Cid Benjamin
No período em que morei em Santiago do Chile, fui muitas vezes à Peña de los Parra. As peñas chilenas eram uma espécie de botequins, relativamente baratos, em que se bebia um bom vinho nacional, se comia empanadas (pastéis de forno típicos) e se escutava a (melhor) música do país. Na pequena Peña de los Parra, os músicos se revezavam, quase se confundindo com os frequentadores, e as mesas e cadeiras espremiam o palco, num ambiente extremamente acolhedor.
Era em torno de 1972, 1973. Eu tinha ingressado no país com documentos falsos, pois retornaria clandestinamente ao Brasil, depois de ter sido libertado da prisão em troca do embaixador alemão, sequestrado pela guerrilha em junho de 1970. No entanto, prisões e mortes inviabilizaram o retorno e fui obrigado a permanecer no Chile. Minha sitação irregular não tornava recomendável que circulasse no seio da colônia brasileira, onde havia muitos informantes.
Criei, então, um circuito próprio de atividades, inclusive de lazer: a Peña de los Parra, criada por Violeta, àquela altura já morta, era parte desse circuito. O local era mantido por seus dois filhos, Angel e Isabel.
Parra, também músicos. Ao longo de muitos meses, quase toda semana eu aparecia por lá. Só não ia mais vezes por falta de dinheiro.
Com o tempo, conheci Angel, que lá pelas tantas me convidou para fazer parte de um grupo de música folclórica chilena que ele estava começando a organizar, pois eu tocava violão, ainda que não fosse exatamente um virtuose.
Tudo corria bem, até que, em meio a um ensaio apareceu uma equipe de TV para uma reportagem com o grupo. Fui obrigado a contar para Angel qual era a minha situação e explicar-lhe que não poderia aparecer. Com isso, minha recém-iniciada carreira de folclorista chileno chegou ao fim. Mas devo admitir que ela não era muito promissora.
De qualquer forma, continuei a frequentar a peña regulamente até perto de setembro de 1973, quando adveio o golpe de estado que derrubou Allende e deu início à ditadura de Pinochet.
Desnecessário dizer que, com o golpe militar, a Peña de los Parra foi fechada. Angel e Isabel tiveram que se esconder e, depois, se exilar na França para não terem o mesmo fim de Victor Jara o mais talentoso músico dessa geração preso e assassinado pelos golpistas.