Categoria: Sem categoria

  • III Salão do Livro Político tem o apoio da Fundação Lauro Campos

    III Salão do Livro Político tem o apoio da Fundação Lauro Campos

        A Fundação Lauro Campos é uma das apoiadoras do III Salão do Livro Político, que acontecerá entre os dias 05 e 08 de junho no TUCA-Arena, localizado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, na capital paulista. Esta terceira edição do Salão envolve cerca de 30 editoras, oito a mais do que em 2015. Os livros serão oferecidos com descontos de 20% a 50%.

        Durante os dias do evento, haverá uma intensa programação de debates com a participação de nomes como Boaventura de Sousa Santos, Maria Rita Kehl, João Quartim de Moraes, Michael Heinrich, José Arthur Giannotti, Luiz Bernardo Pericás, Pedro Serrano, Fabio Luis Barbosa dos Santos, Pedro Fassoni, Rafael Valim, Reginaldo Nasser, Tercio Redondo, Antonio Rago Filho, Lidiane Soares Rodrigues, Osvaldo Coggiola, Amelinha Teles, Antonio Carlos Mazzeo, Soraya Misleh, Leda Paulani, Jorge Grespan, Marcelo Carcanholo, Eleutério Prado, Martín Hernandez, Rafael Zanata, Maria Cecília Oliveira Gomes, Ludmila Abilio e Flavio Wolf de Aguiar, Juliano Medeiros, entre outros.

       A programação completa do evento pode ser conferida na página http://salaodolivropolitico.com.br, pela página do evento no Facebook.

       A Fundação Lauro Campos, além de ter apoiado a realização do Salão, estará presente distribuindo a revista Socialismo&Liberdade e ofertando suas mais recentes publicações, que incluem o livro “Um partido necessário: 10 anos de PSOL”, “Libertando a vida: a Revolução das Mulheres” e “Público X Privado em tempos de Golpe”, além das obras realizadas em parceria com outras editoras.

     

    Serviço:

    III Salão do Livro Político

    Quando: 05 a 08/06/2017

    Onde: TUCA (PUC-SP) – Rua Monte Alegre 1024

    Entrada Gratuita

  • Leia a obra “Libertando a Vida – a Revolução das Mulheres”

    Leia a obra “Libertando a Vida – a Revolução das Mulheres”

    A página da Fundação Lauro Campos disponibiliza a íntegra da obra “Libertando a Vida – a Revolução das Mulheres”, escrita por Abdullah Öcalan.

    Com uma tradução para o português especialmente realizada para a Fundação, o livro traz o relato da lutas das mulheres curdas pela independência e reconhecimento de seu território.

    A edição impressa contou com lançamentos e debates em diversas cidades brasileiras, e agora apresentamos a versão digital para que mais pessoas possam ter acesso.

    Confira aqui e boa leitura!

     

     

  • Contra o progressimo neoliberal um novo progressismo populista

    Contra o progressimo neoliberal um novo progressismo populista

    por Nancy Fraser  *

     

    A leitura que Johanna Brenner fez do meu artigo “Trump ou o final do neoliberalismo progressista” não toca a centralidade do problema que postulei: a hegemonia. Meu ponto de vista primordial é que o atual predomínio do capital financeiro não se deu apenas pela força, mas também pelo que Gramsci chama “consentimento”.

     

    As forças que se beneficiam com a financeirização, a globalização corporativa e a industrialização tiveram êxito quando o Partido Democrata exibiu como progressista políticas manifestamente anti-operárias.

     

    Os neoliberais ganharam poder recobrindo seu projeto com um novo espírito cosmopolita, centrado na diversidade, na autonomia da mulher e nos direitos dos coletivos LGBTQ. Assumindo esses ideais forjaram um novo bloco hegemônico, que chamei de progressismo neoliberal.

     

    Na identificação e na análise deste bloco nunca perdi de vista o poder dominante do capital financeiro – como insinua J. Brenner – mas do que se trata é oferecer uma explicação de sua preponderância política.

     

    Colocar a lente sobre a hegemonia projeta luzes sobre o progressismo e sobre os movimentos sociais que bateram de frente com o neoliberalismo. Em lugar de analisar quem conspirou ou quem foi cooptado, me concentrei na mudança que se produziu no pensamento progressista; um processo ideológico que modificou o conceito de igualdade pela noção de “meritocracia”.

     

    Nas décadas recentes, o pensamento neoliberal influenciou não só as feministas liberais e os defensores da diversidade (que abraçaram de um certo modo o ethos individualista) mas também muitos dos movimentos sociais. Inclusive aqueles movimentos que J. Brenner denomina partidários do bem-estar social, porque quando estes se identificaram com o progressismo neoliberal fizeram vista grossa a sua contradições.

     

    Afirmar que eles não têm a culpa – como sustenta J. Brenner – não permite entender como funcionam os processos hegemônicos e, tampouco, ajuda a encontrar a melhor maneira de construir a contra-hegemonia.

     

    É necessário avaliar o comportamento da esquerda desde a década de 1980 até a atualidade. Revisando aquele período, Brenner expõe os dados de um impressionante ativismo de esquerda, que apoia e admira tanto como eu apoio e admiro. Penso, no entanto, que esta admiração não deve nos impedir de comprovar que esse ativismo não contribuiu para a construção da contra-hegemonia.

     

    Estes movimentos não tiveram êxito. Ou seja, não conseguiram apresentar-se a si mesmo como uma alternativa crível ao progressismo neoliberal, nem muito menos para sua substituição. Ainda que para explicar os porquês requer-se um estudo “lato”, ao menos uma coisa está clara: para desafiar as versões neoliberais do feminismo, do antirracismo e do multiculturalismo, os ativistas de esquerda não conseguiram chegar aos chamados “populistas reacionários” (ou seja, os brancos da classe operária industrial) que terminaram votando em Trump.

     

    Bernie Sanders é a exceção que confirma a regra. Sua campanha eleitoral, em que pese estar longe de ser perfeita, desafiou diretamente as placas tectônicas da classe política.

     

    Apontando a “classe de multimilionários” estendeu a mão aos abandonados pelo progressismo neoliberal. Ademais, dirigiu-se para a “classe média” porque também é vítima da “economia neoliberal” e porque necessariamente devem estar numa causa comum com as outras vítimas do sistema; os que não tiveram acesso aos postos de trabalho da “classe média”. Ao mesmo tempo, Sanders foi um divisor de águas em relação aos partidários do progressismo neoliberal.

     

    Ainda que derrotado por Clinton, Bernie Sanders abriu o caminho para a construção de um poder contra-hegemônico; no lugar de uma aliança dos progressistas com os neoliberais, Bernie Sanders abriu a perspectiva de um novo bloco “progressista-populista” que combine emancipação com a proteção social

     

    Na minha opinião, a opção de Sanders é a única estratégia de princípios e capaz de ganhar na era Trump. Aos que agora se mobilizam sob a bandeira da “resistência”, lhes sugiro um contra-projeto.

     

    A primeira estratégia sugere uma subordinação ao progressismo neoliberal com um “nós” (os progressistas) contra “eles” (os “deploráveis” partidários de Trump); o que proponho é redesenhar o mapa político – forjando uma causa comum entre todos aqueles que Trump indefectivelmente vai golpear e trair. Estes setores NÃO são somente os imigrantes, as feministas e os negros (que votaram contra ele) também são os trabalhadores parados do “cinturão do óxido” e os estratos da classe operário do Sul que votaram nele.

     

    Contra o que opina J. Brenner, penso que a estratégia não deve colocar em contradição a “política de identidade” com a “política de classe”. Ao contrário, deve identificar claramente os interesses da classe dominante e as injustiças provocadas pelo capitalismo financeirizado construindo alianças para lutar contra ambas.

     

    *  professora de filosofia e política na The New School for Social Research e autora, mais recentemente, de Fortunes of feminism: from State-Managed Capitalism to neoliberal crisis. New York: Verso, 2013.

     

    Fonte: Rebelion (Tradução de Charles Rosa, do Observatório Internacional da Fundação Lauro Campos)
  • Corrupção, transparência e participação popular

    Corrupção, transparência e participação popular

    por Juliano Medeiros*

     

    No último dia 2 de maio, o Ipea recebeu o presidente da Associação Brasileira de Ciência Política, Leonardo Avritzer, para debater os impasses da democracia brasileira, da participação popular e do combate à corrupção. Para o presidente da ABCP, o Brasil possui um sistema político imune à participação social. Tomando como ponto de partida as considerações do pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais e o complexo momento político que vive o país, é válido perguntar: a participação popular pode contribuir no combate à corrupção e no aumento da transparência?

    O conceito de participação surgiu no âmbito da teoria democrática em contraposição aos limites da ideia clássica de representação, historicamente associada à defesa de modelos minimalistas ou estritamente eleitorais de democracia. Ao contrário, a participação vertebraria a crítica a tais modelos e serviria para elaborar propostas de democracia mais ambiciosas.1

    No Brasil a participação deu um salto na década de 1980 a partir da difusão das novas teorias, do surgimento de novos movimentos sociais e da implantação de programas específicos, criados com o propósito de democratizar a gestão do Estado e de aperfeiçoar as formas de interação entre o poder público e a sociedade. Essa ampla mobilização origina várias formas de participação local, com destaque para a experiência do Orçamento Participativo, que chegou a ser adotada por 192 municípios, administrados por vários partidos.

    Portanto, os mecanismos de participação popular não são novidade no Brasil. No âmbito 1 GURZA LAVALLE, A.; ISUNZA VERA, E. Representación y participación em la critica democratica. Desacatos, n. 49, setembro‑dezembro 2015, pp. 10‑27. federal, foram constituídos ou aprimorados nos últimos anos diferentes mecanismos de interação entre Estado e sociedade. Existem hoje 35 Conselhos Nacionais temáticos que contam com a presença da sociedade civil, além de outros mecanismos como as 98 Conferências Nacionais sobre os mais diversos temas, realizadas desde o começo dos anos 2000. Esses mecanismos ampliaram o alcance da participação sem, no entanto, assegurar a implantação efetiva de políticas públicas reivindicadas por esses espaços.

    Um bom exemplo é a Conferência Nacional de Comunicação, que reuniu diferentes representantes da sociedade civil ligados ao tema e cujas iniciativas por ela aprovadas nunca se transformaram em políticas públicas, como a regulamentação dos artigos constitucionais que tratam das finalidades educativas e culturais da programação, da regionalização e da presença da produção independente no rádio e TV (Art. 220); ou que asseguram a proibição do monopólio e oligopólio no setor (Art. 221). Nesses casos, nada foi feito efetivamente para promover a posição da sociedade civil aprovada na Conferência.

    Apesar disso, um estudo do Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro (Iuperj), que procurou medir o impacto da participação popular na atividade legislativa, constatou que um quinto dos projetos de lei e quase metade das propostas de emenda constitucional que tramitavam no Congresso, em outubro de 2009, apresentavam forte convergência com deliberações de alguma conferência.

    Mas, apesar dessas limitações, o que mais chama a atenção em relação às políticas de participação é a forma como elas têm se transformado, estimulando processos de diferenciação e pluralização da representação política, ampliando a quantidade de lugares, atores e funções da representação, que já não se resume ao Parlamento e se insere de modo relativamente autônomo na própria estrutura administrativa do Estado. Há uma crescente demanda por controle social e participação da sociedade no controle e na fiscalização das instituições do Estado. Apenas no Portal da Transparência, mantido pelo governo federal, foram mais de 11 milhões de visitas apenas em 2013. Como destaca Avritzer, em seu estudo sobre o Ministério Público e a Polícia Federal, apesar do grande número de instituições voltadas à promoção da prestação de contas – disseminado na Ciência Política pelo conceito de accountability –, como a Controladoria Geral da União (CGU), os tribunais de contas e as mais de 270 ouvidorias federais, a forma pela qual se dão o controle e a fiscalização é essencialmente horizontal, isto é, são os órgãos de Estado que se fiscalizam mutuamente. Para estimular a fiscalização vertical, aquela que permite que a sociedade exerça seu controle diretamente sobre as instituições de Estado, é que entra a participação popular.

    Essa, no entanto, não é tarefa fácil. Apesar dos diversos estudos que comprovam que quanto mais participação social, maior a transparência e, consequentemente, menor a corrupção, há ainda grande resistência à ampliação do controle social sobre as instituições de Estado. A resistência entre muitos legisladores ao Decreto nº 8.284, que instituiu a chamada Política de Participação Social, é apenas uma prova das dificuldades de aprofundar os mecanismos de participação na perspectiva de ampliar o alcance do controle social.

    1 GURZA LAVALLE, A.; ISUNZA VERA, E. Representación y participación em la critica democratica. Desacatos, n. 49, setembro‑dezembro 2015, pp. 10‑27.

     

    * Juliano Medeiros é é doutorando em Ciência Política pelo Ipol/UnB e presidente da Fundação Lauro Campos.

    (Artigo originalmente publicado na revista Desafios do Desenvolvimento, publicado pelo IPEA, edição 88, ano 13 (23/11/2016)

  • As respostas que o PSOL precisa dar nas eleições municipais de 2016

    As respostas que o PSOL precisa dar nas eleições municipais de 2016

    por Gustavo Capela

        O PSOL se diz um partido programático. É, inclusive, reconhecido como tal por seus adversários, por seus correligionários e até (recentemente) por ministros do Supremo Tribunal Federal. Mas que programa é esse? Quais são as concordâncias mínimas que existem entre nós que nos distingue de outros partidos? Qual será a diferença de uma prefeitura do PSOL e uma prefeitura de um outro partido qualquer? Qual é nossa identidade, qual é nossa diferença? Quais são, afinal, nossos critérios compartilhados para uma ação conjunta?

        Essas perguntas são importantes porque talvez tenha chegado a hora do PSOL. A hora de mostrar que uma alternativa real de poder existe. Que ela tem lugar, nome e endereço. E que ela é só o começo de uma nova estrutura social que tomará conta de todo o país, o continente, o mundo. Este, certamente, é o sonho longínquo de muitos de nós, militantes de esquerda, que – por muito tempo, tivemos que chorar nossas mágoas pelas reiteradas traições do projeto social-democrata petista. Muitos de nós nutrimos, é verdade, uma esperança sincera em tudo que estava por trás daquela grandiosa estrela vermelha. Ela se foi e está prestes a dar seu último suspiro. Mas é dela que nascem várias outras menores, porém aguerridas, estrelas. Uma dessas estrelas é o PSOL. Somos filhos desta esperança longínqua e, como tal, foi importante para nós um longo período de luto. Alguns de nós ainda estamos nesta luta (de fazer o luto), o que não é tarefa fácil, como já nos explicou Freud, mas é um ato necessário para evitar a melancolia.

        Passado o luto, porém, e tendo destruído, simbolicamente, o objeto que foi o PT, o PSOL, aos poucos, tem se firmado como alternativa. Como um projeto que tem voo próprio. Que tem capacidades que o petismo talvez nunca tenha tido. Ou não faria sentido termos saído daquele projeto, certo? Certo.

        É por isso, então, que precisamos nos fazer algumas perguntas e olharmos no espelho com franqueza, para que não repitamos, consciente ou inconscientemente, a história como tragédia, farsa ou barbárie.

        Estas serão as eleições de maior importância para a vida e para a continuidade do PSOL, no meu entender. Muita coisa aconteceu e ainda está por acontecer neste ano, que completa 36 meses desde as manifestações populares mais volumosas e abrangentes do período da redemocratização. Foram vários os esquemas de corrupção abertos ao público geral. Foram vários os acordos politiqueiros que vieram à tona de maneira cristalina. Sem entrar no mérito dos métodos em que tais exposições nos apareceram, elas são um fato social incontornável. E fatos sobre os quais estão apoiadas as candidaturas do PSOL.

        Nosso programa político nacional – aquele que já produziu dois vídeos dizendo que o PSOL “não é um partido qualquer” – nos dá pistas sobre a primeira pergunta que precisa ser respondida agora em 2016. Afinal, o PSOL é um partido “diferente” ? Se sim, por quais razões? O PSOL quer dar respostas efetivas aos problemas sociais? Quer tentar agir para sanar injustiças? Se sim, como? Ou não é isso e o PSOL é um partido que não tem respostas, mas pressupõe aquilo que Gramsci chamou de “princípio do erro”, onde os acertos e erros interessam pouco, já que estaríamos no “lado certo da história”? Nossa plataforma é “segurar a barra até que a revolução chegue”? Nós acreditamos numa mudança radical da sociedade – comumente chamada de revolução? Acreditamos que ela simplesmente virá ou que é preciso fazer algo para que ela aconteça?

        Uma coisa que essas eleições demonstrará, sem dúvida alguma, é a pluralidade imensa do PSOL, pois, em cada prefeitura, em cada localidade, o PSOL terá respostas diferentes para perguntas que, ao meu ver, são fundamentais para uma coletividade unida. Afinal, acreditamos no socialismo? Se sim, em qual tipo de socialismo? Como ele deve ser construído e – mais importantemente – como que a eleição para a estrutura política do município nos ajudará a atingir nosso objetivo? Quais são os métodos, quais são os princípios e quais são os arranjos que tentaremos construir para atingir nossa finalidade? Como será o julgamento de nossos objetivos pela população? Como vamos poder dizer – internamente – que chegamos mais ou menos próximo de nossos objetivos?

        Continuando na pragmaticidade que uma prefeitura exige, como serão distribuídos os cargos comissionados e de confiança? Qual será o critério? Como evitar a burocratização de quadros que comecem a viver materialmente da relação com a prefeitura? Quais seriam as alternativas? Ao governar, qual será a tática de funcionamento e de relação com o partido? Quais instancias vão se sobrepor às outras? Como vamos evitar os erros pragmáticos do PT?

        Longe de querer adotar critérios ou índices quantitativos baratos, que mais reforçam o sistema do que elevam a discussão, essas perguntas precisam estar próximas da cabeça de quem se julga capaz de elaborar um projeto coletivo de alta complexidade, de imenso alcance e de ampla efetividade. Porque é impossível falar em “democratização radical” se não formos capazes de colocar à vista (aos olhos nus) tudo que desejamos alcançar. E, mais, expor como desejamos atingir tais objetivos. Mostrando isso ao público em geral, estes (assim como nós mesmos) poderão questionar com mais precisão. E dificultará respostas que mais “desconversam” do que “avaliam”, de fato, os feitos.

        Responder tais perguntas, e – mais ainda – responder de tal maneira, nos obrigaria a responder outras que são tão fundamentais quanto as outras (ou mais) e que temos, vez ou outra, nos esquivado de responder na vida partidária. Do tipo: acreditamos em algum “sujeito” revolucionário? Este sujeito é o “partido” ? Este partido é o PSOL? Se não, qual é a função do PSOL? Qual é a função dos partidos em geral?

        Essas são perguntas que, ao meu ver, estiveram presentes nas manifestações de junho de 2013. Eram perguntas – e não respostas. E me parece importante constatar isso. Porque, muitas vezes, a classe política (da esquerda à direita) age como se estivesse lidando com uma criança que sabe o que quer, mas não sabe verbalizar muito bem seu desejo. Como se ela – a classe política – fosse a mais legítima intérprete dessas vontades, dessas vozes, desses desejos. O PSOL se entende assim? O PSOL se entende apenas “mais capaz” de interpretar essas necessidades? É isso que nos diferencia? Nós somos sujeitos mais capazes? Mais eticamente compromissados? Mais moralmente adeptos de uma sociedade “justa” ? Somos os bonzinhos da história? É isso?

        Porque muito do discurso em torno de nosso atual projeto está ancorado numa plataforma de direitos já descritos pela Constituição. Eles já estão lá, pelo menos em palavras –ainda que vazias. Nossa plataforma é, portanto, fazer valer esses direitos? É um projeto “em respeito aos direitos individuais e sociais de nossa carta política” ? É esse nossos projeto? Nosso projeto é fazer a reforma agrária, a reforma da previdência, a reforma trabalhista, a reforma urbana e todas as outras reformas de base? Se for isso – e apenas isso – precisamos afirmar tais plataformas com mais ênfase. Dizendo que elas, por si só, resolverão o problema. Apesar dos variados exemplos pelo mundo que demonstram o contrário.

        Precisamos alinhar essas coisas sobretudo porque o amontoado de discursos que se encaixam num guarda-chuva genérico chamado “socialismo” já não engana muito as pessoas. E essas contradições virão à tona – sem muita solução, creio eu – quando começarmos a ter mais êxito eleitoral. Porque, vejam, o voto no PSOL raramente será em prol da repetição do mesmo. Será um voto esperançoso de que algo diferente e melhor pode vir. E qual será a diferença? Será a administração ética e moral das finanças públicas do capitalismo? Ou esse é só um primeiro passo?

        É claro que cada um de nós vai ter uma resposta diferente para cada uma dessas perguntas e isso não necessariamente é ruim. Mas tem potencial para se tornar péssimo caso estes debates não estejam no centro da disputa eleitoral. Pelo menos para nós, socialistas. Não é só o voto que queremos. Isso é o que querem os partidos da ordem. Talvez, para um projeto socialista, a disputa eleitoral sirva sobretudo para tentar pensar e responder essas questões. Elaborar dúvidas, causar estranhamento em relação ao sistema posto. Talvez, uma eleição sirva mais para apresentar a ignorância coletiva sobre os rumos do que apresentar soluções mentirosas e que naturalizam o capitalismo.

        Porque não se pode supor, como já aconteceu em alguns momentos, que nosso horizonte socialista, em geral, prevalecerá. Não podemos acreditar nisso. Nem pela crença num desfecho já desenhado para o movimento das engrenagens da vida; nem pela suposição de superioridade moral ou racional de nossa proposta. Como se, ao atingir determinado grau de consciência, todos, ou quase todos, irão concordar conosco. As consciências políticas não são una, são múltiplas. Supor que agindo “assim e assado” as pessoas terão uma única visão sobre a história e, mais, que essa visão será semelhante à nossa, é um tremendo equívoco.

        Política não é isso. Política é disputa. E são vários os projetos em voga, várias organizações que tentam impor seus caminhos em detrimento de outros. Como estamos construindo as bases para nosso êxito?

        Durkheim certa vez apontou que o socialismo era a expressão de um mal-estar vivido pela população. Um “grito de angústia coletivo”. Como se fosse um horizonte que se busca justamente pela sensação de estar imerso num sistema incapaz de providenciar justiça social. Num mundo complexo e hiper diferenciado, a solução para este sintoma (que é nítido) nao pode ser encontrada em um instante e pelo simples fato de que sua necessidade se faz sentir. É preciso organizar, delimitar e expor metodicamente os objetivos que se busca alcançar.

        Queremos mais igualdade? Queremos a redução das desigualdades? A teoria liberal também diz querer diminuir as injustas disparidades sociais, mas ela jura que a lei da oferta e da demanda é a mais eficaz para solucionar tais problemas. Nossa diferença é não crer na lei da oferta e da demanda como diminuidora de desigualdade, então? E, se este for o caso, acreditamos que a estipulação de outras leis – no âmbito legislativo da política – será capaz de introduzir mais igualdade? É isso?

        Não é isso, parece-me. Porque o mundo exige soluções muito mais elaboradas, que envolvem vários fatores conjugados. Mas quais são eles? Quais são os planos? Quais são os diagnósticos que alimentam esses planos? E quais são as atividades nas quais estamos empenhados para desenvolver e criar estes planos? O sistema capitalista será alterado pela mudança de quem ocupa as cadeiras de mando em sua estrutura? Se não for ciclano, mas for beltrano, aí sim, estaremos caminhando para o fim da produção de mais valia? Se sim, por que? O que faz deste “sujeito” alguém mais capaz e mais potente?

        É claro que não precisamos responder tudo de antemão. Tem muita coisa que se responde enquanto se anda, enquanto se desenvolve. Mas é um erro incorrigível deixar de ter essas questões e essas pendengas em mente. É um equívoco do qual já fomos reféns. Precisamos perder mais sono do que já perdemos pensando nessas coisas. Porque a ditadura do cotidiano é o que nos leva (todos nós, não só alguns perdidos, canalhas, pragmáticos) a repetir erros e reproduzir o que criticamos.

        É claro que muitos sectários dirão que talvez o PSOL seja só mais um partido da ordem liberal burguesa, que almeja operar com mais ética e mais moralidade, dando maior visibilidade a algumas injustiças sociais. Que talvez o PSOL queira apenas exercer o poder a luz do traído projeto democrático popular (petista). Dirão que, na melhor das possibilidades, este será nosso horizonte. Mas me parece que não. Parece-me que podemos mais e queremos mais.

        É por conta dessa pressuposição que acredito ser importante elencar e buscar responder essas e outras perguntas. Caso contrário, estaremos mentindo para nós mesmos, e o projeto socialista nao pode se contentar com isso.

        Temos, portanto, de parar de ver o socialismo (ou qualquer transformação séria) como mera utopia. As utopias normalmente são alimentadas por pessoas que julgam importante apenas um devaneio. Um devaneio que as tire da realidade para que o escapismo momentâneo resolva – no âmbito da consciência – alguns dos males que ela própria reproduz no cotidiano. Na utopia, a pessoa prova para si mesma que é capaz – em pensamento – de ser solidária e altruísta. E entende como suficiente expressar essa capacidade ou esse desejo longínquo de que sua quimera se torne realidade.

        O socialismo precisa ser uma busca prática. Uma ciência. Um agir com métodos analisáveis, criticáveis e capazes de serem reelaborados. Porque somos um partido e não um grupo literário. Somos um partido e não um aglomerado de beatos indo à igreja. É necessário fazer essa distinção. Sob pena de sermos as primeiras vítimas desse engano escapista. Um engano que gera frustração, magoas e uma imensa quantidade de imobilismo.

        Talvez as respostas mais sinceras que poderemos dar ao fim e ao cabo serão mais perguntas. E isso não parece um problema. A importância está no processo reflexivo que busca. Que vai atrás. Que, de fato, se preocupa em agir, não só reagir. Como apontou Maquiavel,“é preciso estar preparado para conservar o que a fortuna lhes depositou no regaço”.

    (texto originalmente publicado em: https://brasilem5.org/2016/08/28/as-respostas-que-o-psol-precisa-dar-nas-eleicoes-municipais-de-2016/)

  • Casa de corruptos, congresso brasileiro dá o golpe de destituir Dilma

    Casa de corruptos, congresso brasileiro dá o golpe de destituir Dilma

    por Charles Rosa e Pedro Fuentes*

    A quarta-feira, 31 de agosto, entra para a história como o dia em que o Senado brasileiro, por 61 votos a 20, cassa o mandato presidencial de Dilma Rousseff, sem contudo retirar seus direitos políticos [i].

    Finaliza-se melancolicamente um processo de impeachment que teve início em abril, por iniciativa do corrupto Eduardo Cunha, o qual posteriormente seria afastado de seu cargo pela Justiça sob acusação de ter ocultado na Suíça mais de cinco milhões de reais desviados da Petrobras.

    Há quatro meses, por 367 votos a 137, a Câmara de Deputados acolhia a denúncia de que Dilma Rousseff teria manobrado a contabilidade estatal para ocultar um rombo orçamentário no ano eleitoral de 2014.

    A decisão do Senado completa o pulo de Michel Temer da cadeira de vice para a cadeira de presidente. Pela terceira vez na história e pela terceira vez de modo indireto, o PMDB – que, a bem da verdade, sempre teve um papel relevante nos governos petistas, ocupando ministérios-chave até março deste ano – chega ao Palácio do Planalto como cabeça de um gabinete repleto de corruptos, a começar pelo líder deles: Temer já foi acusado de intermediar propinas e esta sobre investigação junto a Dilma por receber suculentas sumas de milhões de reais no declarados (Caja dois), na campanha na que ambos foram eleitos. Um importante Ministro del PMDB no governo Dilma, Romero Juca, que é a sua vez a mano dereita de Temer e foi nomenado Ministro de Planejamento de seu governo teve que ser deposto despois de se conhecer um áudio no qual confessava para o receptor de propinas do seu partido que o objetivo do afastamento de Dilma Rousseff era poder abafar a Operação Lava-Jato.

    Além da saída do PT, PCdoB e PDT do governo, o que altera com o impeachment é o retorno da antiga oposição burguesa ao Palácio do Planalto. O PSDB de Aécio Neves (cinco vezes citado na Lava-Jato) e do chanceler José Serra (ícone da privataria tucana nos anos 90) e o DEM de Agripino Maia (outro alvo da Lava Jato) retornam ao condomínio do poder, 14 anos depois de sucessivos fracassos eleitorais.

    Portanto, a remoção do PT da presidência da República de nenhuma forma diminui a corrupção em Brasília. Nenhum grande partido brasileiro está alheio ao pântano de escândalos revelados nos últimos anos.

    Se o PT foi castigado pela opinião popular como sendo um dos mais corruptos depois dos episódios do Mensalão[ii]as consultorias suspeitas de Dirceu e Palloci e, agora, o Petrolão, os outros partidos não escapam à lógica gangsterista da política brasileira. As delações dos empreiteiros presos pela Lava Jato atingem figuras proeminentes do PT, PMDB, PP, PSDB, DEM, PR, Solidariedade, etc. A pilhagem da Petrobras tem sido ecumênica nas últimas décadas.

    Impeachment é antidemocrático e ilegítimo: o método golpista das elites para retirar direitos

    Mas recolocando o foco no tema do impeachment: trata-se evidentemente de uma vergonhosa farsa promovida pela quadrilha mais apodrecida do Congresso brasileiro em conluio com as elites empresariais. Um “golpe parlamentar reacionário” avalizado pelo STF, que, todavia e a rigor, se distancia dos conhecidos golpes que liquidam liberdades democráticas, proíbem o funcionamento dos partidos políticos, estabelecem a censura, encarceram a esquerda e toda oposição democrática.

    De fato, o golpe precariza ainda mais a democracia racionada. Entretanto, seria um lapso de lucidez insistir na ideia de que estamos agora sob uma ditadura.

    O elemento mais “golpístico” da manobra que o PMDB e Cia infligiu sobre o PT reside na completa ausência de votos populares para assumir o comando do Estado brasileiro. Quem elegeu Temer foi senão a mídia corporativa, o grosso da burguesia e as centenas de parlamentares sem moral alguma para julgar quem quer que seja.

    Apenas para se limitar a alguns exemplos representativos dentre vários, podemos observar as biografias da vanguarda do impeachment. O senador tucano que relatou o processo em sua fase final, Antônio Anastásia, braço direito de Aécio Neves e padrinho político de Zezé Perrela (o dono do helicóptero com meia tonelada de cocaína), já foi acusado de receber um milhão de reais em propinas. O deputado petebista que redigiu a peça acusatória na Câmara, Jovahir Arantes, tem ligações comprovadas com o bicheiro Carlinhos Cachoeira. O movimento direitista MBL, do jovem histriônico Kim Kataguiri, que foi promovido pela mídia como liderança dos atos “Contra a Corrupção – Fora PT”, recebeu grana do PMDB, PSDB, DEM e Solidariedade, justamente alguns dos partidos mais corruptos da República.

    E assim toma assento um ministério repleto de caricaturas grotescas. O ministro das Relações Exteriores é lobista da Chevron, conforme revelaram documentos do WikiLeaks, e em poucos meses no cargo de chanceler já provocou um incidente diplomático ao tentar comprar o voto uruguaio no Mercosul. O ministro da Saúde é um deputado financiado pelos convênios particulares. O Ministro da Justiça já advogou para Eduardo Cunha e o PCC, além de ser um notório algoz dos direitos humanos. O ministro da Casa Civil já empregou uma funcionária fantasma em seu gabinete. O ministro do Desenvolvimento Industrial é um pastor criacionista. O ministro dos Transportes já foi condenado por roubar dinheiro da merenda estudantil em Alagoas. O ministro responsável pela inteligência e espionagem é um militar saudoso de 1964, regime que seu pai foi um dos verdugos mais destacados. O ministro da Agricultura é o “rei da soja” que já foi denunciado por lavagem de dinheiro. O ministro do Trabalho foi indicado por Roberto Jefferson, o pivô do Mensalão de 2003.

    Se não bastasse atuação dos beneficiários e promotores do golpe, donos da mais baixa estirpe moral, o motivo alegado para derrubar Dilma Rousseff beira o ridículo. As chamadas pedaladas fiscais, que poucas pessoas compreendem e que a perícia técnica concluiu a sua inexistência, são na verdade fruto de uma legislação neoliberal aprovada durante o governo de FHC.

    A Lei de Responsabilidade Fiscal é o cimento legislativo que possibilita cortar os investimentos nos direitos sociais assegurados pela Constituição de 88, ao mesmo tempo em que se omite sobre o grande ralo do dinheiro público no país, o gasto exorbitante com pagamento da dívida pública. A verdade é que não conseguiram implicar Dilma Rousseff num caso específico de corrupção, sem que para isso blindassem outras figuras proeminentes da casta política. Apegaram-se a qualquer desculpa burocrática para desalojar Dilma Rousseff do governo, reforçando de quebra os pressupostos mais regressivos da ortodoxia neoliberal.

    Em relação direta com o método do golpe está o seu conteúdo. O que virá a seguir é uma série de medidas reacionárias.

    Privatizar será a palavra de ordem do governo ilegítimo. Tudo o que for possível (Petrobras, Banco do Brasil, Correios, Infraero, etc.) tentará ser entregue para as corporações privadas, ainda que não explicitamente. Além disso, a legislação trabalhista vai sofrer constantes picaretadas. Sob a desculpa de “modernização”, os direitos serão assediados pela burguesia e a terceirização será livremente impulsionada.

    A Reforma da Previdência elevará a idade de aposentadoria e tentará liquidar o regime público de contribuição, assemelhando-se ao modelo que neste momento é amplamente rechaçado no Chile. O setor financeiro continuará seu reinado, com Henrique Meirelles dirigindo o leme da economia. O plano é congelar por 20 anos os investimentos nas áreas sociais, para que se permaneça destinando quase a metade do Orçamento federal para o pagamento da dívida pública.

    Na área da Educação, os golpistas planejam implementar o “Escola Sem Partido”, projeto pedagógico que elimina o pensamento crítico dos conteúdos curriculares. Bolsas de pesquisas científicas estão sendo cortadas e o programa de combate ao analfabetismo foi suspenso. Na Saúde, estuda-se reduzir a cobertura do SUS. No campo, a tentativa será de permitir a venda de terras a estrangeiros. No plano internacional, o Brasil estreitará laços com o Pentágono.

    O PT cavou sua própria fossa. Esqueceu seu passado trabalhista e progressista

    A definição de “golpe” (inclusive parlamentar) induz a perigosa confusão de que o governo derrubado teria favorecido os interesses das classes populares, como foi o caso de Allende no Chile, Jango no Brasil ou, há menos tempo, Chávez na Venezuela.

    De longe, este não é o caso dos 14 anos de governos do PT. Houve durantes os anos lulistas, uma melhoria na economia pelo vento de popa que teve em geral Latino América graças aos elevados preços do petróleo e  o restante das matérias primarias. Isto melhorou o salario e facilitou o crédito para a compra por parte da população pobre de geladeiras, televisores e ate carros.

    Teve uma tímida distribuição das bordas da renda nacional para os setores mais empobrecidos. Cerca de 1% do orçamento da União foi destinado para o programa de assistência social, Bolsa-Família; ampliou-se o acesso às universidades federais, com a aprovação das cotas raciais; o poder de compra do salário mínimo real teve um relativo crescimento.

    Entretanto, essas benesses não passaram de uma parcela mínima do “bolo” que foi fermentado durante o boom das exportações de matérias-primas (minério de ferro, soja, gado, etc.) para o Gigante chinês. Como certa vez declarou Delfim Netto – o ministro da Economia durante a ditadura – “Lula salvou o capitalismo brasileiro”.

    Quem mais engordou durante os anos lulistas foram justamente os grandes bancos privados, usufrutuários das taxas de juros reais e dos spreads bancários mais altos do mundo. Para se deter num exemplo, se a taxa básica de juros é de 14,25% ao ano, os juros do cartão de crédito ultrapassam a 400%. Um índice alarmante, num país em que 43% das famílias encontram-se endividadas.

    A dura verdade dos governos petistas é que os bancos nunca lucraram tanto quanto neste período. A participação dos maiores bancos privados nos lucros totais das empresas brasileiras mais do que dobrou. Lula e Dilma escolheram para a condução da Economia banqueiros prestigiados nos círculos financeiros internacionais. Joaquim Lewy fez carreira no Bradesco e depois da sua traumática passagem no ministério da Fazenda em 2015 tomou assento no Banco Mundial. Henrique Meirelles (este mesmo que Temer colocou na Fazenda) era presidente da matriz do Bank of Boston quando Lula o empossou na presidência do Banco Central.

    Mas as instituições financeiras não foram as únicas franjas da burguesia beneficiadas pelo lulismo. A política de “campeões nacionais” do BNDES vitaminou os conglomerados brasileiros a executarem o tradicional sub-imperialismo verde-amarelo. As empreiteiras Odebrecht, (com filiais em 40 países), Camargo Correa, OAS e Queiroz Galvão abocanharam projetos pela América Latina e África. Com empréstimos estatais, Luiz Fernando Furlan (ex-ministro de Lula) formou um dos maiores processadores de carne bovina do mundo, a Brasil Foods, o mesmo acontecendo com a Friboi.

    Outra camada bastante privilegiada pelos anos Lula e Dilma foram os ruralistas. Entre 2003 e 2010, os latifúndios ganharam 100 milhões de novos hectares. E a tão almejada reforma agrária não saiu do papel, ficando atrás neste quesito até mesmo quando se compara com os governos tucanos de FHC. Não à toa, a ex-ministra de Dilma Rousseff, a senadora Kátia Abreu (expoente da luta contra a regulação ambiental e favorável à manutenção do trabalho escravo nas fazendas) ficou até o último instante ao lado da presidenta: “nunca uma presidenta fez tanto por nós”.

    Em definito, o petismo desenvolveu governos social-neoliberais, distintos dos governos neoliberais clássicos justamente por serem conduzidos por forças políticas que não se originaram de iniciativas burguesas. Em síntese, burocracias sindicais foram cooptadas e gerenciaram os interesses da burguesia, nos limites da conciliação de classes durante a bonança da demanda chinesa. O casamento com o PMDB, o maior partido fisiológico do Brasil, simbolizou esse projeto.

    Por que as classes dominantes se uniram para remover Dilma?

    A resposta sumária a esta pergunta é que a partir de 2014, do ponto de vista burguês, o PT tinha a obrigação de aplicar uma política econômica de ajuste (leia-se, arrocho), mas, por mais que Dilma tentasse o movimento de massas não é mais controlado pelo PT, conforme junho de 2013 e o aumento vertiginoso das greves explicitaram.

    A burguesia raciocina de forma instrumental. Primeiramente, um setor enxerga que o PT não serve mais para governar, depois quase todo o conjunto da classe entende isso.

    As Jornadas de Junho foram, sem dúvida alguma, um divisor de água no país. Um tarifaço nas passagens de ônibus e a repressão policial fizeram eclodir as maiores manifestações espontâneas da história do país. Primeiramente em São Paulo, depois no Rio de Janeiro e restante do país, milhões de jovens saíram às ruas, indignados com as obras faraônicas realizadas pelo governo para a Copa da FIFA, enquanto a rede pública de ensino e a saúde minguavam com orçamentos falimentares.

    Com o dinheiro gasto com os estádios, era possível, por exemplo, erguer oito mil novas escolas, 128 mil casas populares ou 80 grandes hospitais.

    O multitudinário levante juvenil e popular nutriu um grande sentimento de rechaço aos partidos. Nenhum político, exceto os do PSOL, teve condições de sair às ruas e participar das manifestações. As sombras de milhares de pessoas projetadas sobre o Congresso Nacional simbolizam que a casta política estava totalmente desmoralizada. O Parlamento, a Rede Globo e os aparatos policiais foram contestados por todos os lados.

    Ao desgaste e à fissura do regime político, demonstrados em Junho, deve agregar-se a crise econômica que chegou com força ao país em 2014, ano em que Dilma é reeleita.

    Nesse momento, a essência do modus operandi petista é desnudada com total claridade. Para ganhar Dilma as eleições de 2014, promessas atrás de promessas foram embaladas pelo marqueteiro João Santana – depois preso pela Lava Jato – e, aos olhos de milhões, parecia que os planos sociais seriam aprofundados, em particular a resolução do déficit habitacional.

    As contas públicas foram maquiadas durante a campanha e um mês depois da vitória eleitoral, o PT anunciava um projeto totalmente oposto ao defendido nas peças publicitárias. Dilma rapidamente caiu em descrédito popular, tornando-se a típica candidata das promessas para ganhar, igual a todos os outros que apunhalam os eleitores.

    Dilma tentou repetir o primeiro governo de Lula, com a nomeação de ministros notáveis da burguesia, além dos indicados pelas bancadas parlamentares que logo depois a golpeariam. Joaquim Levy, o ministro da Fazenda “mãos de Tesoura”, representou o giro de 180 graus em relação às suas promessas.

    Duas medidas vitais de arrocho foram editadas por meio de decretos, sem a necessidade de apreciação parlamentar. Uma importante desvalorização do dólar, em cerca de 80% na média, que significou o encarecimento de todas as mercadorias e um aumento leonino das tarifas de gasolina e eletricidade, resultando em terríveis consequências para os orçamentos das famílias e do conjunto da população pobre.

    Contudo, ao mesmo tempo, as medidas mais pesadas e estruturais, como a reforma previdenciária e o enxugamento dos gastos dos estados, foram bloqueados de maneira oportunista pela oposição de direito, com o propósito escancarado de desgastar o governo.

    A paralisia do governo, acossado pelas denúncias da Lava Jato e pela crise econômica, implicaram na perda gradativa da sua base social: Dilma bateu os recordes de desaprovação no final de 2015. A impopularidade fragilizou o plano de ajuste do PT, situação que gradativamente foi convencendo o PMDB – cujos principais dirigentes estavam na mira dos procuradores da Lava-Jato – a executar o movimento de saída temporária do governo para encabeçar junto à direita a maré do impeachment que ganhou corpo num setor importante da sociedade brasileira. Vale recordar que mais ou menos 60% dos brasileiros apoiavam o impeachment em abril, segundo as pesquisas de opinião, o que não significa de nenhuma forma que Temer e os outros políticos pro impeachment foram aclamados pela classe meia e setores populares que estiveram nas ruas convocadas por organizações direitistas.

    Porque triunfa o golpe parlamentar

    Uma vez remetida pela Câmara dos Deputados para o juízo do Senado, Dilma tinha possibilidades, ainda que difíceis, para enfrentar este golpe farsesco promovido por um Congresso reacionário e corrupto. Caso pensasse prioritariamente no povo e não nos interesses de seu partido, a ex-presidenta poderia convocar enfaticamente um plebiscito para novas eleições gerais. Esta foi a nossa proposta desde antes de abril. Mas Dilma permaneceu calada e inerte todos estes meses, preferindo agitar no vazio contra o golpe, sem contrapor uma outra saída que não fosse a sua continuidade no governo e reclamando dos partidos que não deixavam passar no parlamento suas medidas de ajuste.

    Infelizmente a maioria acachapante do povo (segundo as pesquisas, cerca de 70%), ao mesmo tempo que defendia a saída de Dilma, estava e está por eleições gerais. Mas Dilma não encampou a bandeira de novas eleições até os “45 do segundo tempo”. As mobilizações “FORA TEMER” reuniram os petistas mobilizados e setores democráticos e da juventude, mais infelizmente não conseguiram se desgarrar do “FICA DILMA” para a maioria da opinião pública.

    O povo não se mobilizou porque a maioria dos  trabalhadores brasileiros foram dirigidos por lideranças e por uma direção política que fracassou. A culminância deste fracasso está na posse de Temer, que mesmo impopular consegue assumir sem resistência porque a esmagadora maioria do povo não queria e não quer mais o governo do PT e de Dilma. Por isso, embora Ilegítima, Temer pode assumir sem ter que enfrentar o povo.

    Não há assim uma derrota do povo porque suas forças não foram testadas, porque em última instância o povo Não saiu à luta e não tomou o conflito que tirou Dilma como um problema seu.

    Apenas durante as Olímpiadas, quando ninguém prestou a atenção ou deu importância, Dilma propôs um plebiscito como alternativa a sua iminente queda. Mas poucos dias depois, a Executiva do PT desautorizou o seu pronunciamento, chumbando a ideia de “novas eleições”. Isso só reforça a hipótese de que o PT deseja que a direita faça o “jogo sujo” do ajuste para que Lula entre com força na disputa de 2018, munido de um discurso vitimista.

    Assim chegamos a “um dia triste para a democracia, foi eleito um presidente que não tem votos”, como Luciana Genro resumiu muito bem. Laconicamente, Michel Temer, uma velha raposa fisiológica desprovida de carisma e de apoio popular – seu nome na pesquisa para 2018 não ultrapassa o modesto índice de 5% -, tomou posse definitivamente da faixa presidencial, num clima nacional de completa indiferença, típica dos velórios dos parentes menos bem-quistos.

    Por outro lado, erra feio quem identifica o sucesso dos golpistas com a morte do espírito de Junho. A audácia reacionária de Temer é justamente a sua fraqueza. Sem votos, sem legitimidade, sem a chancela das urnas, Temer terá que lidar com a fissura aberta por Junho, pela qual pode se desenvolver o processo de juízes e procuradores de posição mediana que levaram para cadeia boa parte dos donos do PIB nacional. Abafar a Lava Jato sem provocar ruídos expressivos não é das tarefas mais simples. Dezenas de parlamentares de quase todos os partidos estão sendo indiciados pelo saqueio da Petrobras, que consumiram algo em torno de 30 bilhões de reais dos cofres das estatais.

    Ao mesmo tempo, à medida que se golpearem os direitos sociais e à medida que as delações da Lava-Jato forem produzidas, não faltaram motivos para a população questionar um governo que ninguém escolheu.

    A pesar de certa instrumentalização pela mídia corporativa, o Lava Jato é uma espada de Dâmocles sobre a cabeça dos políticos. O prestígio popular que os procuradores angariaram, ao prender empresários e políticos, dificulta a tarefa dos golpistas de sufocá-la.

    Um regime de estado decadente e uma casta política alheia aos interesses do povo

    A corrupção generalizada que tem atingido todas as entranhas do sistema, o fato de que os políticos tenham se convertido em negociantes de cargos e enormes privilégios formando o que se tem chamado de casta, e a ilegitimidade do golpe parlamentar mostram que o regime político brasileiro pouco tem de democrático. Não existe democracia real; não representa os interesses do povo e nos arriscamos a dizer a sociedade como tal.

    No Brasil já havia sido criada a palavra “partido fisiológico” para definir a aqueles que, como o PMDB de Temer, não representavam ideias ou programas, se moviam e se localizavam pelos cargos no poder. Hoje podemos dizer que a política tornou-se “fisiológica” no sentido que todos eles são, de uma ou outra maneira, agentes dos grandes capitalistas e corporações para aqueles que terminam governando.

    As relações estreitas e promiscuas entre a grande burguesia e os partidos políticos convertidos em uma casta privilegiada mostra o grau de lumpenización que há no país consequência da decadência geral que vive o sistema mundo. O lucro fácil por meio da especulação financeira característica deste período histórico que vivemos expressa-se  com toda força no Brasil. Mas isto acontece a escala mundial, também nos centros do poder imperialista. Lembremos Lehman and Brothers, e o mago das mentiras financeiras de Maddof nos EUA.

    Uma nova alternativa para frear a reação e fazer uma revolução no regime político.

    O povo não teve uma derrota do povo porque suas forças não foram testadas, porque em última instância o povo não saiu à luta e não tomou o conflito que tirou Dilma como um problema seu. É claro que há desorganização das forças populares e sobretudo ceticismo, resultado da direção do PT. Mas mesmo neste momento o povo busca una alternativa, uma parte do povo busca isso, como expressa a existência e a força atual do PSOL.

    Assim os trabalhadores e o povo enfrentam duas tarefas: frear as medidas reacionárias e revolucionar o regime político. Para a primeira tarefa é fundamental a unidade com todos os setores que estejam dispostos a frear as medidas reacionárias. Neste sentido o PSOL estará na primeira fileira junto a todas as organizações que enfrentem mediante a luta o ajuste e as reformas reacionárias contra o povo. Neste processo acreditamos que surgiram também novos dirigentes e organizações como já aconteceu com o MTST (Movimento dos Trabalhadores em Teto), e dirigentes sindicais que defendam posições consequentes de luta.

    Do ponto de vista dos trabalhadores, há uma busca por novas direções. Há poucos dias, em Porto Alegre, os trabalhadores da saúde conquistaram a condução de um dos sindicatos mais preciosos da CUT. A velha burocracia cutista já está esbarrando em muitas dificuldades para sair e mobilizar. Não sabemos que faram ante as medidas mais duras como a terceirização. Mas há a possibilidade que um grande setor negocie para salvar a manutenção dos privilégios ao invés de organizarem uma resistência decente ao golpista Temer.

    A revolução no régime político necessita de muita força e luta social, da gestação de uma nova alternativa de poder. Em última instancia solo de essa maneira pode-se conquistar uma Assambleia Constituinte popular, revolucionaria que mude de raiz o atual régime político, que se bem como temos mostrado a través de este escrito está totalmente corrompido, se mantem; por isso teve o impeachment.

    As próximas eleições municipais são de grande importância para fortalecer a alternativa política

    Por isso a revolução no regime político que se conquistará nas ruas, tem o momento das urnas como muito importante. O PSOL, sendo ainda pequeno, (somente tem seis deputados nacionais sobre 530) tem ficado como o único partido junto ao povo e os trabalhadores e contra a corrupção. A burguesia quer aniquilar as possibilidades de crescimento do PSOL, enquanto força de contestação ao regime e alternativa. Para isso a criado uma lei que limita seu tempo de TV na eleição ao um mínimo e prepara uma reforma política para tentar tirara-lo liquidar lo.

    Mas o PSOL tem muitas chances nas próximas eleições municipais. Um sintoma da dinâmica que viveremos é que PSOL aparece com força nas pesquisas de importantes cidades do país donde está por diante do PT. É o caso de Luiza Erundina em São Paulo. Freixo no Rio de Janeiro é o segundo colocado e vai a disputar o segundo turno. Luciana Genro é primeira nas pesquisas de Porto Alegre (cidade emblemática para a esquerda mundial), e também o caso de Edmilson Rodriguez em Belém. Esta situação fez que o Supremo Tribunal Federal tivesse que aceitar um recurso do PSOL e sua participação nos debates, furando um dos pontos mais agudos da Lei da Mordaça elaborada por Cunha. Querem-se parar o PSOL, não conseguirão com a facilidade esperada.

    Em meio da crise social que sofre o povo e a decadência do regime e seus partidos políticos, a conquista de municípios nas quais o PSOL poderá governar; se isso ocorre o fará com a participação e a mobilização popular, que será uma alavanca para avançar na construção da auto organização y dessa alternativa capaz de criar um poder popular o duplo poder frente o regime corruto.

    Criar uma nova alternativa real para disputar o poder para levar adiante o programa que cada vez mais está colocado para mudar o regime político e revolucionar as raízes da desigualdade social donde hoje a riqueza que produzimos que está nas mãos do 1%. O programa de Bernie Sanders, de Corbyn na Inglaterra, o que em seu momento levantou Chávez na Venezuela é o mesmo que o Brasil necessita.

    A meteorologia política no Brasil aponta tempos cada vez mais instáveis. As hipóteses não se fecham com o sucesso de um golpe institucional. Milhares de jovens estão saindo às ruas nestes dias de vitória reacionária alertar o governo ilegítimo que quem dará a última palavra serão as ruas. A previsão é de batalhas empedernidas. Criar uma nova alternativa de poder é possível.

    [i] O presidente do Senado Renan Calheiros aparentemente foi condescendente com os direitos políticos de Dilma Rousseff para mostrar a Temer que ele não tenha vida fácil no Congresso.

     

    [ii]  El “mensalão” ocurrió durante el primer gobierno Lula. Consistía en el pase a un importante número de diputados (alrededor de 40) una “mensualidad” extra que oscilaba entre 30 mil a 50 mil reales, para que formen la base aliada del gobierno. Fue denunciado por el diputado de un partido amigo del gobierno PTB, y costó la cabeza del operador político y brazo derecho de Lula Jose Dirçeu hoy preso por esta y otras causas

    * Charles Rosa é integrante da equipe do Observatório Internacional da Fundação Lauro Campos. Pedro Fuentes é membro da Executiva Nacional do PSOL e coordenador do Observatório Internacional da Fundação Lauro Campos.

  • O discurso de Dilma e o fim da era da conciliação

    O discurso de Dilma e o fim da era da conciliação

    Luiz Araújo*
    Juliano Medeiros**

     

         Esta semana o Senado Federal deve concluir o processo de impeachment de Dilma Rousseff. Com isso, pela primeira vez desde o fim da Ditadura Militar, o Brasil terá um governo ilegítimo, fruto de um golpe parlamentar. O PSOL nunca fez parte das gestões de Lula e Dilma. Desde sua fundação, nosso partido sempre esteve na oposição aos governos petistas, exatamente por não concordar com as alianças feitas pelo PT para garantir a famigerada “governabilidade” e com os rumos de sua política econômica. Por isso, nunca tivemos cargos ou ministérios nos governos petistas. Apesar disso, nos engajamos firmemente na luta contra o golpe, já que consideramos inadmissível apoiar a deposição de uma presidenta legitimamente eleita sem a comprovação de crime de responsabilidade ou manter-se alheio à luta política que se trava no país.

         Ao contrário do que a maioria das pessoas pensa, Dilma não foi afastada pela corrupção em seu governo. Ela foi afastada por decretos e medidas fiscais (as tais “pedaladas”) que foram promovidas por todos os ex-presidentes e por inúmeros governadores. Por isso o governo Temer é ilegítimo: ele é produto de um impeachment realizado sem a comprovação de crime de responsabilidade. E por que o golpe foi promovido agora? Porque o mercado exige a implementação de medidas “impopulares” que nunca teriam apoia da maioria da população nas eleições, como a privatização da saúde e da educação, o fim das políticas sociais ou uma reforma da previdência que retirará direitos das mulheres. O golpe, portanto, é uma iniciativa do mercado e seus parceiros no Congresso Nacional, partidos corruptos que não têm nenhum compromisso com os direitos sociais. Por isso o PSOL disse não ao golpe e defende, com o afastamento definitivo de Dilma, o impeachment do corrupto Temer e a convocação de eleições presidenciais, como prevê a Constituição Federal, para devolver ao povo o direito de decidir.

    O discurso de Dilma

         O discurso de Dilma, na manhã desta segunda-feira, foi o mais altivo e corajoso realizado por ela desde sua posse como presidente da República, em 2011. Infelizmente, foi tarde demais. Sua opção por fazer uma denúncia do golpe em curso, ao invés de tentar “convencer” os senadores supostamente indecisos, foi correta. Podemos dizer, com a intervenção feita por Dilma esta manhã, que o ciclo da conciliação chegou ao fim no Brasil. É claro que muitos partidos e lideranças não compreenderão esse marco e seguirão buscando alianças com os partidos que promoveram o golpe. Basta dizer que o PT, por exemplo, compôs alianças com partidos golpistas em mais de mil municípios brasileiros para as eleições municipais deste ano.

         Se Dilma tivesse assumido a postura que assumiu esta manhã no Senado desde o início de seu segundo mandato, talvez o golpe não tivesse se consumado. Se não tivesse cedido às pressões do mercado implementando um duríssimo ajuste fiscal que retirou direitos e aprofundou a recessão, não teria minado o que restava de apoio juntos às camadas populares. Se não tivesse entregado sete ministérios ao PMDB no começo deste ano, talvez parte da população não teria visto a luta em torno do impeachment como uma briga dos “de cima”. Se não tivesse buscado um acordo com Eduardo Cunha para evitar o processo contra si na Câmara dos Deputados, talvez o corrupto peemedebista tivesse iniciado o impeachment sem que o desgaste do governo Dilma agisse a seu favor. Mas a história “contrafactual” – isto é, aquela que se escreve com os fatos que não ocorreram – não pode explicar a realidade. Embora por vias trágicas, o fim da era de conciliação abre novas perspectivas e desafios para os setores democráticos, progressistas e de esquerda.

         Evidentemente, o impeachment vai produzir enormes retrocessos. Sem a presença de uma oposição parlamentar e social substantiva ao governo Temer, ele poderá promover facilmente a retirada de direitos. Afinal é para isso que o golpe foi promovido. Por isso é preciso construir um novo polo social e político de esquerda que negue radicalmente a conciliação com os poderosos de sempre. Uma das lições destes 13 anos de governos petistas é que projetos reformistas só podem prosperar em contextos de expansão econômica: é a chamada política do “ganha-ganha”, em que as classes populares e as elites econômicas são beneficiados simultaneamente pelo crescimento da economia. Em contextos de recessão, no entanto, a disputa pelo fundo público amplia a polarização e radicaliza os conflitos de classe, como temos visto na Venezuela, onde a lógica da conciliação não foi o caminho adotado por Hugo Chávez.

    Nossos desafios

         Por isso, a destituição de Dilma e seu discurso na manhã desta segunda-feira marcam o fim deste ciclo de conciliação. A esquerda que surgirá dos escombros da crise petista deverá negar peremptoriamente a dependência em relação às classes dominantes. Deverá ser uma esquerda independente, combativa e plural. Hoje, o polo mais dinâmico desse processo de reorganização, que se iniciou com a crise do mensalão, em 2005, e ganhou fôlego com os primeiros protestos de junho de 2013, é o PSOL. Esse processo, no entanto, não se dará sem contradições. A figura de Lula, por exemplo, continua sendo o mais poderoso símbolo em favor da política de conciliação de classes. Ele segue tendo, seja por sua força carismática, seja pelos avanços sociais promovidos em seu governo, uma grande influência entre setores sociais fundamentais para este processo de reorganização. Por isso, construir uma alternativa independente nas eleições presidenciais em 2018 é uma necessidade incontornável.

         Até lá, os setores sociais que lutaram contra o golpe deverão manter a frente única que se formou nos últimos meses. Essa frente, cuja principal expressão é a articulação em torno da Frente Povo Sem Medo, terá como tarefa principal o combate às medidas antipopulares do governo Temer. Esse enfrentamento começa na luta contra as propostas de congelamento dos salários e investimentos públicos e da reforma da previdência. Do resultado deste embate dependerá o ritmo e o sentido geral do processo de reorganização da esquerda. O PSOL estará na linha de frente desta luta, contribuindo com sua atuação parlamentar e nos movimentos sociais para derrotar Temer e construir uma nova síntese política capaz de fortalecer um projeto socialista, democrático e popular para o Brasil.

    *Luiz Araújo é presidente nacional do PSOL.
    **Juliano Medeiros é presidente da Fundação Lauro Campos.

  • REINALDO AZEREDO, A VOZ DOS PORÕES, ATACA LAERTE

    REINALDO AZEREDO, A VOZ DOS PORÕES, ATACA LAERTE

    Charge laerteReinaldo Azeredo é personagem semelhante a vários que tiveram seus quinze minutos de fama entre o final de 1963 e os primeiros meses de 1964.

    Tenta ser uma síntese de Gustavo Corção, o arquirreacionário jornalista católico e anticomunista, com o almirante Penna Boto, golpista de primeira hora. Como glacê, exibe tinturas e cacoetes típicos de um Sergio Mallandro.

    Azeredo, com argumentos de fancaria, é polemista raso, metido a sofisticado. Age sempre da mesma maneira. Primeiro, espanca seu oponente, buscando desqualificá-lo a mais não poder.

    Os ataques podem vir por uma crase mal colocada – Reinaldo seria um grande revisor de texto – ou um modo de falar ou vestir.

    Com seu ócio regiamente pago pelo panfleto dos Civita, a insuperável Veja, Reinaldo se acha. De sua tribuna virtual, atua como farol de roleta. Sai batendo a torto e a esquerda, como uma espécie de jagunço do beletrismo conservador.

    Depois de esfolar verbalmente sua vítima, sempre parte para seu rosário de preconceitos em escala ampliada.

    GOLPE BAIXO – Num post de hoje, busca intimidar a genial cartunista Laerte, de quem sou amigo há quase 40 anos. Não tenho nenhuma procuração para defendê-la.

    Mas não é possível ficar indiferente à gosma homofóbica exarada por Azeredo.

    Os golpes iniciais vêm com a sutileza da pancada de uma lâmpada fluorescente na testa. Ao atacar a cartunista, Azeredo faz coro com os homofóbicos do Congresso e dos altares fundamentalistas. Busca ridicularizar, ofender e intimidar.

    Mas não é esse seu alvo.

    A CHARGE – Seu alvo é a estupenda charge em que Laerte desmonta parte do ideário dos novos marchadores pela família, por Deus e pela liberdade, que exibiram sua sofreguidão mental na avenida Paulista, no domingo (16). A imagem foi publicada semana passada pela Folha de S. Paulo e ganhou imensa repercussão.

    O desenho faz o que Millôr Fernandes uma vez disse ser a função do humor, unir o que está desconectado na confusão da vida cotidiana.

    Laerte liga a chacina brutal da periferia de São Paulo – solenemente ignorada pelos manifestantes do dia 16 – com a exaltação da brutalidade nas relações sociais, materializada nos selfies de garotões e garotonas com as tropas da PM.

    (São fortes os indícios de que membros da banda podre da polícia são os responsáveis pela barbárie).

    A charge é irrespondível! Atacou a jugular da hipocrisia dos marchadores.

    Pois aí é que Reinaldo Azeredo faz seu selfie jornalístico com a fina flor da direita brasileira.

    CORAGEM – Se há uma característica a se exaltar em Laerte é sua coragem.
    Coragem exibida em seus trabalhos de humor gráfico desde o início dos anos 1970, em sua militância em favor dos trabalhadores e trabalhadoras desde sempre, de sua busca incessante pelo inesperado na linguagem, no discurso e na piada, de sua ousadia como ser humano, ao desafiar padrões de comportamento aos 60 anos de idade, fase em que a maioria tende à acomodação. Laerte é o oposto. É a fusão de inquietação eterna e generosidade ímpar.

    Uma vez na Itália, Giancarlo Berardi, genial criador de Ken Parker, uma das grandes séries em quadrinhos do século XX, me disse que Laerte deveria ir para a Europa e buscar um mercado a altura de seu talento. “Precisaria modificar um pouquinho a linguagem para ser entendido aqui”, falou ele.

    Laerte representa um dos grandes talentos mundiais dos quadrinhos de todos os tempos. Criou tipos e crônicas seqüenciais memoráveis. É profundamente brasileiro e, mais do que isso, paulistano.

    Duvido que topasse “mudar alguma coisinha” para deixar de falar de seu universo.

    PERSONAGENS – Nesse ambiente ficcional que criou, cabem os Piratas do Tietê, Fagundes, o puxa-saco, o Lobisomem, Fernando Pessoa, os Palhaços Mudos, um condomínio surreal, os gatos, fadas, burocratas, gente estúpida, babacas e seres geniais de uma São Paulo muito particular.

    Mas não cabe um tipo que exala maucaratismo e preconceito a cada linha como o tal do Reinaldo Azeredo.

    Esse subsiste no esgoto em que se transformou parte da grande imprensa brasileira.

    Azeredo fala grosso com o microfone dos Civita. Quando perder o emprego, voltará a piar miudinho e a se fazer de simpático, em busca do ganha-pão. Um tipo desprezível.

    Não é o caso de Laerte.

    A ela, minha homenagem.

  • Não era amor, era cilada

    Não era amor, era cilada

    Gregório Duvivier
    Gregório Duvivier

    Amor, Ordem e Progresso. O binômio positivista na verdade era uma tríade – assim como a Liberdade-Igualdade-Fraternidade dos franceses, só que sem rimar. Nosso trinômio era ainda mais chique, em verso livre. “O amor vem por princípio, a ordem por base/ O progresso é que deve vir por fim/ Desprezastes esta lei de Augusto Comte/ E fostes ser feliz longe de mim”, cantava Noel.

    O amor estava no princípio, antes do Verbo. Ou talvez o amor fosse um verbo – da quarta conjugação, daqueles verbos terminados em “or”: por, depor, transpor, amor.

    Imagina que lindo ter amor na bandeira – mas os inventores do país tiraram o elemento fundamental da tríade positivista. Amputaram a fraternidade da nossa tríade, e assim nasceu nossa república: amorfóbica.

    Não sou o primeiro a levantar essa bandeira de uma outra bandeira. Jards Macalé fez campanha pela volta do amor na flâmula. Chico Alencar fez um projeto de lei. Suplicy (saudades) tentou emplacar o projeto. Nada. Ao contrário da bíblia, do boi e da bala, o amor não tem bancada. O amor não faz lobby e ficou do lado de fora da festa da democracia. Talvez aí tenham começado os nossos problemas: no recalque da fraternidade.

    Lembro que uma vez reclamei para um francês que eles eram pouco afetivos, enquanto nós brasileiros vivíamos numa cultura mais amorosa. E o professor, roxo de raiva, perguntava, aos berros, onde estava, na história do Brasil, o amor pelos negros, pelos gays, pelos índios, pelas crianças de rua.

    O carinho que temos pelos nossos semelhantes é proporcional ao ódio que temos pela diferença. Nossa fraternidade é seletiva. Só temos fraternité com quem é cliente personnalité.

    Nossa cultura é muito erótica –e muito pouco amorosa. O amor liquído aqui já tá gasoso. Ou como dizia o Poeta: não era amor, era cilada. Cilada. Cilada.

    Não quero engrossar o coro dos que acreditam que protesto é coisa de gente mal amada. Acho que pode haver muito amor no protesto.

    Mas não encontrei nesse. Houvesse mais amor, não estariam protestando contra o fato do DOI-Codi não ter enforcado a Dilma quando teve oportunidade. Não teria gente dizendo que “tinham que ter matado todos os comunistas em 64”.

    Houvesse mais amor, estariam pedindo o fim do programa nuclear brasileiro. Houvesse mais amor, estariam pedindo o fim do incentivo à indústria bélica. Houvesse mais amor, estariam protestando contra a polícia que acaba de cometer uma chacina – não estariam tirando selfie com ela.

    Toda revolução é uma obra de amor – caso contrário, é golpe.