Tão importante quanto a unidade de ação, que confere uma ampla maioria de setores sociais na defesa da democracia, os atos de 11 de agosto expressaram esse novo momento de protagonismo de setores da nossa classe.
São Paulo, 13 de agosto de 2022. Por Fernando Silva (Tostão)*.
O dia 11 de agosto foi marcado por atos amplos e plurais em defesa da democracia, em pelo menos nas 26 capitais do país, mais o Distrito Federal e em inúmeras outras cidades e universidades do país. Em todo o país, foram dezenas de milhares de pessoas que se reuniram em atos de rua e em universidades para repudiar a escalada golpista do governo Bolsonaro.
Cabe um destaque para os atos em São Paulo, durante todo o dia, onde foi realizada a principal manifestação unitária, na Faculdade de Direito da USP, no Largo São Francisco. Além de concentrar milhares de pessoas nos pátios e nas ruas do Largo, foram lidas as cartas em defesa do Estado Direito – a principal e mais ampla delas produzida por professores e estudantes do Direito da USP, inspirada também na Carta aos Brasileiros de 77, documento que foi um dos marcos da resistência democrática à ditadura militar vigente.
A carta democrática da Faculdade Direito da USP, Estado de Direito Sempre, tem caráter bem nacional e popular. Já foi assinada por mais de um milhão de pessoas e por mais de 500 entidades. Não é a mesma carta articulada pela Fiesp e pela Febraban, que preferiram um documento próprio, sem os movimentos sociais, mas que, de toda forma, expressa também um distanciamento importante do patronato e do capital financeiro dos anseios golpistas de Bolsonaro.
O 11 de agosto pode vir a ser um marco divisor na luta contra o golpismo, contra qualquer tentativa de inviabilizar as eleições e seus resultados, caso este movimento tiver sentido de continuidade, de mobilização e de entendimento que a luta contra o fascismo bolsonarista não terminará nas eleições e nem mesmo com a derrota deste.
Este movimento e seus atos são expressão de uma tática necessária para momentos defensivos em particular: a mais ampla unidade de ação entre todos aqueles que tenham um único objetivo, que é derrotar as tentativas de instalação de golpes e regimes autoritários ou impulsionar a luta democrática contra ditaduras. Compreende e aceita, deste ponto de vista, a unidade policlassista, pois o objetivo é exclusivamente democrático.
Em outros momentos da história política do país dos últimos 40 anos, já vivemos tais situações, como o movimento das Diretas Já!, sob a ditadura militar, nos anos 80, e o Fora Collor, no início dos anos 90. Nestas ocasiões, em torno de um objetivo democrático, atos massivos de rua, cartas, palanques compartilhados entre entidades patronais e dos trabalhadores e estudantes, entre partidos operários e socialistas e burgueses eram comuns, muito corretos e foram muito importantes, decisivos para o avanço extraordinário na luta para pôr fim ao regime militar e na derrubada do governo Collor, no segundo caso.
Um novo ciclo na diversidade e força dos movimentos
Mas não se trata apenas de resgatar as similaridades deste movimento com os dos anos 80 e 90. É preciso destacar as novidades e potencialidades, que foram evidentes nos atos democráticos, com a cara mais negra, feminina e jovem expressa na fala e participação de diversos movimentos sociais e também na representação das professoras e personalidades das universidades.
Tão importante quanto a unidade de ação, que confere uma ampla maioria de setores sociais na defesa da democracia, os atos de 11 de agosto expressaram esse novo momento de protagonismo de setores da nossa classe historicamente mais explorados: os negros e as mulheres.
O resgate do racismo estrutural no país é uma componente inseparável da luta democrática e, como num simbólico acerto de contas com o passado e presente escravocrata e genocida do Brasil, a cara da luta antifascista e golpista no país mostrou-se também mais periférica, negra, jovem e feminina nos atos de 11 de agosto. Uma diversidade expressa também nas representações de sem-teto, sem-terra e movimentos sindicais.
E não o fizeram de forma diluída. No marco da unidade em torno da carta e da defesa da democracia, muitas das falas dos movimentos sociais foram aulas de manutenção do perfil próprio, das suas bandeiras, da sua identidade de classe explorada.
Só para citar dois exemplos vistos nos atos do Largo São Francisco: a fala de Beatriz Santos, da Coalizão Negra por Direitos, destacou a interligação estrutural de democracia com a luta antirracista, ou seja, não há democracia verdadeira no país enquanto houver racismo. A representante do Centro Acadêmico 11 de Agosto, da Faculdade de Direito da USP, Manuela Morais, leu a carta da entidade e destacou que precisamos de uma “democracia que seja uma antítese da que temos hoje. Uma democracia da diversidade, uma democracia dos trabalhadores”. Denunciou, também, o genocídio, a fome e a desigualdade social como obstáculos para que se chegue a uma verdadeira democracia.
A mensagem prática e as tarefas que se avizinham
Não se deve desprezar em nada (estranho isso) o perigo de uma aventura golpista ou de uma chantagem sobre o sistema eleitoral. As provocações bolsonaristas são diárias. Bolsonaro não cessa de atacar as urnas eletrônicas em suas redes e discursos mentirosos. O Ministério da Defesa faz questionamentos e pedidos inaceitáveis ao TSE, querendo exercer um papel de fiscalizador das eleições que de forma alguma e em lugar algum da Constituição está previsto.
A próxima provocação, seguramente, virá dos atos golpistas do 7 de Setembro, em que pese a pouca capacidade de ampliação destes atos que o bolsonarismo vem encontrando.
E a resposta do movimento democrático deverá vir em seguida, com uma potente jornada de atos em 11 de setembro. Em que pese Bolsonaro não ter maioria social para um golpe, essa disputa não está ganha. Em um cenário onde as eleições se confirmem na direção da vitória de Lula, vamos enfrentar, seguramente, alguma grande provocação, que exigirá a mais ampla unidade e capacidade de mobilização.
Do nosso ponto de vista, ao Lado(não sei se ele colocou com l maiúsculo intencionalmente) da luta democrática, se impõe a tarefa de lutar pela vitória eleitoral de Lula, garantir sua posse, mudar a composição do Congresso Nacional e das Assembleias Legislativas e contribuir, por fim, para que um renovado, diversificado e amplo movimento social combativo lute e pressione por mudanças estruturais sob o próximo governo, na direção de reconstruir o Brasil como uma República dos Direitos. E, para estes objetivos, podemos considerar o 11 de Agosto como um ponto de partida indispensável e com uma mensagem cristalina: a democracia fica, Bolsonaro sai.
*Tostão é jornalista, militante da Insurgência e membro do Diretório Nacional do PSOL.