Raquel Oliveira Sousa
A Petrobras em sua página oficial da internet se define como uma “empresa integrada de energia que evolui com a sociedade, gera alto valor e tem capacidade técnica única”. Está presente “nos segmentos de exploração e produção, refino, comercialização, transporte, petroquímica, distribuição de derivados, gás natural, energia elétrica, gás-química e biocombustíveis.”.
Porém, o Plano de Desinvestimento, em especial após o golpe de 2016, tem levado à desintegração da estatal, com a saída do setor petroquímico, de biocombustíveis, de gás natural, de transporte e, por fim, com a entrega de 60% do parque de refino.
Essa privatização fatiada está transformando a Petrobras numa empresa desintegrada e que tem por consequência a perda da soberania energética do país.
Negócios lesivos ao país
Esse Plano de Desinvestimento, codinome para privatização, sofre de três problemas que o tornam imensamente lesivo ao Brasil:
- a) Todas as vendas estão sendo realizadas sem licitação, por meio de convites com compradores escolhidos a dedo e de forma obscura.
- b) O preço total é vil, o que salta aos olhos pela apreciação de poucos dados como se demonstrará.
- c) Implica sério ataque à soberania nacional ao presentear o capital estrangeiro com o controle de toda a malha de transporte de gás do país, a produção de fertilizantes, 60% do parque de refino, a distribuição de gás de cozinha e de uso industrial, termelétricas, o maior polo integrado de resinas de poliéster das Américas, o Complexo Petroquímico de Suape, e com as imensas reservas de óleo e gás do Pré-sal.
A premissa do Plano de Desinvestimento é a saída da Petrobras de áreas ditas “não estratégicas”, para levantar recursos a serem utilizados na atividade principal, a extração de petróleo, em especial da área do Pré-Sal.
Mas a venda do campo de Carcará e das gigantes concessões de Lapa e Iara, todos na bacia de Santos, demonstra que o Plano de Desinvestimento é uma grande fraude e foi urdido contra a própria Petrobras e o Brasil.
Pré-sal a preço de banana
Carcará é um dos maiores campos de petróleo do país, considerado uma das joias da coroa do Pré-sal, capaz de gerar enormes lucros. Um total de 66% do campo foi vendido para a norueguesa Equinor por irrisórios U$ 2,5 bilhões. Os outros 34% do campo pertencem a Queiroz Galvão e Barra Energia.
Mesmo considerando a pior estimativa de reservas de Carcará 700 milhões de barris o valor que a Equinor pagará é irrisório. Façamos as contas: US$ 2,5 bilhões divididos por 66% de 700 milhões de barris = US$ 5,41 por barril.
Mesmo considerando a pior estimativa de reservas de Carcará 700 milhões de barris o valor que a Equinor pagará por 66% do campo pertencentes a Petrobras (34% do campo pertencia a Queiroz Galvão e Barra Energia) por barril é irrisório.
Mas a negociata é ainda mais daninha: as reservas de Carcará chegam a dois bilhões de barris, como informa a Federação Brasileira de Geólogos com base em dados da própria Petrobras. Então, cada barril de óleo foi vendido por cerca de U$ 2!
Ou seja, quatro vezes menos que os U$ 8,51 por barril que a Petrobras pagou ao governo no contrato de concessão onerosa, firmado em setembro de 2010, para explorar e extrair cinco bilhões de barris do Pré-sal.
Negociata de igual magnitude ocorreu na venda de 35% do Campo de Lapa e de 22,5% da Participação da Petrobras na Concessão de Iara.
O campo de Lapa é um dos maiores do Brasil, com reservas provadas de 1,6 bilhões de barris de petróleo e 39 bilhões de metros cúbicos de gás.
A concessão de Iara contém oito campos de petróleo (Berbigão, Norte de Berbigão, Sul de Berbigão, Sururu, Norte de Sururu, Sul de Sururu, Atapu e Oeste de Atapu), com a fabulosa quantidade de 5 bilhões de barris de petróleo de alta qualidade.
Essa imensa riqueza foi presenteada à empresa francesa Total por irrisórios US$ 2,225 bilhões, e destes, apenas U$ 1,675 bilhão à vista.
No meio dessa negociata, a Total também foi presenteada com 50% da participação da Petrobras na Termobahia, empresa que controla duas usinas termelétricas:
- a) A moderna usina Celso Furtado, uma planta industrial integrada à refinaria Landulpho Alves, de Mataripe (RLAM), com capacidade nominal instalada de 185,89 MW de energia elétrica e 396 toneladas por hora de vapor.
- b) A moderna usina Rômulo de Almeida, uma planta industrial integrada ao polo petroquímico de Camaçari, com capacidade instalada de 138 MW de energia elétrica e 42 toneladas por hora de vapor, em ciclo combinado.
Essas vendas ocorreram por meio da nebulosa e tenebrosa “parceria” com a Total, mundialmente consagrada por corrupção de agentes políticos:
- a) Nos EUA, a Total assinou acordo de leniência reconhecendo a prática de suborno e corrupção ativa e pagou multa de US$ 245 Milhões por ter destinado propina a políticos iranianos com o objetivo de obter a concessão de South Pars, o maior campo de gás do mundo.
- b) Na França, a Total foi condenada a pagar multa de US$ 825.000 por corromper funcionários do governo do Iraque.
- c) Na Itália, altos executivos da Total foram presos por subornar políticos italianos, para obter a concessão do campo de petróleo de Basilicata, maior campo de petróleo terrestre da Europa.
A entrega da NTS e da TAG
A descoberta do Pré-sal elevou o Brasil à posição de grande produtor mundial de óleo e gás. Isso só foi possível devido a Petrobras.
A existência da Petrobras como empresa integrada de energia também é requisito essencial para realizar o processo de exploração e produção do Pré-sal de forma de eficiente.
Aqui vale a história do tesouro numa ilha distante e deserta: ele só tem valor se puder ser transportado da ilha para o continente. O óleo e gás do Pré-sal são o tesouro. A Nova Transportadora do Sudeste (NTS) é o barco. A Petrobras tinha o tesouro e o barco nas mãos. Vendeu o barco e agora depende do barqueiro para escoar toda a produção do Pré-sal das plataformas para o continente. A NTS é uma empresa 100% construída com dinheiro público, que controla uma imensa rede de dutos de gás natural, pelos quais o gás produzido nos campos de petróleo de alto mar na bacia de Campos e na bacia de Santos é transportado para o continente e distribuído.
Os dados publicados no “Manual da Assembleia Geral”, distribuído aos acionistas mostram que:
Essa rede de dutos está pronta e funcional e opera com lucratividade imensa, que atinge cerca de 85% do faturamento. Ela apresenta as seguintes características:
- a) De 2013 a 2015 o lucro bruto da NTS foi de R$ 8,369 bilhões.
- b) A projeção dos lucros da NTS até 2028 é de R$ 49 bilhões.
Esse gigantesco patrimônio foi doado pelo valor equivalente a cinco anos do lucro da NTS, ou seja: o feliz comprador pagou cerca de R$ 17 Bilhões e tem lucro garantido de R$ 49 bilhões.
A isso se soma a catastrófica cláusula “ship-or-pay”: a Petrobras assume o compromisso de pagar um valor mínimo de aluguel pela utilização dos dutos de gás da NTS, mesmo que não utilize toda a quantidade de gás prevista. Dessa cláusula resulta que a Petrobras pagará aos novos donos da NTS o valor anual mínimo de quase R$ 3 bilhões.
Na prática, a Petrobras fornecerá ao comprador o dinheiro para pagar as próximas parcelas. A venda da NTS representou imenso prejuízo à Petrobras, comprovado pelo Relatório ao Mercado Financeiro (RMF) do 2º trimestre de 2017.
O item 6 das informações adicionais do RMF contabiliza os ganhos apurados na venda da NTS. No mesmo item 6 do RMF destaca que, por outro lado, houve um aumento de 63% das despesas de vendas em relação ao trimestre anterior e que esse aumento é decorrente de:
Despesas de vendas de R$ 3.889 milhões 64% superior ao 1T-2017 (R$ 2.390 milhões) devido ao aumento dos gastos logísticos em função do pagamento de tarifas a terceiros pela utilização dos gasodutos, a partir da venda da NTS (R$ 1.010 milhões).
Vendas irresponsáveis
Aproximadamente, um sexto do valor recebido pela venda da NTS foi gasto com o aluguel dos próprios gasodutos em apenas um trimestre: todo o valor recebido pela venda da NTS terá sido pago em aluguéis em apenas 18 meses.
Mesmo ciente dos prejuízos obtidos com a venda da NTS, o governo e a direção da Petrobras resolveram vender outra importantíssima subsidiária a TAG.
Assim, como a NTS a TAG é uma empresa 100% construída com dinheiro público, que controla uma imensa rede de dutos de gás natural, por dos quais se transporta todo o Gás produzido no Norte e Nordeste do País. Isso representa cerca de 47% da extensão de gasodutos no Brasil e 26% do total de capacidade de transporte de gás natural do país.
A venda ocorreu nos mesmos moldes da NTS, com a cláusula “ship-or-pay”. A TAG produziu um lucro líquido de R$ 7 bilhões em 2016 e foi vendida para a ENGIE por 33 bilhões de reais, ou seja, por menos de cinco anos de lucro!
O resultado da venda da NTS e da TAG é que toda a malha de gás do país está hoje sob o controle da Brookfield (um fundo de investimentos estrangeiros) e do grupo francês de energia Engie.
O discurso governamental de se acabar com o monopólio do transporte de gás natural no país é uma verdadeira falácia, pois apenas transferiu o monopólio da Petrobras para dois grandes grupos privados estrangeiros.
A falácia do acordo com o CADE
A Petrobras firmou um termo de com – promisso de cessação de prática com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), órgão do Ministério da Justiça que busca fiscalizar, prevenir e apurar abusos do poder econômico. Nesse acordo se obrigou a vender oito refinarias. A Petrobras não era obrigada a assinar qualquer termo de compromisso com o CADE, pois não cometeu ou está cometendo qualquer infração à concorrência ou abuso do poder econômico.
Desde a Emenda Constitucional 09/95, que quebrou o monopólio estatal do petróleo, qualquer ente privado pode atuar na atividade de refino no país, conforme o artigo 53 da Lei do Petróleo.
A Petrobras detém a quase totalidade das refinarias do país. Desde a quebra do monopólio, praticamente nenhum ente privado quis arcar com os vultuosos cus – tos para a construção de novas refinarias.
Assim, não cabe ao CADE exigir que a Petrobras presenteie a iniciativa privada com as refinarias construídas com dinheiro público, sob o pretexto de prática abusiva ou monopolista.
Da mesma forma o CADE não pode exigir que a Petrobras efetue vendas sem licitação. Mas é isso exatamente o que consta do tal termo de compromisso: que a venda das refinarias seguirá a inconstitucional sistemática de desinvestimentos e o inconstitucional Decreto nº 9.188/17, burlando as regras da Lei das Estatais (Lei nº 13.303/16) pela qual qualquer venda de ativos deve obrigatoriamente ser feita por licitação.
Para burlar a lei e vender as refinarias sem licitação, a Petrobras:
- a) Criará uma empresa e para ela transferir os ativos (refinarias, terminais e o conjunto de oleodutos que interligam a refinaria e os terminais).
- b) Em seguida alienará 100% da participação na empresa criada, buscando se beneficiar da decisão proferida pelo STF na ADI 5624, de que para alienação de controle acionário, não se exige licitação, mas apenas procedimento concorrencial.
Ora, a Lei nº 9478/97 (Lei do Petróleo) autorizou a Petrobras a constituir empresas subsidiárias, apenas e tão somente para o “estrito cumprimento de atividades de seu objeto social que integrem a indústria do petróleo.” (Art. 64)
Por óbvio que o ato de criar uma subsidiária apenas para alienar os ativos sem licitação, não se encaixa no “estrito cumprimento de atividades de seu objeto social que integrem a indústria do petróleo”. Então é inconteste o desvio de finalidade, que “se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência.” (Artigo, 2º, “e”, da Lei 4717/65).
Tentativa de recolonização
A Petrobras cumpriu papel fundamental para garantir a soberania energética do país. Realizou altos investimentos no descobrimento e possui a tecnologia necessária para a exploração de novas e imensas reservas de óleo e gás no Pré-sal e em águas ultraprofundas, levando o país à autossuficiência na produção de petróleo.
Também investiu, de forma insuficiente é verdade, na construção de refinarias para garantir que o país não ficasse totalmente dependente das empresas estrangeiras para obter combustíveis (gasolina, diesel) e derivados.
Também fez altos investimentos na obtenção de formas alternativas de geração de energia com a construção de termelétricas, de unidades industriais para a produção de biodiesel.
Como empresa integrada de energia, também promoveu o aproveitamento eficiente de toda a matéria prima na indústria petroquímica e de fertilizantes, bem como construindo uma imensa infraestrutura para aproveitamento de circulação de matéria prima e produtos finais.
Em resumo, teve papel fundamental no processo de industrialização do país ao fornecer energia e matéria-prima para os mais diversos setores da indústria.
Por óbvio o processo de desintegração da Petrobras, tem o efeito reverso: a perda da soberania energética e do processo de industrialização, vez que deixa nas mãos do capital internacional a decisão sobre o que o país irá produzir, o quanto dessa produção será voltada para o mercado interno e, consequentemente, o que o país será obrigado a importar.
No caso das refinarias, por exemplo, vem sendo implementada uma política de sucateamento e redução da capacidade de refino para obrigar o país a importar cada vez mais combustível e derivados a preços regulados pelo mercado internacional, cujo resultado é o preço exorbitante nas bombas. A venda das refinarias vai aumentar ainda mais a nossa dependência das importações. Já se perguntaram por que Esso, Shell e outras, nunca quiseram construir uma refinaria no Brasil?
A resposta é simples: elas lucram muito mais explorando e extraindo petróleo bruto do país, refinando esse óleo nos países de origem e depois exportando os produtos para cá.
É a mesma lógica do Brasil colônia em pleno século XXI: exporta-se matéria prima e importa-se produto manufaturado. Barrar o processo de privatização da Petrobras é essencial para que o Brasil possa gerar emprego e renda e garantir combustível e gás de cozinha a preços baixos aos trabalhadores.