Categoria: Notícias

  • 20 reflexões sobre a “Carne é fraca”

    20 reflexões sobre a “Carne é fraca”

    Por Gilberto Maringoni *

    1. A espetacular ação do Ministério Público e da Polícia Federal contra alguns frigoríficos instaurou uma polêmica nas redes: qual a extensão do problema e que tipo de punição aplicar às empresas e seus controladores?

    2. A primeira questão é decisiva, mas está quase fora da pauta. Não se sabe, estatisticamente, se os problemas demonstram que as carnes das gigantes do agronegócio configuram uma amostragem científica de que toda a produção está comprometida, ou não. A detecção de um problema em cidades do Paraná expressaria uma tendência da produção nacional?

    3. Sem responder a essa questão, tudo o mais fica comprometido como análise séria;

    4. No entanto, com o espetáculo midiático, outro tema entrou em tela: caso se comprovem as acusações de venda de produtos contaminados, quimicamente manipulados com substâncias nocivas à saúde ou corrupção de agentes públicos e privados, quais devem ser e contra quem devem incidir as sanções legais.

    5. Aqui surge uma falsa questão, no âmbito da esquerda. De um lado, há os que julgam imprescindível a penalização das empresas, por degradarem o meio ambiente, explorarem trabalhadores, cometerem crimes contra a população etc. etc.

    6. De outro, há os que – como eu – entendem que empresas não são entes dotados de vontade própria e que penalizá-las – com bloqueio de acesso a créditos oficiais, veto a compras governamentais, não emissão de certificados de qualidade, boicote aos produtos e tudo o mais – implica a quebra não apenas destas, mas de toda a cadeia do agronegócio, que vai do pequeno produtor, rede de fornecedores de insumos, equipamentos e tecnologia, indústria de grãos, milhares de empregos e, principalmente, tecnologia acumulada ao longo de décadas.

    7. Assim, punidos deveriam ser donos, acionistas, técnicos e responsáveis por essa sequência produtiva. Punidos com afastamento da direção dos negócios, multas, arresto de bens e prisão, de acordo com a legislação vigente. No limite, intervenção oficial ou estatização dos negócios.

    8. A defesa das empresas não significa a defesa das empresas tal como elas são, mas a defesa de conhecimento acumulado e nichos de mercado na e pela economia brasileira. Não vi, até agora, entre a esquerda, ninguém defendendo a salvação de uma incerta “burguesia brasileira” ou da “fraude nacional”, como, com evidente má-fé, alguns fizeram por aqui.

    9. Não se está tampouco defendendo uma “conciliação de classes”, a partir de um raciocínio plano.

    10. O que seria penalizar uma empresa? Seria destruí-la? Vender seus ativos a retalho? Detonar as marcas? Isso tem sido feito na cadeia da indústria naval e da construção civil, deixando donos e controladores – esses sim responsáveis por escândalos de corrupção – livres, leves e soltos. E essas fatias do mercado começam a ficar livres para serem ocupadas por conglomerados transnacionais.

    11. Os que dizem professar um marxismo puro logo alegam a desimportância do processo. Repetem bordões como “capital não tem pátria” e “isso seria uma agressão aos trabalhadores”. Cumpre lembrar que capital realmente não tem pátria, mas a sede da enorme maioria das corporações globais se situa no hemisfério Norte, para onde migram lucros, recolhimento de impostos e mais-valia acumulada no sul.

    12. Há evidentes diferenças entre empresas aqui sediadas e que reinvestem seu lucro aqui e as que remetem a maior parte dele para fora e só se expandem mediante créditos, desonerações e subsídios oficiais. Assim, não se trata de alardear que quem defende a não-destruição das empresas desposa a tese de que empresas nacionais exploram menos o trabalhador que sua congêneres globais.

    13. Denunciar os males do agronegócio, suas relações de trabalho e danos ambientais não é difícil. A maior parte de tais denúncias é verdadeira, e ninguém – entre a esquerda – parece desejar encobri-los. São relações encontradas em qualquer empresa capitalista. O que está em tela no caso Carne Fraca – me parece – não é a superação do capitalismo, mas a investigação de possíveis fraudes.

    14. Lamentavelmente, até onde sei – não li ainda os jornais de hoje – o socialismo não está na agenda imediata. Assim, qualquer solução colocada para as empresas estará inscrita no universo de uma economia de mercado, com os instrumentos que o Estado (burguês!) dispõe.

    15. Quebrar as empresas equivale a desnacionalizá-las. Nada garante que, por serem companhias de capital aberto, o processo de desnacionalização não aconteça com as mesmas nas mãos de seus atuais controladores, como elas estão. Os casos da TAM e da Ambev estão aí, frescos na memória de todos. Logo, manter as coisas como estão tampouco é solução.

    16. Se destruir empresas que incidiram em práticas corruptas fosse solução, Lockheed, Alstom, Siemens, Samsung, IBM, ITT, Volkswagen e tantas outras não mais estariam entre nós. Achar que JBS e outras expressam a corrupção inata do Brasil, existente desde a Carta de Caminha, é incidir na velha teoria das classes dominantes de que este seria um país inviável;

    17. A solução – repetindo – é punir exemplarmente proprietários, acionistas e responsáveis pela possível bandalha e preservar marcas, ativos, mercados e conhecimento acumulado. A carne brasileira não teria entrada em mais de uma centena de países – a maioria com duras regras de fiscalização fitossanitária – se alguma qualidade não tivesse.

    18. O mercado da carne é extremamente competitivo em termos globais. Perdê-lo seria um harakiri econômico de difícil reversão num país em crise. Trata-se da produção de commodities? Sim. Mas não é detonando a produção doméstica que se reverterá a primarização acelerada da economia brasileira.

    19. Por fim, alguns contrapõem a produção das empresas-gigante – nociva e podre – à de pequenos produtores – virtuosos e higiênicos. Além de ingênuo, o raciocínio não leva em conta o processo de extrema monopolização do setor, operado na última década. Pequenos e médios produtores fazem parte hoje – em sua maioria – da cadeia produtiva das grandes. Quebrariam todas juntas, como carreira de dominó. No caso dos “orgânicos”, sua produção, por falta de escala e fatores logísticos, não supre nem a médio prazo a demanda e têm preços inacessíveis para a grande massa da população.

    20.  No mais, defender empresas não tem nada a ver com defender burguesias nacionais, internas ou rurais.

    * Gilberto Maringoni é professor de Relações Internacionais da UFABC e diretor da Fundação Lauro Campos.

  • Entre a carne e o rio – onde a esquerda se perdeu?

    Entre a carne e o rio – onde a esquerda se perdeu?

    Por Isadora Salomão*

     

    Nessa semana dois fatos influenciaram a política brasileira: A operação da PF, denominada Carne Fraca, que denuncia empresas nacionais e órgãos do Governo Federal de adulteração de alimentos em troca de dinheiro, e a disputa de quem foi o pai da Transposição do Rio São Francisco, tendo Alckmin, Lula, Dilma e uma pá de figuras expoentes da nossa política – que se colocam à direita e à esquerda do espectro político – fazendo de tudo para convencer do parto da criança.

    Os desdobramentos dos fatos – e os posicionamentos de diversos setores e partidos sobre eles – mostram o que está em jogo e o que falta para a esquerda para tentar vencer a real disputa. Esse raciocínio pode ser explicado a partir de uma pergunta:

    O que tem a ver a “descoberta” das adulterações das carnes produzidas e vendidas no Brasil e a inauguração “popular” da obra de Transposição do Rio São Francisco, na Paraíba?

    Vamos por partes.

    O debate central do primeiro caso tem passado por denunciar uma pretensa estratégia de ataque à produção nacional e aos “interesses nacionais”, mas ignorando que essa defesa da nossa indústria traz consigo a defesa do agronegócio, dos oligopólios e, consequentemente, do que isso traz de concreto para a vida da maioria dos homens e mulheres do nosso país – principalmente as mulheres pretas e pobres, que, assim como no debate sobre as Reformas da Previdência e Trabalhista, são as primeiras impactadas por uma política que bloqueia o acesso a terra, impede os avanços relacionados à produção agroecológica, à agricultura familiar e reduz direitos já conquistados.

    Como já diziam as mulheres do MST, em sua jornada de lutas em 2016, essa é uma política que ignora que “no mercado de trabalho brasileiro existem várias desigualdades, a rotatividade, a intermitência do trabalho, a informalidade” (1). 

    Isso não nega a capacidade e intencionalidade real do imperialismo, tendo intensificado seu projeto de poder a partir do golpe, de, dentre outros objetivos, buscar aprofundar no Brasil a submissão aos EUA, a partir do enfraquecimento da indústria de carnes brasileira, segunda maior exportadora mundial do alimento. Pensar em revolução brasileira sem pensar na influência dos EUA em nossa economia também é um equivoco.

    No tocante à Transposição do Rio São Francisco, a contradição continua. A defesa que se ouve hoje, em tom de vitória popular, é expressa pela frase “O sertão vai virar mar”, atribuída à maior liderança da Guerra de Canudos, o pregador sertanejo Antônio Conselheiro, lida na grande obra literária “Os Sertões” (Euclides da Cunha) e musicada lindamente pela dupla Sá & Guarabira.

    Lembro que, há alguns anos, quando do início da obra de transposição, setores importantes da esquerda e parte das correntes petistas faziam uma análise crítica da transposição e se juntavam ao coro dos movimentos sociais ribeirinhos, quilombolas e indígenas, que denunciavam a obra como um projeto do e para o latifúndio, um caro projeto calça-curta, que não pretendia resolver o problema da seca no semiárido brasileiro, mas favorecer setores da economia local que passam ao largo da maioria de sua população pobre.

    Vale lembrar ainda que a greve de fome de Dom Luiz Cappio (Bispo do município de Barra/BA) e as declarações de artistas/ativistas como Letícia Sabatella e de organizações como a CNBB (Confederação Nacional de Bispos do Brasil) se somavam aos movimentos sociais contrários ao projeto e visibilizavam a luta, fazendo o contraponto direto com defensores mais fiéis e entusiastas da obra, Geddel e Ciro Gomes, ex-Ministros da Integração Nacional.

    O debate que se fortalecia á época nestes movimentos era o de fortalecimento da “Convivência com o Semiárido” com o aprimoramento de Tecnologias Sociais e o consequente protagonismo local nas soluções de acesso à água, criando, inclusive, programas governamentais “nunca dantes vistos na história de nosso país”, como o Programa Água para Todos, o Programa Cisternas e o Programa Cisternas nas Escolas (2).  Era o contraponto necessário à política que potencializava o polígono das secas e o controle dos “coronéis” da política e economia locais, que utilizavam da água como sua principal moeda de barganha eleitoral. Que faziam da vida de sertanejos e sertanejas um eterno esperar pelos carros-pipa redentores. Como dizia o D. José Rodrigues, bispo emérito da Diocese de Juazeiro-BA: “No Nordeste não falta água, falta justiça!”.

    Depois desse apontar de contradições, retomo a pergunta: O que tem a ver a “descoberta” das adulterações das carnes produzidas e vendidas no Brasil e a inauguração “popular” da obra de Transposição do Rio São Francisco, na Paraíba?

    O que me parece é que a esquerda esqueceu de que política se faz com o olhar em horizontes estratégicos. A festa que se dá hoje na Paraíba, nesse dia de “Reinauguração Popular” da Transposição do Rio São Francisco, é a mesma festa que comemora um “Lula 2018” pela quantidade de bandeiras vermelhas ou pelas pesquisas de intenção de voto. Mas também é a anti-festa (ou enterro) cujos atores e atrizes ignoram a vida do povo – aqui e agora – e até hoje não construíram uma alternativa de Programa Democrático e Popular para o Brasil, acreditando que a revolução socialista virá tão somente do seu umbigo vanguardista e revolucionário.

    Assim, a festa em questão, comemora apenas a incapacidade político-programática e reafirma a irrelevância e/ou perda dos ideais estratégicos que deveriam colocar a esquerda como alternativa política de transformação real nesse país. Tanto o Lulismo quanto o Esquerdismo se digladiam na superfície e não enxergam que é urgente a construção de um projeto verdadeiramente democrático e popular para o Brasil, numa perspectiva de realinhar nossos horizontes estratégicos aos ideais socialistas.

    Enxergo hoje, não obstante alguns esforços, que nenhum partido que se reivindica à esquerda no Brasil está à altura desse desafio, de sair da sua zona de conforto, mesmo com a conjuntura de ataques e desmontes aos direitos duramente conquistados nas últimas décadas pelos trabalhadores e trabalhadoras. Uns se consideram filhos e seguidores cegos de um Salvador pseudo-neodesenvolvimentista e jogam toda sua energia nas eleições de 2018 e outros se colocam como “La crème dela crème” comunista, herdeiros do pensamento e da prática das maiores lideranças de esquerda da Europa do Séc. XIX.

    Considero que o melhor caminho para a esquerda, talvez seja parar de festa e/ou dedo em riste e buscar requalificar seu papel estratégico. Isso passa por não precisarmos defender o indefensável para sobreviver politicamente. Só se faz isso com programa, povo e luta.

    Entre a carne e o rio, fico com as mulheres pretas e pobres, fico com a esperança trazida pela luta, fico com os ideais de uma sociedade sem explorados e exploradores, onde o futuro e a vida de mulheres e homens desse país valham mais que a paternidade de obras faraônicas e a imagem de empresas do agronegócio nacional que não nos representam. Que nosso futuro e o futuro da esquerda também valha mais que o ego dxs vanguardistas e esquerdistas de plantão.

     

    NOTAS:

    1. Fonte: http://www.reformapolitica.org.br/noticias/entrevistas/1596-em-jornada-de-lutas-mulheres-denunciam-impactos-do-agronegocio-no-campo.html.

    2. A autora participou, no estado da Bahia, da coordenação dos projetos Cisternas I e Cisternas II e do primeiro projeto piloto Cisternas nas Escolas, cujos resultados desembocaram na criação do Programa do Governo Federal homônimo.

     

    * A autora é liderança mulher negra e feminista do PSOL Salvador. É ainda arquiteta, urbanista e Mestranda de Desenvolvimento Territorial e Gestão Social pela Escola de Administração da UFBA, além de ser dirigente do Coletivo quatro de novembro. Ex-dirigente do DCE-UFBA fez parte da primeira composição da Superintendência de Políticas para as Mulheres do Estado, onde foi uma das responsáveis pela elaboração do 1º Plano Estadual de Políticas para as Mulheres. Hoje atua no fortalecimento de Organizações da Sociedade Civil, como consultora

  • Curso livre sobre agroecologia e ecossocialismo

    Curso livre sobre agroecologia e ecossocialismo

    Qual a importância da agroecologia dentro de uma metrópole como São Paulo? Como podemos repensar a relação campo-cidade dentro de um horizonte ecossocialista?

    É com enorme prazer que o Núcleo Ecossocialista do PSOL de São Paulo, com apoio de diversos mandatos parlamentares e da Fundação Lauro Campos, convidam a todos para um curso livre e gratuito sobre “Agroecologia e Ecossocialismo”, que buscará refletir coletivamente sobre essas e outras questões.

    Serão dois dias de programação com aulas sobre a questão agrária brasileira e sobre os desafios agroecológicos numa perspectiva anticapitalista. Além disso, participaremos de um mutirão numa horta urbana de São Paulo, com atividades práticas de cultivo da terra.

    O curso pretende criar um espaço de troca de saberes entre educadorxs, pesquisadorxs, comunicadorxs e ativistas, de dentro e de fora do PSOL. Esperamos que o encontro possa resultar em novas alianças e repertórios, capazes de fortalecer as atividades profissionais e militantes de cada umx. Por isso, valorizaremos muito os momentos de diálogo.

    O curso possui 40 vagas. Todos receberão um caderno de formação com textos selecionados pela organização. Confira a programação completa abaixo!

    Reserve logo seu lugar no link: https://goo.gl/forms/t8zwIV72YvHhwpRi1

     

    Quando: Dias 25 e 26 de março (sábado/domingo)

    Local: Fundação Lauro Campos (Alameda Barão de Limeira, 1400, Campos Elíseos, São Paulo-SP – prox. à estação Marechal Deodoro do metrô).

     

     

    CONFIRA A PROGRAMAÇÃO COMPLETA

    SÁBADO – 25/3

    9h – Apresentação do curso e boas-vindas

    9h30 – 12h – Mesa 1: Agroecologia e ecossocialismo

     

    CLOVIS OLIVEIRA. Doutor em Biologia na USP, Pesquisador do Instituto Botânico, militante da Articulação Paulista de Agroecologia e do Movimento Urbano de Agroecologia – MUDA,

     

    MAÍRA SILVA. Mestranda em Geociências na Unicamp e militante quilombola.

     

    DJALMA NERY. Fundador da ONG Veracidade, militante da permacultura e do PSOL São Carlos.

     

    BETO BANNWART. Setorial Ecossocialista do PSOL.

     

    MST

     

    14h – 16h30 – Mesa 2: Agrotóxicos e questão agrária brasileira

     

    SUSANA PRIZENDT. Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.

     

    PEDRO ABREU. Doutorando em Saúde Coletiva na Unicamp, pesquisa saúde do trabalhador rural.

     

    JOANA SALÉM. Doutoranda em História Econômica na USP, investiga a reforma agrária e o socialismo na América Latina e é militante do PSOL.

     

    DÉBORA UNGARETTI. Formada em Direito na USP com atuação em direito urbanístico e terras públicas urbanas.

     

    16h30 – Intervalo

    17h – Roda de elaboração de perguntas

    18h30 – Encerramento do dia

     

    DOMINGO – 26/3

    9h – Concentração no Metrô Vergueiro

    9h30 – 13h – Mutirão na Horta do Centro Cultural São Paulo

    14h30 – 17h – Apresentação do movimento MUDA-SP e roda de conversa sobre mobilizações em curso na cidade de São Paulo.

    Com coordenação de ANDRÉ BIAZOTI. Mestrando em Ecologia Aplicada na ESALQ-USP e militante do MUDA-SP.
    17h – 18h – Fechamento com roda de conversa e de encaminhamentos.

     

     

    (Fonte: Setorial Ecossocialista PSOL-SP)

  • Inauguração do Solar Cultural

    Inauguração do Solar Cultural

         A Fundação Lauro Campos dá início a mais um projeto neste ano de 2017. Batizado de “Solar Cultural”, a iniciativa visa transformar a sede nacional em um espaço aberto para iniciativas culturais que tragam reflexões sobre a produção artística e suas consequências no debate político.

        A primeira atividade já tem data marcada. No dia 07 de abril o Solar Cultural receberá o evento “Arte e política na música: das resistências, rimas e ritmos”. Combinando debate e apresentações musicais, já confirmaram presença Jeferson Oliveira (cientista social e mestre em Teoria da Música), Rubinho Lima (percussionista e especialista em samba e black music), Marcos Murillo (professor da Universidade Livre de Música Tom Jobim) e Aìla (cantora, compositora e “ARTivista”). O Clube do Choro de São Bernardo do Campo se apresentará também.

        Neste mesmo dia, será oficialmente lançado o Edital de Seleção de Obras para uma exposição de arte contemporânea. Outra iniciativa inédita da Fundação Lauro Campos, os artistas poderão se inscrever e participar da exposição prevista para ser montada no final do primeiro semestre de 2017. Além do registro da exposição, será feito um catálogo com as obras selecionadas e o oferecimento de premiação. Os detalhes serão apresentados no dia 07, data que marcará também a abertura das inscrições.

        Venha participar deste momento de reflexão e confraternização, construindo um evento interativo e criativo e estabelecer uma atmosfera de trocas e encontros.

     

     

    Conheça os participantes

     

       

       

     

    SERVIÇO:

    Inauguração do projeto Solar Cultural

    Arte e política na música: das resistências, rimas e ritmos

       Lançamento do Edital de Seleção de Obras para a exposição ARTE NA CRISE

    Quando: 07/04

    Local: Sede da Fundação Lauro Campos (Alameda Barão de Limeira, 1400, Campos Elíseos – São Paulo/SP)

    Horário: 19h00-22h00

    Entrada Franca

     

  • Curso sobre o pensamento econômico de Lauro Campos

    Curso sobre o pensamento econômico de Lauro Campos

        No dia 08 de abril será oferecido um curso introdutório sobre o pensamento do economista Lauro Campos, que ocorrerá na sede da Fundação na cidade de São Paulo.

        Ministrado pelos professores Carlos Lima (UnB) e Vinícius Lima (PUC-MG), o evento terá duração de 04 horas (14h00-18h00) e tratará da apresentação e abordagem das principais ideias e conceitos do economista a quem a Fundação deve seu nome. A partir das 19h00, haverá o coquetel de lançamento da reedição do livro “A crise da ideologia keynesiana”, publicado pela Boitempo Editorial em parceria com a FLC.

        O curso é gratuito e aberto a todos os interessados, havendo somente a necessidade de inscrição prévia (aqui). Serão oferecidas 25 vagas, preenchidas por ordem de inscrição. Haverá certificados para os participantes.

        Carlos Lima possui graduação em Economia pela Universidade de Brasília, mestrado em Análise Regional e Remanejamento do Espaço – Université Paris 1 (Panthéon-Sorbonne) e doutorado em Política e Programação do Desenvolvimento – Université Paris 1 (Panthéon-Sorbonne). Atualmente é professor da Universidade de Brasília. Tem experiência na área de Economia, com ênfase em Crítica à Economia Política, atuando principalmente nos seguintes temas: Trabalho, Estado e crises.

        Vinícus Lima possui graduação em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, mestrado em Direito Econômico pela Universidade Federal de Minas Gerais  e doutorado em Direito do Trabalho pela Universidade Federal de Minas Gerais. Atualmente é professor  da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Tem experiência magisterial na área de Direito, com ênfase atual em Teoria do Estado e Direito Processual do trabalho.

        Evento: Curso introdutório ao pensamento econômico de Lauro Campos

        Quando: 08/04 – 14h00 às 18h00.

        Coquetel de lançamento do livro “A crise da ideologia keynesiana” a partir das 19h00.

        Local: Fundação Lauro Campos – Alameda Barão de Limeira, 1400, Campos Elíseos, São Paulo-SP.

        Curso gratuito, necessidade de inscrição prévia. Haverá certificados.

     

     

     

  • Leia a obra “Libertando a Vida – a Revolução das Mulheres”

    Leia a obra “Libertando a Vida – a Revolução das Mulheres”

    A página da Fundação Lauro Campos disponibiliza a íntegra da obra “Libertando a Vida – a Revolução das Mulheres”, escrita por Abdullah Öcalan.

    Com uma tradução para o português especialmente realizada para a Fundação, o livro traz o relato da lutas das mulheres curdas pela independência e reconhecimento de seu território.

    A edição impressa contou com lançamentos e debates em diversas cidades brasileiras, e agora apresentamos a versão digital para que mais pessoas possam ter acesso.

    Confira aqui e boa leitura!

     

     

  • Porquê o sistema ainda vencerá

    Porquê o sistema ainda vencerá

    Brexit, vitória de Trump, movimentos populistas na Europa: o Ocidente está protestando, à direita e à esquerda, contra as ortodoxias neoliberais e globalistas dos últimos 40 anos.

    por Perry Anderson*

    O termo “movimentos antissistêmicos” era comumente usado há 25 anos (1) para caracterizar forças de esquerda em revolta contra o capitalismo. Hoje, ainda que não tenha perdido relevância no Ocidente, seu significado mudou. Os movimentos de revolta que se multiplicaram ao longo da última década já não se rebelam contra o capitalismo, mas o neoliberalismo – fluxos financeiros desregulamentados, serviços privatizados e crescente desigualdade social, variante específica do reinado do capital estabelecido na Europa e na América desde os anos 80. A ordem econômica e política resultante foi aceita de maneira quase indistinguível por governos de centro-direita e centro-esquerda, de acordo com o princípio central de la pensée unique, a sentença de Margaret Thatcher de que “não há alternativa”. Dois tipos de movimento estão agora dispostos contra este sistema; a ordem estabelecida estigmatiza-os, à esquerda e à direita, com a ameaça do populismo.

    Não é por acaso que esses movimentos surgiram primeiro na Europa que nos EUA. Sessenta anos depois do Tratado de Roma, a razão é clara. O mercado comum de 1957, resultado da comunidade do carvão e do aço do Plano Schuman – concebido tanto para evitar qualquer reversão de um século nas hostilidades franco-germânicas quanto para consolidar o crescimento econômico pós-guerra na Europa ocidental – foi o produto de um período de pleno emprego e aumento dos rendimentos populares, o enraizamento da democracia representativa e o desenvolvimento dos sistemas de bem-estar social.  Seus arranjos comerciais incidiram pouco na soberania dos Estados-nação que o compunham, os quais foram fortalecidos ao invés de enfraquecidos. Os orçamentos e as taxas de câmbio foram determinados internamente, pelos parlamentos responsáveis perante os eleitores nacionais, nos quais políticas politicamente contrastantes foram vigorosamente debatidas. As tentativas da Comissão em Bruxelas de formar um grupo foram acentuadamente rejeitadas por Paris. Não só a França sob Charles de Gaulle, mas, na sua forma mais silenciosa, a Alemanha Ocidental sob Konrad Adenauer perseguiu políticas externas independentes dos EUA e capazes de desafiá-los.

    O fim dos trinta anos gloriosos trouxe uma grande mudança nessa construção. A partir de meados da década de 1970, o mundo capitalista avançado entrou em uma longa desaceleração, analisada pelo historiador americano Robert Brenner (2): taxas de crescimento menores e aumentos mais lentos da produtividade, década a década, menos emprego e maior desigualdade, pontuadas por recessões acentuadas. A partir da década de 1980, começando no Reino Unido e nos EUA, e gradualmente se espalhando para a Europa, as direções políticas foram revertidas: os sistemas de assistência social foram reduzidos, as indústrias e serviços públicos foram privatizados e os mercados financeiros desregulamentados. O neoliberalismo havia chegado. Na Europa, isso veio ao longo do tempo para assumir uma forma institucional excepcionalmente rígida: o número de Estados membros daquilo que se tornou a União Europeia multiplicou-se por quatro, incorporando uma vasta zona de baixos salários do Leste europeu.

    Austeridade draconiana

    Da união monetária (1990) para o Pacto de Estabilidade (1997), depois o Ato do Mercado Único (1991), os poderes dos parlamentos nacionais são anulados numa estrutura supranacional de autoridade burocrática protegida da vontade popular, tal como o economista ultraliberal Friedrich Hayek profetizou. Com este mecanismo, a austeridade draconiana poderia ser imposta sobre os eleitores desamparados, sob a direção conjunta da Comissão e de uma Alemanha reunificada, agora o estado mais poderoso da União, onde os principais pensadores abertamente anunciam sua vocação para a hegemonia continental. Externamente, durante o mesmo período, a UE e seus membros deixaram de desempenharam qualquer papel significativo no mundo, em desacordo com as diretivas vindas dos EUA, fazendo com que o avanço das políticas da “neo-guerra fria” em relação à Rússia fosse estabelecido pelos EUA e pago pela Europa.

    Assim, não é de surpreender que as castas cada vez mais oligárquicas da UE, desafiando a vontade popular em sucessivos referendos e incorporando diktats nas constituições, deveriam gerar muitos movimentos de protesto contra elas. Qual é o panorama dessas forças? No núcleo pré-ampliação da UE, a Europa ocidental da Guerre Fria (a topografia da Europa ocidental é tão diferente que se pode ser abandonada para propósitos presentes) , os movimentos de direita dominam a oposição ao sistema na França (Front National), na Holanda (Partido para a Liberdade, PVV), na Áustria (Partido Liberdade da Áustria), na Suécia (Democratas Suecos), na Dinamarca (Partido do Povo Dinamarquês), na Finlândia (Os Verdadeiros Finlandeses), na Alemanha (Alternativa para a Alemanha, AfD) e na Grã-Bretanha (UKIP).

    Na Espanha, Grécia e Irlanda, movimentos de esquerda têm predominado: Podemos, Syriza e Sinn Fein. A exclusividade é a Itália que tem tanto um forte movimento antissistêmico de direita na Lega e um movimento ainda maior na divisão direita/esquerda do Movimento 5 Estrelas (M5S); sua retórica extra-parlamentar sobre impostos e imigração o coloca à direita, em contraste com sua atuação parlamentar à esquerda, de oposição consistente às medidas neoliberais do governo de Matteo Renzi (particularmente sobre educação e desregulamentação do mercado laboral), e seu papel central na derrota da tentativa de Renzi de enfraquecer a constituição democrática da Itália (3). A isso pode ser adicionado o Momentum, que emergiu na Grão-Bretanha por trás do inesperada eleição de Jeremy Corbyn para a direção do Labour Party. Todos os movimentos de direita, à exceção do AfD, precedem o crash de 2008; alguns têm histórias que remontam a década de 1970 ou datas mais antigas. A decolagem do Syriza e o nascimento do M5S, Podemos e Momentum são resultados diretos da crise financeira global.

    O fato central é o maior peso global dos movimentos de direita em relação aos de esquerda, tanto em número de países onde eles chegaram ao governo quanto em força eleitoral. Ambos são reações à estrutura do sistema neoliberal, que encontra sua expressão mais marcante e mais concentrada na atual UE, com sua ordem fundada na redução e privatização dos serviços públicos; a revogação do controle democático e da representação; e desregulamentação dos fatores de produção. Todos os três elementos estão presente em nível nacional na Europa, como em qualquer outro lugar, mas são de um grau maior de intensidade no nível da UE, tal como atestam a tortura da Grécia, o atropelamento dos referendos e a escalada do tráfico humano.  Na arena política, eles são as questões primordiais de interesse popular, dirigindo protestos contra o sistema em relação à austeridade, soberania e imigração. Os movimentos antissistêmicos são diferenciados pelo peso atribuído a cada um – a qual cor na paleta neoliberal eles direcionam a maior hostilidade.

    Movimentos de direita predominam sobre os de esquerda porque desde cedo fizeram a questão imigratória um assunto de sua propriedade, apostando nas reações xenófobas e racistas para ganhar mais apoio entre os setores mais vulnerável da população. Com a exceção dos movimentos na Holanda e na Alemanha, que acreditam no liberalismo econômico, eles são tipicamente ligados (na França, Dinamarca, Suécia e Finlândia) não à denúncia, mas à defesa do estado de bem-estar social, ao mesmo tempo que reclamam que a chegada de imigrantes minam este estado. Mas seria errado atribuir toda sua vantagem a essa carta; em exemplos importantes – a Front National (FN) na França é o mais significativo –  eles também têm uma vantagem sobre outras frentes.

    A união monetária é o exemplo mais óbvia. A moeda única e o banco central, concebido em Maastricht, fizeram a imposição da austeridade e da negação da soberania popular num único sistem. Movimentos de esquerda deveriam atacar isso tão veementemente quanto qualquer movimento de direita, se não mais. Mas as soluções que eles propõem são menos radicais. À direita, a FN e a Lega possuem remédios claros para as tensões da moeda única e para a imigração: sair do euro e parar os fluxos migratórios. À esquerda, com exceções isoladas, nunca se fizeram exigências tão inequívocas. No máximo, os substitutos são ajustes técnicos na moeda única, complicados para ter maior apelo popular e vagas alusões embaraçosas às cotas; nem chega perto de ser tão inteligível para os eleitores como as proposições diretas da direita.

    O desafio da crescente imigração

    A imigração e a união monetária criaram dificuldades especiais para a esquerda por razões históricas. O tratado de Roma foi fundado sobre a promessa de livre movimentação de capitais, commodities e mão-de-obra dentro de um mercado comum europeu. Enquanto a Comunidade Europeia estava confinada aos países da Europa ocidental, os fatores de produção onde a mobilidade mais importava foram o capital e as commodities: a imigração pelas fronteiras dentro da comunidade era geralmente bastante modesta. Mas, no final da década de 1960, o trabalho imigrante de ex-colônias africanas, asiáticas e caribenhas, e de regiões semi-coloniais do ex-Império Otomano, já foi significativo em números. A extensão da UE para a Europa oriental aumentou então consideravelmente a imigração dentro do bloco. Finalmente, as aventuras neo-imperais nas ex-colônias mediterrâneas – a blitz militar na Líbia e a propaganda na guerra civil na Síria – levaram grandes ondas de refugiados para a Europa, juntamente com o terror de retaliação por parte de militantes da região onde o Ocidente permanece acampado como senhor supremo, som suas bases, bombardeiros e forças especiais.

    Tudo isso acendeu a xenofobia: os movimentos anti-sistêmicos da direita se alimentaram dela, e os movimentos da esquerda a combateram, leais à causa de um internacionalismo humano. Os mesmos apegos subjacentes levaram a maioria da esquerda a resistir a qualquer pensamento de acabar com a união monetária, como uma regressão a um nacionalismo responsável pelas catástrofes passadas da Europa. O ideal da unidade europeia permanece para eles um valor cardinal. Mas a atual Europa de integração neoliberal é mais coerente do que qualquer uma das alternativas hesitantes que até agora propuseram. Austeridade, oligarquia e mobilidade dos fatores de produção formam um sistema interligado. A mobilidade dos fatores não pode ser separada da oligarquia: historicamente, nenhum eleitorado europeu foi consultado sobre a chegada ou a escalada do trabalho estrangeiro; isso sempre ocorreu por detrás de suas costas. A negação da democracia, que se tornou a estrutura da UE, excluiu desde o início qualquer posição na composição da sua população. A rejeição desta Europa por movimentos da direita é politicamente mais consistente do que a rejeição pela esquerda, outra razão para a vantagem da direita.

    Níveis recordes de descontentamento dos eleitores

    A chegada do M5S, Syriza, Podemos e AfD marcou um salto no descontentamento popular na Europa. As pesquisas agora registram níveis recordes de insatisfação com a UE. Mas, à direita ou à esquerda, o peso eleitoral dos movimentos anti-sistêmicos permanece limitado. Nas últimas eleições europeias, os três resultados mais bem sucedidos para a direita – UKIP, FN e Partido Popular Dinamarquês – foram cerca de 25% dos votos. Nas eleições nacionais, o valor médio na Europa Ocidental para todas as forças de direita e esquerda combinadas é de cerca de 15%. Essa percentagem do eleitorado representa pouca ameaça ao sistema; 25% pode representar uma dor de cabeça, mas o ‘perigo populista’ do alarme midiático permanece até hoje muito modesto. Os únicos casos em que um movimento anti-sistêmico chegou ao poder, ou parecia que poderia fazê-lo, são aqueles em que um deliberado super-ganho de assentos, através de um prêmio eleitoral destinado a favorecer o establishment, teve um efeito reverso; ou como na Grécia ou na Itália, esses movimentos arriscaram-se a participar desse jogo.

    Na realidade, há uma grande diferença entre o grau de desilusão popular com a UE neoliberal do presente – no último verão, maiorias na França e na Espanha expressaram sua aversão a ela, e mesmo na Alemanha, apenas a metade dos questionados apresentam uma visão positiva sobre o bloco – e a extensão do apoio às forças que se posicionam contra ela. A indignação e o desgosto com o que se transformou a UE é comum, mas há algum tempo o determinante fundamental dos padrões eleitorais na Europa tem sido e continua a ser o medo. O status quo sócio-econômico é amplamente detestado. Mas é regularmente ratificado nos pleitos com a reeleição dos partidos responsáveis por essa situação, por temores de que perturbar o status e alarmar os mercados traria ainda mais miséria. A moeda comum não acelerou o crescimento na Europa e ingligiu graves dificuldades aos países do sul. Mas a perspectiva de uma saída aterroriza mesmo aqueles que sabem até agora o quanto eles sofreram com isso. O medo supera a raiva. Daí a aquiescência do eleitorado grego na capitulação do Syriza em Bruxelas, os reves do Podemos na Espanha, as dificuldades do Parti de Gauche na França. O sentido subjacente é o mesmo em todo lugar. O sistema está mal. Afrontá-lo é arriscar-se a uma represália.

    O que, então, explica o Brexit? Imigração massiva é outro temor em toda a UE, e foi explorado no Reino Unido na campanha pelo Leave, no qual Nigel Farage foi um porta-voz e organizador hábil, juntamente com os proeminentes Conservadores. Mas a xenofobia por si só não é suficiente para compensar o medo de crise econômico. Na Inglaterra, como em toda a parte, a aversão aos imigrantes tem crescido à medida que governos sucessivos mentiram sobre as escalas da imigração. Mas se o referendo sobre a UE tivesse apenas sido uma disputa entre esses medos, como o establishment político pretendia que fosse, o Remain teria vencido indubitavelmente por uma margem considerável, como ocorreu em 2014 com o referendo sobre a independência escocesa.

    Havia outros fatores. Depois de Maastricht, a classe política britânica recusou a camisa de força do euro, apenas para perseguir um neoliberalismo nativo mais drástico do que qualquer outro do continente: primeiramente, a arrogância financeirizada do New Labour, mergulhando a Inglaterra numa crise bancária antes de qualquer outro país europeu e, depois, um governo Liberal-Conservador com uma austeridade mais drástica do que qualquer outra gerada sem constrangimento externo da Europa. Economicamente, os resultados dessa combinação são peculiares. Nenhum outro país europeu ficou tão polarizado por regiões, entre uma metrópole cheia de bolhas e bolsões de alta renda em Londres e no sudeste, e um norte e nordeste desindustrializado e empobrecido onde os eleitores sentiram que tinham pouco a perder se optassem pelo Leave (crucialmente, uma perspectiva mais abstrata que abandonar o euro), seja lá o que acontesse com a City e os investimentos estrangeiros. O medo contou menos que o desespero.

    Politicamente, também, nenhum outro país europeu tem tão flagrantemente manipulado um sistema eleitoral: UKIP foi o maior partido britânico individual em Estrasburgo sob representação proporcional em 2014, mas um ano depois, com 13% dos votos, ganhou apenas uma cadeira simples no Westminster, enquanto o Partido Nacional Escocês (SNP), com menos de 5% dos votos, ficou com 55 assentos. Sob os regimes intercambiáveis dos Trabalhistas e dos Conservadores, produzidos por esse sistema, os eleitores da base da pirâmide desertaram das urnas. Mas de repente concedida, uma vez, uma real escolha num referendo nacional, eles retornaramo com força para proferir seu veredito sobre as desolações de Tony Blair, Gordon Brown e David Cameron.

    Finalmente, e de forma decisiva, veio a diferenção histórica separando o Reino Unido do continente. Por séculos, o país não foi somente um império que abteu qualquer rival europeu culturalmente, mas ao contrário da França, Alemanha, Itália ou a maioria do restante do continente, não sofreu derrota, invasão ou ocupação em qualquer guerra mundial. Logo, a expropriação dos poderes locais por uma burocracia na Bélgica causou mais atritos que em qualquer outro lugar: por que deveria uma estado que por duas vezes rejeitou o poder de Berlim se submeter a uma intromissão de Bruxelas ou Luxemburgo? Questões de identidade poderiam superar as questões de interesse mais facilmente que no resto da UE. Assim, a fórmula normal – medo de uma represália econômica supera o medo de uma imigração massiva – falhou, deformada por uma combinação de desespero econômico e amor-próprio nacional.

    O pulo dos EUA no escuro

    Essas eram também as condições nas quais um candidato presidencial dos Republicanos dos EUA de antecedentes e temperamento inéditos – abominável para opinião bipartidária mainstream, sem qualquer disposição de se conformar com códigos aceitos de conduta civil e política, odiados por muitos de seu atual eleitorado – poderia apelar para os suficientemente desconsiderados trabalhadores brancos do cinturão da ferrugem a fim de vencer a eleição. Como na Grã-Bretanha, o desespero superou a apreensão em regiões proletárias desindustrializadas. Aí também, muito mais crua e abertamente, num país com uma história mais profunda de racismo nativo, imigrantes foram denunciados e barreiras, físicas e processuais, foram demandadas. Sobretudo, o império não era uma memória distante do passado mas um atributo vívido do presente e uma reclamação natural ao futuro, mas tinha sido descartado por aqueles no poder em nome de uma globalização que significou ruína e humilhação para seu país. O slogan de Donald Trump foi “Fazer a América Grande Novamente” – próspero ao descartar os fetiches do livre movimento de mercadorias e de trabalho, e vitorioso em ignorar os obstáculos e as crenças do multiletarismo: ele não estava errado ao proclamar que seu triunfo foi um grande Brexit. Foi muito mais que uma revolta espetacular, uma vez que não ficou confinado a uma questão única (para a maioria do povo, simbólica), e esteva desprovida de qualquer respeitabilidade do establishment ou bênção editorial.

    A vitória de Trump colocou a elite política europeia, centro-direita e centro-esquerda unidos, em uma consternação ultrajada. Quebrar as convenções estabelecidas sobre imigração é ruim o suficiente. A UE pode ter tido poucos escrúpulos na transferência de refugiados para a Turquia de Recep Tayep Erdogan, com suas dezenas de milhares de prisioneiros, tortura policial e suspensão do que se passa dentro do Estado Democrático de Direito; ou na colocação de arames farpados na fronteira norte da Grécia para manter os imigrantes trancados nas ilhas do Egeu. Mas a UE, respeitando seu decoro democraico, nunca glorificou suas exclusões. A falta de inibição de Trump nesses assuntos não afeta diretamente a UE. A sua rejeição à ideologia do livre trânsito de fatores de produção, seu aparentemente desrespeito desaberto pela OTAN e seus comentários sobre uma atitude menos beligerante com a Rússia são o que causa uma preocupação muito mais séria. Se qualquer um daqueles elementos é mais do que um gesto que logo será esquecido, como muitas das suas promessas domésticas, permanece algo a ser comprovado. Mas sua eleição cristalizou uma diferença significativa entre um número de movimentos antissistêmicos de direita ou de centro ambíguo e partidos da esquerda do establishment, rosa ou verde. Na França e Itália, movimentos de direita têm consistentemente se oposto às políticas de uma “nova guerra fria” e às aventuras militares aplaudidas pelos partidos de esquerda, incluindo a blitz na Líbia e as sanções à Rússia.

    O referendo britânico e a eleição dos EUA foram convulsões antissistêmicos da direita, embora flanqueadas por surtos antissistêmicss de esquerda (o movimento de Bernie Sanders nos EUA e o fenômeno Corbyn no Reino Unido), menores em escala, quando não menos esperados. Quais serão as consequências de Trump ou do Brexit é algo que permanece indeterminado, embora sem dúvida mais limitado que predições correntes. A ordem estabelecida está longe de ser batida em qualquer país e, como a Grécia mostrou, é capaz de absolver e neutralizar revoltas de qualquer direção com velocidade impressionante. Entre os anticorpos já gerados estão os simulacros yuppie dos avanços populistas (Albert Rivera, Emmanuel Macron na França), atacando os bloqueios e corrupções do presente, e prometendo uma política mais limpa e mais dinâmica do futuro, para além dos partidos decadentes.

    Para as movimentos antissistêmicos do esquerda em Europa, a lição dos anos recentes é clara. Se eles não quiserem ser ultrapassados pelos movimentos de direita, não podem ser menos radicais no ataque ao sistema e devem ser mais coerentes em sua oposição. Isso significa enfrentar a probabilidade da UE estar agora tão firmemente no caminho da dependência, enquanto uma construção neoliberal, que reformá-la não é algo mais seriamente concebível.  Teria de ser desfeita antes que qualquer coisa melhor fosse construída, seja rompendo com a atual UE, seja reconstruindo a Europa em outros marcos, lançando Maastricht às chamas. A menos que haja uma crise econômica muito mais profunda, é pouco provável qualquer uma das alternativas.

    * Perry Anderson leciona história na UCLA e publicou recentemente The H-Word: Peripetia of Hegemony, ed.Verso, Londres, 2017.

     

     

    NOTAS

    (1) Por Immanuel Wallerstein, Giovanni Arrighi e outros.

    (2) Robert Brenner, The Economics of Global Turbulence: the Advanced Capitalist Economies from Long Boom to Long Downturn 1945-2005, Verso, New York, 2006.

    (3) Raffaele Laudani, ‘Renzi’s fall and Di Battista’s rise’, Le Monde diplomatique, Edição Inglesa, January 2017.

    Fonte: Le Monde Diplomatique Inglesa (https://mondediplo.com/2017/03/02brexit)

    Tradução do original (em inglês) para o português: Charles Rosa – Observatório Internacional da Fundação Lauro Campos

  • Confira a íntegra do discurso de Raduan Nassar

    Confira a íntegra do discurso de Raduan Nassar

    Escolhido para receber o Prêmio Camões, um dos mais prestigiados da língua portuguesa, o escritor brasileiro Raduan Nassar fez duras críticas ao cenário político nacional.

    Seu breve discurso, que pode ser conferido abaixo, recebeu críticas grosseiras de um destemperado Roberto Freire, ministro da Cultura e que esteve presente na cerimônia.

     

    Excelentíssimo Senhor Embaixador de Portugal, Dr. Jorge Cabral.

    Senhor Dr. Roberto Freire, Ministro da Cultura do governo em exercício.

    Senhora Helena Severo, Presidente da Fundação Biblioteca Nacional.

    Professor Jorge Schwartz, Diretor do Museu Lasar Segall.

    Saudações a todos os convidados.

    Tive dificuldade para entender o Prêmio Camões, ainda que concedido pelo voto unânime do júri. De todo modo, uma honraria a um brasileiro ter sido contemplado no berço de nossa língua.  

    Estive em Portugal em 1976, fascinado pelo país, resplandecente desde a Revolução dos Cravos no ano anterior. Além de amigos portugueses, fui sempre carinhosamente acolhido pela imprensa, escritores e meios acadêmicos lusitanos.

    Portanto, Sr.Embaixador, muito obrigado a Portugal.

    Infelizmente, nada é tão azul no nosso Brasil.

    Vivemos tempos sombrios, muito sombrios: invasão na sede do Partido dos Trabalhadores em São Paulo; invasão na Escola Nacional Florestan Fernandes; invasão nas escolas de ensino médio em muitos estados; a prisão de Guilherme Boulos, membro da Coordenação do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto; violência contra a oposição democrática ao manifestar-se na rua. Episódios todos perpetrados por Alexandre de Moraes.

    Com curriculum mais amplo de truculência, Moraes propiciou também, por omissão, as tragédias nos presídios de Manaus e Roraima. Prima inclusive por uma incontinência verbal assustadora, de um partidarismo exacerbado, há vídeo, atestando a virulência da sua fala. E é esta figura exótica a indicada agora para o Supremo Tribunal Federal.

    Os fatos mencionados configuram por extensão todo um governo repressor: contra o trabalhador, contra aposentadorias criteriosas, contra universidades federais de ensino gratuito, contra a diplomacia ativa e altiva de Celso Amorim. Governo atrelado por sinal ao neoliberalismo com sua escandalosa concentração da riqueza, o que vem desgraçando os pobres do mundo inteiro.

    Mesmo de exceção, o governo que está aí foi posto, e continua amparado pelo Ministério Público e, de resto, pelo Supremo Tribunal Federal.

    Prova da sustentação do governo em exercício aconteceu há três dias, quando o ministro Celso de Mello, com suas intervenções enfadonhas, acolheu o pleito de Moreira Franco. Citado 34 vezes numa única delação, o ministro Celso de Mello garantiu, com foro privilegiado, a blindagem ao alcunhado “Angorá”. E acrescentou um elogio superlativo a um de seus pares, o ministro Gilmar Mendes, por ter barrado Lula para a Casa Civil, no governo Dilma. Dois pesos e duas medidas

    É esse o Supremo que temos, ressalvadas poucas exceções. Coerente com seu passado à época do regime militar, o mesmo Supremo propiciou a reversão da nossa democracia: não impediu que Eduardo Cunha, então presidente da Câmara dos Deputados e réu na Corte, instaurasse o processo de impeachment de Dilma Rousseff. Íntegra, eleita pelo voto popular, Dilma foi afastada definitivamente no Senado.

     O golpe estava consumado!

     Não há como ficar calado.

     Obrigado

    (17/02/2017)

     

    Fonte: Carta Capital

  • Contra o progressimo neoliberal um novo progressismo populista

    Contra o progressimo neoliberal um novo progressismo populista

    por Nancy Fraser  *

     

    A leitura que Johanna Brenner fez do meu artigo “Trump ou o final do neoliberalismo progressista” não toca a centralidade do problema que postulei: a hegemonia. Meu ponto de vista primordial é que o atual predomínio do capital financeiro não se deu apenas pela força, mas também pelo que Gramsci chama “consentimento”.

     

    As forças que se beneficiam com a financeirização, a globalização corporativa e a industrialização tiveram êxito quando o Partido Democrata exibiu como progressista políticas manifestamente anti-operárias.

     

    Os neoliberais ganharam poder recobrindo seu projeto com um novo espírito cosmopolita, centrado na diversidade, na autonomia da mulher e nos direitos dos coletivos LGBTQ. Assumindo esses ideais forjaram um novo bloco hegemônico, que chamei de progressismo neoliberal.

     

    Na identificação e na análise deste bloco nunca perdi de vista o poder dominante do capital financeiro – como insinua J. Brenner – mas do que se trata é oferecer uma explicação de sua preponderância política.

     

    Colocar a lente sobre a hegemonia projeta luzes sobre o progressismo e sobre os movimentos sociais que bateram de frente com o neoliberalismo. Em lugar de analisar quem conspirou ou quem foi cooptado, me concentrei na mudança que se produziu no pensamento progressista; um processo ideológico que modificou o conceito de igualdade pela noção de “meritocracia”.

     

    Nas décadas recentes, o pensamento neoliberal influenciou não só as feministas liberais e os defensores da diversidade (que abraçaram de um certo modo o ethos individualista) mas também muitos dos movimentos sociais. Inclusive aqueles movimentos que J. Brenner denomina partidários do bem-estar social, porque quando estes se identificaram com o progressismo neoliberal fizeram vista grossa a sua contradições.

     

    Afirmar que eles não têm a culpa – como sustenta J. Brenner – não permite entender como funcionam os processos hegemônicos e, tampouco, ajuda a encontrar a melhor maneira de construir a contra-hegemonia.

     

    É necessário avaliar o comportamento da esquerda desde a década de 1980 até a atualidade. Revisando aquele período, Brenner expõe os dados de um impressionante ativismo de esquerda, que apoia e admira tanto como eu apoio e admiro. Penso, no entanto, que esta admiração não deve nos impedir de comprovar que esse ativismo não contribuiu para a construção da contra-hegemonia.

     

    Estes movimentos não tiveram êxito. Ou seja, não conseguiram apresentar-se a si mesmo como uma alternativa crível ao progressismo neoliberal, nem muito menos para sua substituição. Ainda que para explicar os porquês requer-se um estudo “lato”, ao menos uma coisa está clara: para desafiar as versões neoliberais do feminismo, do antirracismo e do multiculturalismo, os ativistas de esquerda não conseguiram chegar aos chamados “populistas reacionários” (ou seja, os brancos da classe operária industrial) que terminaram votando em Trump.

     

    Bernie Sanders é a exceção que confirma a regra. Sua campanha eleitoral, em que pese estar longe de ser perfeita, desafiou diretamente as placas tectônicas da classe política.

     

    Apontando a “classe de multimilionários” estendeu a mão aos abandonados pelo progressismo neoliberal. Ademais, dirigiu-se para a “classe média” porque também é vítima da “economia neoliberal” e porque necessariamente devem estar numa causa comum com as outras vítimas do sistema; os que não tiveram acesso aos postos de trabalho da “classe média”. Ao mesmo tempo, Sanders foi um divisor de águas em relação aos partidários do progressismo neoliberal.

     

    Ainda que derrotado por Clinton, Bernie Sanders abriu o caminho para a construção de um poder contra-hegemônico; no lugar de uma aliança dos progressistas com os neoliberais, Bernie Sanders abriu a perspectiva de um novo bloco “progressista-populista” que combine emancipação com a proteção social

     

    Na minha opinião, a opção de Sanders é a única estratégia de princípios e capaz de ganhar na era Trump. Aos que agora se mobilizam sob a bandeira da “resistência”, lhes sugiro um contra-projeto.

     

    A primeira estratégia sugere uma subordinação ao progressismo neoliberal com um “nós” (os progressistas) contra “eles” (os “deploráveis” partidários de Trump); o que proponho é redesenhar o mapa político – forjando uma causa comum entre todos aqueles que Trump indefectivelmente vai golpear e trair. Estes setores NÃO são somente os imigrantes, as feministas e os negros (que votaram contra ele) também são os trabalhadores parados do “cinturão do óxido” e os estratos da classe operário do Sul que votaram nele.

     

    Contra o que opina J. Brenner, penso que a estratégia não deve colocar em contradição a “política de identidade” com a “política de classe”. Ao contrário, deve identificar claramente os interesses da classe dominante e as injustiças provocadas pelo capitalismo financeirizado construindo alianças para lutar contra ambas.

     

    *  professora de filosofia e política na The New School for Social Research e autora, mais recentemente, de Fortunes of feminism: from State-Managed Capitalism to neoliberal crisis. New York: Verso, 2013.

     

    Fonte: Rebelion (Tradução de Charles Rosa, do Observatório Internacional da Fundação Lauro Campos)