Y: Olá! Boa tarde, boa noite, bom dia, não sei que horas vocês vão estar assistindo essa entrevista. Eu sou Yuri Silva, editor-chefe da revista Socialismo e Liberdade, o periódico da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, que é o braço intelectual e de formulação do PSOL.
É um prazer receber aqui, nesta entrevista da sessão Pontos de Vista, da revista Socialismo e Liberdade, o querido Juca Kfouri, que dispensa apresentações; jornalista esportivo, colunista do blog do UOL, da Folha, foi apresentador da TVT, cursou Ciências Sociais na FFLCH, na USP, trabalhou no departamento de documentação da editora Abril, depois chefiou o setor e também chefiou a reportagem da revista Placar, teve passagem pela TV Tupi, antes de retornar à Placar como diretor de redação, substituindo o Milton Coelho da Graça. Ficou famoso pela sua crônica esportiva, também muito relacionada à política, denunciou casos como a máfia da loteria esportiva e pela sua atuação, chefiando a redação da Placar, matéria na época (?) do Sérgio Martins, que quase venceu o prêmio Esso. Também denunciou esquemas envolvendo cartolas, como o Eduardo José Farah, o Ricardo Teixeira, ainda em meio a uma atuação que tornou a Placar, talvez, a grande revista esportiva do Brasil, além de ter dirigido a redação da Playboy. Foi comentarista da Record, do SBT, da Globo, da TV Cultura, no Cartão Verde, ao lado de nomes como Flávio Prado, José Trajano e Armando Nogueira. Foi colunista também de O Globo, da Folha, que já foi e voltou a ser, e depois do Diário Lance. Passou ainda pela RedeTV, pela rádio CBN, pela ESPN Brasil e, desde 2018, faz o Entrevistas na TVT.
Juca, um prazer poder conversar com você aqui na Fundação Lauro Campos, para a revista Socialismo e Liberdade, muito bem-vindo!
J: Prazer é todo meu né, Yuri! Ainda mais nessa semana da grande vitória, né!? Eu ficava pensando quando a gente marcou: “Imagine se essa entrevista for dada no clima de velório, de ter acontecido o pior que poderia acontecer para o Brasil”, que seria uma derrota. Derrota essa que foi buscada de maneira como nós nunca vimos, nunca se viu tanta gastança, tanta compra de voto, tanta coisa. E, aliás, materializada agora nessa reportagem recente do Caco Barcellos. Imagina se ali na fronteira com Paraguai fez-se o que se fez, numa cidadezinha pequena do Mato Grosso do Sul o que não se fez por aí afora e que a gente nem sabe, mas que a gente percebe no reflexo de uma eleição que, no primeiro turno, teve quase 6 milhões de votos de diferença e, no segundo, apenas dois. O que se comprou de voto pelo país afora foi uma grandeza, mas enfim, estamos aqui comemorando, festejando, a volta do Brasil ao seu eixo.
Y: Sem dúvida! A volta do Brasil à nova República, ao seu eixo democrático.
Você, Juca, vou começar com uma pergunta que me fizeram aqui quando estava nas preparações: para combater fascista, quando a PRF não age, as torcidas organizadas resolvem?
J: Então, você viu que as torcidas organizadas do Galo, do Corinthians, foram muito mais competentes do que a Polícia Rodoviária Federal, que obviamente acumpliciou-se com o sociopata. Aliás, o chefão da PRF é um cidadão, o tal do Vasquez, de ficha sujíssima. Já foi processado por corrupção, tentando tomar dinheiro de empresário, já agrediu frentista de posto de gasolina, já fez de tudo. Quer dizer, é um típico membro da família, amicíssimo dos filhos, do 01, do 02, do 03, sei lá de qual zero que ele é amigo, mas dá a medida desta verdadeira quadrilha que se formou de milicianos durante esses quatro anos no Brasil.
Y: Verdade, sem dúvida! Todos nós vimos aí, desde as operações que tentaram impedir o povo do Nordeste de votar, e eu que sou baiano aqui em São Paulo, acompanhei com atenção e apreensão isso. Até agora a ação ou falta de ação da PRF nesses casos de bloqueio de vias… é realmente muito politizada a atuação desse senhor.
Eu queria te perguntar; você que é jornalista esportivo, que reporta o futebol e os demais esportes, sempre sob uma ótica bastante política, analítica, aí também bebendo das informações dos bastidores. Como a política e o esporte, especialmente do futebol, se relacionam na prática? O Brasil tem um histórico de uso do esporte para fins políticos, para eleições, durante a ditadura militar, inclusive. O que mudou nessa relação do esporte, especialmente do futebol, com a política ao longo dos anos em que você é cronista esportivo?
J: Yuri, veja bem, eu não te diria que não mudou nada e não é um fenômeno exclusivo essa tentativa de utilização pelas ditaduras, também regimes democráticos fazem isso. Vou te dar um exemplo claríssimo que eu gosto muito de usar: não sei se você se lembra quando o Brasil voltou campeão do mundo no governo Fernando Henrique Cardoso, 2002. Em vez do presidente Fernando Henrique, legitimamente eleito pelo povo, professor, sociólogo, poliglota, iluminado, em vez de ele ir ao aeroporto de Brasília condecorar os jogadores que vinham de uma viagem de 25 horas de Tóquio, mandá-los para casa para descansar e comemorar com suas famílias, os fez subir no caminhão de bombeiros e, durante 7 horas, eles fizeram o trajeto do aeroporto ao Palácio.
O único que tava com a cabeça certa ali foi o Vampeta, que encheu a cara de cerveja e deu cambalhota na rampa do Palácio com a camisa do Corinthians, porque aquilo foi um absurdo. Imagina se isso tivesse acontecido no período da ditadura… nós diríamos que a ditadura desrespeitava os direitos humanos a tal ponto que até a Seleção Brasileira sacrificou-se para atender as vontades do ditador e não foi, foi em plena democracia. Com um iluminista presidente da República. Então quando a ditadura usou a conquista de 70, “ninguém segura esse país”, “Brasil ame-o ou deixe-o” e tudo mais, foi um momento realmente preocupante e triste da nossa história, mas eu te pergunto, Yuri, que memória ficou da conquista de 70? O que a história registra da conquista de 70? O Pelé, o Tostão, o Gerson, o Rivelino, o Carlos Alberto Torres ou o presidente torturador? Ou o presidente do período em que mais se matou, desapareceu e torturou com oposicionistas do Brasil? A imagem que ficou não é do Médici de radinho de pilha torcedor de futebol, a imagem que ficou é do Médici do período mais terrível da história brasileira. Então, eu não tenho dúvida de que a tentativa de usar o esporte como propaganda política tem pernas curtíssimas, porque isso, no fundo no fundo, é você duvidar da capacidade do povo de discernir entre uma coisa e outra. É óbvio que esporte e política se misturam porque tudo se mistura com política, agora a utilização que se faz disso não é uma garantia de linha direta com os acontecimentos.
Lembremos: a presidenta Dilma foi vítima de uma cafajestagem da elite branca brasileira na abertura da Copa do Mundo, em Itaquera. Bom, foi vítima de uma cafajestagem perante não sei quantos chefes de estado, o Brasil foi eliminado daquela copa perdendo de 7 da Alemanha e de 3 -de 3 ou 4- da Holanda e a Dilma foi reeleita em seguida, três meses depois a Dilma estava reeleita. Aparentemente era uma coisa que não aconteceria e ela ganhou a eleição do Aécio Neves, desse outro cafajeste, que, imediatamente, passou a sabotar o governo dela em tabelinha com Eduardo Cunha. Enfim, não tem uma relação direta do ponto de vista eleitoral. Agora tem, permanentemente, uma relação entre futebol e política, entre esporte e política. Isso é indiscutível, inegável.
Eu digo sempre isso, Yuri, a maneira que você toma café da manhã, isso é política. É você que prepara seu café da manhã? É alguém que vive com você que prepara seu café da manhã? É uma funcionária que prepara? É um mordomo de fraque e baixelas de prata? Tudo é político, até tomar café da manhã.
Y: Sem dúvida. Na sua coluna da Folha de ontem, dia anterior ao dia em que estamos gravando esta entrevista, você diz que a normalidade está quase de volta, falando do resultado das eleições, e fala que será bom se o esporte e a política continuarem a se misturar somente na medida certa. Qual é a medida certa? Qual é o limite?
J: Boa! Boa, Yuri! A medida certa, sabe qual é? E está embutida aí uma cobrança já, que é o papel do jornalista. A medida certa é que o esporte passe a ser tratado no Brasil como fator de saúde pública, e não necessariamente para formar campeões. Na verdade, Yuri, nós fazemos exigências em relação aos nossos atletas absolutamente descabidas porque, com raríssimas exceções, o esporte brasileiro é muito maltratado, e o esporte brasileiro tem que ser tratado, antes de mais nada, como fator de saúde pública. Há uma pesquisa feita anos atrás pela Organização Mundial da Saúde que revela que a cada dólar que você investe em democratização do acesso à prática esportiva, você poupa 3 em saúde pública.
O Ministério da Saúde no Brasil é o ministério da doença, é o ministério que corre atrás de médicos, de leitos, de hospitais. O Ministério que deveria ser o da Saúde, é o do Esporte, promovendo o esporte na escola, promovendo esporte para terceira idade, promovendo esporte para quem tem deficiência física. Nós somos milhões e milhões. A massificação do esporte do Brasil, necessariamente, fará com que talentos brotem, e aí o talento você cuida de uma outra maneira. O cuidar do talento não é necessariamente uma obrigação do Estado, obrigação do estado é prover saúde, é dar oportunidade à prática esportiva. Isso não se fez até hoje no Brasil, nem mesmo nos governos populares, não se fez uma verdadeira política, com P maiúsculo, de Prática Esportiva. Eu, a partir de 1º de Janeiro, vou estar chateando o presidente Lula para que faça isso, porque essa é uma tarefa, tá?
Daí você colhe frutos, inclusive, dos esportes de alto rendimento. Porque veja, o Brasil tem, no atletismo, verdadeiros campeões que são todos de geração espontânea, não são frutos de um trabalho, de uma política… são frutos de si mesmos, tamanho o talento que eles têm. Ademar Ferreira da Silva, João do Pulo, Joaquim Cruz e tantos outros. Então é necessário olhar. Essa é a política que interessa quando se relaciona com esporte. Agora, se o Neymar apoia, problema do Neymar, ele que agora se explique, ele que agora se explique. Não é dessa política que estou falando.
Y: Você falou na sua resposta que essas figuras excepcionais nascem, no Brasil, por conta própria, por conta do seu talento e não por incentivo. Isso do ponto de vista do incentivo ao esporte precisa mudar.
Eu queria perguntar, na verdade, sobre outra coisa, ainda na política. Isso também explica o fato de as nossas lideranças esportivas serem tão despolitizadas ao longo da história, por não terem um acompanhamento de política pública?
J: Yuri, você matou a charada! Mas o que são os nossos cartolas se não representantes do que há de mais retrógrado, de mais reacionário da elite brasileira? Uma gente que se utiliza dos clubes para enriquecer, ou das entidades como a CBF, como o Comitê Olímpico Brasileiro, para enriquecer. Não são nada além disso.
Daí tantas e tantas denúncias que eu fiz pela minha vida fora, porque essa gente, sob o pretexto de servir aos clubes, se sacrificarem em nome dos clubes, explora os clubes e explora ao ponto dos clubes viverem endividados e eles ficarem todos milionários. Não é outra realidade. Você é da Bahia, eu não sei se você é Bahia ou Vitória, espero que você seja Bahia Minha Porra ou não, é Vitória?
Y: Sou Vitória, Juca. Meu pai…
J: Você veja lá o que o Sr. Paulo Carneiro fez com o Vitória, veja lá! E veja a situação dele. Agora, eu brinco sempre e você me desculpe, Yuri, é que eu tenho uma profunda simpatia pela torcida do Bahia por uma razão muito simples e você sabe disso tão bem e melhor do que eu. O que a torcida do Bahia fez para tirar o Bahia da mão do esquema ACM e Paulo Maracajá e o diabo a quatro, foi uma beleza. Aquele dia que 50 mil torcedores foram para a Praça Castro Alves e aquilo mudou a história do Bahia, democratizou o acesso ao poder no Bahia. Não que tenha ficado às mil maravilhas, não! O Bahia tem dificuldades, como têm todos os clubes que não são do Sul Maravilha, pela distribuição absolutamente injusta de riqueza, como se dá no país em geral, especificamente tratando dos clubes de futebol. Muito difícil para o Bahia, ou para qualquer clube que não seja do eixo, competir de igual para igual. E o Bahia, assim mesmo, ainda tem. Ganhou a primeira Taça Brasil, ganhou o primeiro, foi o primeiro time nordestino a ganhar o Campeonato Brasileiro, mas sabe Deus a que sacrifício, com que sacrifício, né?!
Então essa gente só faz explorar e só faz apoiar o que há de pior, o que há de pior… infelizmente. São raras as exceções, raríssimas exceções de dirigentes politizados e de dirigentes que têm um olhar mais generoso do povo brasileiro. Eles são, na verdade, verdadeiros vampiros.
Y: No período Bolsonaro, o STJD julgou alguns atletas por pedirem a saída do presidente do cargo, por manifestar sua opinião política. Esse não é um caso isolado, não é uma atitude isolada, faz parte de uma história de cartolas e de uma elite do futebol que também é uma elite econômica e política?
J: Então… o que se fez com a Carol Solberg, que é o caso que você tá se referindo, que falou “fora Bolsonaro” ao receber um prêmio no vôlei de praia, é dar a medida, né?! Aquilo, se não houvesse uma grita, como a gente fez, Yuri, eu fiz o presidente da OAB, o Felipe Santa Cruz, que evidentemente não é um especialista em justiça esportiva, mas imagina o peso do presidente da OAB dizer “farei a defesa da atleta”. Eles queriam expulsá-la, depois perceberam que eliminá-la seria muito sério, resolveram multá-la, a gente não aceitou. Resolveram adverti-la, advertiram e nós derrubamos, em seguida, a advertência, porque era um absurdo você querer caçar a palavra de uma atleta. Se ela tivesse dito “Viva Bolsonaro”, não teria acontecido nada porque é essa hipocrisia que diz “esporte e política não se misturam”, mas se bajula o poder, se misturam sim, uma boa(?), é tudo que eles querem.
E digo mais para você, Yuri: assim será agora com o presidente Lula. Essa gente não tem a menor vergonha na cara, bajulam quem está no poder. Nós temos que ter clareza sobre isso e não nos deixar enganar por isso. Muita coisa não foi feita no Brasil quando pôde ser feita sob o pretexto de que “olha, tá tudo bem, não vamos criar caso”. Te dou um exemplo: a discussão sobre a regulação da mídia. Ora, a regulação da mídia em nenhum momento passa por qualquer ideia de censura. Imagina se nós, jornalistas, iríamos estar aqui defendendo censura?! Mas, por exemplo, aquilo que a Jovem Pan faz está longe de ser imprensa. Não é isso? O que ela virou? Ela virou uma difusora de notícia mentirosa, das chamadas Fake News. Isso tem que ter, evidentemente, um limite, limite que, felizmente, o Tribunal Superior Eleitoral tratou de estabelecer, tardiamente, mas acabou estabelecendo. Eu perguntei para um alto dirigente do governo brasileiro:
– Escuta, mas por que não se fez isso?
– Porque, Juca, sabe como é… quando tá tudo muito bem e eu vou mexer no espinheiro e tal, achamos melhor não mexer.
Bem, a gente viu o que aconteceu: derrubou-se a Dilma, como? Um golpe jurídico, parlamentar e midiático, indiscutivelmente midiático. Quanto tempo demorou para o William Bonner olhar para o Lula e dizer “o senhor não deve nada à Justiça”? Depois daquele massacre ao qual o Lula foi submetido, sem ter como se defender. Espero que agora não haja essa ilusão.
Veja bem o que eu estou falando, Yuri, não estou propondo nenhum enfrentamento que não leve em consideração a correlação de forças. Eu sei perfeitamente de todas as dificuldades e de como o presidente Lula terá que governar com a Frente Ampla que o elegeu. De certa maneira, o presidente Lula vai fazer um governo de transição porque a destruição que se deu nesse país, nos últimos 4 anos, foi algo colossal, nós não conhecemos a extensão disso. A gente vê pelo que se fez na Amazônia, pelo que se fez no Pantanal, fisicamente, mas destruiu-se a política cultural, destruiu-se a política educacional, tentou-se destruir a política de saúde, né?! E se não fosse o SUS, Yuri, não teriam morrido 700 mil pessoas, um recorde mundial, teriam morrido muito mais. Isto tudo terá de ser reconstruído com 33 milhões de pessoas passando fome hoje e que continuarão a passar fome até o dia 01 de janeiro. E que é a prioridade número um -e que tem que ser ser-. “O pobre no orçamento”, como diz o Lula, mas tudo isso terá que ser feito concomitantemente com um novo ordenamento que cuide da democracia brasileira, que dê à democracia brasileira armas, no bom sentido, para que ela se defenda e que ela não possa mais ser vítima de um fascistóide que criou uma realidade paralela no Brasil. Yuri, você tem visto o que foram as manifestações. Yuri, as pessoas não sabem dizer o que elas estão querendo, as pessoas dizem “queremos um Brasil melhor”, “a televisão perdeu a credibilidade”. Gente marchando ridiculamente, pedindo que o exército intervenha, pedindo ditadura. A gente só vê o povo indo para a rua contra ditaduras, a gente tá vendo gente indo à rua pedir ditadura, mas porque estão vivendo em uma realidade que não tem nada a ver, quer dizer, é mais grave que o terraplanismo. Nós vamos ter que saber lidar com isso.
Y: Nesse sentido, Juca, qual você acha que é o papel da esquerda brasileira? Você é um jornalista esportivo, renomado, mas também uma figura da esquerda brasileira. Como você acha que a esquerda brasileira vai precisar agir no próximo período? A gente perdeu a capacidade de galvanizar, de mobilizar o sentimento das pessoas? De entender esse sentimento e reverter ele em discurso?
J: Yuri, veja bem, não quero, ainda mais nesse momento que nós estamos comemorando, não quero de forma nenhuma passar uma ideia pessimista, primeiro e só isso e só por isso conseguimos a vitória eleitoral que se conseguiu, embora claro com derrotas, perder em São Paulo é gravíssimo, né? Se não fosse o nordeste, as coisas teriam se complicado bastante, embora aqui em São Paulo tem havido progresso, quer dizer, se não fosse a votação do Haddad, provavelmente o Lula perderia a eleição, quer dizer, conquistou-se em São Paulo um percentual de votos que não havia para os progressistas. Agora, a primeira coisa nesse aspecto é de novo o investimento em educação, em educação, é ressuscitar Paulo Freire, é fazer com que as pessoas passem a ter consciência do lugar onde vivem e dos direitos que têm, da maneira como vivem, não podemos falhar nisso. Ao mesmo tempo a gente vê, e felizmente, o quanto da juventude brasileira se engajou na campanha e votou em Lula, a gente vê os movimentos sociais que não abandonaram a sua gente, tanto o MST, como o MTST, a gente vê o trabalho feito por Guilherme Boulos, vê a votação que teve Guilherme Boulos, não é? Mais de um milhão de votos em São Paulo, não foi na Bahia, não foi em Pernambuco, não foi no Ceará, não foi no Maranhão, foi em São Paulo! A gente vê a votação que teve Flávio Dino e fez o seu sucessor, não é? A votação que teve… vimos um ACM Neto sendo derrotado na Bahia por alguém que talvez os baianos conhecessem um pouco, o Brasil não conhecia, um secretário de governo ali, apenas um quadro competente mas não era alguém que desfilasse, que o Brasil conhecesse, né? Então isso tudo permite a gente pensar no que não podemos fazer, é de novo ao chegar a Brasília achar que não precisa mais fazer trabalho de base, tem que ser permanente, permanente, aglutinar essa gente. Porque, veja, claro que assusta quando você pensa “pombas, mas 59 milhões de pessoas votaram nesse sociopata” e eu digo: sim, mas 61 milhões de pessoas votaram no presidente Lula, 2 milhões não é uma diferença pequena. E eu repito, 2 milhões eram seis, viraram dois porque robou-se demais, comprou-se voto demais, quebrou-se o país para tentar reeleger um sociopata, não há dúvida sobre isso. E esta gente que fala em fraude, foi a gente que fez a fraude, a fraude do ponto de vista da campanha da compra de votos do coronelismo como a gente tinha 40 anos atrás, 50 anos atrás, não é isso? Então, agora, essa missão, então eu te diria isso em resumo, a gente precisa mostrar que aprendeu a lição, a gente pode até cometer novos erros, os que já cometemos não, de jeito nenhum. Então, eu não tô aqui propondo rupturas fundamentais, a queda do capitalismo, nada disso. Porque eu sei bem em que chão eu tô pisando, o que eu estou dizendo para você é o seguinte: o capitalismo selvagem brasileiro, esse, nós temos que amenizar, nós temos que começar a pensar, a pensar não, a fazer, por mais difícil que seja, um capitalismo que seja mais humano, levando para uma ideia…se você me perguntar “Juca, qual é o país que você tem como paradigma?” Eu sei que com todas as dificuldades a comparação é indevida, um país pequeno e tal, mas não é Cuba, é a Dinamarca, alguma coisa contra a Dinamarca? Ninguém tem, ninguém tem, então é isso, né? Eu tenho um amigo, Yuri, nordestino, que um dia me disse o seguinte “olha aqui, Juca, eu vou votar de novo no PT, mas se o PT não estabelecer no Brasil esse tal de comunismo com que se ameaça tanto, eu nunca mais voto no PT”. O PT não vai estabelecer o comunismo, não tem a menor dúvida, não é? E ele não vai votar provavelmente em 2026 no Lula, mas eu fico, eu fico sempre porque esse é o problema Yuri, eu acho que foi essa uma das nossas falhas em que a gente perdeu o discurso. Eu pergunto para algumas pessoas que não são de esquerda o que elas acham da ideia do “a cada um de acordo com suas necessidades, de cada um de acordo com suas possibilidades”… as pessoas me olha assim, eu falo olha isso quem escreveu foi Karl Marx, mas Jesus Cristo subscreveria assim, isso é uma ideia cristã, é claro que é uma ideia cristã! Jesus não falava para repartir o pão entre os que precisam? Quem reparte o pão? Os que têm, e repartem, né? Então, como é que a gente perde esse discurso? Como é que a gente perdeu? É claro que agora vem todos, né? Estão aí os pastores todos já se achegando, né? Os neopentecostais, o fato é que a gente perdeu essa gente, tem que recuperar.
Y: A gente tem alguns desafios que você traz na sua fala, de combate à fome, as desigualdades de forma geral, mas a fome é a desigualdade mais urgente e o Brasil voltou a infelizmente ostentar negativamente esse paradigma, mas do ponto de vista da política para o esporte, que talvez a primeira vista não seja a política mais urgente, o que é que Juca Kfouri espera disso? Como a política para o esporte pode ajudar a médio e longo prazo a construir outro Brasil?
J: Então, primeiro que se você estabelece e faz esse país se mexer, se você dá oportunidade para as pessoas fazerem esporte e fazer esporte aí, Yuri, não é necessariamente jogar futebol, basquete, vôlei, handebol, ou atletismo, ou natação, fazer esporte é dançar, é dançar, é pular amarelinha, é fazer uma porção de coisas lúdicas que faça o seu corpo se mexer, isso traz saúde, espaços há! Yuri, você já se deu conta que os estacionamentos dos bancos fecham nos fins de semana? O que te custa botar estudante de educação física para dar recreação para comunidades nesses espaços? E isso vale a nota para passar de ano, como método. O que é que custa estabelecer, fazer uma programação com um supermercado de cada bairro e dizer: vocês vão lá levar um lanche, uma merenda para quem estiver fazendo esporte no fim de semana, um suco, um sanduíche, uma fruta e ter desconto nisso ou naquilo, naquilo outro, porque não? É dessa política de esporte que eu falo, é botar o país para jambrar, é botar o país para se mexer, pelo menos no fim de semana. Para todas as idades, cada uma dentro do seu quadrado. E eu vou te dizer, isso é possível fazer, não necessariamente entregando o esporte, o Ministério do Esporte, a Secretaria de Esportes, o Ministério de Esporte o sociopata acabou! Não sei se o Lula vai recriar, que não recrie, que volte a ser a Secretaria de Esporte ligada ao Ministério da Educação. Há quadros para fazer isso que não são necessariamente o Orlando Silva, o Agnelo Queiroz, não! O PT, por exemplo, Yuri, tem gente na área de educação física da melhor qualidade, da melhor qualidade, e que acaba ficando escanteado em nome de favorecer um determinado partido político, isso não pode ser feito mais, já se fez e não deu certo. O PT tem um quadro chamado Lino Castellani, que mora lá em Brasília, Professor lá em Brasília que sabe tudo e mais um pouco dessa área, mas que foi sufocado pelo PCdoB, enquanto o PCdoB esteve no Ministério do Esporte, por ciúmes.
Então Yuri, não sei se você sabe, eu reproduzi durante três anos, nos últimos três anos, uma frase de um poeta pernambucano chamado Marcelo Mário de Melo, em que ele diz o seguinte: “eu sou a favor de uma frente ampla. Tão ampla, mas tão ampla, até doer” ele disse “até doer” e eu reproduzia isso sempre citando o autor. Te diria: não doeu! Doeu fazer uma aliança com Geraldo Alckmin? Como primeira notícia, sim! Veja o encaminhamento que se deu, veja de que maneira tanto ele quanto a dona Lu participaram da campanha do Lula, como só ia acontecer com quem convive com Lula, Geraldo Alckmin se apaixonou pelo Lula. Dona Lu também. Quem é que está fazendo a transição? Geraldo Alckmin! Você quer maior garantia para um certo tipo de preocupação que poderia haver no Brasil? Agora, isto não significa que o Lula vai dar um passo atrás naquilo que ele tenha estabelecido como prioridade. O que disse Geraldo Alckmin hoje? A prioridade é a fome, a prioridade são os pobres!
Não é o Lula que vai mudar, Yuri. É o Alckmin que mudou porque é um homem de bem. Então hoje eu te diria: a restrição que se fez lá atrás está praticamente digerida, praticamente digerida.
Y: É verdade! Sobre a Copa do Mundo, Juca, que se aproxima, é um evento de grande magnitude, o maior evento do futebol mundial. O Brasil fez uma Copa do Mundo e uma Olimpíada, um evento na sequência do outro, você consegue avaliar alguns anos depois os impactos desses eventos para o Brasil? Foi positivo? Foi negativo? Nós evoluímos muito pouco?
J: Foi negativo, Yuri, foi negativo e você sabe que durante os quatro anos da organização da Copa e os sete da organização da Olimpíada fui crítico permanente, permanente!
Em relação à Copa do Mundo, por uma razão muito simples, é evidente que o Brasil tinha todo o direito de pleitear uma Copa do Mundo e que o Brasil poderia fazer uma Copa do Mundo. Havia feito em 50, é o país mais vezes campeão mundial, tinha que fazer, podia fazer! A Copa do Mundo do Brasil no Brasil, não a Copa do Mundo da Ásia no Brasil, nem a Copa do Mundo da Alemanha no Brasil! Não precisava construir estádio, não precisava destruir o Maracanã ou o Mineirão, coisa alguma! Eu sempre digo isso.
Eu fiz, cobri a Copa do Mundo na França, em 98, fui fazer o jogo do Brasil em Marselha no mesmo estádio onde o Brasil havia jogado 60 anos antes na Copa do Mundo da França de 38. Tinha trocado a louça do banheiro e o cabeamento com fibra ótica, não tinham mexido na estrutura do estádio. Aqui nós cometemos crimes inclusive contra o patrimônio histórico, destruímos a cobertura do Maracanã que era tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico, nos curvamos feito cordeiros às exigências da FIFA. A FIFA queria destruir o podium do estádio de Berlim, do estádio olímpico de Berlim, pergunta se os alemães toparam. A FIFA queria vender cerveja americana nos estádios da Alemanha, vendeu, mas os alemães venderam a deles! Aqui no Brasil não, só se vendeu a cerveja americana, que tem gosto de xixi de cadáver, xixi de caveira. Então nós nos curvamos, nós arenizamos os nossos estádios e nós expulsamos os excluídos dos nossos estádios pós Copa do Mundo. Então como legado de um governo popular, vamos convir, não podia ser mais trágico! E a Olimpíada então nem se fala, Olimpíada coroa um processo de política esportiva que faz um país potência em matéria de esporte. O Nuzman mentiu, vendeu para o Lula a ideia de que seria o primeiro passo, o que se fez? Destruiu-se locais do Rio de Janeiro onde se praticava esporte, criou-se uma vila olímpica que hoje está sucateada e abandonada, até no bolsa atleta mexeram, diminuíram! Então o legado é terrível! Eu brigo com Lula sobre isso e ele falou “mas você é muito radical…” Não precisava, do jeito que fez não precisava, não precisava! E teve muita corrupção, em um e no outro. Tanto que o seu Nuzman está banido do esporte, tanto que o seu Ricardo Teixeira tá banido do futebol, o seu José Maria Marin está banido do futebol depois de passar dois anos preso, seu Marco Polo del Nero não pode sair do país porque a Interpol prende.
Então, percebe? Você não faz um mega evento sem ouvir o seu povo antes. O povo brasileiro não participou disso, o povo brasileiro participou quando foi para a rua dizer que não vai ter Copa, que queremos escola padrão FIFA, que queremos saúde pública padrão FIFA e você se lembra no que isto acabou se desenvolvendo e desencadeando, né?
Y: Sem dúvida! Um evento que até hoje poucos conseguem explicar, mas a gente sabe que chocou o ovo da serpente, naquele momento.
J: Exatamente!
Y: Como é que o Brasil chega para a Copa do Qatar agora, em 2022, na sua avaliação, do ponto de vista não exclusivamente esportivo, mas se quiser dar o pitaco esportivo é bom, porque nem só de política a gente vive, você acha que a desmoralização internacional que o país passou no governo bolsonaro também ajudou a tirar o brilho da nossa canarinho?
J: Então, então Yuri! Eu te diria que esta vai é, na verdade, faturar esse olhar agora de novo otimista que o mundo faz para o Brasil, você veja o que aconteceu com a eleição do Lula, né? O TSE decretou a vitória dele, o Biden imediatamente se manifestou, o Macron se manifestou, o Putin se manifestou, o mundo se manifestou! Vou tirar aqui os países da América do Sul que tem governos amigos, era óbvio que o Boric, que o Gonzales, enfim que o Fernandes, que todos, eu tô falando desses aí, desses grandões, né? Por que? Preocupação com a Amazônia, preocupação em derrotar a extrema direita, né? Então o que é que o mundo tá dizendo? Olha, tanto que convidam o Lula para ser o representante oficial do Brasil no Congresso do Ambiente no Cairo, sendo que não é ele o presidente da República, presidente é o outro ainda estará no governo, né?
Então eu acho que olharão para a seleção brasileira com um olhar…pô, que enfim vocês voltam a representar aquele país que todos nós gostamos, né? E não o país do fascista! Então acho que a seleção vai se beneficiar desse clima, apesar do Neymar, vai se beneficiar desse clima! E tecnicamente, Yuri, é o Brasil, sempre é um dos favoritos, é hoje menos favorito do que em regra quando embarca, a França é mais favorita, eu diria para você que a Argentina é mais favorita porque o Leonel Messi está absolutamente obcecado pela ideia de que essa é a última chance dele ser campeão mundial e acho que vamos ter uma Copa do Mundo tecnicamente da melhor qualidade, muito melhor que as anteriores pelo singelo motivo de estar no meio da temporada europeia e não no fim, como sempre se dá. Então nós vamos ter seleções do mundo inteiro no auge, entendeu?
Y: Entendi! Uma pergunta rápida e meio que retórica até! Você fala que a seleção brasileira vai se beneficiar dessa, desse burburinho internacional com o retorno do Lula, mas essa seleção parece não representar tanto isso, ou eu estou errado? Ou é só o Neymar, caso isolado?
J: Mas qual seleção representou alguma coisa mais progressista, né? Talvez a de 82? Porque tinha o Mago, tinha Sócrates, mas tinha o Sócrates, o Juninho! E o resto? Não sei, o que é que é o Zico politicamente? O eleitor do Bolsonaro! Apesar do irmão preso torturado, né?
Y: O Neymar então é mais uma geração… de alguns exemplares?
J: Do que é regra entre atletas, infelizmente, essa gente muito voltada para o próprio umbigo, essa gente que vem de classes excluídas e que faz o discurso da meritocracia, desta falsa meritocracia que se pretende vender no Brasil e que diz que não quer que o trombadinha lhe tome aquilo que ele conquistou com tanta dificuldade, que bandido bom é bandido morto! E anda de carro blindado e mora em condomínios blindados, e com raras exceções como o Adriano, o Imperador, vira as costas para sua comunidade.
Y: É, temos um padrão, um padrão ruim! Uma última pergunta Juca, para a gente encerrar, se não fica muito longo e ninguém nos assiste. Jogador que defende candidato fascista deve ser convocado para seleção?
J: (Risos) Yuri, veja bem, você sabe o João Saldanha, né? Em suspeito (insuspeito?) o João Saldanha, do Partido Comunista, João Saldanha dizia o seguinte e eu discutia isso com ele: “Juca eu não tô convocando esse cara para casar com a minha filha, eu tô convocando ele para jogar futebol e jogar futebol ele joga muito bem”. Eu não gosto desse raciocínio, tá? Eu acho que quem não tem caráter, não tem caráter! E eu primeiro faço a escolha de quem tem caráter, né? O resto você ensina, desentortar caráter é quase impossível mas veja, que sentido faria você não convocar o Neymar e dizer que não estou convocando em punição pelo fato de ele ter votado no Bolsonaro. Opa, também não pode ser assim, ele que vai ter que se explicar, Yuri. Ele comprou briga com mais da metade do Brasil, ele está antipatizado por mais da metade do Brasil, ele que faça 30 gols na Copa para melhorar o nomezinho dele, veja que hoje ele faz menos propaganda do que faz o Vinicius Junior, né? Então, veja que as coisas tem seu preço, né? E ele que aprenda, que vire homem, que vire gente, que vire adulto, que saia debaixo da saia do pai, né? Que deixe de ser o Peter Pan, que é o que ele é, né? O eterno menino Neymar, tem trinta e tantos anos já, pai de filho e o escambau! Menino coisa alguma, né? Meninas são minhas netas, né? E ele não é não!
Y: Maravilha, Juca! Queria te agradecer demais pelo chamado da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, reafirmar nossa estima por você e pela sua trajetória! Boa sorte no Qatar, na cobertura e seja sempre bem-vindo aqui ao nosso espaço!
J: Muito obrigado e eu tenho compromisso contigo de conhecer o espaço, farei isso em 2023!
Y: Faremos sim! Muito obrigado!
J: Abraço grande!
Y: Para você que nos assistiu, esse é mais um espaço da Fundação Lauro Campos e Mariele Franco! Acesse o ponto de vista, que é a versão digital da nossa Revista Socialismo e Liberdade, teremos outras entrevistas e já adianto que Guilherme Boulos no próximo mês e a primeira, a estreia aqui com Juca Kfouri! Mais uma vez obrigado e tchau tchau!