José Luis Del Roio
Escrevo estas linhas poucas horas depois que uma maioria de senadores decretou o fim dos direitos trabalhistas no Brasil. Uma data maldita, que não deve ser esquecida. Dia 11 de julho de 2017. Como feras enlouquecidas, a serviço do capital e do imperialismo, atiraram-se contra os trabalhadores semeando dores, infelicidade e morte. Comprometendo o futuro do povo e destruindo a ideia da construção de uma nação.
Isto coincidiu com os cem anos de um acontecimento glorioso, quando mulheres e homens saindo de suas fábricas tornaram a greve insurrecional. Exatamente no 11 de julho de 1917. Depois de 40 dias do início da paralisação no Cotonifício Crespi, na Mooca, o movimento se alastrou por toda a cidade. O comércio fechou as portas, os meios de transporte foram tomados pelos militantes, barricadas foram erguidas. As tropas da “Força Pública”, mesmo usando toda a violência da cavalaria, ficaram acuadas.
O Exército, que marchava rumo à cidade de São Paulo, vindo pelo Vale do Paraíba, parou o seu caminhar. Cidades após cidades do interior paulista aderiam ao movimento, que começou a se espraiar por outros estados. O sangue correu, centenas foram presos e espancados, mas a muralha humana manteve-se firme. E finalmente, o governo federal, o governo estadual e os patrões tiveram que ceder e aceitaram negociar.
Os grevistas liderados pelo “Comitê de Defesa Proletária”, numa atitude altiva, recusaram-se a encontrar com os agentes do Estado e dos patrões, responsáveis diretos por assassinatos, mortos e prisões arbitrarias.
Com o impasse criado, um grupo de jornalistas foi o intermediário e, rapidamente, se chegou a um acordo.
A plataforma proposta pelos trabalhadores teve que ser engolida pelos donos do capital. Entre outros se contavam estes pontos:
. Redução das jornadas de trabalho.
. Proibição de trabalho infantil.
. Proibição de trabalho feminino e de adolescentes nos horários noturnos.
. Aumento salarial.
. Liberdade para constituição de organismos representativos dos trabalhadores. Nenhuma demissão de grevistas.
. Anistia para os presos ativistas sociais.
. Criação de feiras livres, para aumentar o acesso aos bens alimentares.
Mas como será uma constante na história deste país, a classe dominante, no seu ódio de classe, começou imediatamente a tramar a vingança e a voltar atrás em relação à palavra dada. Poucas semanas depois, aproveitando-se do clima tenso criado pela possibilidade de entrada do Brasil na I Guerra Mundial, começa a caçada aos militantes mais ativos. Deportações de estrangeiros, condenações longas e infames a brasileiros, cerco e ataques às sedes operárias.
Apesar de tudo, a questão social não sairia mais da agenda política do Brasil. Algo deve recordado e jamais esquecido: a formação e a evolução da classe dominante no Brasil. Seus lucros básicos foram criados pela desapropriação e pelo genocídio da população autóctone. E pelo trabalho de negros e negras escravizados. Foram escravistas e continuaram sempre com a mesma mentalidade. Quando a força de trabalho do escravo não era mais lucrativa, jogaram nas periferias infectas das cidades os ex-escravos.
Importaram mão de obra europeia, composta de miseráveis das zonas mais pobres da Europa e os trituravam nos horários infinitos de labuta e maus tratos. Seus pensamentos estavam sempre nas grandes capitais europeias. De nacionais não tinham nada. A imensidão do espaço brasileiro e seu povo apenas serviam para enriquecer suas insaciáveis ambições. Cem anos depois, a cobiça continuou a mesma, mas piorou o “bom gosto”. Atualmente sonham com Miami e Disneylândia.
Alguns representantes desta oligarquia ficaram famosos e mitificados como progressistas. Até hoje são citados com exemplos nos livros. Vamos falar apenas de um entre eles, como exemplo: Jorge Street. Era considerado pelos seus pares um esquerdista, que fazia concessões demais aos trabalhadores. Sobre o trabalho infantil escrevia: “Ainda aqui, os teoristas exageram os inconvenientes do trabalho da infância nas fábricas e desviam a opinião pública, generalizando alguns abusos, certamente praticados, que, no entanto, constituem antes exceções. Eu tenho nas fábricas que dirijo um grande número de crianças entre 12 a 15 anos, cerca 300, de ambos os sexos. Trabalham todas dez horas, como adultos.”
O que surpreende é que, durante o decorrer das décadas, a grande burguesia brasileira continuou sempre antinacional, inimiga dos trabalhadores e racista. Seus teóricos procuraram justificar a especificidade brasileira e inventar que o povo é cordial e feliz. Mesmo que viva na exclusão e na miséria. Recordo-me que, quando muito jovem, trabalhei colaborando na formação de sindicatos rurais. Isto antes do golpe de 1964. A grande imprensa não aceitava que camponeses pudessem ter qualquer tipo de organização ou apresentar reivindicações. E a resposta dos fazendeiros era frequentemente as balas dos jagunços. Com o golpe militar fascista consolidado, grandes empresários faziam a fila para doar fundos para os DOI-Codi dos diversos estados. Nos seus muros se torturava, opositores eram estraçalhavam e assassinados. A cada morte os meios de comunicação mentiam e os donos do poder se regozijavam. Nunca suportaram governos petistas, levemente reformistas. Sempre abominaram qualquer política que respeitasse a soberania nacional ou a ascensão de parcelas da população negra.
Depois de cem anos, chegou o momento de dizer basta e comportar-se com a dignidade dos grevistas de 1917, que afirmavam que com esta classe dominante não compactuamos. Eles nos declararam guerra e guerra devem ter.
Queremos um país de livres, iguais e solidários. Queremos uma pátria para nos orgulhar. Para isso ainda temos que lutar muito. Mas valerá a pena.