Seja no dimensionamento da crise e na luta social, seja na luta contra Bolsonaro, seja na articulação institucional, o tema da pandemia é chave, condicionando os demais. E ela tem uma urgência e um impacto definidor, análogo ao de uma guerra civil de grandes dimensões pelo número de mortos.
Sem desprezar para nada a importância da luta pelas vacinas, essenciais para combater de forma duradoura a Covid-19, a realidade que vemos pelo mundo é que ainda não há no horizonte soluções duradouras para as atuais crises sanitárias. Elas parecem cada vez mais complexas, com variantes do vírus e escassez de imunizantes, divisões sociais deletérias e desespero dos pequenos negócios, nacionalismo de vacinas e luta pela suspensão de patentes, disputas geopolíticas e sinais de uma agressiva transição produtiva conduzida por Washington. Além disso, somam-se os problemas da novidade da doença: temos indicações que uma parcela daqueles que contraem a enfermidade ficam com sequelas significativas. A doença atinge cada vez mais jovens e reinfecções são possíveis. O caso do Chile mostra que a vacina reduz o número de mortos, mas é bem menos eficaz para barrar a transmissão do vírus.
As esquerdas precisam romper com o senso comum (que a mídia e os governantes inoculam) de que a imunização seria o bastante para conter a pandemia e “voltar à normalidade”. O Brasil não é uma ilha (como a Inglaterra ou a Austrália), ou uma sociedade de vigilância total (como Israel ou a China).
A pandemia é, em nosso país, radicalmente agravada pelo apartheid social e pelas desigualdades amplificadas por quarenta anos de neoliberalismo. Ela estabelece uma sinergia perversa com a crise econômica e social e com uma política deliberada de genocídio.
Não há como o país conter as ondas de contágio que se sucederão no abre e fecha dos negócios e a sequela de mortos. Necessitaríamos uma combinação de vacinas com políticas nacionalmente articuladas de distanciamento social que se revela impossível sob o governo Bolsonaro. A probabilidade de que a pandemia se encerre no Brasil em 2021 é zero. Quantos mortos teremos em outubro de 2022 se Bolsonaro seguir no palácio do Planalto? Quantos milhões carregarão as cicatrizes da enfermidade pelo resto de suas vidas? Por isso, também, a tática de deixar Bolsonaro “sangrar” até as eleições de 2022 é um equívoco profundo.