Gil Delannoi
Os “Coletes Amarelos” são um movimento de protesto popular iniciado em 17 de novembro de 2018, na França. As manifestações se realizam sempre aos sábados e às vezes se prolongam até os domingos.
O nome do movimento deriva dos coletes amarelos fosforecentes utilizados pelos manifestantes e que todo motorista deve possuir em seu carro, como peça de primeiros socorros. Os protestos expressam, em geral, a imagem da população francesa: homens e mulheres de diferentes idades e em proporções equivalentes. A maioria é composta por ativistas inexperientes e pacíficos. No entanto, alguns grupos violentos, classificados como extremistas de direita ou de esquerda, se associam em certas manifestações urbanas, provocando saques e depredações públicas. As imagens circularam muito, notadamente porque essas violências ocorrem em belos bairros parisienses, como Champs Elysées, Torre Eiffel, Ópera, próximas aos ministérios e às lojas de departamentos.
Os locais ocupados pelos Coletes Amarelos não são apenas emblemáticos bairros parisienses. São rotatórias e cruzamentos por toda a França. Os ativistas impedem a circulação de veículos, ocupando pedágios nas rodovias, muitas vezes impedindo a cobrança. A gratuidade daí decorrente provoca simpatia da maioria dos motoristas.
Recuo governamental
Depois dos primeiros sábados de protesto, em que se reuniram várias centenas de milhares de manifestantes, duas decisões governamentais foram tomadas: a suspensão do novo imposto sobre os combustíveis, em dezembro de 2018, e o lançamento de um “grande debate nacional” de consulta à população. Cadernos em que a população pode escrever perguntas e sugestões foram abertos nas prefeituras. Em janeiro se iniciou um longo período de discussões entre autoridades eleitas e diferentes públicos: representantes locais, militantes, cidadãos voluntários, pessoas escolhidas aleatoriamente todos esses com os quais o presidente Macron debateu durante vários dias.
A suspensão do imposto sobre combustíveis resultou em uma politização das reivindicações. Isso não extinguiu o movimento, mas o número de manifestações se reduziu.
É difícil medir e qualificar um movimento que deseja continuar espontâneo e elusivo. Entre os manifestantes, a estimativa mais recente propõe três divisões: um terço mais à esquerda, um terço mais à direita, e um terço de pessoas pouco politizadas, que não votaram com frequência nas últimas décadas (os silenciosos rompem seu silêncio).
Amplo espectro, exceto apoiadores de Macron
O espectro político inteiro da política francesa se encontra presente entre os manifestantes é por isso que eles insistem em suas reivindicações comuns e deixam de lado as diferenças. Todos os componentes políticos são encontrados entre os simpatizantes (segundo as pesquisas), exceto o centro e as elites pró-mundialização e pró-União Europeia. Podemos afirmar também: exceto a parte mais sólida do eleitorado de Macron.
O caráter plural dos Coletes Amarelos se confirma quando nós voltamos para rebeliões passadas que apresentam um ou outro ponto de similitude: as revoltas camponesas durante a monarquia, os sans-culottes na Revolução Francesa, as barricadas das revoluções do século XIX, as ligas dos anos 1930, e certas manifestações estudantis de maio de 1968.
Diz-se que a presidência francesa, de estilo muito monárquico, provocou esse tipo de movimento. É fato que Macron desempenhava seu papel de forma um tanto caricatural, fazendo, por vezes, intervenções provocativas à população que encontrava nas ruas. Comentários assim são tão inesperados no contexto francês quanto os tweets de Trump nos Estados Unidos. Isso explica que a figura presidencial tenha se tornado especialmente visada por alguns manifestantes (“Demissão do Macron”).
O fato é que, pela legislação, o Parlamento é indispensável na França, mesmo quando se mostra um tanto dócil para um presidente apoiado por ampla maioria. Foi este, em um primeiro momento, o caso com Macron. A atual maioria parlamentar é composta por recém-chegados e inexperientes. O presidente liderou, logo após sua eleição, o enfraquecimento e quase aniquilamento dos principais partidos, o Partido Socialista (de François Hollande) e o Partido Republicano (de Nicolas Sakozy). Pagou-se caro por este triunfo de 2017. Hoje em dia, Macron não tem um partido bem estruturado atrás de si. Socialismo e gaullismo2 não existem mais da mesma fora após 1960. A centro esquerda e centro direita se unem por uma causa comum: defender a União Europeia e a adaptação da França à globalização econômica.
Revolta contra Paris
Duas principais novidades vão contra a tradição dos protestos e rebeliões franceses. Por um lado, a revolta não sai de Paris para se expandir em direção ao interior. Ela é feita contra Paris, suas elites e talvez até mesmo seus habitantes. Em segundo lugar, nenhum representante ou dirigente é designado ao movimento, e aqueles que tentam sê-lo são rejeitados. Os partidos existentes não recuperam mais sua legitimidade diante do movimento. Não podem mais do que, à distância, concordar ou não com determinados pontos reivindicados. O movimento é espontâneo e elusivo, o que significa, também, sem organização e sem um discurso principal.
Sua novidade pode ser explicada por fatores existentes em outros lugares que não a França: deslocalização industrial, abertura da Europa Ocidental à produção agro-alimentar do Leste Europeu, empobrecimento do campo e das pequenas cidades. O fim de serviços públicos nas áreas rurais e em pequenas cidades (hospitais, maternidades, escolas primárias, correios) afeta negativamente as coletividades, enquanto os impostos continuam a aumentar.
Como consequência, surge um sentimento de injustiça em relação ao sistema tributário (combustível) que atinge os habitantes da zona rural sem afetar os da zona urbana (que, ao contrário, se beneficiam de transportes públicos subsidiados). Disso resulta uma raiva contra as elites não taxadas por seu consumo (como a que se vale indiretamente de querosene de aviões).
Essa raiva inicial contra uma medida governamental se transformou em um sentimento de que as vozes da população não são ouvidas por dirigentes, pelos partidos e pela mídia. As reivindicações então se dividem: para alguns, deve-se aumentar os impostos sobre as fortunas; para outros, é preciso baixar os impostos em geral. Menos subsídios e mais liberdade econômica, uma simplificação administrativa, mas também a manutenção da rede de proteção social e de saúde.
Democracia direta
Encontramos nos Coletes Amarelos de uma só vez aspectos sociais-democratas e uma defesa do pequeno comércio e do pequeno empreendedor. Por fim, vislumbra-se a reivindicação por uma democracia direta, com referendos, iniciativas populares, consulta de cidadãos aleatórios, fim de privilégios às autoridades eleitas, ministros e parlamentares.
Outra prática de protesto na democracia está tomando forma nesse movimento. É talvez a novidade mais promissora e também a mais questionável. A auto-organização das manifestações começa nas redes sociais e é feita sem direção oficial nem líderes.
A experiência comum vivida pelos participantes é o elemento principal do discurso. Evocam-se soluções políticas e procedimentos democráticos para melhorar as coisas, mas nenhum programa ou partido são tolerados, ao mesmo tempo em que se exige uma maior representatividade da população no processo político nacional. A liberdade de expressão é reivindicada quase sem limite, com eventuais riscos de deslizes individuais (manifestação de ódio contra pessoas específicas, apelo a destruições materiais, justificação de alguns bloqueios). Entretanto, isso não tem nada a ver com movimentações como greves. Trata-se de uma prática de ocupação dos lugares públicos e, para os mais combativos, de uma confrontação violenta com a polícia – esses últimos compõem uma pequena minoria sem força e de difícil mensuração no interior do movimento.
A perda de confiança em toda forma de representação (inclusive em uma representação dos próprios Coletes Amarelos) é total, mas ao mesmo tempo, há grande esperança em uma democracia direta.
Mal-estar generalizado
O que dizem os comentaristas na mídia? Qualificam essas demandas com os seguintes adjetivos: “popular, democrática, populista, protecionista, nacionalista, revolucionária, reacionária, utópica, inovadora, incoerente, efeito da pobreza, ingratidão de crianças mimadas”. Tais comentários dizem mais a respeito da orientação política dos próprios comentaristas do que da natureza do movimento em si.
Todos concordam, no entanto, a respeito da existência de uma causalidade socio-econômica comparável ao voto do Brexit, ao desindustrializado Cinturão da Ferrugem (Rust Belt) escolhendo Trump, às classes médias votando em Sanders, ou ainda ao Movimento Cinco Estrelas, na Itália.
Os Coletes Amarelos não conseguem ser uma força política no âmbito da Quinta República francesa. Seu movimento só poderá desafiar o regime, derrubá-lo ou eventualmente ser canalizado pelos partidos. O beneficiário a curto prazo poderia ser o nacionalismo de Marine Le Pen. Podemos considerar também um retorno da direita ao gaullismo (menos Europa, mais protecionismo) ou a refundação de um socialismo menos livre-comércio e menos multicultural.
O primeiro teste serão as eleições europeias de maio de 2019. Mas haverá um limite: a eleição do Parlamento Europeu não tem impacto imediato, favorecendo assim um voto de protesto da esquerda ou da direita.
Podemos ver movimentos parecidos na Europa? Alguns indícios existem em diversos países (na Bélgica, por exemplo). Entretanto, ainda é muito cedo para dizer se são meras faíscas ou se o fogo que poderá persistir na França terminará por incendiar, também, o resto da Europa.