Cid Benjamin
A principal líder de massas da Guerra Civil Espanhola foi uma mulher: Dolores Ibárruri. Isso não era pouca coisa. Nos anos 30 a Espanha era um país profundamente conservador, com uma enorme influência da mais reacionária Igreja Católica de toda a Europa. O espaço para a participação das mulheres na sociedade e na política era ainda menor do que em outros países.
Dona de forte personalidade e portadora de grande coragem física, Dolores era uma excepcional oradora. Os relatos a seu respeito dão conta de que, com enorme carisma, ela unia emoção e razão nos discursos. Na sua pregação antifascista e a favor da revolução, Dolores foi, também, uma precursora na defesa dos direitos das mulheres, numa época em que não era comum a questão estar em pauta.
Ao nascer em 1895, em Biscaia, no País Basco, ela recebeu o nome de Isidora Ibárruri Gomez. Posteriormente, incorporaria a ele o codinome Dolores e adotou o pseudônimo Pasionária, com que firmou seu primeiro artigo político, em 1918, e a acompanharia pelo resto da vida.
Dolores foi casada, desde 1916, com um mineiro socialista, das Astúrias. No início dos anos 30, se separou dele e casou-se com um dirigente do Partido Comunista. Filiada ao Partido Socialista desde 1917, rompeu com ele em 1920 para participar da fundação do Partido Comunista Espanhol, do qual foi, até o fim da vida, militante e dirigente destacada.
A partir de 1930, passou a integrar o Comitê Central do PC. No ano seguinte, foi transferida para Madri, onde trabalhou no jornal do partido “Mondo Obrero”. Foi presa duas vezes, em 1931 e em 1933, tendo demonstrado sempre coragem pessoal. Conta-se que, no dia 1º de maio de 1931, um policial tomou a bandeira vermelha que ia à frente de uma manifestação de trabalhadores em Bilbao, mas foi atacado por Dolores, que recuperou a bandeira e saiu com ela à frente da passeata.
Outra história que mostra a bravura de Dolores aconteceu quando da vitória eleitoral da Frente Popular em fevereiro de 1936. A Pasionária estava em Oviedo, onde havia 940 presos políticos. Como a anistia política era uma bandeira da Frente Popular, Dolores foi à prisão à frente de uma manifestação que cercou a prisão, exigindo a libertação imediata dos presos. As autoridades se negavam a libertá-los enquanto não recebessem instruções superiores. A situação ficou tensa e os guardas ameaçaram atirar contra os manifestantes, quando Dolores entrou sozinha no presídio e afirmou que não sairia enquanto os demais não fossem libertados. O chefe da polícia e o diretor da prisão cederam e aceitaram soltar os presos desde que Dolores assumisse a responsabilidade por isso. Ela aceita, assume o controle da prisão e, de posse das chaves, abre pessoalmente as celas e solta os presos, que foram recebidos em festa pelos manifestantes. O episódio fez com que crescesse ainda mais seu o prestígio.
Dolores teve seis filhos, o mais velho dos quais e o único homem, Rubén, tenente do Exército Vermelho, morreu na batalha de Stalingrado (17 de julho de 1942 a 2 de fevereiro de1943), episódio decisivo na Segunda Guerra Mundial.
Em 1937, já durante a Guerra Civil, Dolores foi eleita vice-presidente das Cortes Republicanas.
Em seus célebres discursos cunhou duas frases que se tornaram famosas: “Para viver de joelhos, é melhor morrer de pé!” e “Não passarão!”
Embora Dolores as tenha repetido frequentemente e sido a principal responsável por sua popularização, essas frases não são de sua autoria. A primeira delas é atribuída inicialmente ao revolucionário mexicano Emiliano Zapata (1879-1919) e a segunda seria de um subordinado do general francês Philippe Pétain (1856-1951, herói francês na Primeira Guerra Mundial e, posteriormente, colaborador com a ocupação nazista, na Segunda Guerra).
Depois da vitória dos fascistas na Guerra Civil, em 1939, Dolores exilou-se na antiga União Soviética, onde era a representante do PC espanhol na III Internacional. Em 1942, com a morte do secretário-geral José Diaz, foi eleita para o seu cargo no PC, que ocupou até 1960, quando foi substituída por Santiago Carrillo. Regressou à Espanha apenas em 1977, depois da morte do general Francisco Franco, tendo sido deputada e líder honorária do PC até à sua morte, em 1989.
Dolores sempre foi alinhada com a União Soviética, sendo até o fim da vida defensora incondicional de Stalin e, posteriormente, dos dirigentes soviéticos que o sucederam. Permaneceu alinhada com as posições do PC soviético mesmo quando os comunistas espanhóis romperam com Moscou e adotaram o chamado eurocomunismo.
Em 1962 a Pasionária publicou as suas memórias, intituladas “O único caminho”. Em junho de 2005, 16 anos após a sua morte, Dolores Ibárruri foi eleita presidente de honra perpétua do Partido Comunista Espanhol.
Cid Benjamin é jornalista e militante do PSOL