O lutar pelos direitos das mulheres, a garantia de vida, sua dignidade, o bem viver e a luta de classe historicamente são entrelaçados. Aliás, o dados nos mostram que a luta das mulheres eleva não apenas a qualidade de vida própria, como a da classe trabalhadora diretamente, como, por exemplo, a luta por moradia digna, que na minha cidade, Belém, no coração da Amazônia, chega à marca bastante ilustrativa de 8 a cada 10 solicitações de terrenos para alcançar a regularização fundiária, como sendo para mulheres chefes de família. A classe trabalhadora brasileira, do privado ao público, é liderada por mulheres.
No Brasil, da história que classicamente sabemos pelos livros, desde os tempos da colônia, as mulheres lutam por seus direitos, e algumas dessas lutas continuam até hoje, como direito à própria vida, por espaço na política, educação, saúde, segurança, melhor acesso ao mercado de trabalho, igualdade salarial. Se sairmos da invenção histórica da categoria de mulher como algo homogêneo, o que não está nos livros nos diz ainda mais sobre a luta das mulheres: várias mulheres, os vários rostos que formam o Brasil são resistência em suas especificidades, em seus territórios, em suas defesas. As mulheres negras, das escravizadas no Novo Mundo às chamadas Barbadas, das que estavam aqui antes de Cabral às cabanas, todas estiveram gritando por suas vidas e pela vidas seus filhos. As indígenas foram devastadas, ao contraponto do avanço, do que considera-se a “civilização”: pura e invisível resistência.
Embora existam avanços conquistados, pouco a pouco, que em diversos tempos foram retirados e reconquistados, com o empenho de muitas mulheres aguerridas, que foram se aglutinando e se organizando politicamente, há muito o que conquistar para a mínima condição de humanidade, para não parecer um segundo sexo, aludindo às grandiosas páginas de Beauvoir. Muitas destas lutas precisam se manter vivas, pautas ainda precisam ser alcançadas, sem opção de parar sob ameaça de que se volte à condição de sub-humanização em que o ‘despresidente’ genocida se refere ao dizer que mulheres são “fraquejadas”.
Há muitas dificuldades para que mulheres vivam com qualidade e tenham sua dignidade e integridade respeitadas, especialmente as negras e indígenas, que são a cara do povo pobre do Brasil – não por acaso, mas fruto de um processo histórico de opressão. A mobilização feminista, portanto, é muito maior do que aquilo que é considerada, se tivermos por ela todas as movimentações das mulheres cis e trans, autodeclaradas feministas ou não. As mulheres negras sequer eram reconhecidas pessoas até um momento recente da história do Brasil, quanto mais feministas. Em muitos momentos da história da mobilização feminista do Brasil, o movimento que conhecemos caracterizado como feminista também lutou e em grande medida deu direção, foi a vanguarda, porque estava em condições de ser.
O movimento feminista brasileiro teve o desembocar das mulheres negras e indígenas muito recentemente. Teve contradições, amadureceu, agregou e ganhou força, não deixando de caminhar e ter conquistas. Como nos anos 1980, com a criação do Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres, que com o passar do tempo ganhou status ministerial e tornou-se a Secretaria de Política para as Mulheres, extinta pelo governo Michel Temer.
O movimento feminista traz em sua trajetória grandes conquistas que, por falta de educação crítica para política que paute equidade de gênero e raça, passam despercebidas aos olhos da população, fazendo com que muitas pessoas não compreendam a importância do feminismo antirracista para uma sociedade mais justa.
Por isso, a caminhada de luta ainda é grande quando se pensa em respeito aos direitos das mulheres e o fim da desigualdade racial e de gênero.
Algumas bandeiras em particular do movimento merecem grande atenção, como a violência contra a mulher, a diferença salarial entre gêneros, pouca inserção feminina no meio político, violência de gênero na política, casos de assédio e preconceito contra a mulher, necessidade de exames preventivos e maior informação, acesso a métodos contraceptivos gratuitos e amamentação em lugares públicos. Além disso, compreender como a sociedade exclui simbolicamente as mulheres dos espaços públicos, cobram dela a servidão, aptidão pelo cuidado e o trabalho não remunerado, romantizando a maternidade e padronizando seus corpos.
Atualmente, uma das grandes rixas entre o movimento feminista e os políticos da bancada evangélica do Congresso Nacional está relacionada à questão da descriminalização do aborto, que há algum tempo passou a ser uma das mais discutidas bandeiras do feminismo no Brasil.
Com a internet e as redes sociais, a mobilização do movimento feminista ganhou ainda mais força, com a possibilidade de juntar mais mulheres, de todo e qualquer lugar, para engajarem ainda mais a luta pelas suas pautas. Como por exemplo, as eleições de 2022, onde as mulheres têm um papel fundamental.
O certo é que de 1932 para cá, desde que um grupo de mulheres acessou o direito ao voto, o mundo eleitoral mudou bastante: somos a maioria do eleitorado e a maioria das chefias das famílias brasileiras. No entanto, ainda assim, somos 15% apenas, dentro Casas Legislativas e tivemos a única mulher da história a ser presidente da República arrancada da cadeira sob os olhos de todos.
Nosso compromisso neste ano, conosco e com a história de luta das mulheres, é resistir. Derrubar o bolsonarismo que nos iguala a animais e que nos mata todo dia um pouco.
Por Lívia Duarte