si própria e ajuda o centro e a esquerda: ficou queimado o barco da coligação das direitas em 2019.

       Sexto, o PCP segura a sua presença autárquica com maioria em regiões importantes. Era importante para confirmar a sua orientação e para o seu trabalho de implantação.

       Sétimo, o Bloco sobe em todo o país, ganha onde mais precisava de ganhar, elegendo mais vereadores em Lisboa e outras cidades onde passa a ser determinante para as escolhas locais. De notar que em Lisboa arriscou-se com um candidato pouco conhecido mas que se mostrou seguro e mobilizador. Se há uma lição para o partido, é que se reforça ampliando-se e renovando-se.

       Oitavo, agora a vida muda em muitas câmaras. Medina tem de se entender com a esquerda, mesmo ganhando confortavelmente, e a negociação vai ser difícil. O PCP deverá fazer alianças à esquerda em várias câmaras. E o Bloco tem de organizar um trabalho sistemático no poder local, porque a partir de agora disputará a maioria em várias câmaras. Se, no conjunto, a confluência maioritária PS-BE-PCP fica reforçada perante a derrota da direita, também é certo que vai ter muito trabalho, que exige muita negociação e criará tensão. É a vida, como dizia um antigo primeiro-ministro, e ainda bem.

     * Franciso Louçã é economista e político português

     

    (Texto originalmente publicado em https://www.publico.pt/2017/10/02/politica/opiniao/um-pais-um-pouco-mais-tranquilo-1787332)

  • Festival “Outros Outubros Virão”

    Festival “Outros Outubros Virão”

    Dia 07 de novembro será o centenário da revolução russa. Foi um monumental evento na história dos povos, quando mulheres e homens resolveram tomar a história em suas mãos e se tornarem donas e donos de seu futuro. Marco decisivo na história da luta de classes, foi a primeira vez que a revolução socialista foi vitoriosa, tomando os céus de assalto. É exemplo e inspiração para todos que lutam pelo socialismo e pela liberdade.

    A Fundação Lauro Campos e parceiros vão realizar um festival para celebrar o centenário da revolução russa. Revolução, arte e celebração são momentos de um mesmo projeto de sociedade.

    Será um dia de atividades diversas, com bate papo, apresentação de teatro, exibição de filmes, lançamento de livros, oficinas, cursos diversos e um sarau de encerramento, além de uma exposição de cartazes e fotos e feira de livros.

    Vamos ocupar o espaço da casa com as ideias de Lenin, Trotsky e dos bolcheviques, como eles fizeram nos soviets, e festejar a revolução. Outros Outubros virão!

     

  • Em defesa da autodeterminação da Catalunha

    Em defesa da autodeterminação da Catalunha

        por Juliano Medeiros*

     

        Apesar de parecer um palavrão, o conceito de “autodeterminação” não tem nada de complicado. Basicamente representa o direito de um povo de definir livremente o estatuto político no qual quer viver. Apesar de simples, a ideia sempre assustou o status quo. Basta lembrar das lutas de descolonização na África, da guerra dos Balcãs, da histórica luta de irlandeses, escoceses, curdos, palestinos, bascos, sarahuís… Isso para não mencionar as lutas de libertação na América nos séculos XVIII e XIX. Quem detém o controle sobre um território ou população raramente aceita pacificamente a autodeterminação como um direito.

     

        No próximo dia 1º de outubro a Europa viverá mais um episódio do conflito pela autodeterminação de uma nacionalidade. Os catalães e as catalãs irão às urnas para uma definição histórica: manter a região integrada ao reino da Espanha ou declarar sua independência. O referendo convocado para este domingo só foi possível graças à formação de um governo francamente pró-independência nas eleições de setembro de 2015. Juntos, os partidos independentistas reunidos na coalização “Juntos pelo Sim” firmaram o compromisso de convocar um plebiscito e submeter à soberania popular a decisão de tornar a Catalunha uma nação independente.

     

        A situação é inédita para a União Europeia. Em comunicado, o organismo pediu que a Catalunha respeitasse a decisão do Tribunal Constitucional da Espanha que decretou a ilegalidade do plebiscito e advertiu que só reconhecerá o resultado de qualquer consulta se ela for feita dentro da “legalidade”. O problema, porém, é que os tribunais não são imparciais.

     

        Por sua vez, a Generalitat (governo autônomo da Catalunha) já tem definido o mecanismo para viabilizar a separação imediata da Catalunha do restante da Espanha caso o governo conservador de Mariano Rajoy consiga impedir a realização do plebiscito sobre a independência. Segundo o jornal El País a chamada “Lei de Transição Jurídica”, conhecida como lei da ruptura pretende funcionar como uma constituição provisória catalã pelo prazo de dois meses, até que o parlamento regional promova um processo constituinte que desembocaria na República Parlamentar da Catalunha.

     

        A tensão aumentou nos últimos dias, com gigantescos protestos a favor e contra a separação da Catalunha. Em Barcelona e outras cidades os partidos e movimentos independentistas ampliaram o apoio popular ao referendo. Na Espanha, por sua vez, começaram a surgir protestos contrários à divisão, em geral promovidos por forças nacionalistas conservadoras.

     

        A polícia catalã, por sua vez, informou que não cumprirá a determinação da Fiscalía (equivalente ao Ministério Público) para reprimir o referendo no próximo domingo. Como reação, o governo espanhol enviou milhares de soldados da Guarda Civil e da Polícia Nacional, o que tende a aumentar a tensão. Na semana passada a mesma Guarda Civil prendeu Josep Maria Jové, considerado o braço direito do vice-presidente da Catalunha, o independentista Oriol Junqueras. Além dele outras 14 lideranças independentistas também foram detidas em represália do governo de Madri ao referendo.

     

        Para escapar das medidas repressivas do governo espanhol, a “Sindicatura Electoral”, uma espécie de Comissão Eleitoral temporária estabelecida apenas para o plebiscito, teve de se autodissolver para evitar represálias por parte das autoridades de Madri.

     

        As pesquisas demonstram que há uma importante divisão dentro da própria Catalunha. Embora o movimento pela independência demonstre muita força em atos de rua e nas declarações das lideranças políticas catalãs, a verdade é que diversas pesquisas demonstram que o tema divide opiniões. Mais uma razão pela qual a consulta se torna tão relevante: demonstrar se o sentimento pró-independência é tão majoritário quanto parece.

     

        No entanto, o governo conservador de Rajoy já afirmou que não aceitará o resultado e lutará com todas as armas a seu alcance – o que pressupõe a violência – para manter a Catalunha subordinada à Espanha. Assim como ocorreu recentemente na Escócia, não cabe outra posição à esquerda que não o apoio incondicional à autodeterminação do povo catalão, qualquer que seja sua decisão. Viva a Catalunha! Viva a decisão soberana de seu povo!

     

    * Presidente da Fundação Lauro Campos e membro da Executiva Nacional do PSOL, esteve na Catalunha em julho de 2017.