Líderes sociais debatem estratégias políticas para o RJ
No dia 30 de outubro, representantes de organizações sociais de base, ativistas sociais e políticos se reuniram no auditório do Corecon, no centro da cidade do Rio de Janeiro, para o encontro “Estratégias Políticas Inovadoras e a situação do Rio de Janeiro“.
Da primeira mesa de discussão, “Contexto da América Latina, brasileiro e a atual situação do Rio de Janeiro“, participaram o presidente da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, Francisvaldo Mendes, o diretor do Asuntos del Sur, Matías Biachi, e a diretora do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), Rita Correa Brandão, com moderação de Caru Schwingel, pesquisadora parceira da FLCMF e membro do Conselho Estratégico de Asuntos del Sul. Buscou-se identificar situações semelhantes na atual situação política das esquerdas na América Latina, Brasil e Rio de Janeiro.
Para Matías Bianchi, mediante o contexto das eleições e retrocessos da América Latina dos últimos anos, processos inovadores não podem estar desatrelados do fortalecimento dos partidos políticos. “Os partidos na América Latina necessitam de uma maior capilaridade social, confiança política e politizar assuntos que não estão politizados, como o meio ambiente, as questões de gênero e as novas tecnologias”.
Francisvaldo Mendes apresentou as características de um país governado por uma direita neoliberal. Destacou questões como a perda da soberania nacional, a perda dos direitos dos trabalhadores com as reformas trabalhista e da previdência, a situação da Petrobras e do “negócio” petróleo, o aumento da violência policial e da impunidade de foma geral. Sobre o processo eleitoral passado, um dos pontos destacados por Francisvaldo Mendes foi o uso das redes sociais pela equipe de Jair Bolsonaro como mecanismo de influência das pessoas.
Rita Correa Brandão falou sobre a necessidade de “novas formas de fazer política e diferentes maneiras de reunir as pessoas para ter uma maior participação política”. Apresentou projetos do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas em seus 38 anos de atuação principalmente nas comunidades do Rio de Janeiro.
Ainda pela manhã, a diretora do Projeto SISA, Cora Ruiz Tena, e a Coordenadora de Incidência Territorial de Asuntos del Sur, Sofía Castro Mariel, apresentaram o Método SISA, uma ferramenta elaborada com mulheres de nove países da América Latina para projetos de incidência política com perspectiva feminista. A oficina aplicou a dinâmica SuperSISA que visa gerar soluções criativas e inovadoras para as dificuldades enfrentadas pelas mulheres cotidianamente pelo fato de serem mulheres.
Integrada à oficina, realizou-se uma roda de conversa quando várias mulheres representantes de organizações sociais e instituições políticas apresentaram suas atuações, os trabalhos que realizam nos territórios e começaram a pensar em possibilidades de diálogo com o Método Sisa para fortalecer seus projetos.
Com a emotividade de quem dedica sua vida à luta e ao empoderamento feminino, Roberta Eugênio, pesquisadora do Instituto Alziras, apresentou o panorama de participação das mulheres na política no Rio de Janeiro e país. Falou sobre a pesquisa Perfil das Prefeitas no Brasil (2017-2020) que mapeou as 649 prefeitas eleitas em 2016 e ouviu 45% delas. “As mulheres à frente das prefeituras acumulam experiência na política em sua trajetória, têm mais anos de estudo do que os prefeitos homens e superam enormes desafios em municípios pequenos e sem recursos”. Discutiu-se sobre o fato de muitas mulheres políticas serem filhas ou casadas com políticos homens.
Bárbara Aires, do Fórum de Articulação estadual de Travestis e Transexuais do Estado do Rio de Janeiro, apresentou a realidade das violências não tão evidentes contra as mulheres trans e travestis. “Na saúde pública, as mulheres trans não são assistidas pela saúde da mulher e tampouco pela saúde do homem. Ficam completamente desassistidas, sem acesso – e com a idade piora ainda mais”. Falou sobre a necessidade do avanço dos direitos sociais e da importância de campanhas como a do exame de próstata para uma população com expectativa de vida de 35 anos.
A
Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), movimento político feminista anti-capitalista, anti-racista, anti-patriarcal com 25 anos de atuação no país, esteve representado por uma de suas lideranças no Rio de Janeiro , a feminista Tânia Lopes Muri. A coordenadora da AMBRio apresentou os temas importantes, que alicerçam as lutas do movimento, como os direitos sexuais reprodutivos, contra a criminalização das mulheres e pela legalização do aborto, o combate a todas as formas de violência contra a mulher, a divisão sexual do trabalho, a justiça socioambiental. Falou sobre ações, incentivos e formação política para mais mulheres ocuparem espaços de poder: “Há uma representação ínfima de mulheres dentro dos espaços de poder, seja no nível federal, no Congresso, nas assembleias estaduais ou nas câmaras municipais de todo o país”. Tânia Lopes fez uma breve descrição das ações do AMB no país e no Rio de Janeiro nesses últimos anos. “A articulação têm lançado mão de estratégias criativas para enfrentar e dar visibilidade aos retrocessos, que as conquistas, de até então, nas políticas públicas e legislação para as mulheres, vem sofrendo”. Falou sobre parcerias com movimentos no Brasil e América Latina, sem perder de vista a importância da ação local, destacando as ações feitas pelos Movimento de Mulheres de Cabo Frio e da Região dos Lagos.
A pesquisadora Iara Amora enfatizou a importância da escuta e das trocas de saberes nos processos de formação feminista. “É preciso reconhecermos e valorizarmos os saberes e experiências locais de cada mulher”. Mestranda em Políticas Públicas e Direitos Humanos, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, pesquisa sobre a luta das mulheres por creches públicas e destaca a importância de avanços legais que garantam os direitos das mulheres. Com o aumento dos casos de feminicídio, violência e o incetivo à cultura da desvalorização de ações feministas nesse último ano, chamou a atenção para a necessidade de projetos de lei, de avanços legais. “As casas legislativas têm sido mais uma trincheira de batalha contra os conservadorismos e retiradas dos direitos das mulheres. Embora ainda falte avançarmos muito, é muito representativo a ocupação desses espaços por mulheres, em especial mulheres negras, – e a atuação de parlamentares feministas”, disse.
Iara Amora integra a equipe de gênero da deputada estadual Mônica Francisco, que também esteve presente com as assessoras Rogéria Peixinho e Lana de Holanda, esta a primeira transexual a conquistar o direito de usar o nome social no crachá da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). Rogéria Peixinho, por sua vez, lembrou que várias das mulheres que hoje atuam com gênero nas equipes das deputadas Mônica Francisco, Dani Monteiro e Renata Souza trabalharam com Marielle Franco. “Avançar reconhecendo a história dos movimentos, das pessoas que foram e são sementes, como Marielle”.
Pela tarde, a Roda de Conversa “Experiências de ativistas – ações possíveis no Rio” demonstrou a tradição social e política de resistência e resiliência da cidade do Rio de Janeiro. Organizações com décadas de história e atuação emocionaram nas vozes e relatos de seus representantes.

David Amen, do Instituto Raízes em Movimento, que atua no Complexo do Alemão, falou sobre os jovens que formaram e formam nesses 18 anos do Raizes, sobre a estratégia de comunicação que adotam no território e para fora dele. “O Raízes em Movimento busca facilitar a participação dos atores locais como protagonistas de ações para o desenvolvimento humano, social e cultural”. Comunicação, empreendedorismo, ações sociais, visibilidade para as questões cotidianas das e dos cidadãos das 13 favelas/comunidades do Complexo do Alemão são parte de suas ações, porém, David Amen ressalta que a prioridade no momento é “manter-se vivo”, em função do aumento da violência nas periferias do Rio de Janeiro, principalmente a policial. Destaca também que a estratégia de comunicação é interna e com os parceiros da mídia independente, já que “não há como dialogar com os meios de comunicação hegemônicos”, devido ao etnocentrismo, à falta de compreensão da visão do outro, daquele que é diferente.
Anàpuàka Muniz Tupinambá, comunicador indígena de Rádio Yandê e coordenador de Yby Festival, falou sobre a dificuldade de ser sustentável quando se faz comunicação de base. Há seis anos, junto com uma sócia tupinambá e um baniwa, criaram a primeira web rádio indígena do país. “Nosso objetivo é difundir a cultura indígena através da ótica tradicional, com a velocidade e alcance da internet”. Sem anunciantes ou patrocinadores, buscam a sustentabilidade por meio de cursos, consultorias, palestras, formação de outros comunicadores indígenas. Com a proposta do primeiro Festival de Música Indígena do país. o Yby, buscam ampliar um ecossistema da produção indígena, mostrando exemplos, colocando pessoas em contato para que, através da música e da arte, possibilidades se apresentem. Anàpuàka Tupinambá desenvolveu a proposta de etnomídia indígena como estratégia para o reconhecimento, a visibilidade dos direitos, o respeito para notícias, para o resgate cultural e, principalmente, como forma de quebrar antigos estereótipos ou preconceitos historicamente difundidos pelos meios de comunicação.
Daniela Moura, coordenadora do Maré de Notícias, apresentou matérias e a missão do veículo digital: “reportar o cotidiano da Maré, o dia-a-dia das e dos 140 mil moradores da Maré, pessoas que vivem num conjunto de 16 favelas, é a nossa proposta”. O Maré de Notícias Online é o meio jornalístico da Redes da Maré, organização da sociedade civil criada em 1997, para produzir conhecimento, elaborar projetos e ações que garantam políticas públicas efetivas na defesa do direitos dos moradores do complexo. A parceria com a imprensa hegemônica ou fazer circular conteúdos do Maré de Notícias nos grandes veículos, tem sido uma das estratégias do equipe de jornalismo. Também Daniela Moura destacou o fato de jornalistas da periferia, negras e negros, que começaram sua vida profissional no Maré de Notícias hoje estarem trabalhando na grande mídia, diversificando as redações e o olhar para os acontecimentos.
A jornalista responsável pela Agência Narra da Maré, Elena Wesley, apresentou o resultado do projeto Agência de Narrativas de Periferias do Observatório de Favelas. “A Narra é uma agência de jornalismo composta por jovens repórteres das favelas cariocas. Damos serviço e informações para nossas comunidades desde nosso ponto de vista”. A jovem coordenadora relembra que a criatividade, o empreendedorismo, a solidadriedade mediante adversidades e violência traz a perspectiva defendida pelos intelectuais da Maré, de que a favela não é e nunca foi falta, mas sim favela é potência, é criatividade, é construção e luta social. “Muitas situações vividas na periferia, na favela, os grandes veículos nem percebem. A Narra conta a história de nossa perspectiva, da vivência de quem ali cresceu e conhece os problemas e potencialidades do entorno”. Outro aspecto destacado foi o preconceito e estereótipos criados pela mídia em relação aos moradores das comunidades. “O favelado consegue falar de qualquer assunto a partir da sua própria perspectiva. As pessoas estranham o diferente, não o reconhecem, e criam estereótipos nocivos. A Narra conta histórias da região metropolitana, da Baixada à Niterói, passando pelas favelas e subúrbios do Rio de Janeiro, em direção à Maré dos moradores, de pessoas, não de estereótipos”.
Uma das principais lideranças da Greve dos Garis que impactou o Rio nos carnavais dos anos 2014 e 2015, Célio Viana, também esteve nesta roda de conversa. O movimento autônomo foi contra o empregador e o sindicato e valorizou o trabalhador assalariado insatisfeito com as condições, atuou na auto-estima dos profissionais e levou à estruturação do Círculo Laranja. “O Círculo Laranja é uma iniciativa cidadã, construída pelos garis, que tem como ponto central o debate do lixo e do meio ambiente. Nosso lema é ‘Andamos, Perguntando e Mandamos, Obedecendo’”. O líder social falou sobre como o Círculo Laranja se estruturou, deixando de ser um movimento somente dos garis ao tratar o problema do lixo de forma mais ampla, incorporando todos os que se preocupam com o ambiente no qual vivem. “Gari é um agente de saúde ambiental”, afirma Célio Viana. Ao fazer uma análise da situação atual e retrocessos políticos do Rio de
Janeiro, a porta-voz do Círculo Laranja, Luiette Ornellas, disse ser fundamental não apenas se pensar e atuar no política nos anos eleitorais. “Não basta fazer política apenas nas eleições ou na campanha salarial, é preciso se envolver de maneira contínua. Uma das formas contínuas de fazer política é pela cultura”. Por isso que o Círculo Laranja atuou na construção do 1o. Viradão Cultural Suburbano, evento totalmente colaborativo ocorrido em 09 e 1o de novembro com 36 horas de duração em 19 bairros suburbanos da cidade do Rio de Janeiro. “Mesmo que as instituições não nos ouçam, que o poder público não nos dê ouvidos, nós existimos, estamos presente, organizados, produzindo cultura. Somos uma multiplicidade de singularidades que desde sempre produziu cultura. Principalmente o subúrbio, que sempre foi criatividade, construção, acolhimento, alegria e amor. Precisamos seguir com esta ideia para avançarmos”, afirmou Luiette Ornellas.
As Brigadas Populares, movimento militante, popular, de massas, “uma organização socialista, classista, feminista, antirracista, anti-imperialista, anti-punitivista e nacionalista-revolucionária” que atua em apoio às ocupações urbanas nos grandes centros, esteve representada pelas coordenadoras Kelly da Silva e Luciane Galdina. “É máquina mesmo de moer negro”, afirmou a coordenadora da Ocupação Moisés Luciane Galdina ao relatar como o governador do Rio de Janeiro, do helicóptero chamado pelos moradores de “Caveirão” entra nas favelas atirando a esmo para o alto. “E a polícia também entra assim, atirando, como outras pessoas aqui já disseram. Matando vários inocentes, a maior parte é tudo estudante, crianças. E na maioria das vezes não é para prender bandidos, é para caçar”. Moradoras da Ocupação Moisés, na Rua do Riachuelo, na Lapa, centro do Rio, as militantes falaram sobre as abordagens policiais e a forma como as 50 famílias de moradores são tratadas pelo poder público. “A força policial dizia
ser uma ocupação promovida por tráfico de drogas e coisas ilícitas. Recentemente, tivemos uma audiência em que a juíza afirmou ter tido uma ideia discriminatória a partir dos autos, e que agora, ao conhecer as famílias, via que não era nada daquilo. Vamos ter uma solução pacífica”, disse a coordenadora das Brigadas Populares do Rio de Janeiro, Kelly da Silva. As duas lideranças, junto com o advogado, foram intimidadas e ameaçadas pelos policiais em várias ocasiões. Porém dizem que a escolha do nome da ocupação é para lembrar a luta por direito à moradia. “Moisés é quem levou o povo para a sua terra. Referência bíblica que reafirma o direito da população à sua própria terra, direito à sua casa, a um pedacinho do chão”.
Mônica Cunha, Coordenadora da Comissão de Direitos Humanos da ALERJ (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro e líder do Movimento Moleque, referência por sua luta por direitos para adolescentes que estão no sistema socioeducativo e para seus familiares, encerrou as falas da roda de conversa da tarde. O Movimento Moleque foi fundado por um grupo de mães que no dia 10 de dezembro de 2003 foram na unidade do sistema socioeducativo Padre Severino, no Rio de Janeiro, vestidas de preto e viradas de costas para a porta da instituição, reivindicar pelos direitos de seus filhos. Dois anos antes, o filho do meio de Mônica Cunha, Rafael, havia sido preso por participar de um roubo. “Quando cheguei à delegacia, meu filho estava algemado e sujo, como se o tivessem arrastado pelo chão. Eu fiquei
desesperada”. Ouviu também que havia “parido bandido”, então, começou a ler o Estatuto da Criança e do Adolescente e a buscar os direitos dos menores infratores. Com seus 16 anos de luta em busca de estratégias de enfrentamento à violência e para a aplicação de medidas efetivamente socioeducativas, a ativista emocionou ao apresentar os retrocessos pelos quais estado e cidade do Rio de Janeiro vêm passando, principalmente nesse último ano. Destacou as lutas comuns, o que une os movimentos sociais nas mais distintas comunidades do Rio de Janeiro, como o racismo explícito e estrutural. ” O Moleque busca estar em todos os locais e de todas as formas onde a informação e o debate a respeito do jovem em conflito com a lei e o sistema sócio-educativo possam contribuir para a transformação desta realidade. Busca-se promover a formação dos familiares, para que outros pais e mães, através de cursos de capacitação e oficinas, possam se engajar ainda mais nessa luta”. A luta e atuação direta do movimento é contra a redução da maioridade penal, contra a revista vexatória nas visitas de familiares e a favor dos direitos humanos e dos direitos dos adolescentes infratores e de seus familiares.
Os organizações parcerias do Asuntos del Sur, Instituto de Governo Aberto (IGA) e Cidadania Inteligente, estiveram presentes no evento. Vanessa Meneguetti e Laila Bellix, coordenadoras do IGA, apresentaram suas trajetórias e atuação junto às Prefeituras das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro e ações ao Governo Federal. Ana Carolina Lourenço e Maria Luisa Freire, do Cidadania Inteligente, deram suporte às discussões que perpassam esta organização que atua há mais de 10 anos em 14 países da América Latina.
“Estratégias Políticas Inovadoras e a situação do Rio de Janeiro“, que ocorreu no dia 30 de outubro, no auditório do Corecon, na cidade do Rio de Janeiro, foi um dos dois eventos abertos que compuseram a Jornada da Certificação em Inovação Política. Esta, proposta como forma de reunir os bolsistas e participantes da formação em Inovação Política com os tutores e facilitadores das equipes de Asuntos del Sur e da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco. O outro encontro ocorreu em São Paulo, no dia 02 de novembro.