Cynara Menezes
De todas as imposturas da extrema direita brasileira, nenhuma me indigna mais do que a utilização de Jesus como escudo para a epidemia de intolerância que estamos vivendo. Jesus, profeta da absoluta tolerância “amai o próximo como a ti mesmo”, foi transformado numa perversa estratégia publicitária fundamentalista, na imagem simpática, impoluta, detrás de quem se esconde os arautos do ódio.
Trata-se, mais uma vez, de uma repetição da História. Nos tempos da Inquisição foi em nome de Jesus que lançaram à fogueira as mulheres que ousaram se rebelar do jugo masculino, os hereges, os não convertidos e os inocentes em geral, acusados de “pecados” e “bruxarias”. Saramago expôs muito bem o pérfido papel que o Deus rebarbativo e cruel do Velho Testamento, o Pai, reservaria ao Filho, para desespero do próprio. “Então em meu nome perpetrarão tamanhas barbaridades?”, pergunta-se Jesus, mergulhado no desalento diante de seu destino.
Passados 2019 anos da data que se crê como a de seu nascimento, o nome de Cristo é novamente usado em vão para perseguir “pecadores” e “bruxas”. Impressiona-me o nonsense disso tudo, porque nada do que os intolerantes falam como força de lei constava das parábolas de Jesus, ao contrário. Não há cristianismo algum no que eles pregam. Jesus nunca condenou a homossexualidade ou pregou ódio aos diferentes. E, sobretudo, jamais afirmou que quem segue a Bíblia iria enriquecer.
A Teologia da Prosperidade, um dos pilares do neopentecostalismo, é o avesso do que pregava Jesus. “É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus”, lembram? Esses que falam em nome de Cristo pedindo dinheiro a incautos para que lhes seja devolvido “por Deus” em dobro são, em realidade, os vendilhões do templo expulsos por ele. Como abrir os olhos de tanta gente enganada por pastores inescrupulosos sem ferir a fé? Esse é um dos nossos desafios.
Sem enfrentar os falsos pastores, não conseguiremos lutar o bom combate contra a intolerância, esta que em nosso país está umbilicalmente ligada ao fundamentalismo religioso. A esquerda errou em não compreender o fenômeno do neopentecostalismo nas periferias e continuará errando se não perceber que precisa desmascarar os cristãos de araque que estão pregando como “boa nova” o evangelho da intolerância.
É nos púlpitos das igrejas neopentecostais que essa intolerância vem sendo disseminada. É ali que ela viceja. A intolerância aos LGBTs e às religiões de matriz africana; a intolerância à libertação feminina e ao feminismo; a intolerância às minorias; a intolerância à esquerda. Hoje, tragicamente, esses evangelistas da intolerância chegaram ao poder. Formam, com os militares e o capital financeiro, a trindade malévola em torno do “Messias”.
Para combatê-los é preciso levar o debate do campo dos costumes para o da teologia: demonstrar que eles não são os cristãos que dizem ser. Os pronunciamentos do Papa Francisco, de resgate da real mensagem de Cristo, têm dado o Norte para esse embate teológico. Ao condenar a xenofobia e o ódio, Francisco lembra, a todo momento, das passagens do Novo Testamento, cristãs portanto, que reforçam a igualdade dos homens. Não à toa, Francisco é hoje um dos alvos diletos dos vendilhões do templo.
Muitos de nós, de esquerda, somos ateus ou agnósticos. Mas esse debate não nos pode ser interditado, porque religião é sinônimo de fé, mas também de conhecimento baseado nas Escrituras. Conhecer as Escrituras nos faz perfeitamente aptos a cobrar coerência dessa gente. Se a principal mensagem de Jesus era amor, como podem fazer do ódio seu sermão? Jesus tem sido o garoto-propaganda ideal para que eles possam espalhar a intransigência com o próximo que, em tese, deveriam amar.
Enquanto não conseguirmos enfrentar, sem meias palavras, a lavagem cerebral que está sendo empreendida dentro desses templos não conseguiremos combater, de fato, a intolerância. E não há campo mais eficiente para desmascarar pastores inescrupulosos do que o da teologia. Esta é a seara dos enganadores pseudocristãos e é dentro dela que temos que agir.